Translate

terça-feira, 2 de agosto de 2022

O que dizer e o que não dizer em um funeral

Rawpixel.com / Shutterstock
Por Michael Rennier

Muitas vezes, dizemos alguns clichês ao tentarmos confortar a pessoa enlutada. Aqui está o que fazer em vez disso.

Como padre, vou a muitos funerais. E falo em muitos deles. Passo muito tempo em visitas e conversando com famílias enlutadas em meu escritório.

Eu também sou uma pessoa incrivelmente estranha quando se trata de lidar com emoções. Eu luto para expressar como me sinto e, no meio de eventos que causam emoções fortes, eu não gosto de reconhecer que elas existem. Na verdade, me sinto desconfortável quando estou em um ambiente onde as emoções estão à mostra – provavelmente porque não entendo o que estou sentindo.

Por causa desse constrangimento, eu costumava ter o hábito de recorrer aos clichês ao tentar confortar famílias enlutadas. Queria consertar a tristeza delas e estava convencido de que se eu conseguisse dizer a coisa certa e perfeita, isso aliviaria seus sentimentos. Então, eu falava demais e procurava as palavras mágicas que aliviariam a tristeza daquele momento.

A realidade da morte

Não que eu estivesse inapropriadamente tentando fazer piadas ou evitando completamente a realidade de que um caixão com um cadáver estava bem ali na frente. Mas eu não estava disposto a enfrentar essa dura realidade, porque reconhecê-la também era um reconhecimento de que a morte traz consigo uma gama complexa de emoções que são impossíveis de resolver em um único dia.

Enquanto isso, o ato de cumprimentar uma esposa que acaba de perder o marido nos obriga a falar, a dizer alguma coisa – qualquer coisa – e é por isso que as palavras que dizemos nos funerais são, muitas vezes, banais. Elas podem até ser involuntariamente prejudiciais porque, quando oferecemos falso conforto e banalidades, aqueles que estão de luto podem ficar com a impressão de que deveriam estar se sentindo diferente do que estão, e que há algo errado ou grosseiro na tristeza. 

Parece que a maneira socialmente aceitável de sofrer é lidar com isso educadamente e silenciosamente antes de seguir em frente. A viúva enlutada fica com a culpa de não poder ver o lado positivo ou admitir que “pelo menos” seu marido de 60 anos está agora em um lugar melhor ou não está mais sofrendo.

O que dizer nos funerais

Nada de chavões. Nenhum conforto fácil. Nada de minimizar a morte com falsa positividade. Acima de tudo, nada de proferir qualquer frase que comece com “pelo menos”.

Evitar esses chavões tem um custo. Significa que não posso ignorar os sentimentos. Não posso ignorar a dor e a realidade do que significa amar e perder outra pessoa, o que significa sentir que um pedaço do seu coração foi quebrado e enterrado no chão para sempre.

Um funeral é um reconhecimento de uma grande dor: a presença de uma ferida espiritual aberta que não cicatriza completamente. Devemos ser muito corajosos para admitir isso honestamente. Mas precisamos admitir, pois a ferida que fica é sinal de amor verdadeiro, que há um valor insubstituível nas vidas que se entrelaçam e que há uma perda irrevogável quando a morte faz uma separação física. 

Exemplos

Eu digo à família que sinto muito pela perda. Eu tento compartilhar uma história de como eu admirava o falecido de uma maneira específica. Tento também me referir a um aspecto de seu caráter que eu quero imitar. Acima de tudo, deixo-os saber que estou lá para orar com eles e recomendar o ente querido a Deus, que a morte não vai diminuir o amor que as pessoas têm umas pelas outras.

A melhor maneira de rezar é através da Missa e, se você estiver se perguntando o que fazer, praticamente falando, ofereça uma Missa pelos falecidos e entregue aos enlutados um cartão da Missa com a data específica em que será oferecida.

Acima de tudo, as pessoas em luto simplesmente apreciam sua presença. Portanto, esteja pronto para ouvir em silêncio, sem interferir.

Enfim, não devemos fugir. Não devemos vacilar. Fale com autenticidade, mesmo que seja difícil encontrar as palavras. Eu descobri que é melhor usar menos palavras, pois a realidade de quem somos como seres humanos e o amor que compartilhamos é muito maior do que qualquer palavra pode descrever.

Fonte: https://pt.aleteia.org/

S. PEDRO JULIÃO EYMARD, SACERDOTE FUNDADOR DOS SACRAMENTINOS

S. Pedro Julião Eymard | sacramentinos
02 de julho

São Pedro Julião Eymard

A Eucaristia para o reflorescimento espiritual

“Refleti muito sobre os remédios para vencer a indiferença universal, que se apodera de tantos homens, e encontrei somente um: a Eucaristia, o amor a Jesus eucarístico. A perda da fé provém da perda do amor”. Com estas palavras, em meados do século XIX, o sacerdote francês, Pedro Julião Eymard, - animado pelo desejo de despertar um florescimento espiritual na Europa, - confirmava a sua profunda convicção de que somente o culto Eucarístico seria a chave para a renovação da vida cristã e para a formação de leigos e consagrados.

Sempre devoto ao Santíssimo Sacramento

A devoção ao Santíssimo Sacramento sempre acompanhou o crescimento espiritual de Pedro Julião: desde criança, sobretudo, no dia da sua Primeira Comunhão, amadureceu seu propósito de ser sacerdote.

