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sábado, 2 de maio de 2020

Santo Atanásio de Alexandria

Santo Atanásio de Alexandria (Wikipédia)

                Nascido c. 296, falecido em 2 de maio de 373.
O século IV, a idade de ouro da literatura cristã, nos oferece em seus umbrais a figura gigantesca de Atanásio de Alexandria, o homem cujo gênio contribuiu para o engrandecimento da Igreja muito mais que a benevolência imperial de Constantino. Seu nome está indissoluvelmente unido ao triunfo do Símbolo de Nicéia»1, que ainda hoje rezamos.
«Há nome mais ilustre que o de Santo Atanásio entre os seguidores da Palavra da verdade, que Jesus trouxe à terra? Não é este nome símbolo do valor indomável na defesa do depósito sagrado, da firmeza do herói face às mais terríveis provas da ciência, do gênio, da eloqüência, de tudo o que pode representar o ideal de santidade de um Pastor unido à doutrina do intérprete das coisas divinas? Atanásio viveu para o Filho de Deus; Sua causa foi a de Atanásio. Quem estava com Atanásio, estava com o Verbo eterno, e quem maldizia o Verbo eterno maldizia Atanásio»2, comenta Dom Guéranger, o admirável autor eclesiástico do século XIX.
É esse grande Santo que comemoramos no dia 2 deste mês (Maio) 

1. Arianismo: heresia devastadora

Deus nosso Senhor permitiu que houvesse várias heresias logo no início da Igreja. Com isso, ao refutá-las, os doutores foram explicitando a verdade católica a partir da Revelação e estabelecendo assim os fundamentos básicos sobre os quais se firmasse a verdadeira doutrina.
Uma das heresias que mais dano causou à Igreja, a partir do século III, foi o arianismo, devido ao apoio que encontrou da parte de muitos bispos e imperadores.
Na segunda metade do século III, Melécio, Bispo de Lycopolis, rompeu com São Pedro de Alexandria, provocando um cisma que dividiu o patriarcado de Alexandria. Melécio caiu em cisma (ou seja, provocou uma divisão) por ter discordado da indulgência do Santo ao receber de volta à Igreja cristãos arrependidos que, por fraqueza, haviam oferecido incenso aos ídolos para evitar a morte.
Ário, homem intrigante, habilidoso, persuasivo, vindo da Líbia, juntou-se aos cismáticos. Elevado ao sacerdócio pelo primeiro sucessor de São Pedro de Alexandria, ambicioso e buscando preeminência, Ário começou a pregar uma nova doutrina, que negava a divindade de Nosso Senhor Jesus Cristo. Santo Alexandre, novo Patriarca de Alexandria, condenou-a como herética. 

2. Atanásio: sustentáculo anti-ariano

«Jamais, talvez, nenhum chefe de heresia possuiu em mais alto grau que Ário as qualidades próprias para esse maldito e funesto papel. Instruído nas letras e na filo dos gregos, dotado de uma rara fineza de dialética e de linguagem, ele conseguia dar ao erro o aspecto e o atrativo da verdade. Seu exterior ajudava a sedução. Seu orgulho se disfarçava sob uma simples vestimenta, sob um olhar modesto, recolhido, mortificado, que lhe dava um falso ar de santidade, e ao qual ele sabia aliar um trato gracioso e um tom doce e insinuante»3. Isso lhe abriu a porta dos grandes e poderosos do mundo. Eusébio de Cesaréia lhe concedeu asilo e o protegeu. Eusébio de Nicomédia tornou-se seu mais forte defensor. Por isso sua heresia estendeu-se séculos afora, provocando grande mal à Igreja.
O crescimento e o tumulto da nova heresia preocupou o Imperador Constantino, que enviou o mais venerado Prelado da época, Ósio de Córdoba, a Alexandria, para tentar fazer cessar a "epidemia". Este, estando com Santo Atanásio, reconheceu logo sua ortodoxia; bem como a má-fé e erro de Ario. Por isso, aconselhou o Imperador a convocar um concílio em Nicéia, para condenar a nova heresia. Neste foi composto o famoso Credo de Nicéia, que alguns heresiarcas assinaram constrangidos, e outros, recusando-se a fazê-lo, foram exilados.
Foi ali, na grande assembléia, que um pequeno grande homem, secretário de Santo Alexandre, se fez notar pelo fogo de suas palavras, eloqüência e amor à ortodoxia católica. Era ele Atanásio. 

3. Moldador dos acontecimentos

«Atanásio era uma dessas raras personalidades que deriva incomparavelmente mais de seus próprios dons naturais de intelecto do que do fortuito da descendência ou dos que o rodeiam. Sua carreira quase personifica uma crise na história da Cristandade, e pode-se dizer dele que mais deu forma aos acontecimentos em que tomou parte do que foi moldado por eles»4. A esta descrição psicológica devemos acrescentar sua fé profunda e inabalável, a serviço da qual colocou suas qualidades naturais.
De estatura abaixo da média (pelo que foi objeto de debique por parte do apóstata Juliano), segundo seus biógrafos, era de compleição magra, mas forte e enérgico. Tinha uma inteligência aguda, rápida intuição, era bondoso, acolhedor, afável, agradável na conversação, mas alerta e afiado no debate.
A História não guardou o nome de seus pais. Pela alta formação intelectual que ele demonstra ainda jovem, julga-se que pertencia à classe mais elevada. 

4. Jovem Patriarca de Alexandria

Ainda adolescente, foi notado e apreciado por Santo Alexandre, que o tomou sob sua proteção e, com o tempo, o fez seu secretário. No Concílio de Nicéia ainda não havia recebido a ordenação. Mas, cinco meses depois, Santo Alexandre, ao falecer, designou-o como seu sucessor na Sé de Alexandria. Atanásio tinha apenas trinta anos de idade.
Triste herança recebeu o jovem bispo. Durante seus primeiros anos de episcopado, os melecianos e arianos juntaram-se para tumultuar o povo e lançar o espírito de revolta, de que se alimentam as heresias. Pois o arianismo, se bem que tivesse um suposto fundamento religioso, era mais um partido político de agitadores, como muitos movimentos da esquerda católica de hoje em dia. Não havia calúnia, difamação e ardil que os arianos não inventassem contra Atanásio, para minar sua autoridade.
O Imperador Constantino, perdendo sua mãe Santa Helena, ficou sob a influência de sua irmã Constância, conquistada pela heresia. A pedido dela, fez voltar do exílio os hereges exilados em Nicéia, enquanto perseguia os católicos ortodoxos. 

