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sexta-feira, 29 de maio de 2020

Pais da Igreja: São Clemente de Alexandria

São Clemente de Alexandria (150-cerca de 215)

ANTOLOGIA

«Quem em meu nome acolher este pequenino,
é a mim que acolhe»
O Pedagogo, I, 21-24
«Os seus filhinhos serão levados aos ombros e consolados ao colo, vem nas Escrituras. Como à criança a quem a mãe dá consolo, também eu vos consolarei» (Is 66,12-13).
mãe chega seus filhos a si, e nós, nós procuramos nossa mãe, a Igreja. Todo o ser de pouca idade e frágil é, nessa fragilidade desprotegida, um ser gracioso, doce, encantador; Deus não recusa o seu auxílio a seres tão jovens assim. Todos os pais têm uma ternura peculiar para com seus filhos pequenos… De igual modo, o Pai de toda a criação acolhe aqueles que se refugiam junto de si, regenera-os pelo Espírito e adopta-os como filhos; conhece a sua doçura e só a eles ama, auxilia, defende; por isso lhes chama filhos (cf. Jo 13,33).
O Santo Espírito, falando pela boca de Isaías, aplica ao próprio Senhor o termo filho: «Eis que nos nasceu um menino, foi-nos dado um filho.» (Is 9,5). Quem é então esta pequena criança, este recém-nascido, à imagem de quem também nós somos crianças? Pela boca do mesmo Profeta, o Espírito descreve-nos a sua grandeza: «Conselheiro admirável, Deus poderoso, Pai eterno, Príncipe da paz» (v. 6).
Ó Deus tão grande! Ó menino perfeito! O Filho está no Pai e o Pai está no Filho. Poderia não ser perfeita a educação que nos dá este menino? Ela reúne-nos para nos guiar, a nós, os seus filhos. O menino estendeu-nos as mãos, e nelas pomos toda a nossa fé. Também João Baptista dá testemunho desta criança: «Eis o cordeiro de Deus», diz-nos (Jo 1, 29). Como as Escrituras designam as crianças por cordeiros, chamou “cordeiro de Deus” ao Verbo Deus que por nós se fez homem e que em tudo nos quis ser igual, ele, que é o Filho de Deus, o menino do Pai.
* * * * *
«Pedi e recebereis:
ficareis assim repletos de alegria»
Estrómata 7,7
Venerar e honrar aquele que nós acreditamos ser o Verbo, nosso Salvador e nosso chefe, e, por Ele, o Pai, tal é o nosso dever, não em certos dias especiais (tal como outros fazem) mas continuamente, durante toda a nossa vida e de todas as formas. "Sete vezes por dia cantei o teu louvor" (Sl 118,164), exclama o povo eleito... Por isso, não é num lugar determinado, nem num templo escolhido, nem em certas festas ou em certos dias fixos, mas é durante toda a vida, em todo o lugar, que o homem verdadeiramente espiritual honra a Deus, isto é, proclama a sua acção de graças por conhecer a verdadeira vida.
A presença do homem de bem, pelo respeito que inspira, torna sempre melhor quem com ele convive. Quanto mais aquele que está continuamente em presença de Deus, pelo conhecimento, pela maneira de viver e pela acção de graças, não se irá tornando cada dia melhor em tudo: acções, palavras e disposições!... Vivendo, pois, toda a nossa vida como uma festa, na certeza de que Deus está totalmente presente em toda a parte, trabalhamos cantando, navegamos ao som de hinos, comportamo-nos à maneira dos "cidadãos do céu" (Fl 3,20).
A oração é, se o ouso dizer, uma conversa íntima com Deus. Mesmo se murmuramos suavemente, mesmo se, sem mexer os lábios, falamos em silêncio, nós gritamos interiormente. E Deus volta constantemente o seu ouvido para esta voz interior... Sim, o homem verdadeiramente espiritual ora durante toda a sua vida, porque orar é para ele um esforço de união com Deus, e rejeita tudo o que é inútil porque atingiu aquele estado em que já recebeu, de certa maneira, a perfeição que consiste em agir por amor... Toda a sua vida é uma liturgia sagrada.