Pedro Julião Eymard nasceu em La Mure d’Isére, diocese de Grenoble, em 4 de fevereiro de 1811. Era o último de dez filhos, oito dos quais falecidos em tenra idade. Devido à saúde frágil, teve que deixar de lado seu desejo de partir em missão. No entanto, sua aspiração ao sacerdócio, fortemente contestada pelo pai, encontrou a sua realização aos 20 anos, quando entrou para o seminário; a seguir, em 1834, foi ordenado sacerdote. Primeiro, foi um padre diocesano, mas, a partir de 1839, se tornou membro da recém-fundada Congregação dos Padres Maristas, em Lyon. Ali, foi logo atraído pela contemplação do amor de Deus, de modo especial, da Eucaristia.

Os Sacramentinos

Um dos momentos importantes, no percurso espiritual do jovem, foi uma procissão eucarística, em 1845, durante a qual, ao carregar o Santíssimo Sacramento, pediu a Deus o zelo apostólico do apóstolo Paulo para difundir o Evangelho. Outro momento foi a viagem que fez a Paris, em 1849, onde, em qualidade de provincial dos Padres Maristas, teve a oportunidade de conhecer algumas pessoas importantes do Movimento de Adoração Noturna, entre as quais a fundadora da “Adoração Reparadora”, Madre Marie-Thérèse Dubouché e o conde Rayond de Cuers. Com este, em maio de 1856, em Paris, fundou a Congregação dos Padres do Santíssimo Sacramento, cada vez mais ciente da centralidade do culto Eucarístico, após ter deixado a Sociedade de Maria.

Para Padre Eymard, a adoração era mais que uma simples contemplação: constituía o motor e a alma de toda atividade caritativa, tanto entre os pobres da periferia de Paris quanto entre os sacerdotes idosos ou os que se encontravam em dificuldade.

Movido por esta sua convicção, junto com Margarida Guillot, Padre Eymard fundou a Congregação das Servas do Santíssimo Sacramento; animou a Associação dos Sacerdotes Adoradores, a Congregação Eucarística dos Leigos; além do mais, comprometeu-se com o apostolado, através da pregação, da direção espiritual e da obra das Primeiras Comunhões de adultos e jovens operários.

A centralidade da Missa

A celebração Eucarística deveria ser o centro de toda a vida de um cristão e origem de toda a sua ação. Assim, Padre Pedro Julião foi um incansável incentivador da participação frequente da Missa. O fato de estar diante de Deus, contemplando a hóstia consagrada, - segundo o sacerdote, - transcendia toda e qualquer forma de intimismo e impelia o adorador à vida ativa.

Esta dimensão social da Eucaristia é destacada pelo Padre Pedro Julião, no texto ‘Le Trés Saint Sacrement’: “O culto solene à exposição do Santíssimo é necessário para despertar a fé, adormecida em tantos homens honestos. (...) A sociedade morre quando não tiver mais um centro de verdade e de caridade e tampouco vida em família. Muitos se isolam, se concentram em si mesmo, querem ser autossuficientes. Assim, a dissolução é iminente! Ao contrário, a sociedade renasce com vigor quando todos os seus membros se reúnem em torno do Emanuel”.

Como “Padre e Apóstolo da Eucaristia”, Pedro Julião Eymard morreu, na sua cidade natal, com apenas 57 anos de idade, no dia primeiro de agosto de 1868, por causa da sua saúde frágil, marcada por todo tipo de provação, sobretudo nos últimos anos.

São Pedro Julião Eymard foi beatificado, em 1925, por Pio XI, e, em 1962, canonizado pelo Papa João XXIII.

Fonte: https://www.vaticannews.va/pt

segunda-feira, 1 de agosto de 2022

Escutar para discernir o chamado de Deus

marista.org.br

ESCUTAR PARA DISCERNIR O CHAMADO DE DEUS

Dom José Gislon
Bispo de Caxias do Sul (RS)

Queridos irmãos e irmãs em Cristo Jesus! Como Igreja comunidade de fé, queremos louvar e agradecer a Deus pelo dom da vida e pela vocação, que cada um abraçou como escolha consciente, para vivê-la com dignidade, tendo presente o chamado de Deus e a resposta do coração.  

Como Povo de Deus a caminho da casa do Pai, queremos, neste momento da história, à luz da Palavra da Deus, como Igreja, comunidade de fé, viver este Mês Vocacional como um convite a olharmos a nossa disposição interior para o serviço do Senhor, através da nossa vocação, matrimonial, consagrada ou sacerdotal. Ao mesmo tempo, convido a nos colocarmos à escuta de Deus, através da oração e do silêncio, para refletirmos e discernirmos sobre a pouca receptividade dos jovens ao chamado de Deus, à vida consagrada, sacerdotal e matrimonial.  

A família e a comunidade de fé são espaços privilegiados para o discernimento vocacional dos jovens, que deveriam encontrar apoio e incentivo, através da oração e do respeito à liberdade de escolha em relação ao estado de vida. No modo de ver de Jesus, a fé é a fonte do discernimento vocacional. Se a vocação para a alegria do amor é o apelo fundamental que Deus põe no coração de cada jovem, para que a sua existência possa dar fruto, a fé é dom do alto e resposta ao sentir-se escolhido e amado. 

A vocação ao amor assume para cada um uma forma concreta na vida cotidiana, por meio de uma série de escolhas de estado de vida, das quais ninguém pode eximir-se. O objetivo do discernimento vocacional é descobrir como transformá-lo, à luz da fé, em passos rumo à plenitude da alegria a que todos são chamados. Abraçar uma vocação aderindo a um estado de vida é uma resposta do coração no qual está presente o “sim” do amor serviço, da entrega, da realização humana e espiritual de cada pessoa. 