5. A astúcia dos santos

Apenas retornado do exílio, Eusébio de Nicomédia convoca um concílio em Cesaréia, sede do outro Eusébio ariano, para condenar Santo Atanásio. Este é intimado a comparecer em Tiro — para onde o concílio havia sido transferido — a fim de responder às acusações assacadas contra ele.
Fizeram entrar uma mulher de cabelos desgrenhados que, com altos gritos, acusou o Santo de ter dela abusado. Um dos padres de Atanásio, percebendo o jogo, levantou-se e foi até a impostora, exclamando: «Como! Então é a mim que imputas esse crime?!» Ela, que não conhecia Atanásio, replicou: «Sim, é a ti. Eu bem te reconheço». Houve uma gargalhada geral, e a miserável fugiu cheia de confusão.
Mas isso não desarmou os impostores. Mostrando uma mão ressequida, afirmaram pertencer a um tal Arsênio, que havia tempos desaparecera, e certamente fora esquartejado por Atanásio para efeitos de magia. Atanásio faz entrar na sala o próprio Arsênio, que descobrira na solidão do deserto. Mostrando-o, disse aos acusadores: "Vejam Arsênio, com suas duas mãos. Como o Criador só nos deu duas, que meus adversários expliquem de onde tiraram essa terceira". Os hereges, confundidos, provocaram verdadeiro tumulto e suspenderam a sessão. 

6. Exílio causado por amor à ortodoxia

Com calúnias e outros artifícios, os hereges, que gozavam do prestígio do poder imperial, conseguiram que o Santo fosse exilado cinco vezes.
O primeiro exílio, em Treveris, durou cinco anos e meio, terminando em 337 quando, com a morte de Constantino, seu filho do mesmo nome chamou Atanásio para ocupar novamente sua Sé. No ano anterior, Ário, sentindo-se mal quando era levado em triunfo pelos seus partidários, teve que retirar-se a um lugar escuso, onde morreu com as entranhas nas mãos.
Entretanto, morto o heresiarca, não morreu a heresia, que em 340 conseguiu impor um bispo herege em Alexandria, tendo Atanásio que fugir para o exílio em Roma. Foi bem acolhido pelo Papa, que condenou o intruso.
Atanásio passou três anos em Roma, onde introduziu os monges do Oriente. Publicou na Cidade Eterna grandes obras contra os hereges arianos. Em 343 foi exilado para a Gália.
A década de 346 a 356 foi o período de ouro para Atanásio na Sé de Alexandria. Pôde dedicar-se inteiramente ao ministério episcopal, instruindo o clero e o povo, dedicando-se aos necessitados e favorecendo a vida monástica. Sobretudo fortaleceu na fé os católicos fiéis.
Em um novo concílio, em Milão, em 356, os arianos obtiveram que Santo Atanásio fosse mais uma vez exilado. Ele retirou-se então para o deserto do alto Egito, levando uma vida de anacoreta durante os seis anos seguintes, vivendo com os monges e dedicando-se a seus escritos. 

7. Perseguição inclemente ao Santo

Com a subida de Juliano, o Apóstata, ao trono imperial, Atanásio pôde voltar, em 362, a Alexandria. Mas, pouco depois, ciumento do prestígio do Santo, o ímpio imperador mandou exilá-lo de novo. Não foi por muito tempo, pois Juliano faleceu no ano seguinte, depois de ter tentado restaurar no Império o paganismo. O novo imperador, Joviano, anulou o exílio de Atanásio, que voltou mais uma vez a Alexandria.
Favorecido com a boa vontade do novo Imperador, o patriarca pensava desta vez poder dedicar-se inteiramente às suas ovelhas. Joviano, entretanto, faleceu no ano seguinte, e Atanásio foi mais uma vez exilado. Conta-se que teve de refugiar-se durante quatro meses no túmulo de seu pai.
O povo de Alexandria não podia passar sem seu zeloso pastor. Recorreu nessa ocasião a Valente, irmão do Imperador ariano Valentiniano, e obteve que Atanásio pudesse voltar em paz à sua igreja.
Assim, depois de uma vida tão tumultuada e de tantos perigos, Santo Atanásio, como ressalta o Breviário Romano, "morreu em paz em seu leito", no dia 18 de janeiro de 373. Havia governado, com intervalos, durante 46 anos, a igreja (diocese) de Alexandria. 

8. O grande iluminador

«No caráter de Atanásio» — disse Bossuet — «tudo é grande. Toda sua vida é a revelação de uma energia prodigiosa, que só encontramos em épocas decisivas. Indiscutivelmente, sua grandeza como homem o coloca na primeira linha dos caracteres mais admiráveis que produziu o gênero humano. Como escritor e Doutor, pôde ser chamado o grande iluminador, e coluna fundamental da Igreja». 
Ecclesia