* * * * *
«Eu vim para que os homens tenham vida
e a tenham em abundância»
O Pedagogo, 9, 83 ss.
Doentes, precisamos do Salvador; perdidos, daquele que nos conduzirá; sedentos, da fonte de água viva; mortos, precisamos da vida; ovelhas, do pastor; crianças, do educador; e toda a humanidade precisa de Jesus. […]
Se quereis, podemos compreender a sabedoria suprema do santíssimo pastor e educador, que é o Todo-Poderoso e o Verbo do Pai, quando Ele se serve de uma alegoria, dizendo-se pastor das ovelhas; mas Ele é também o educador dos pequeninos. Com efeito, dirige-se longamente aos anciãos, por intermédio de Ezequiel, dando-lhes o exemplo da sua solicitude: “Pensarei na que está ferida e tratarei da que está doente; procurarei a que se tinha perdido. A todas apascentarei com justiça” (Ez 34, 16). Sim, Senhor, conduz-nos aos prados férteis da tua justiça. Sim, Tu, que és o nosso educador, sê o nosso pastor, até à tua montanha santa, até à Igreja que se eleva acima das nuvens, que toca nos céus. “Sou Eu que apascentarei as minhas ovelhas, sou Eu quem as fará descansar” (Ez 34, 15). Ele quer salvar a minha carne, revestindo-a com a túnica da incorruptibilidade. […] “Clamarás e Ele dirá: ‘Eis-Me aqui!’” (Is 58, 9). […]
Assim é o nosso educador, bom com justiça. “O Filho do Homem não veio para ser servido, mas para servir” (Mt 20, 28). É por isso que, no Evangelho, nos aparece fatigado (Jo 4, 5), Ele, que se fatiga por nós, e que promete “dar a sua vida pelo resgate de muitos” (Mt 20, 28). E afirma que só o bom pastor age desta maneira. Que doador magnífico, que dá por nós o que de maior tem: a sua vida! Que benfeitor, amigo dos homens, que preferiu ser irmão a Senhor deles! Que levou a bondade a ponto de morrer por nós.
* * * * *
«Não podeis servir ao mesmo tempo a Deus e ao dinheiro»
Há uma riqueza que semeia a morte em toda a parte em que domina: libertai-vos dela e sereis salvos. Purificai a vossa alma; tornai-a pobre para poder ouvir o apelo do Salvador que vos repete: “Vem e segue-me” (Mc 10,21). Ele é o caminho em que avança aquele que tem o coração puro; a graça de Deus não penetra numa alma ocupada e dividida numa grande quantidade de pertences…
Quem olha para a sua fortuna, para o seu ouro e para a sua prata, para as suas casas, como sendo dons de Deus, esse testemunha a Deus o seu reconhecimento vindo com os seus bens em auxílio dos pobres. Sabe que os possui mais para os seus irmãos do que para si mesmo. Continua dono das suas riquezas em vez de se tornar escravo delas; não as fecha na sua alma, tal como não nelas não encerra a sua vida, mas continua, sem se cansar, uma obra que é divina. E se, um dia, a sua fortuna vier a desaparecer, aceita a sua ruína com um coração livre. Esse homem, Deus o declara “bem-aventurado”; chama-lhe “pobre em espírito”, herdeiro seguro do Reino dos Céus (Mt 5,3)…
Pelo contrário, há quem encerre a sua fortuna no coração, no lugar do Espírito Santo. Esse guarda em si as suas terras, acumula sem fim a fortuna, só se preocupa em acrescentar sempre mais. Não levanta nunca os olhos ao céu; atola-se no material. De facto, ele não é mais do que pó e voltará ao pó (Gn 3,19). Como pode então experimentar o desejo do Reino aquele que, em vez de coração, tem dentro de si um campo ou uma mina, aquele a quem a morte surpreenderá sempre no meio das suas paixões? “Porque onde estiver o teu tesouro, estará também o teu coração” (Mt 6,21).
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O Cântico Novo: «Ana proclamava os louvores de Deus»
Protréptico