Numa cultura marcada pelo materialismo, o individualismo e a indiferença, que buscam subjugar os valores do Evangelho, é fundamental, assumirmos a nossa responsabilidade de cristãos comprometidos com o Reino de Deus, apresentando aos jovens os valores da fé e a importância do discernimento vocacional, para fazer uma escolha de vida, em que possam melhor contribuir através da vocação, dom Deus, para estar a serviço da humanidade. 

No “sim” da resposta vocacional a Deus não está presente a certeza, mas a confiança no chamado do Pai; no colocar-se a caminho para servir, como fez Maria de Nazaré, a humilde serva do Senhor. Ela disse “sim” porque confiava naquele Deus que age na história da humanidade e na história pessoal e vocacional de cada um de nós.  

Que Nossa Senhora de Caravaggio, padroeira da nossa Diocese, interceda junto ao seu Filho Jesus, para que os jovens possam fazer um discernimento vocacional, tendo presente o chamado de Deus, a vocação, mas também as necessidades da Igreja, Povo de Deus em nossas comunidades.

Fonte: https://www.cnbb.org.br/

Santo Afonso Maria de Ligório

S. Afonso Maria de Ligório | comshalom.org
01 de agosto

Santo Afonso Maria de Ligório

Origens

Nascido em 27 de setembro de 1696, na vila de Marianela, na cidade de Nápoles, Itália, Afonso de Ligório era filho de família cristã, nobre e rica. Seus pais perceberam logo que Afonso tinha uma inteligência privilegiada. Por isso, fizeram questão de dar a ele as condições para ele estudar nas melhores escolas e universidades. Seu pai dedicava-se a prepara-lo nos estudos e sua mãe ocupava-se em formá-lo na fé cristã. E, de fato, sua mãe fez dele um cristão fervoroso. Além disso, Afonso destacou-se como escritor, poeta e músico. Com apenas dezesseis anos já era advogado, tendo conseguido o doutorado em direito civil e eclesiástico.

O exercício do direito em favor dos pobres

O brilhante e jovem advogado Afonso de Ligório começou a exercer sua profissão no fórum de Nápoles. Ao mesmo tempo, cultivava uma intensa vida espiritual. Por enxergar a corrupção entre os detentores do poder, ele decidiu nunca advogar em favor da corte. Fora a corte, atendia a todos com a mesma atenção e empenho. Mas fazia questão de dar o primeiro lugar de seus atendimentos aos pobres, àqueles que não teriam como pagar os honorários de um advogado.

Uma decepção muda sua vida

Após dez anos de trabalho intenso, Afonso de Ligório tornou-se um advogado de sucesso, famoso em toda a Itália. Porém, a política lhe reservava uma triste surpresa. Por casa da influência de alguns poderosos, ele perdeu uma causa importante, injustamente. A perda dessa causa teve uma enorme repercussão, prejudicando uma faixa social menos favorecida. Isso fez com ele tivesse uma grande desilusão. Ele já vinha refletindo e escrevendo sobre a corrupção moral de sua época. Assim, depois desse fato, ele abandonou tudo e decidiu entrar para a vida religiosa.

O advogado se torna padre

O pai de Santo Afonso, a princípio, não queria que ele seguisse a vida religiosa. Porém, quando percebeu a alegria do filho ao renunciar aos títulos de nobreza e à herança, aceitou e viu que esta era sua vocação. Afonso estudou teologia e foi ordenado padre aos trinta anos, no ano 1726. Na ocasião, acrescentou o nome de Maria ao seu sobrenome, como forma de prestar homenagem a Jesus Cristo, através de sua Mãe. A partir daí, todos os seus talentos e inteligência foram colocados a serviço do Evangelho. Logo destacou-se sua caridade e bondade para com os pobres. Tinha especial apreço em levar conforto espiritual a todos. Tornou-se um grande pregador, mesclando a ciência da oratória com o poder de Deus. Suas palavras reconciliavam inimigos, orientavam os desnorteados, consolavam os aflitos e curava corações.

Funda a Congregação dos Redentoristas

Santo Afonso tinha um poderoso lema de vida, tirado do Evangelho de São Lucas: "Deus me enviou para evangelizar os pobres." Para melhor viver e aplicar este lema, ele fundou a Congregação do Santíssimo Redentor, que ficou conhecida em todo o mundo o mundo como a Congregação dos Padres Redentoristas. A missão dos Redentoristas é exclusivamente a da pregação aos pobres, procurando regiões de população menosprezada, levando missões e retiros espirituais. O próprio Santo Afonso foi missionário no sul da Itália, reunindo multidões, pregando a Palavra de Deus, ensinando tudo sobre a devoção a Maria. Além disso, ele mesclava sua atividade missionária com a de escritor. Escreveu livros importantes de conteúdo ascético e teológico. Por causa de sua obra falada e escrita, muitas conversões aconteceram.

Sagrado bispo

No ano de 1762, o Papa convidou Santo Afonso para ser o bispo da diocese de Santa Águeda dos Godos.  Ele aceitou e foi bispo dessa diocese durante treze anos. A final desse tempo, ele se retirou para um convento dos Redentoristas, impossibilitado de continuar à frente da diocese por causa de uma artrite degenerativa deformante. Mas, no convento, ele não ficou parado. Já quase cego, e paralítico, ele completou sua obra literária, extensa e importantíssima. Ele escreveu nada menos que cento e vinte livros e tratados. Entre os mais conhecidos, destacam-se: "Glórias de Maria", "Teologia moral"; "Visitas ao Santíssimo Sacramento" e o "Tratado sobre a oração".