sexta-feira, 1 de maio de 2020

Doutrina bíblica sobre os Anjos

Aleteia
Por Pe. Casemiro Biesek
Eis aqui, como na SUMA TEOLÓGICA, Santo Tomás de Aquino - na Questão 108, Artigo 5 - ensina sobre as ordens hierárquicas dos Espíritos Celestes. E já que Hierarquia é um termo grego que significa "poder sagrado", Dionísio esclarece que esses Espíritos se assemelham 'a forma divina - o quanto possível - lembrando, porém, que sua semelhança divina não lhes cabe por natureza e sim por graça de Deus.
Pois bem, o Doutor Angélico defende sua classificação hierárquica pelo Antigo e Novo Testamentos, como a seguir veremos.
Ele inicia pelos SERAFINS, lembrados em Isaías ( 6, 2); os QUERUBINS , referidos pelo profeta Ezequiel (10, 15 e ss); os TRONOS constam na Carta de S. Paulo aos Colossenses (1, 16); e, em Efésios (1,21) - o Apóstolo lembra : DOMINAÇÕESVIRTUDESPOTESTADES e PRINCIPADOS; dos ARCANJOS nos fala a Carta Canônica do Apóstolo São Judas. Enfim, os ANJOS perpassam do primeiro livro bíblico ao último - o Apocalipse de São João Evangelista.
Sendo assim, diz São Tomás que é dos próprios nomes dos nove Coros dos Espíritos Celestes que nascem as suas características, ou seja, pelas designações desses Santos Espíritos se deduzem as funções a que Eles são destinados pelo Criador, junto a nós.
Para concluir qual seria a característica e especialidade de cada uma das nove ordens de Anjos, devemos considerar três aspectos dessas catalogações:
1. Quanto à propriedade de alguma coisa, em relação à sua finalidade e se ela se ajusta ou seja proporcional à sua natureza;
2. Por certo excesso, quando a atribuição é menor do que a função, a exemplo de um sargento que executasse o trabalho de um cabo;
3. Por participação, quando aquilo que se atribui a alguém, não lhe condiz plenamente, mas com certa impropriedade, como chamar aos santos homens de deuses; ou chamar ao homem de substância intelectual, em vez de substância racional, porque a primeira é a designação própria dos Anjos, a quem se atribui, como propriedade; ao passo que, somente por participação ou excesso, no segundo exemplo.
Há discrepância, entretanto, na ordenação dos Espíritos Celestes, entre Dionísio que discrimina esses seres pelas suas perfeições espirituais; ao passo que Gregório os classifica considerando mais os ministérios, serviços exteriores ou atividades. Assim, o último os denomina Anjos, porque eles anunciam acontecimentos menores; enquanto os Arcanjos revelam fatos mais relevantes; as Virtudes porque por esses recursos eles operam milagres; as Potestades, porém, por esses poderes repelem seus adversários e os Principados, enfim, dirigem todos os bons Espíritos.
Assim, pela hierarquia, em forma ascendente, temos:
1 - Os ANJOS, isto é, Mensageiros. E desta forma, todos os Espíritos Celestes são nomeados ANJOS, enquanto são Anunciadores das vontades divinas. Mas aqueles que gozam de certa excelência, nessas manifestações, pertencem a graus superiores. Ora, os menores anjos são denominados como Ordem dos Anjos, simplesmente, porque eles se comunicam com os homens, diretamente, sem intermediários.
2 - VIRTUDES, porque estes constituem o meio-termo entre essência e operação; e assim, todos os Espíritos Celestes também se dizem Virtudes Celestes. De outra forma, e porque ostentam certo excesso de força, por isso são classificados, como Ordem das Virtudes. Nesse sentido, São Jerônimo ensina que o nome de Virtudes significa uma certa fortaleza viril e imbatível, especialmente em todas as operações divinas. E mais, estão prontos a receber todas as inspirações divinas e sem temor levá-las a efeito: o que caracteriza a fortaleza de ânimo ou virtude destemida.
3 - DOMINAÇÕES: - Segundo Dionísio - Dominação é um louvor a Deus, por uma espécie de exagero e participação do poder divino desses Anjos: é que a palavra de Deus chama-lhes DÓMINOS (Dominadores), porque por seus grandes predicados, eles lembram o Senhorio de Deus e assim iluminam seus subordinados, através desses mesmos dons. Ora, São Jerônimo explica o nome Dominações, cujo sentido é: a) - Certa liberdade, isenta da condição servil e livre também de sujeição que a plebe sofre pela tirania, a qual atinge até classes superiores; b) - Certa liderança inflexível que não se rende a qualquer ato de subserviência nem tolera outros atos de servilismo ou opressão, provenientes de tiranos; c) - Um anseio e participação de autêntico Domínio que é exclusivo de Deus. - Do mesmo modo, o nome de qualquer hierarquia significa igualmente participação do que emana de Deus. Assim, as Virtudes porque representam a Força de Deus. E por sua vez, Dominações, porque só o "Dóminus" (Senhor) pode ordenar o que deve ser feito no mundo. Daí diz também Gregório que certas legiões de Anjos estão simplesmente subordinadas à obediência e chamam-se por isso Dominações.
4 - POTESTADES, no entanto, têm uma conotação de toda forma de poder. É por esse motivo que Paulo, na Carta aos Romanos (13, 2) diz: "Quem resiste ao Poder, resiste à ordenação de Deus". E, em vista disso, completa Dionísio, que o vocábulo Potestade soa como uma ordem e acatamento às disposições divinas mediante as quais os Superiores atuam sobre os súditos, conduzindo-os para o alto. Portanto, à ordem de Potestades, cabe comandar aos subalternos, no que eles devem fazer.
5 - PRlNCIPADOS, vêm de Príncipe ou aquele que, entre os demais, é o primaz e como tal deve ser também o primeiro, na execução do que for mandado pelo Príncipe. Principados são, portanto, os que conduzem com ordem sagrada - segundo São Jerônimo. Nesse sentido, os que conduzem os outros Anjos, sendo os primeiros entre todos, podem ser chamados de Príncipes, como reza o Salmo 67. 26: -". A frente vieram os Príncipes, seguidos pelos que salmodiavam."
6 - ARCANJOS - conforme Dionísio - são os que medeiam, entre os Principados e os Anjos. Assim, os Arcanjos são como que PRÍNCIPES - ANJOS, já que em relação aos Anjos, eles são Príncipes; porém, em confronto com os Principados, ficam sendo só Anjos. E, São Gregório acrescenta: - "Chamam-se eles Arcanjos porque eles só presidem aos Anjos, anunciando grandes eventos." Todavia, são eles igualmente Principados, uma vez que presidem a todas as Virtudes Celestes que cumprem as ordenações divinas.