Quando o Verbo estava nas alturas, Ele era e é o divino começo de todas as coisas. Mas, agora que recebeu como nome "Aquele-que-foi-consagrado", o nome de "Cristo", eu chamo-lhe "um cântico novo" (Sl 33, 144, 149, etc.). O Verbo fazia-nos existir há muito tempo, porque estava em Deus; por Ele a nossa existência é boa. Ora este Verbo acaba de aparecer aos homens, Ele que é Deus e homem; Ele é para nós a causa de todos os bens. Tendo aprendido com Ele a viver bem, somos por Ele introduzidos na vida eterna. Porque, como nos diz o apóstolo do Senhor, "a graça de Deus, fonte de salvação, apareceu a todos os homens; ela ensina-nos a renunciar à impiedade e às cobiças do mundo e a viver no tempo presente com temperança, justiça e piedade, aguardando com jubilosa esperança, a revelação da glória do grande Deus, Jesus Cristo, nosso Salvador" (Tt 2,11-13).
Eis o cântico novo, a aparição do Verbo que existia desde o princípio e que acaba de resplandecer entre nós... Porque Aquele que existia como Salvador desde sempre acaba de aparecer; Aquele que é Deus apareceu como mestre; o Verbo por quem tudo foi criado apareceu. Como criador, Ele dava a vida no princípo; agora, tendo aparecido como mestre, ensina-nos a viver bem, de maneira a que, um dia, nos possa dar, enquanto Deus, a vida eterna. Não foi hoje a primeira vez que Ele teve piedade de nós por andarmos perdidos; foi desde o princípio.
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«Bem-aventurados os pobres em espírito» (Mt 5, 3)
Homilia: «Os ricos salvar-se-ão?»
Não se trata de rejeitar os bens susceptíveis de ajudar o próximo. É da natureza das posses serem possuídas; como é da natureza dos bens difundir o bem; Deus destinou-os ao bem-estar dos homens. Os bens estão nas nossas mãos como ferramentas, como instrumentos dos quais retiramos bom uso, se soubermos manipulá-los. [...] A natureza fez das riquezas escravas, e não senhoras. Não se trata, pois, de as depreciar porque, em si mesmas, não são boas nem más, mas perfeitamente inocentes. Só de nós depende o uso, bom ou mau, que delas fizermos; o nosso espírito, a nossa consciência, são inteiramente livres para disporem à sua vontade dos bens que lhes foram confiados. Destruamos, pois, não os nossos bens, mas a cobiça que lhes perverte o uso. Quando nos tivermos tornado virtuosos, saberemos usá-los com virtude. Compreendamos que esses bens dos quais nos mandam desfazermo-nos são os desejos desregrados da alma. [...] Nada lucrais em largar o dinheiro que tendes, se continuardes a ser ricos em desejos desregrados. [...]
Eis de que forma concebe o Senhor o uso dos bens exteriores: temos de nos desfazer, não de um dinheiro que nos permite viver, mas das forças que nos levam a usá-lo mal, ou seja, das doenças da alma. [...] Temos de purificar a nossa alma, isto é, de a tornar pobre e nua, para nesse estado ouvirmos o chamamento do Salvador: «Vem e segue-Me». Ele é o caminho que percorre aquele que tem o coração puro. [...] Este considera que a fortuna, o ouro, a prata, as casas que possui, que tudo isso são graças de Deus, e mostra-Lhe o seu reconhecimento socorrendo os pobres com os seus próprios fundos. Ele sabe que possui esses bens, mais para os irmãos do que para si mesmo; longe de se tornar escravo das suas riquezas, é mais forte do que elas; não as encerra na sua alma. [...] E, se um dia o dinheiro lhe desaparecesse, aceitaria a ruína com a felicidade dos melhores dias. É esse o homem, afirmo eu, que Deus considera bem-aventurado e a quem chama «pobre em espírito» (Mt 5, 3), herdeiro certo do Reino dos Céus, que está fechado àqueles que não souberam desprender-se da sua opulência.
Mais sobre São Clemente de Alexandria em SOPHIA.