Falecimento

Santo Afonso Maria de Ligório viveu ainda doze anos, passando por muito sofrimento físico e veio a falecer com noventa e um anos. Era o dia 1º de agosto de 1787, na cidade de Salerno, Itália. Foi Canonizado no ano 1839. Alguns anos mais tarde, em 1871, foi declarado doutor da Igreja. Em 1950, o papa Pio XII declarou-o Padroeiro dos Confessores e dos Teólogos de Teologia Moral.

Oração a Santo Afonso

“Senhor, concedei-me pelos méritos de Santo Afonso Maria de Ligório, o dom do verdadeiro amor fraternal. Com Vossa Graça, ajudai-me, pois não quero mais julgar, condenar, desprezar, excluir. Que eu tenha humildade para aceitar os meus defeitos e procurar melhorá-los. Amém. Maria, Espelho da Justiça, rogai por nós.”

Fonte: https://cruzterrasanta.com.br/

3 pontos para levar em consideração ao discernir a vocação

Vocação | Editora Cléofas

 POR PROF. FELIPE AQUINO

A vocação é um chamado de Deus que implica uma escuta e uma resposta por parte do ser humano, mas o que deve ser considerado no momento de discernir o caminho que Deus tem para cada um?

O Centro de Estudos Católicos (CEC) propôs três chaves para levar em consideração no discernimento vocacional, tanto para o matrimônio quanto para a vida religiosa.

1. Compromisso

Em primeiro lugar, “tanto o matrimônio quanto a vida religiosa implicam um compromisso amoroso de serviço aos outros”, explica o CEC.

“Estar apaixonado é importante, mas não suficiente”, porque “o chamado ao matrimônio implica uma conversão de vida centrada no cônjuge e possivelmente nos filhos que possam nascer”.

No caso da vida religiosa, esta “implica um chamado ao serviço e à entrega de si” pelos outros.

2. Paciência

Por outro lado, é importante considerar que “o discernimento requer paciência”, pois em muitos casos os noivados podem ser longos e a vocação religiosa precisa de tempo para se estabelecer.

“A consistência da vocação será testada por um tempo”, assinala o CEC. “Um casal precisará de tempo, de repente anos, para conhecer-se, apaixonar-se, para tomar a decisão sobre a sua vocação ao matrimônio”.

No caso da vocação religiosa, “levará anos de seminário e formação, antes de realizar os votos perpétuos”.

3. Olhar realista

“O processo para fazer compromissos para a vida inteira é muito fácil de descrever e parece muito organizado e estruturado, mas na verdade é desordenado e imperfeito”, assegura o CEC.

Por isso, “não deveríamos procurar o cônjuge perfeito ou a comunidade perfeita. Inclusive se encontrássemos o casal perfeito, o casamento não seria perfeito depois de casados”.

“Isso está bem. É uma realidade humana e, assim também, de maneira tão humana e natural, devemos viver esse processo”, aconselha.

O Centro de Estudos Católicos é um ponto de encontro dedicado ao estudo, à reflexão e ao diálogo sobre diversas realidades humanas iluminadas pela riqueza da fé.

Fonte: https://www.acidigital.com/noticias/3-pontos-para-levar-em-consideracao-ao-discernir-a-vocacao-33744

https://cleofas.com.br/

"O Oratório": das estradas de Lagos, em um filme, o grito dos pobres e da terra

O pôster do filme "O Oratório" | Vatican News

Estreado em alguns cinemas da Europa, o longa-metragem produzido e dirigido pelo diretor de cinema nigeriano Obi Emelonye conta a história de um grupo de garotos de Lagos cuja sobrevivência, não raramente, está ligada ao crime. Por trás de um cenário sombrio, marcado pela degradação e pobreza, está a luz de Laudato si' na reinterpretação moderna da figura de São João Bosco e no desejo dos jovens de contribuir para a causa do meio ambiente.

Aurora Simionato e Marta Miotto - Veneza*

"Vocês entrarão muito em sintonia com este filme, porque estamos promovendo a causa do Papa Francisco."  Assim, o padre Cyril Odia, um salesiano originário da Nigéria, atualmente diretor do "Centro Santa Catarina" em Maynooth, Irlanda, e produtor executivo do longa-metragem ''A Oratório, História Africana de São João Bosco'', imediatamente quis enfatizar a sintonia que existe entre esta história e a Encíclica Laudato si'. Trata-se de uma reinterpretação moderna da figura de Dom Bosco e do carisma salesiano imerso numa rede de relações e paisagens africanas. Uma visão da situação de pobreza e degradação presente hoje em Lagos, cidade mais populosa da Nigéria, onde o cuidado com a Casa comum e a legalidade se revelam como traços de salvação humana e cristã.