7 - SERAFINS - nome que procede não só da Caridade, mas da superabundância da Caridade que lhes advém do ardor ou inflamação desse Amor, visto que Dionísio traduz o nome SERAFINS pelas propriedades de fogo, donde emana o excesso de calor. É que no fogo três características sobressaem: a) - Movimento continuado e para o alto ou seja para Deus; b) - O Poder de ser quente e ativo, pois, não só é inerente ao fogo, como atuante com penetração, entranhando-se no interior com ardente calor; assim, os Anjos excitam o fervor nos seus protegidos e os purificam integralmente pela sua incandescência; c) - Produz ainda claridade luminosa e dessa forma os Anjos, com sua luz inapagável, iluminam perfeitamente os outros seres.
8 - QUERUBINS - cujo nome nasce do excesso de sua ciência ou plenitude de saber e, segundo Dionísio, apresentam quatro aspectos:
a) Levam à perfeita visão de Deus;
b) Recebem a plenitude da luz divina;
c) Contemplam no próprio Deus a [...]
c) As restantes ordens localizou-as, na terceira hierarquia, porque as designações deles conduzem à execução.
Explicitando esses três critérios de hierarquização dos Espíritos Celestes, convém discernir 3 aspectos, quanto ao fim:
a) Visar a finalidade;
b) Compreender perfeitamente esse fim;
c) Fixar nosso intento no próprio fim.
Sendo que o segundo item se completa com o primeiro e o terceiro integra-se a ambos. E como Deus é o fim último da Criação, como o Marechal é o último posto da hierarquia do exército, pode acontecer o mesmo nas relações humanas: pois, poucos têm esse algo de dignidade, para que possam, por si mesmos, achegar-se ao Rei ou Chefe; outros ainda têm algo mais, de modo que tenham acesso aos segredos do Rei; e que outros, enfim, vivem em tomo dele, como seus adidos e assistentes. E por essa linha de raciocínio, podemos aceitar a disposição das ordens da 1a. hierarquia. É que os Tronos se elevam tanto, a fim de receberem de Deus, familiarmente, em si mesmos e por essa razão, nele podem conhecer, diretamente, as razões últimas das coisas:- privilégio esse cabível também a toda 1a. hierarquia.
Entretanto, os Querubins conhecem os segredos divinos, supereminentemente.
Os SERAFINS, porém, ultrapassam, no aspecto máximo, entre todos, como seja, unir-se ao próprio Deus, de tal modo que o que é comum a toda a hierarquia número 1, chame-se Ordem dos Tronos, à semelhança do que ocorre com aquilo que é comum a todos os Espíritos Celestes e assim os nominemos de Ordem dos Anjos.
Quanto ao aspecto de governança, temos também 3 aspectos:
a) Definir aquilo que deve ser feito: caracteriza DOMINAÇÕES;
b) Fornecer os meios de execução: é o atributo das VIRTUDES;
c) Caracterizar como os mandatos ou missões devam ser executados: eis ai o papel das POTESTADES.
Quanto à execução dos desempenhos dos Anjos: o principal é a anunciação das coisas divinas. Entretanto, na execução de quaisquer atos, acontecem procedimentos iniciais, seguidos dos decisivos, como no coral que é regido pelo maestro e, numa batalha, a execução é dirigida pelo comandante; e ambos dirigem e conduzem os outros.
E essa é a missão dos PRINCIPADOS.
Outros simplesmente só executam, como fazem os ANJOS.
Outros, no entanto, ficam no meio-termo: e esses são os ARCANJOS.
Parece, pois, correta essa classificação das Ordens Angélicas: é que há sempre afinidade do mais categorizado Anjo da ordem inferior, com a última da superior. - como animais de última categoria se assemelham a plantas da mais alta estirpe.
A primeiríssima ordenação existe entre as Divinas Pessoas que termina com o ESPÍRITO SANTO, o qual é AMOR procedente. Com esta Divina Pessoa, com a qual tem afinidade, a ordem suprema da primeira hierarquia - os SERAFINS - inflamados pelo incêndio de Amor, como do Amor recíproco do PAI e do FILHO, procede o Espírito Santo.
A menor ordem da Primeira Hierarquia são os TRONOS, quer dizer, conforme Gregório: ''Por eles Deus executa os seus Juízos"; recebem, no mais, iluminações divinas para esclarecer a Segunda Hierarquia , à qual pertence a dispensação dos divinos ministérios.
A ordem das POTESTADES, no entanto, tem afinidade com a ordem dos PRINCIPADOS, já que às POTESTADES, assiste o direito de ordenar aos subordinados e esta mesma ordem logo se resume em PRINCIPADOS, que são os primeiros na execução dos divinos ministérios, ou seja, são os prepostos ao império dos povos e reinos, atributo número I, entre os divinos ministérios. E como diz Aristóteles : -"O bem do povo é mais divino do que o bem de um homem só". Assim, também o profeta Daniel diz: - "O príncipe do reino dos persas resistiu a mim".
Todavia, a disposição gregoriana tem lá sua importância e pertinência. É que por serem as DOMINAÇÕES as que definem e mandam, nas coisas que pertencem aos divinos ministérios, os hierarcas que lhes são sujeitos devem se conformar com as determinações daqueles que executam os ministérios divinos. A propósito Santo Agostinho ensina: - "Os corpos são regidos por determinada ordem: - os inferiores pelos superiores e todos pela criatura espiritual e até o mau espírito, pelo espírito bom."
A primeira hierarquia, após as DOMINAÇÕES, chama-se a dos PRINCIPADOS, que presidem aos bons Espíritos.
A seguir, as POTESTADES pelas quais são expulsos os maus espíritos, do mesmo modo que os poderes terrenos subjugam os malfeitores, como bem afirma São Paulo aos Romanos (13, 3-4): ''Porque os governantes não metem medo em vista das boas obras, mas pelas perversas. Ora, queres não temer a Autoridade? Faze o bem e receberás dela elogios. É que o Poder é para ti instrumento de Deus e meio pelo qual te impulsiona para o bem. Se, entretanto, praticas o mal, treme, porque não é à toa que ele empunha uma espada. É realmente o instrumento de Deus para aplicar justo castigo àquele que opera o mal."
Depois vêm as VIRTUDES, que têm poder sobre a Natureza corporal, na operação de milagres.
E pela ordem, enfim, ficam os ARCANJOS e ANJOS que anunciam aos homens coisas altas ou acima da razão; ou então as pequenas, que a nossa razão alcança e compreende.