FONTE:
Evangelho Cotidiano

Do Tratado Sobre a Trindade, de Santo Hilário, bispo

S. Hilário  (© BAV, Vat. lat. 8541, f. 102r)
(Lib. 2,1.33.35: PL 10,50-51.73-75)       (Séc. IV)

O Dom do Pai em Cristo
        O Senhor mandou batizar em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo, quer dizer, professando a fé no Criador, no Filho e no que é chamado Dom de Deus.
        Um só é o Criador de todas as coisas. Pois um só é Deus Pai, de quem tudo procede; um só é o Filho Unigênito, nosso Senhor Jesus Cristo, por quem tudo foi feito; e um só é o Espírito, que foi dado a todos nós.
        Todas as coisas são ordenadas segundo suas capacida­des e méritos: um só é o Poder, do qual tudo procede; um só é o Filho, por quem tudo começa; e um só é o Dom, que é penhor da esperança perfeita. Nada falta a tão grande per­feição. Tudo é perfeitíssimo na Trindade, Pai, Filho e Espírito Santo: a infinidade no Eterno, o esplendor na Imagem, a atividade no Dom.
        Escutemos o que diz a palavra do Senhor sobre a ação do Espírito em nós: Tenho ainda muitas coisas a dizer-vos, mas não sois capazes de compreendê-las agora (Jo 16,12), É bom para vós que eu parta: se eu me for, vos mandarei o Defensor (cf. Jo 16,7).
        Em outro lugar: Eu rogarei ao Pai, e ele vos dará uni outro Defensor, para que permaneça sempre convosco: o Espírito da Verdade (Jo 14,16-17). Ele vos conduzirá à plena verdade. Pois ele não falará por si mesmo, mas dirá tudo o que tiver ouvido; e até as coisas futuras vos anuncia­rá. Ele me glorificará porque receberá do que é meu (Jo 16,13-14).
        Estas palavras, entre muitas outras, foram ditas para nos dar a conhecer a vontade daquele que confere o Dom e a natureza e a perfeição do mesmo Dom. Por conseguinte, já que a nossa fraqueza não nos permite compreender nem o Pai nem o Filho, o Dom que é o Espírito Santo estabelece um certo contato entre nós e Deus, para iluminar a nossa fé nas dificuldades relativas à encarnação de Deus.
        Assim, o Espírito Santo é recebido para nos tornar capazes de compreender. Como o corpo natural do homem permaneceria inativo se lhe faltassem os estímulos necessá­rios para as suas funções - os olhos, se não há luz ou não é dia, nada podem fazer; os ouvidos, caso não haja vozes ou sons, não cumprem seu ofício; o olfato, se não sente nenhum odor, para nada serve; não porque percam a sua capacidade natural por falta de estímulo para agir - assim é a alma humana: se não recebe pela fé o Dom que é o Espírito, tem certamente uma natureza capaz de conhecer a Deus, mas falta-lhe a luz para chegar a esse conhecimento.
        Este Dom de Cristo está inteiramente à disposição de todos e encontra-se em toda parte; mas é dado na medida do desejo e dos méritos de cada um. Ele está conosco até o fim do mundo; ele é o consolador no tempo da nossa espera; ele, pela atividade dos seus dons, é o penhor da nossa esperança futura; ele é a luz do nosso espírito; ele é o esplendor das nossas almas.

Da Providência Divina (3/10)