Jovens em formação no Centro de Proteção da Criança Dom Bosco | Vatican News

Nigéria: uma terra de mil rostos

Localizada na parte centro-oeste da África, dividida em 36 estados, a Nigéria, um dos dez mais populosos países do mundo, é uma nação de mil rostos: estima-se uma população de 211 milhões de habitantes, divididos em cerca de 250 grupos étnicos e caracterizado pela presença de mais de 500 línguas locais. Esta nação, embora não territorialmente a maior, ganhou uma posição proeminente na África Ocidental, por sua  vivacidade cultural. É também um dos poucos países africanos que hospeda grandes agências de produção de filmes, como The Nollywood Factory, produtora de "O Oratório". A Nigéria, como é conhecida, também é afetada por um desequilíbrio econômico significativo: de acordo com o que foi declarado pelo Nigerian Nation Bureau of Statistics em 2020, 40% da população vive abaixo da linha da pobreza, dado este, que poderia crescer como resultado das dificuldades induzidas pela pandemia. O apelo que o dom Ignatius Kaigama, arcebispo de Abuja, lançou da paróquia de São Mateus em março de 2021 ainda ressoa fortemente:  "Dar de comer aos famintos é um imperativo ético e uma forma poderosa de oração" e a Igreja está na vanguarda para ouvir esse grito.  Num país que já sofre de lutas internas, ataques terroristas e sequestros que constantemente minam a convivência civil e o delicado equilíbrio da política interna, há a emergência ambiental, marcada nos últimos 50 anos por uma corrida louca para extrair petróleo, totalmente independente do respeito pelos ecossistemas e o meio ambiente. De terra incontaminada e exuberante, a Nigéria está se transformando num cenário muito preocupante do ponto de vista ambiental: as florestas foram desfiguradas pelas obras após a passagem dos oleodutos, o ar poluído pela técnica de queima de gás e as águas contaminadas a ponto de comprometer todo o setor alimentar.  Nesse contexto, se insere o trabalho dos salesianos na Nigéria, comprometidos na esteira traçada pela Laudato si' no âmbito da ecologia integral que exige tanto a proteção da dignidade humana quanto a do meio ambiente que a hospeda.

Centro Juvenil Salesiano de Iju produz máscaras - Fonte ANS | Vatican News

A missão salesiana em Lagos

A sociedade nigeriana, no entanto, parece muito dinâmica e determinada a participar da mudança. Por outro lado, a idade média da população é bastante baixa, mas a maioria dos jovens parece não ter um grande futuro, embora muitos desejam oferecer suas energias e talentos para o cuidado da Casa comum. Lagos, embora não seja a capital, além de ser a maior e mais populosa cidade, também é o centro comercial e econômico do Estado. Por isso, como explicou o padre Augustine Okeke, diretor da obra salesiana, muitos jovens saem de suas casas, atraídos pela possibilidade de trabalho, dinheiro e bem-estar, mas quando chegam aqui "percebem que estão sozinhos e não têm nada, e acabam morando na rua". É justamente na dificuldade que os jovens encontram a presença dos salesianos, graças aos quais encontram ajuda, apoio moral e psicológico. Posteriormente, por meio da ajuda de órgãos públicos, o apoio se desloca para o Centro Salesiano de Proteção de Menores (DBCPC), no qual os religiosos são ajudados por operadores profissionais, no trabalho de formação e prevenção. Os salesianos também estão engajados no diálogo inter-religioso na Nigéria com o objetivo de construir, especialmente através do trabalho das novas gerações, para uma sociedade mais inclusiva e baseada no diálogo.

Pe. Cyril Odia, salesiano | Vatican News

O enredo

"O Oratório" é um filme que conta a história de Pe. Michael Simmons, interpretado pelo ator Rich Lowe Ikenna. Padre Michael é um padre salesiano de origem estadunidense que é enviado para a paróquia de elite de Ikoyi, em Lagos, frequentada por grupos de fiéis ricos que não olham favoravelmente para seu pároco que tem o desejo de cuidar dos meninos de rua.  Pe. Michael está particularmente interessado nas condições das crianças de uma favela chamada Makoko, presa em um sistema criminoso que não lhes permite resgatar sua existência e ele faz de tudo para salvar o máximo possível, fundando um oratório, completamente inspirado na obra de Dom Bosco. Deve-se notar, para entender melhor o contexto em que grande parte do filme foi ambientado, que em 2012, alguns funcionários do governo nigeriano tentaram eliminar o assentamento de Makoko, considerado "embaraçoso para a imagem da cidade", implementando um despejo geral e incendiando a favela, ações que desencadearam um efeito dominó de inconveniência com fortes repercussões em toda a comunidade da cidade.  "A escolha deste local - disse pe. Odia, produtor executivo e consultor do filme - foi funcional para destacar as condições ambientais críticas, devido à poluição e à pobreza, que pioram ainda mais a situação daqueles que vivem a precariedade nesse ambiente".  O filme foi feito pela The Nollywood Factory, uma empresa de cinema nigeriana, em colaboração com os salesianos de Dom Bosco. Foi dirigido pelo premiado cineasta Obi Emelonye, originário da Nigéria que agora vive no Reino Unido. O elenco contou com atores profissionais e dezenas de crianças da favela Mokoko agirem juntos: uma ideia de pe. Odia, segundo a qual as oportunidades e experiências positivas oferecidas aos jovens podem fortalecer a autoestima e orientar transformações positivas. A estreia mundial do filme ocorreu em setembro de 2021, em Dublin, despertando interesse pela iniciativa singular e com crítica encorajadora. Na Itália, o longa-metragem foi apresentado em estreia nacional em outubro de 2021 dentro do teatro Valdocco, local de onde a obra de Dom Bosco teve origem e se espalhou pelo mundo, e no mês seguinte foi exibido pela primeira vez nos cinemas de Lagos e Abuja, capital da Nigéria.