Conclusão:

Estas são as informações que os Padres e Doutores da Igreja antiga nos oferecem sobre os HIERARCAS CELESTES, distribuídos pelas suas Nove Denominações bíblicas, com seus desempenhos junto ao povo de Deus e o próprio DEUS.

Em tempos de Pascom

Neste período da Pandemia do COVID-19, estamos vivenciando experiências singulares jamais imaginadas pela nossa geração.
Neste período da Pandemia do COVID-19, estamos vivenciando
experiências singulares jamais imaginadas pela nossa geração.  (ANSA)
Graças a generosa dedicação dos nossos agentes da Pascom, foi possível levar, através dos vários meios de comunicação, “a Igreja” às casas. Com eles “redescobrimos e evidenciamos a necessidade do cuidado mútuo e de proteger os nossos vínculos como cidadãos e colaboradores do bem comum, não como indivíduos isolados, mas como membro de uma família”.

Padre Arnaldo Rodrigues

O Decreto sobre o apostolado dos leigos Apostolicam Actuositatem (18 nov. 1965), do Concílio Vaticano II, nos recorda vivamente a importância da participação ativa dos leigos na vida e ação da Igreja, de modo particular, colaborando com os pastores no apostolado para o bem dos membros todos do Povo de Deus. “A sua ação dentro das comunidades eclesiais é tão necessária que, sem ela, o próprio apostolado dos pastores não pode conseguir, a maior parte das vezes, todo o seu efeito. Porque os leigos com verdadeira mentalidade apostólica, à imagem daqueles homens e mulheres que ajudavam Paulo na propagação do Evangelho (cfr. At. 18, 18, 20; Rom. 16, 3), suprem o que falta a seus irmãos e revigoram o espírito dos pastores e dos outros membros do povo fiel (cfr. 1 Cor. 16, 17-18)”[1].

Neste período da Pandemia do COVID-19, estamos vivenciando, nos diversos âmbitos (social, familiar, religioso, etc.), experiências singulares jamais imaginadas pela nossa geração. Para muitos, essa nova realidade pode ser apenas um acontecimento negativo e fatal na própria história da humanidade. Obviamente, existe o drama do sofrimento causado pelo aumento de vítimas fatais, pelo aumento do número de pessoas hospitalizadas, pelo risco de contaminação daqueles que estão na linha de frente (médicos, enfermeiros, policiais, motoristas dos transportes públicos, funcionários de farmácias e supermercados etc.), e pelos que vivem sozinhos sem nenhum auxílio ou por simplesmente viverem sozinhos e com medo. Não obstante os problemas, mirando o olhar no Ressuscitado, somos convidados em meio ao caos, a termos atitudes de esperança e fé, atitudes verdadeiramente humanas e solidárias.

Dentre as diversas manifestações de solidariedade em benefício do Povo de Deus, destaco o trabalho e missão dos agentes da Pastoral da Comunicação (PASCOM). Graças a generosa dedicação dos nossos agentes, foi possível levar, através dos vários meios de comunicação, “a Igreja” às casas. Com eles “redescobrimos e evidenciamos a necessidade do cuidado mútuo e de proteger os nossos vínculos como cidadãos e colaboradores do bem comum, não como indivíduos isolados, mas como membro de uma família”[2].

Diante da preocupação dos pastores de não deixar faltar aos fiéis os bens espirituais da Igreja, principalmente os auxílios da Palavra de Deus e dos sacramentos (cf. can. 213), observa-se um volume sem precedentes de conteúdos religiosos e litúrgicos nas redes. As iniciativas são inúmeras: algumas mais simples e outras mais estruturadas, mas todas com o mesmo objetivo: manter os fiéis interligados entre si e unidos como comunidade orante. Por um lado, mais do que fornecer uma plataforma de conteúdo, a necessidade inicial foi de criar vínculos de forma virtual. Por outro, embora já existente, começaram a ser potencializados os ambientes para as formações cotidianas.
As transmissões das celebrações litúrgicas, dos momentos de adorações ou orações do rosário, das meditações e também das ações sociais em favor da população mais frágil, foram realizadas graças a dedicação e disponibilidade dos nossos irmãos e irmãs da PASCOM. O Documento de Aparecida – retomando a Exortação Apostólica Evangelii nuntiandi do Papa Paulo VI – afirma que os meios de comunicação “[colocados] a serviço do Evangelho, [...] oferecem a possibilidade de difundir quase sem limites o campo da audiência da Palavra de Deus, fazendo chegar a Boa Nova a milhões de pessoas”[3].

Antes e durante a Semana Santa, foram inúmeras as transmissões realizadas pelos meios de comunicação convencionais (Rádio e TV) e pelas redes sociais (FacebookInstagramYoutube e Twitter). Quão importante foi o auxílio dos agentes da PASCOM aos sacerdotes durante as celebrações litúrgicas e ações sociais. Este apostolado possibilitou que os fiéis permanecessem “conectados” entre si e com sua paróquia. Milhares de agentes por todo o Brasil, não mediram esforços para que milhões de fiéis, juntamente com seus familiares e amigos, pudessem acompanhar e “participar” das missas, dos momentos de adoração, dos terços e tantos outros instantes espirituais e formativos. De modo inovado, ajudaram as “Igrejas domésticas”, a celebrar os mistérios da vida de Cristo.

Neste ínterim de isolamento domiciliar, as respostas dos que acompanharam e rezaram por meio das transmissões, foram inúmeras manifestações de carinho e agradecimento. Fotos, áudios, vídeos e textos, preencheram, e continuam a preencher, os feeds de notícias e comentários. Esta resposta positiva no tocante ao apostolado dos agentes da PASCOM, nos recorda a mensagem do Papa Francisco sobre a cultura do encontro proporcionada pelos meios e comunicação: “Neste mundo, os mass-media podem ajudar a sentir-nos mais próximo uns dos outros; a fazer-nos perceber um renovado sentido de unidade da família humana, que impele à solidariedade e a um compromisso sério para uma vida mais digna. Uma boa comunicação ajuda-nos a estar mais perto e a conhecer-nos melhor entre nós, a ser mais unidos”[4].