domvot
DA  PROVIDÊNCIA DIVINA
São Tomás de Aquino
(cf. Suma Teológica)
ARTIGO 3º – SE A DIVINA PROVIDÊNCIA SE ESTENDE AO QUE É CORRUPTÍVEL
Respondo dizendo que:
1. A Providência de Deus, pela qual as coisas são governadas, é semelhante, conforme foi dito no artigo precedente, à providência pela qual o pai de família governa a casa, e o rei a cidade ou o reino, em ambos estes governos partilhando que o bem comum seja mais eminente do que o bem singular, assim como o bem do povo é mais eminente do que o bem da cidade, ou o da família, ou o da pessoa, conforme -se escrito no princípio dos livros de Ética. De onde que qualquer provisor dá mais atenção àquilo que convém à comunidade, se governa sabiamente, do que o que convém a um apenas.
2. Alguns, porém, não percebendo isto, considerando que nas coisas corruptíveis há algumas que poderiam ser melhores se consideradas em si mesmo, e não percebendo a ordem do universo, segundo a qual cada coisa é colocada otimamente em sua ordem, disseram que o corruptível não é governado por Deus, mas somente o que é incorruptível; na pessoa dos quais está dito, no livro de Jó, que Deus “nas nuvens está escondido, e não tem cuidado das nossas coisas, e passeia pelos pólos do Céu” (Jó 22, 14).
Colocaram pois, as coisas corruptíveis existirem e agirem inteiramente sem alguém que as governe, ou serem guiadas por um princípio contrário.
3. A qual opinião o Filósofo, no XII da Metafísica reprova pela semelhança com um exército, no qual encontramos uma dupla ordem, uma pela qual as partes do exército se ordenam entre si, e outra pela qual se ordenam ao bem exterior, isto é, ao bem do comandante. E aquela ordem pela qual as partes do exército se ordenam entre si existe por causa da ordem pela qual todo o exército se ordena ao comandante, de onde que se não houvesse a ordem ao comandante, não haveria ordem das partes do exército entre si. Na medida em que, portanto, encontramos uma multidão ordenada entre si, importa que esta seja ordenada a um princípio exterior.
Ora, as partes do universo, corruptíveis e incorruptíveis, são ordenadas entre si, e não por acidente, mas per se. Vemos, de fato, que dos corpos celestes provém utilidades nos corpos corruptíveis ou sempre ou na maior parte das vezes segundo o mesmo modo, de onde que importa que todos, corruptíveis e incorruptíveis, existam em uma única ordem de providência de um princípio exterior, o qual existe de modo externo ao universo. De onde que o Filósofo conclui ser necessário colocar-se no universo um único dominado, e não diversos.
4. Deve-se saber, todavia, que de dois modos algo pode ser dito objeto de providência. De um modo, por causa de si mesmo, e de outro modo por causa de outros, assim como na casa são provistas por causa de si mesmas aquelas coisas em que essencialmente consiste o bem da casa, isto é, os filhos, as propriedades, e outras tais, todas as demais sendo provistas para a utilidade das anteriores, como os vasos, os animais, e outros tais.
De modo semelhante, no universo são provistos por causa de si mesmo aquelas coisas nas quais consiste essencialmente a perfeição do universo; e estes tem perpetuidade assim como o universo é perpétuo. As que, porém, não são perpétuas, não são provistas senão por causa de outras. E, portanto, as substâncias espirituais e os corpos celestes, que são perpétuos segundo a espécie e segundo o indivíduo, são provistos por causa de si mesmos tanto na espécie como no indivíduo. Mas o que é corruptível não pode ter perpetuidade senão na espécie, de onde que as suas próprias espécies são provistas por causa de si mesmas, mas os seus indivíduos não são provistos senão para a conservação do ser perpétuo da espécie.
E de acordo com isto pode-se salvar a opinião daqueles que dizem que a divina providência não se estende a tais corruptíveis senão na medida em que participam da natureza da espécie. De fato, isto é verdade se for entendido da providência pela qual algumas coisas são provistas por causa de si mesmo.
Veritatis Splendor

Fundamento Bíblico da Teologia Católica: Mariologia (Parte 4/6)