Coletiva de imprensa do filme "O Oratório" em Abuja | Vatican News

Laudato si' entre os fotogramas

Gbenga Adebija, presidente do comitê que organizou a estreia do filme em Lagos, disse ao jornal nigeriano Vanguard News como "O Oratório" não é apenas um filme, mas representa um aspecto concreto das muitas dimensões de intervenção que os salesianos implementam na Nigéria e ressaltou o quanto o longa-metragem recorda responsabilidades individuais e coletivas em relação aos meninos de rua e ao trabalho de inclusão que ajuda a prevenir comportamentos violentos e ilegais. Há muitos entrelaçamentos entre os valores da Laudato si' e o longa-metragem: do contraste com a cultura do desperdício ao cuidado da Casa comum, numa perspectiva de ecologia integral que coloca o homem, sua dignidade e seu bem-estar pessoal e coletivo no centro, estimulando-o a redefinir o futuro graças ao aprimoramento dos recursos do território. Em "O Oratório" destaca-se também a necessidade de proteger o trabalho e torná-lo acessível a todos, especialmente aos mais frágeis, renunciando a uma perspectiva que privilegia apenas mero lucro. "Com este filme - explicou o padre Cyril Odia - também estamos promovendo a causa do Papa Francisco, não apenas tentando tirar os meninos das ruas, mas também destacando que se não respondermos à urgência do que está acontecendo agora no mundo, como é bem enfatizado no longa-metragem, estamos apenas nos preparando para o desastre". A resposta positiva dos críticos de cinema e do público, apesar de todos os limites de presença nos cinemas, impostos pela pandemia, estimulou a produção do filme para iniciar uma campanha de financiamento colaborativo para poder distribuí-lo em maior escala. No momento, a projeção é possível estabelecendo acordos precisos com o produtor executivo, Cyril Odia, que pode ser contatado graças através do site www.salesiansireland.ie, (comunidade "Centro Santa Caterina" no contexto da Universidade  Maynooth) ou do e-mail cyrilodia@salesiansireland.ie

*Cube Radio - Istituto Universitario Salesiano Venezia e Verona

Fonte: https://www.vaticannews.va/pt

Razão e emoção, na vida, na política… e na fé

Shutterstock | erlucho
Por Francisco Borba Ribeiro Neto

O frustrado e o raivoso procuram uma alternativa que lhes permita exteriorizar aquilo que sentem da forma mais rápida e instintiva possível.

Somos seres inteligentes, que tomam decisões a partir de uma análise racional e objetiva da situação. Em política, avaliamos o desempenho dos políticos e escolhemos aqueles mais condizentes com a construção do bem comum e nossas convicções. Certo? Seria bom que fosse, mas infelizmente não é assim que as coisas acontecem. Estudos nas mais diversas áreas do conhecimento têm revelado que nossa suposta racionalidade, na tomada de decisões, é muito mais aparente do que imaginamos. Pensamos e agimos fortemente condicionados por sentimentos, emoções e paixões – ainda que empreguemos argumentos racionais para nos justificarmos perante os outros e perante nós mesmos.

Nossa primeira reação aos estímulos externos é de natureza instintiva e emocional. Só num segundo momento conseguimos raciocinar diante da situação. Quando a lógica entra em ação, uma percepção imediata do problema já se estabeleceu e tendemos a pensar a partir dessa percepção, que pode estar muito longe da realidade objetiva. Olhemos para nós mesmos, para a tendência que quase todos temos, quando algo subitamente dá muito errado, de pensar uma imprecação (mesmo que só pensemos, sem exteriorizar).

Diante de uma situação de perigo físico, uma resposta instintiva e rápida pode ser muito útil. Contudo, numa situação que exige reflexão e ponderação, pode tornar-se uma dificuldade a mais. Convivemos com esse limite em todas as ocasiões, mas os problemas podem ser ainda maiores em tempos de elevada polarização ideológica.

As emoções que nos mobilizam

Na política, algumas emoções parecem ser mais determinantes do que outras em nossos posicionamentos. O medo e o ressentimento têm sido frequentemente citados como os mais relevantes nesse contexto. Vivemos em sociedades complexas, onde frequentemente nos sentimos ameaçados por poderes muito superiores a nossas forças, manipulados por entidades que não conhecemos ou entendemos bem, mas que parecem não se importar minimamente conosco. Pode ser o sistema capitalista, os globalistas, o Estado comunista ou simplesmente “os chefes” impessoais e invisíveis. Sejam lá quem for, são considerados responsáveis pelas crises econômicas, pelas guerras, pelo desemprego, pela insegurança quanto ao futuro. Respondem por uma percepção instintiva e fortemente emocional, que dificulta ainda mais a compreensão dos problemas objetivamente enfrentados.

A resposta a essa situação vem como frustração e raiva. São os sentimentos mais facilmente manipuláveis por uma liderança política desonesta. O frustrado e o raivoso procuram uma alternativa que lhes permita exteriorizar aquilo que sentem da forma mais rápida e instintiva possível. Com isso, avaliam mal as situações, se deixando levar pela primeira pessoa que declara lhes oferece justiça (que frequentemente tem mais o sabor de sobrevivência ou vingança do que de verdadeira justiça).

Mas existem outros sentimentos igualmente poderosos. O entusiasmo de se sentir em meio a uma multidão que vai “fazer história” e mudar o mundo; a esperança num líder que se apresenta como poderoso salvador; a empatia diante daqueles que sofrem e os escândalo diante das injustiças. As emoções não são sempre negativas, mas quase sempre tendem a dificultar a análise objetiva da situação.

Sem o estímulo de emoções positivas, como a esperança e o entusiasmo, as emoções negativas, como a raiva e o ressentimento, nos frustram e paralisam, ao invés de nos induzir à mobilização. Por isso, os líderes de massa não apenas criticam seus adversários, mas também infundem a impressão de que são todo-poderosos e que poderão eliminar qualquer obstáculo – desde que contem com o apoio popular. Exploram o ressentimento e induzem a uma esperança, muitas vezes ilusória, de que as coisas a partir de agora serão diferentes.