Infelizmente, nem todos os agentes são recordados por este belo apostolado que possibilita o fiel continuar participando, de modo singular, da vida da sua comunidade, mesmo estando em sua casa. Quantos fiéis, nem mesmo sabem da existência destes agentes e de suas contribuições. Isto não deve desmotivar-nos. Pelo contrário, pois nunca foi tão essencial este empenho pastoral da PASCOM em nosso país como agora. Neste tempo de desafios, podemos com muita boa-vontade, paciência, criatividade e alguma técnica, obter bons resultados na evangelização e fazendo com que a mensagem de Cristo chegue, através dos meios de comunicação, a um número cada vez maior de pessoas. Diante disto, é muito importante o nosso agradecimento aos agentes da PASCOM por toda dedicação, por colocarem em prol da Igreja os dons recebidos por Deus.

Comunicação é relacionamento, encontro e histórias, principalmente no modo de comunicar cristão, é testemunho como nos recorda o próprio Papa Francisco: “E a nossa comunicação deve ser testemunho. Se quiserdes comunicar apenas uma verdade sem bondade e beleza, parai, não o façais. Se quiserdes comunicar uma verdade aproximativa, mas sem vos envolverdes, sem testemunhardes com a própria vida, com a própria carne, parai, não o façais. Há sempre a assinatura do testemunho em cada coisa que fazemos. Testemunhas. Ser cristão significa ser testemunha, ‘mártir’. Esta é a dimensão ‘martirial’ da nossa vocação: sermos testemunhas”[5]. Desta forma, reforçamos o nosso apelo aos agentes da PASCOM, continuem incansavelmente este apostolado de “ser presença” na vida das pessoas, irradiando “ações próprias do campo da comunicação com o sentido pastoral”.[6] Avante e Coragem!
__________________
[1] Cf. Decreto Apostolicam Actuositatem, n. 10. In: Compêndio do Vaticano II. Constituições, Decretos, Declarações, Petrópolis: Ed. Vozes 1968, 527-564.
[2] Dom Orani João Tempesta (Card.), Discurso ao clero. https://drive.google.com/file/d/1W5UoddTrUZK6ItKRCTyOSUCjmAtjdPHO/view
[3] Conselho Episcopal Latino-Americano, Documento de Aparecida, 2a ed., Brasília-São Paulo 2007, n. 485.
[4] Papa Francisco, Mensagem para o 48o Dia mundial das comunicações sociais. [Acesso: 15.04.2020], http://www.vatican.va/content/francesco/pt/messages/communi>
cations/documents/papa-francesco_20140124_messaggio-comunicazioni-sociali.html
[5] Papa Francisco, Discurso aos funcionários do Dicastério para a comunicação. [Acesso: 15.04.2020], http://www.vatican.va/content/francesco/pt/speeches/2019/septe>
mber/documents/papa-francesco_20190923_dicastero-comunicazione.html
[6] https://pascombrasil.org.br/pascom/

Vatican News

Hoje começamos maio, mês dedicado a Maria

REDAÇÃO CENTRAL, 01 Mai. 20 / 07:00 am (ACI).- Maio é o mês que a Igreja Universal dedica à Mãe de Deus, a Bem-aventurada Virgem Maria. Este tempo é uma oportunidade para renovar o amor de todos os batizados pela Mulher que Deus, da eternidade, escolheu para dar à luz cuidar Dele.

A Santíssima Virgem Maria é para sempre a Rainha do Céu e da Terra, não há santidade sem Maria porque toda Ela leva a Cristo.
Maria, a mais humilde entre as mulheres, é precisamente o modelo de toda mulher, como assinalou o Papa Francisco em abril de 2014, em uma mensagem a mais de 20 mil jovens reunidos em Buenos Aires, Argentina.
“Para vós existe um único modelo: Maria, a mulher da fidelidade, aquela que não entendia o que acontecia, mas obedecia. Aquela que, quando soube do que a sua prima precisava, foi depressa ter com ela; a Virgem da Prontidão!”.
O Papa assinalou ainda que Maria é “aquela que fugiu como refugiada para um país estrangeiro a fim de salvar a vida do seu Filho. Aquela que ajudou o seu Filho a crescer, que o acompanhou e, quando o seu Filho começou a pregar, seguiu-o. Aquela que padeceu tudo o que acontecia com o Menino, com o Jovem. Aquela que permaneceu ao lado do seu Filho, e lhe indicava os problemas que surgiam: 'Olha, não têm vinho!'. Aquela que, no momento da Cruz, estava com Ele”.

Por que maio é o Mês de Maria?


REDAÇÃO CENTRAL, 01 Mai. 20 / 08:00 am (ACI).- Durante vários séculos a Igreja Católica dedicou todo o mês de maio para honrar a Virgem Maria, Mãe de Deus. A seguir, explicamos o porquê.
A tradição surgiu na antiga Grécia. O mês de maio era dedicado a Artemisa, deusa da fecundidade. Algo semelhante ocorreu na antiga Roma, pois maio era dedicado a Flora, deusa da vegetação. Naquela época, celebravam os ‘ludi florals’ (jogos florais) no fim do mês de abril e pediam sua intercessão.
Na época medieval abundaram costumes similares, tudo centrado na chegada do bom clima e o afastamento do inverno. O dia 1º de maio era considerado como o apogeu da primavera.
Durante este período, antes do século XII, entrou em vigor a tradição de Tricesimum ou “A devoção de trinta dias à Maria”. Estas celebrações aconteciam do dia 15 de agosto a 14 de setembro e ainda são comemoradas em alguns lugares.
A ideia de um mês dedicado especificamente a Maria remonta aos tempos barrocos – século XVII. Apesar de nem sempre ter sido celebrado em maio, o mês de Maria incluía trinta exercícios espirituais diários em homenagem à Mãe de Deus.
Foi nesta época que o mês de maio e de Maria combinaram, fazendo com que esta celebração conte com devoções especiais organizadas cada dia durante todo o mês. Este costume durou, sobretudo, durante o século XIX e é praticado até hoje.
As formas nas quais Maria é honrada em maio são tão variadas como as pessoas que a honram.
As paróquias costumam rezar no mês de maio uma oração diária do Terço e muitas preparam um altar especial com um quadro ou uma imagem de Maria. Além disso, trata-se de uma grande tradição a coroação de Nossa Senhora, um costume conhecido como Coroação de Maio.
Normalmente, a coroa é feita de lindas flores que representam a beleza e a virtude de Maria e também lembra que os fiéis devem se esforçar para imitar suas virtudes. Em algumas regiões, esta coroação acontece em uma grande celebração e, em geral, fora da Missa.
Entretanto, os altares e coroações neste mês não são apenas atividades “da paróquia”. Mas, o mesmo pode e deve ser feito nos lares, com o objetivo de participar mais plenamente na vida da Igreja.
Deve-se separar um lugar especial para Maria, não por ser uma tradição comemorada há muitos anos na Igreja ou pelas graças especiais que se pode alcançar, mas porque Maria é nossa Mãe, mãe de todo o mundo e porque se preocupa com todos nós, intercedendo inclusive nos assuntos menores.
Por isso, merece um mês inteiro para homenageá-la.
ACI Digital