Ecclesia
Tradução: Carlos Martins Nabeto
IV. DA CONCEPÇÃO À ASSUNÇÃO: MÃE DE DEUS
Em suma:
1. É Mãe de Deus.
2. Desde o momento em que manifestou seu “sim” à mensagem do Arcanjo.
3. Sua dignidade é de alguma maneira infinita.
4. Foi Virgem antes, durante e depois do parto.
5. O parto da Virgem foi profetizado no Antigo Testamento.
6. Jesus Cristo foi seu único filho e primogênito.
7. Maria teve domínio sobre Jesus, não por direito, mas de fato.
1. A VIRGEM MARIA É VERDADEIRAMENTE MÃE DE DEUS
Não consta expressamente na Sagrada escritura que a Virgem Maria seja Mãe de Deus; porém, consta que é Mãe de Jesus Cristo e que Jesus Cristo é verdadeiro Deus.
a) Maria é Mãe de Jesus Cristo:
“Viram o menino com sua Mãe Maria; e, prostrando-se, o adoraram” (Mateus 2,11).
“Quando o viram, ficaram surpresos, e sua Mãe lhe disse: ‘Filho, por que fizeste isto? Teu pai e eu, angustiados, estávamos te procurando” (Lucas 3,48).
“Três dias depois foi celebrada uma boda em Caná da Galiléia e estava ali a Mãe de Jesus” (João 2,1).
“Todos eles perseveravam na oração com o mesmo espírito, na companhia de algumas mulheres, de Maria, a Mãe de Jesus e seus irmãos” (Atos 1,14).
b) Jesus Cristo é verdadeiro Deus:
“Nós estamos na Verdade, em seu Filho Jesus Cristo. Este é o Deus verdadeira e a vida eterna” (1João 5,20).
Esclarecimento: Aquele que foi gerado pelo Pai desde toda a eternidade e que foi gerado da Virgem no tempo é um e o mesmo.
“Darás à luz um filho, e tu o chamarás com o nome de Jesus. Ele será grande, será chamado ‘Filho do Altíssimo'” (Lucas 1,31-32).
“Porém, ao chegar a plenitude dos tempos, Deus enviou seu Filho, nascido de mulher, nascido sob a Lei” (Gálatas 4,4).
2. A VIRGEM MARIA FOI CONSTITUÍDA MÃE DE DEUS NO MESMO INSTANTE EM QUE MANIFESTOU SUA CONFORMIDADE À MENSAGEM DO ARCANJO GABRIEL
“Disse Maria: ‘Eis aqui a serva do Senhor; faça-se em mim segundo a tua palavra” (Lucas 1,38).
Esclarecimento: Deus não quis tomar a carne humana de Maria sem que ela conhecesse o mistério e prestasse seu consentimento. E ela prestou quando disse: “Faça-se em mim segundo a tua palavra” (Lucas 1,38).
3. A DIGINIDADE DA MATERNIDADE DIVINA, DE ALGUMA MANEIRA, É INFINITA
Disso há deduções muito claras na Sagrada Escritura:
“Anunciarei o decreto de Javé; ele me disse: ‘Tu és o meu filho; eu te gerei hoje'” (Salmo 2,7).
Esclarecimento: Ainda que seja verdade que estas palavras se atribuem ao Pai Eterno, não é menos certo que a Virgem Maria é a única criatura a quem também poderia se atribuir. Porém, se o Filho é de dignidade infinita, por ser gerado pelo Pai Eterno, como esta dignidade não iria redundar em sua Mãe, que lhe deu o ser? Se a excelência do fruto é atribuída à árvore, como a infinita dignidade do Filho não será atribuída também à Mãe?
4. MARIA FOI VIRGEM ANTES DO PARTO, DURANTE O PARTO E DEPOIS DO PARTO
São admitidos 4 aspectos da Virgindade:
1. Virgindade do corpo: é a imunidade de uma plena satisfação venérea admitida livremente, seja lícita ou ilícita.
2. Virgindade da mente: é um firme propósito de abster-se perpetuamente de qualquer deleite venéreo.
3. Virgindade da alma: é a dedicação total do homem feita a Deus pelo Reino dos céus.
4. Virgindade do sentido: é a imunidade de qualquer movimento venéreo da concupiscência.
Aqui se faz referência à virgindade do corpo, que nunca foi violada.
a) Maria é virgem ANTES do parto:
“O anjo do Senhor apareceu-lhe em sonhos e lhe disse: ‘José, filho de Davi, não temas tomar contiga a Maria, tua esposa, porque o que foi concebido nela vem do Espírito Santo. Ela dará à luz um filho, a quem porás o nome de Jesus, porque ele salvará o seu povo de seus pecados’. Tudo isto ocorreu para que se cumprisse o oráculo do Senhor por meio do profeta: ‘Eis que uma Virgem conceberá e dara à luz um filho, a quem colocarão o nome de Emanuel'” (Mateus 1,20-23).
“José despertou do sonho e fez como o Anjo do Senhor lhe havia mandado; e tomou consigo a sua esposa. E sem tê-la conhecido, deu ela à luz um filho, a quem pôs o nome de Jesus” (Mateus 1,24-25).
“Foi enviado por Deus o Anjo Gabriel a uma cidade da Galiléia, chamada Nazaré, a uma virgem desposada com um homem chamado José” (Lucas 1,26-27).
b) Maria é virgem NO parto:
“Eis que a jovem concebeu e dará à luz um filho, e lhe porá o nome de Emanuel” (Isaías 7,14).
“José despertou do sonho e fez como o Anjo do Senhor lhe havia mandado; e tomou consigo a sua esposa. E sem tê-la conhecido, deu ela à luz um filho, a quem pôs o nome de Jesus” (Mateus 1,24-25).
[“Enquanto lá estavam, completaram-se os dias para o parto, e ela deu à luz o seu filho primogênito, envolveu-o com faixas e reclinou-o numa manjedoura, porque não havia um lugar para eles na sala” (Mateus 2,7).]

