Redação (16/05/2022 09:12, Gaudium Press) Ocorrida há não mais de vinte anos, a queda
da assim chamada “cortina de ferro” não somente permitiu que naqueles países
novamente crescessem a esperança e a liberdade, mas também tornou mais
acessíveis a milhões de pessoas, em todo o mundo, algumas das mais esplêndidas
maravilhas culturais e arquitetônicas da bela Europa.
Dentre
estas, é dever de justiça citar a encantadora cidade de Praga, capital da
República Tcheca, tão famosa pelos seus antigos edifícios de extraordinária
beleza. Os tchecos também são conhecidos por terem oferecido ao mundo a música
clássica de Dvorak, além de uma saborosa cerveja que leva o nome de uma de suas
importantes cidades: Pilsen. Mais ainda, uma das regiões desse país, a Boêmia,
produz há séculos cristais reconhecidos como padrão de requinte e beleza no
mundo inteiro.
Pode-se,
porém, dizer com segurança que, mesmo somando-se o refulgir de todos os
cristais que a Boêmia possa ter produzido, não se alcança o brilho sobrenatural
de uma alma empenhada em buscar e alcançar a santidade. Tal foi o exemplo a nós
deixado por um dos mais ilustres filhos dessas terras, João Nepomuceno,
sacerdote e mártir em defesa dos direitos da Santa Igreja.
Um denodado sacerdote
João
Nepomuceno nasceu na cidade de Nepomuk, em um dos vales da Boêmia, por volta do
ano de 1345. Já no ano de 1370 tinha o cargo de notário na Cúria Metropolitana.
Nove anos depois, foi ordenado sacerdote e nomeado pároco de São Gall. Não
obstante os encargos dessa grave função, continuou seus estudos de direito
eclesiástico na Universidade de Praga, na qual obteve o bacharelato. Em 1382, o
arcebispo o enviou a Pádua, onde se doutorou em direito canônico, em 1387.
Voltando logo em seguida a Praga, foi nomeado cônego da igreja de São Gil, mas
ali permaneceu só dois anos. Em agosto de 1390, tornou-se cônego honorário da
Catedral de São Vito e vigário geral dessa já então ampla e importante
arquidiocese. A partir desse momento, a Providência o transformou em homem
público.
Os
sermões pregados por São João Nepomuceno produziram notável mudança nos
costumes e assim ele foi chamado a desempenhar o cargo de confessor da Rainha.
Para isso concorreram sua já conhecida virtude e a segurança doutrinária por
ele tantas vezes demonstrada no púlpito.
Se,
no entanto, a piedosa rainha colocava-se docilmente sob a direção espiritual de
tão virtuoso sacerdote, o mesmo não se passava com o rei. Além de ser dado a
violentos acessos de fúria, foi ele tomado por uma infundada desconfiança em
relação à fidelidade de sua esposa. Como nada encontrasse para comprovar essa
dúvida, mas seu coração mesquinho continuasse apegado a essa fantasiosa idéia,
mandou trazer o confessor à sua presença e exigiu-lhe contar em detalhes o que
no confessionário lhe confidenciava a rainha. Espantado pela infundada
desconfiança, e muito mais pelo inaudito pedido, João Nepomuceno com firmeza o
recusou, afirmando categoricamente o princípio da inviolabilidade do segredo da
confissão, o mesmo até hoje mantido pela Santa Igreja:
“O
que é dito dentro das santas paredes do confessionário é o mais estrito dos segredos.
As palavras pelo penitente declinadas ante o sacerdote, sendo a matéria para a
absolvição da alma pecadora, ali mesmo morrem. Disso tudo, somente Deus é
testemunha, e o sacerdote que algo disso revelasse a um terceiro cometeria um
dos mais abomináveis sacrilégios, contra o qual se levantaria imediatamente
terrível excomunhão” (1).