quinta-feira, 30 de abril de 2020

Nova datação do Novo Testamento (Parte 11/11): conclusões


Bíblia - Tradição - Magistério

11. CONCLUSÕES
No Capítulo 10 (“Uma Pós-Data Pós-Apostólica”), Robinson examina este problema: se todos os livros canônicos do Novo Testamento (NT) devem ser datados como anteriores ao ano 70 (como ele sustentou nos nove capítulos anteriores), o período de 70 a 100 (que antes se imaginava ocupado por grande parte do NT) deveria ser considerado agora um espaço vazio ou quase-vazio da literatuca cristã? Não se geraria assim uma distância temporal excessiva entre o NT e as primeira produções literárias da Era Subapostólica?
Robinson analisa detidamente quatro dessas produções: a Epístola de Barnabé, o Pastor de Hermas, a Didaqué e a Primeira Epístola de Clemente. Como me resta impossível resumir os seus argumentos, limito-me a apresentar os seus resultados:
    • “Para concluir, pareceria haver bem pouco em conta da seguinte sequência:
    • a Didaque: de 40 a 60
    • 1Clemente: inícios do ano 70
    • Epístola de Barnabé: por volta de 75
    • O Pastor de Hermas: pouco antes de 85″ (pp.334-335).
Geralmente se considera que 1Clemente é do ano 95 ou 96, porque se entende que foi escrita enquanto Clemente era Bispo de Roma; porém, Robinson pensa que, ao escrever esta Epístola, Clemente não era ainda o Bispo, mas algo como que o Secretário de Relações Exteriores da Igreja de Roma, como parece sugerir também o Pastor de Hermas.
O autor começa o Capítulo XI (“Conclusões e Corolários”) apresentando 10 observações gerais (cf. pp.336-348):
1) Há pouca evidência interna para a datação de qualquer dos livros do NT.
2) Em relação à evidência externa, segundo o testemunho da Igreja primitiva, a situação é bem diferente.
3) A pequena quantidade de literatura cristã primitiva e seu caráter ocasional fazem com que o argumento do silêncio (de que tal ou qual livro do NT não existia ou não era ainda conhecido para ser citado ou atestado) seja extremamente precário.
4) Em relação ao uso corrente, convém apelar para um rigor e reserva muito maiores no uso do argumento das citações como um indicador para a datação.
5) Parece apropriada uma crítica similar da segurança com que muitos acadêmicos se pronunciaram sobre as supostas profecias após o evento [de 70].
6) Também é desanimador descobrir quão pouca base existe para muitas das datas atribuídas confiantemente por especialistas modernos aos documentos do NT.
7) Há uma cegueira aparentemente voluntária por parte dos investigadores para coisas que parecem óbvias (p.ex., o porquê de Atos terminar onde termina).
8) Muitas datações de livros do NT foram determinadas mais por um processo de eliminação do que por indicações positivas.
9) Observa-se subjetividade na avaliação dos intervalos requeridos para o desenvolvimento, a distribuição e a difusão [dos escritos do NT].
10) Finalmente, cabe apontar a multiforme tirania das suposições não examinadas, muitas vezes devidas a modismos ou à preguiça acadêmica.
Passando para as conclusões, Robinson enumera os livros do NT na ordem cronológica aproximada em que ele crê que receberam sua composição final. No entanto, indica que se deve considerar que alguns livros (principalmente os Evangelhos) devem ser vistos como produtos de um período de gestação bem mais longo. Simplesmente não é possível dizer que Marcos foi escrito no ano X da mesma forma que, com bastante precisão, se pode afirmar que 1Coríntios foi escrito no ano Y.
A seguir, reproduzo a lista de livros do NT e suas datas. As estações do ano correspondem ao hemisfério norte. O símbolo “~” significa “aproximadamente”. O símbolo “+” colocado no fim de um ano significa “ou um pouco depois”. O símbolo “-” colocado no início de um ano significa “ou um pouco antes”.
  • Tiago: ~47-48
  • 1Tessalonicenses: inícios de 50
  • 2Tessalonicenses: 50-51
  • 1Coríntios: primavera de 55
  • 1Timóteo: outono de 55
  • 2Coríntios: inícios de 56
  • Gálatas: fins de 56
  • Romanos: inícios de 57
  • Tito: fins da primavera de 57
  • Filipenses: primavera de 58
  • Filemon: verão de 58
  • Colossenses: verão de 58
  • Efésios: depois do verão de 58
  • 2Timóteo: outono de 58
  • Marcos: ~45-60
  • Mateus: ~40-60+
  • Lucas: –57-60+
  • Judas: 61-62
  • 2Pedro: 61-62
  • Atos: –57-62+
  • 2-3-1João: ~60-65
  • 1Pedro: primavera de 65
  • João: ~–40-65+
  • Hebreus: ~67
  • Apocalipse: fins de 68 (-70)
Destas conclusões, Robinson extrai 3 corolários:
1) Todos os vários tipos de literatura da Igreja primitiva estavam nascendo mais ou menos concorrentemente no período entre 40 e 70. É o que naturalmente se poderia esperar.
2) O padrão da História da Igreja primitiva sugerido pelos documentos do NT agora reforça o que se deduz independentemente dos Atos dos Apóstolos.
3) Assim como a redução da duração de 50-150+ para 50-100+ desacreditou algumas das formas mais extremas de ceticismo sobre a tradição cristã, assim também uma ulterior redução das datações finais para mais da metade, de -50 até -70, deve tender a reforçar um maior conservadorismo. O autor, que não deixou de ser um teólgo ultra-liberal, insiste que suas conclusões não tornam inútil o estudo crítico do NT dos últimos 200 anos e que ele não quer apoiar uma aproximação obscurantista ou literalista do NT; entretanto, admite que as datações menos tardias tornam menos prováveis as distorções entre os eventos da vida, morte e ressurreição de Jesus e dos escritos eclesiásticos.
Terminarei esta resenha reproduzindo “um comentário um pouco travesso” de A. H. N. Green-Armytage, que Robinson inclui na p.356:
  • “Há um mundo – não digo “um mundo” no qual todos os acadêmicos vivem, mas de todo modo um em que todos eles às vezes se extraviam, e que alguns deles parecem permanentemente habitar – que não é o mundo no qual eu vivo. No meu mundo, se “The Time” e “The Telegraph” contam uma mesma história com palavras um pouco diferentes, ninguém conclui que um deles copiou o outro, nem que as variáveis da história têm algum significado esotérico; porém, nesse [outro] mundo do qual estou falando, isto certamente ocorreria. Ali, nenhuma história deriva jamais dos fatos, mas sempre da versão da mesma história de outra pessoa (…) No meu mundo, quase cada livro, exceto alguns produzidos pelos departamentos de governo, é escrito por um autor; nesse [outro] mundo, quase cada livro é produzido por um comitê e, alguns deles, por uma série completa de comitês. No meu mundo, se eu leio o que o sr. Churchill, em 1935, disse, de que a Europa estava se dirigindo para uma guerra desastrosa, eu aplaudo a sua previsão; nesse [outro] mundo, nenhuma profecia, por mais que esteja enunciada de forma vaga, é jamais feita senão depois do evento. No meu mundo, dizemos: ‘A Primeira Guerra Mundial ocorreu entre 1914 e 1918’; nesse [outro] mundo, eles dizem: ‘A narrativa da guerra mundial tomou forma na terceira década do século XX’. No meu mundo, os homens e as mulheres vivem durante um tempo considerável – 70, 80, inclusive 100 anos – e são equipados com uma coisa chamada ‘memória’; nesse [outro] mundo (ao que parece), eles vêm à existência, escrevem um livro e perecem no ato, tudo como um relâmpago; e se nota neles, com assombro, que ‘preservam traças da tradição primitiva’ sobre as coisas que ocorreram bem dentro do tempo de sua própria vida adulta”.
Veritatis Splendor