c) Maria é virgem DEPOIS do parto:
“E Iahweh me disse: ‘Este pórtico permanecerá fechado. Não se lhe abrirá e ninguém passará por ele, porque por ele passou Iahweh, o Deus de Israel. Ficará, pois, fechado” (Exequiel 44,2).
“Maria respondeu ao Anjo: ‘Como se dará isto se não conheço varão?'” (Lucas 1,34).
Esclarecimento: Esta resposta supõe propósito de guardar a virgindade.
5. O PARTO DA VIRGEM MARIA FOI PROFETIZADO NO ANTIGO TESTAMENTO
“Pois bem. O próprio Senhor vos dará um sinal: eis que a jovem concebeu e dará à luz um filho, e lhe porá o nome de Emanuel” (Isaías 7,14).
“Por isso Iahweh vos abandonará até o tempo em que dê a luz aquela de dará a luz” (Miqueias 5,2).
Esclarecimento: Trata-se da Mãe do Messias.
6. JESUS CRISTO FOI FILHO ÚNICO E PRIMOGÊNITO DA VIRGEM MARIA
a) Filho único:
– No Templo, aparece como filho único:
“Seus pais iam todos os anos a Jerusalém, à festa da Páscoa. Quando tinha doze anos, subiram eles, como de costume, à festa” (Lucas 2,41).
– Em Nazaré, falam do filho de Maria:
“Não é este o carpinteiro, o filho de Maria e irmão de Tiago, José, Judas e Simão?” (Marcos 6,3).
Esclarecimento: a palavra “irmão” era usada no sentido de outra espécie de parentesco.
“Abrão, ao ouvir que seu irmão tinha sido preso” (Gênese 14,14).
“Filhos de Merari: Eleazar e Cis. Eleazar morreu sem ter filhos; só teve filhas, as quais os filhos de Cis, seus irmãos, tomaram por esposas” (1Crônicas 23,21).
“Jeú encontrou os irmãos de Ocozias, rei de Judá, e pergunto: ‘Quem sois vós?’. Eles responderam: ‘Somos os irmãos irmãos de Ocozias” (2Reis 10,13).
Esclarecimento: A palavra “irmão” era usada no sentido de outro parentesco, como sobrinho.
– Na Cruz:
“Jesus, vendo sua Mãe e junto a ela o discípulo a quem amava, disse para sua Mãe: ‘Mulher, eis aí o teu filho’. A seguir, disse ao discípulo: ‘Eis a tua mãe’. E a partir daquela hora, o discípulo a acolheu em sua casa” (João 19,26-27).
Esclarecimento: Se Jesus tinha irmãos e a Virgem tinha outros filhos, é inconcebível que a tivesse dado por Mãe a São João.
b) Primogênito:
“E aconteceu que, enquanto estavam ali, se cumpriram os dias da gravidez e deu à luz ao seu filho primogênito” (Lucas 2,6-7).

7. MARIA TINHA DOMÍNIO SOBRE CRISTO, NÃO POR DIREITO, MAS DE FATO
a) Não teve domínio por direito porque apenas Cristo o teve:
“Então o Rei dirá aos da sua direita: ‘Vinde, benditos de meu Pai. Recebei a herança do Reino de meu Pai; recebei a herança do Reino preparado para vós'” (Mateus 25,34).
“Então Pilatos lhe disse: ‘Tu és Rei?’ Jesus respondeu: ‘Tu o dizes: eu sou Rei'” (João 18,37).
b) Mas teve domínio de fato:
“Desceu com eles e veio a Nazaré; e vivia sujeito a eles” (Lucas 2,51).
Esclarecimento: Maria foi Mãe de Cristo e ainda que os filhos tivessem a obrigação de obedecer aos pais por direito natural, Jesus quis, no entanto, mostrar-se livremente submisso aos seus pais.
Veritatis Splendor

A humanidade de S. Paulo VI (1/4)


Montini era um papa humano simples, na vida cotidiana e no encontro com a multidão, na solidão cotidiana, em contatos frequentes com colaboradores e nos momentos das escolhas mais exigentes.

Do arcebispo Romeo Panciroli



1.      O Evangelho é sempre a resposta e a luz para os problemas humanos cotidianos, e um deles é precisamente a disparidade excessiva entre os pobres e os ricos que na vida e na sociedade se encontra em situações muito concretas.