Eliminar as emoções também não é uma boa alternativa

Nos embates ideológicos, é comum um lado acusar o outro de irracional e passional, incapaz de ver a realidade. Na verdade, comportamentos mais passionais, controlados pela emoção mais do que pela razão, se tornam mais comuns à medida que nos dirigimos aos extremos do espectro ideológico. Tanto a extrema esquerda quanto a extrema direita, tanto os progressistas mais radicais quanto os conservadores mais inflexíveis tendem a serem determinados mais pela emoção do que a razão.

O centro é mais racional? Tende a ser menos passional e agressivo, mas também aí não há uma garantia de decisões racionais e adequadamente refletidas. Muitas vezes o centro, por falta de uma carga emocional e de uma empatia real com os sofrimentos do povo, se torna apático e tem dificuldade de dar respostas mobilizadoras e até eficientes para os problemas. A falta de emoção pode ser tão ineficiente quanto o excesso de paixão. Muita paixão leva à impulsividade irrefletida; pouca emoção, à acomodação conformista.

Um ser exclusivamente lógico, destituído de emoções, não seria humano, seria um robô. A solução ideal é integrar as emoções positivas ao nosso arcabouço racional, usando-as para canalizar nossas energias rumo a bons objetivos, e controlar as emoções negativas, para que elas não nos façam perder o caminho certo.

A serenidade que não é indiferença

Manter-se sereno diante das circunstâncias adversas é um trunfo para qualquer ser humano. Não se trata de eliminar as emoções e sim de vivê-las com serenidade, sem deixar que elas nos dominem, mas – pelo contrário – sabendo dominá-las para que se tornem uma força positiva. Não é fácil e exige um certo treinamento, comum a pessoas acostumadas a enfrentar situações difíceis ou perigosas. Como tantas outras coisas no mundo, também o controle adequado das nossas emoções pode ser feito de uma forma característica do cristianismo.

Para nós, cristãos, a serenidade vem da confiança em Deus. Aquele que se sabe amado e cuidado por um Outro, vê e julga todas as situações com um olhar sereno, que não procura esquecer as dificuldades nem se encoleriza com os erros, mas encontra a forma mais adequada de enfrentar os problemas. “Aja como se tudo dependesse de você, sabendo bem que, na realidade, tudo depende de Deus”. A frase, atribuída a Santo Inácio de Loyola (apesar de não se ter uma referência precisa de onde e quando teria dito), ilustra bem o que seria esse modo sereno de agir e de se posicionar diante das coisas.

Um exercício ascético simples, que pode ajudar em situações que comprometem fortemente nossas emoções, é fazer a pergunta: se Cristo, que sempre amou e perdoou a todos, sem nunca deixar de dizer a verdade, viesse agora me aconselhar diante dessa situação, o que diria? Invariavelmente perceberemos que os conselhos de Jesus nos ajudariam a nos serenarmos, a recuperar a ternura necessária para ajudar os que sofrem, nos indignarmos com a injustiça sem sermos violentos.

A memória do amor recebido e da ternura com que Deus concebeu o mundo são como antídotos para as emoções negativas que nos desequilibram e uma fonte de emoções positivas que nos ajudam a raciocinar melhor e tomar as decisões justas diante os desafios tanto da vida cotidiana quanto da política.

Fonte: https://pt.aleteia.org/

domingo, 31 de julho de 2022

Companhia de Jesus no Brasil

Os jesuítas participaram da fundação das primeiras cidades brasileiras, como representado
no painel de azulejos (foto), do artesão Eduardo Gomes. A obra integra o Marco de
Fundação da Cidade de Salvador, na praia de Porto da Barra, na capital baiana

Especial: Companhia de Jesus no Brasil

(Em 2019, a Ordem religiosa celebrou seus 470 anos no País)

(Publicado em 12 de dezembro de 2018)

 

No dia 29 de março de 1549, após 56 dias de viagem, uma das maiores armadas portuguesas desembarcava no Arraial do Pereira, na Bahia de Todos os Santos. Vindos de Portugal, os navios trouxeram mais de mil homens, entre eles, Tomé de Sousa, primeiro governador-geral do Brasil, e um grupo de seis religiosos que pisava pela primeira vez na Terra de Santa Cruz. Liderados pelo padre Manoel da Nóbrega, então com 32 anos, os padres Antônio Pires, Leonardo Nunes e João de Azpilcueta, junto com os irmãos Vicente Rodrigues e Diogo Jácome, tornaram-se os primeiros jesuítas a chegar às Américas.

470 anos depois, em 2019, a Província dos Jesuítas do Brasil – BRA celebrará a chegada desses primeiros companheiros de Jesus no País. Um ano para fazer memória da importância dos jesuítas na construção da nação brasileira e um momento para refletirmos: qual o legado que a Companhia de Jesus aportou na constituição da sociedade brasileira?

Para padre Carlos Alberto Contieri, coordenador do Cuidado do Patrimônio Histórico e Cultural da Companhia de Jesus no Brasil, o que moveu esses jesuítas foi o desejo de transmitir a doutrina cristã. “Somos uma Ordem religiosa eminentemente missionária e que tem como finalidade ‘ajudar as almas’. Essa expressão, típica do século XVI, dava a dimensão de ajudar as pessoas, por meio de diferentes ministérios, como a pregação da Palavra, os Exercícios Espirituais etc.”, explica.

Segundo o jesuíta, além do objetivo missionário, também um fator externo presente na época foi fundamental: a expansão europeia. “A Companhia não somente vai se aproveitar dessa era expansionista, mas ela mesma vai, por causa da credibilidade que tem, ser solicitada para poder, de fato, engrossar as esquadras expansionistas, tanto da Espanha quanto de Portugal”, afirma padre Contieri.