quarta-feira, 29 de abril de 2020

A família e isolamento social

Dom Adelar Baruffi
Bispo de Cruz Alta
Voltemos à família, fiquemos em casa. O isolamento social, por causa da COVID-19 já nos trouxe alguns questionamentos, ligados à economia, à indústria, ao meio ambiente e à política. De fato, gostaria de nos perguntarmos qual o impacto sobre nossas famílias e sobre nossa vida de fé. Este tempo de confinamento obrigatório pode nos recordar um tempo muito desejado: os casais conviverem, os filhos sendo educados e amados. Faz-nos retornar ao princípio de toda a vida social: a família. Nós cremos na família, sabemos do seu valor insubstituível. Nenhuma instituição poderá superá-la ou realizar o que lhe compete. Quem pode amar como um pai ou uma mãe? Mesmo que alguém faça o papel de pai e mãe, como isto é muito comum, é difícil dizer que psicologicamente assume o lugar do pai humano.
            Em primeiro lugar, a presença. Todos sabemos que presença é mais do que passar algum tempo. É conviver e conversar. Gastar o tempo com aqueles que Deus deu como presente. Eles são perfeitos? Possivelmente não. Mas é possível e necessário conversar a partir de uma compreensão de que eu não sou o centro, que há outra pessoa ou pessoas com as quais convivo. O passar dos anos, com os desafios próprios da convivência familiar, pedem um tipo diferente de postura, de amor que se reinventa. Mas será sempre o mesmo amor, abençoado por Deus, no dia do sacramento. Este tempo nos obrigou ao convívio, à presença.
A harmonia familiar transborda na vida gerada e educada. Cada criança que é gerada é um grande dom de Deus. Todos são importantes. Um filho será sempre muito amado por Deus e pelos pais. Ele é amado porque é filho. De fato, toda criança tem o direito de ter o amor do pai e da mãe. Ambos são necessários, pelas suas características, para a educação de um filho ou filha. Não somente pelo fato que o casal ame o filho, mas, bem importante, que o filho veja o amor dos pais entre si. De fato, os pais “mostram aos seus filhos o rosto materno e o rosto paterno do Senhor” (AL 172). A educação dos filhos é responsabilidade dos pais. A sociedade, com suas instituições, são suplementares, como a escola e a igreja. É aí na família que, no convívio com os pais, as crianças vão internalizando valores, a partir de atitudes que os pais realizam. Mais desafiadora é a fase da juventude na vida familiar. Contudo, é exatamente na família que os adolescentes e jovens confiam e esperam. Não deixemos de conversar com os jovens sobre sua vida e seus sonhos, tantas vezes iludidos pelas ondas do momento. Importante lhes mostrar um Deus que os ama e que sempre está com eles.
Não menos importante é a convivência familiar como um lugar por excelência da vida de oração. Na casa há um pequeno espaço para um “santuário doméstico”. Já se falou tanto disso. De fato é muito importante. Ele nos recorda, pela imagem, que aí mora uma família cristã. Desde que são crianças vão aprendendo que nossa vida é um dom, um grande dom de Deus. As imagens do Crucificado, da Virgem Maria, a foto da família, o rosário e a Sagrada Escritura formam os sinais visíveis de uma vida de fé que inicia aí, na vida familiar. Um pai e uma mãe sabem também falar de Deus, do seu jeito, recordando-lhes de que temos sempre um Deus Criador e seu Filho que sempre está conosco. Como não podem ir à igreja, recolhem-se para rezar em casa, a partir dos meios digitais.
Convivemos mais, amemo-nos mais, rezemos mais. Que oportunidade.
CNBB

Pe. Manuel Pérez Candela

Pe. Manuel Pérez Candela
Pároco da Paróquia Nossa Senhora da Imaculada Conceição - Sobradinho/DF