A
nada disso, porém, deu ouvidos o ímpio rei. Cego de furor, mandou brutalmente
torturar o fiel confessor. Suportando sofrimentos terríveis, João Nepomuceno
manteve-se irredutível e isso só aumentou a fúria do cruel soberano. Por fim,
vendo que nada conseguiria tirar de um homem tão firme e compenetrado de sua
fé, mandou os esbirros amarrarem-no e atirarem-no de uma das pontes de Praga.
Assim, o intrépido sacerdote entregou sua alma a Deus, perecendo afogado nas
águas do rio Moldava. Era a noite de 20 de março de 1393.
Uma controvérsia histórica
A
trágica morte dum personagem tão conhecido e estimado chocou muitos habitantes
da cidade, e o rei, não querendo admitir abertamente a razão pela qual mandara
assassinar o Pe. João Nepomuceno, fez constar ser outra a razão de sua atitude.
Havia
na Boêmia uma grande e prestigiosa abadia, a de Klandrau. Aproveitando o lapso
entre a morte do antigo abade e a eleição de um novo, o monarca tencionava
suprimi-la, transformando-a em uma nova sede episcopal, a qual seria entregue a
um membro de sua corte. O rei tentou pressionar o vigário geral para apoiá-lo
nessa ação. E como ele a isso se teria oposto violentamente, o rei declarou ser
essa oposição suficiente para condená-lo à morte.
Embora
algumas crônicas oficiais do reino tenham transmitido essa versão, muitas
outras referem o verdadeiro motivo (2).
Após ser encontrado, o corpo de João Nepomuceno foi sepultado na própria catedral, onde logo passou a receber do povo as honras devidas a um mártir. Assim, tinha início um forte e saudável movimento de veneração ao sacerdote que morrera em defesa do segredo da Confissão. Estes fatos inclusive foram narrados na carta de acusação ao rei, que o arcebispo João Jenzenstein apresentou ao Papa Bento IX (3).
Beatificação e canonização
O
Papa Inocêncio XIII o declarou beato em 1721. Posteriormente, cartas de
imperadores, de bispos e de ordens religiosas, às quais se juntavam as das
universidades de Viena, Praga e Blatislava, em coro pediam ao Soberano
Pontífice a abertura do processo de canonização, e de fato, este foi iniciado
em julho de 1722.
Anos
depois, em 27 de janeiro de 1725, uma comissão presidida pelo Arcebispo de
Praga, formada por algumas dignidades eclesiásticas, além de um professor de
medicina e dois cirurgiões, realizou a exumação dos restos mortais do mártir.
Na presença dessas autoridades, deu-se um extraordinário acontecimento.
O
corpo se encontrava naturalmente desfeito pelo tempo, exceto a língua, a qual
estava maravilhosamente conservada, ainda que ressequida. Então, diante de todos,
começou a refazer-se, apresentando uma cor rósea como se tratasse de alguém
vivo. Admirados, os presentes se puseram de joelhos, e este milagre, realizado
em circunstâncias tão solenes e com testemunhas tão categorizadas, foi o quarto
dos constantes no processo de canonização.
E
assim, em 19 de março de 1729, na Basílica de São João de Latrão, pelas mãos do
Papa Bento XIII, era solenemente elevado à honra dos altares São João
Nepomuceno, mártir do segredo da Confissão, cuja festa a Igreja comemora no dia
16 de maio.
Por Padre Mário Beccar Varela, EP.
(Revista Arautos do Evangelho, Maio/2007, n. 65, p.
38-39)
2) “Instructions for the King, de Paul Zidek, 1471, in “Zeitschrift für kathol. Theologie”, 1883, 90 sqq.; “Chronica regum Romanorum”, 1459, de Thomas Ebendorfer; “Scriptores rerum Prussicarum”, III, Leipzig, 1860, 87.
3) “Pubitschka, Gesch”, IV, app.; ed. Pelzel.
Nenhum comentário:
Postar um comentário