Nós cristãos não podemos ser espectadores neutros da pobreza e miséria dos outros, porque, como lemos na constituição conciliar Gaudium et spes , "as alegrias e esperanças, tristezas e angústias dos homens de hoje, especialmente os pobres e todos aqueles que sofrem são também as alegrias e esperanças, a tristeza e angústia dos discípulos de Cristo, e não há nada genuinamente humano que não encontre eco em seus corações".

O crente de hoje deve defender abertamente a justiça social, como Jesus Cristo nos ensinou, depois os apóstolos e, finalmente, os sumos pontífices em suas memoráveis ​​encíclicas, até a Populorum progressio de Paulo VI, a favor dos povos em desenvolvimento: um documento de particular importância, porque inserido diretamente no coração dos problemas mais quentes do mundo, que propõe um novo conceito de caridade universal para regular as relações entre os povos da opulência e os da fome, a fim de alcançar o desenvolvimento integral cara.

Paulo VI sabia que a missão própria da Igreja, segundo a mesma constituição Gaudium et spes , é de natureza espiritual; mas ele também estava ciente dos laços que, precisamente em virtude de sua missão religiosa, tornam a Igreja verdadeira e intimamente unida à humanidade e à sua história.
O papa Montini, de quem nos lembramos com prazer neste 107º aniversário de seu nascimento, conhecia bem os problemas do mundo porque estava em constante contato com o mundo. "Ninguém carece de pão e dignidade", disse ele antes de sua viagem à Índia, "e todo mundo tem o bem comum como seu maior interesse".

Esses sentimentos serão concretizados durante o seu pontificado em numerosos pequenos e grandes gestos, incluindo, antes de tudo, o presente aos pobres da tiara, dado a ele pela diocese de Milão, para lembrar a todos que a Igreja, seguindo o exemplo de Cristo e em harmonia com o Concílio, sempre foi a mãe dos pobres. Não eram gestos improvisados, mas a expressão de sua sensibilidade particular em relação aos pobres, em total conformidade com os ensinamentos do Evangelho.

"Antes de nosso chamado ao pontificado supremo" , escreveu ele no Populorum progressio, "duas jornadas na América Latina e na África nos colocaram em contato imediato com problemas excruciantes que envolvem continentes cheios de vida e esperança. Cobertos de paternidade universal, fomos capazes, no curso de novas jornadas ... de ver com nossos próprios olhos e quase tocar as sérias dificuldades de tantas populações.

Não é só viajar. Todos os dias, malas cheias de documentos, relatórios das representações pontifícias, resenhas da imprensa de todo o mundo, numerosas correspondências, resumos de práticas, cartas oficiais, rascunhos de mensagens chegavam ao seu escritório.

Paulo VI leu tudo cuidadosamente. Ele estava meticulosamente ciente de tudo em um trabalho diário que muitas vezes durava até depois da uma da manhã, quando, antes de descansar, passava na capela para uma última despedida ao Senhor a quem ele já havia dedicado o primeiro espaço do dia, no «Audiência com Deus». Ele precisava ficar sozinho com ele, ouvi-lo por um longo tempo antes de falar com os homens, em virtude de seu ministério, que o levaria a dar audiência a muitas pessoas, em todo o mundo.

Aproveitemos a oportunidade deste aniversário para examinar mais de perto a complexa personalidade deste Servo de Deus, que nos deixou muitos ensinamentos e grandes exemplos, convencidos de que o tempo exaltará sua figura e trabalhará cada vez mais.

Hoje, todos reconhecem a inteligência lúcida com a qual ele liderou e completou o Concílio e a dolorosa sabedoria com que ele manteve a Igreja no período atormentado do período pós-conciliar. Algumas de suas decisões corajosas, que marcaram pontos fixos e que na época para alguns pareciam ser "fechamentos", foram posteriormente consideradas proféticas em muitos aspectos.

Um exemplo acima de tudo, sua referência, agora muito atual, às raízes cristãs da Europa: "É certo que toda a Europa extrai da herança tradicional da religião de Cristo a superioridade de seu traje jurídico, a nobreza das grandes idéias de seu humanismo e a riqueza de princípios distintivos e vivificantes de sua civilização”. No dia em que a Europa repudiasse esse patrimônio ideológico fundamental, deixaria de ser ela mesma.

Revista 30 Dias

Pe. Manuel Pérez Candela

Pe. Manuel Pérez Candela
Pároco da Paróquia Nossa Senhora da Imaculada Conceição - Sobradinho/DF