No artigo Trajetória da educação jesuítica no Brasil (2016), o padre Luiz Fernando Klein lembra que, no contexto do século XVI, evangelizar outros povos era um desejo da sociedade. “[…] não era de estranhar essa missão, pois vigorava à época a concepção de sociedade de cristandade, que não tolerava que nenhum povo ou grupo humano vivesse sem o conhecimento de Deus e a obediência aos seus mandamentos”, explica o delegado da Educação da CPAL (Conferência dos Provinciais Jesuítas da América Latina e Caribe). Por isso, segundo ele, o grupo dos primeiros jesuítas a desembarcar no Brasil “trazia a missão de difundir o Evangelho nas novas terras e catequizar os indígenas para a fé católica”.

Nesse cenário, padre Contieri destaca a ousadia da Companhia de Jesus. “A Ordem religiosa tinha apenas nove anos quando os primeiros jesuítas desembarcam no Brasil. Evidentemente, nesses poucos anos, ela vai crescer tremendamente. Mas, naquele momento, enviar seis jesuítas para uma terra desconhecida, sem saber o que iriam encontrar, mostra o risco que a Ordem religiosa assumia correr. Então, aceitar o risco é característica própria da Companhia de Jesus”, ressalta o diretor do Pateo do Collegio e do Museu de Arte Sacra dos Jesuítas.

FORMAÇÃO DO BRASIL

A ousadia da Companhia de Jesus em levar a Palavra de Cristo para diferentes povos mostrou-se decisiva para a América Portuguesa. Segundo Paulo Roberto Pereira, doutor em Letras pela UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) e professor da UFF (Universidade Federal Fluminense), os jesuítas foram essenciais para a difusão dos fundamentos da civilização cristã, por meio do desenvolvimento do trabalho catequético e educacional com os povos indígenas. “A Companhia de Jesus foi essencial para a constituição de uma nação cujos fundamentos são a tolerância e o amor ao próximo. Através da criação de escolas e do trabalho missionário, o intuito era abolir costumes primitivos dos índios, como a antropofagia”, conta.

Paulo Roberto acredita que a influência dos jesuítas na formação do Brasil é imensurável porque envolve aspectos religiosos, sociais, econômicos, artísticos etc. “Como a Companhia de Jesus esteve intimamente relacionada com a evolução da história política brasileira, de 1550 a 1750, não se pode pensar em conhecer qualquer transformação do nosso País sem que não se sinta a presença do legado jesuítico”, afirma.

Um desses legados está no desenvolvimento do primeiro mapa do País. Segundo padre Contieri, a primeira cartografia do Brasil foi feita por um jesuíta. “O mapa deu essa dimensão nacional ou, como podemos dizer nos tempos atuais, consciência geopolítica. Uma consciência de todos os pontos de vista, seja geográfico, político, mas também eclesial, pois deu a noção do território que estava sendo trabalhado, evangelizado, unido e assim por diante. A importância que isso teve e tem para o Brasil até hoje é enorme”, diz o jesuíta.

“A Companhia de Jesus foi essencial para a constituição de uma nação cujos fundamentos são a tolerância e o amor ao próximo” (Paulo Roberto Pereira)

Padre Contieri, que também é reitor do Colégio São Luís, destaca outros pontos marcantes da atuação dos jesuítas no Brasil. Para ele, existem quatro elementos fundamentais desse trabalho. O primeiro é o reconhecimento do território nacional. “Como apontado na elaboração da primeira cartografia brasileira, os jesuítas foram os primeiros a percorrer o Brasil de norte a sul. A primeira questão dessa consciência nacional foi dada pelos jesuítas pelo conhecimento que eles tiveram do território nacional”, aponta ele. “Esse é um conhecimento agudo, capaz de descrever com uma riqueza de detalhes impressionante não só a natureza, mas também os costumes. Explorando o território, eles iam aglutinando as pessoas em torno deles, em torno dos lugares onde eles iam ficando. Nisso, os jesuítas foram fazendo essa ou aquela vila, fundando cidades e assim por diante”, diz.

O segundo elemento ressaltado por padre Contieri é a preocupação dos jesuítas com as pessoas como um todo. “De maneira prioritária, eles passaram a se preocupar com os indígenas que eram ameaçados, inclusive, pela Coroa Portuguesa por meio da escravização e assim por diante. Essa preocupação com as pessoas vai fazer, em primeiro lugar, com que os jesuítas se adaptem aos costumes dos indígenas e não simplesmente importem coisas da Europa”, afirma.

ensinamento da doutrina cristã é o terceiro ponto. Padre Contieri destaca que, ao abordarmos esse tema, devemos levar em consideração o contexto da época. “Quando falamos de história e de um período tão distante, nós não podemos esquecer sobre a questão da consciência possível. É importante ressaltar que não podemos julgar o passado com a consciência que temos hoje. Desse modo, um dos elementos que deu identidade a este País, e a Companhia foi responsável por isso, é a fé. A fé cristã e a fé católica”, explica.

Para padre Contieri, o quarto elemento marcante da atuação da Companhia de Jesus no Brasil é a educação (veja ao lado). “Os jesuítas vão descobrir a educação como um meio eficaz de promover o bem comum, portanto a educação vai dar, também aqui no Brasil, uma perspectiva de identidade. Sem educação, não há identidade, pois é ela que nos permite dizer quem somos e isso não só como pessoas, mas também quem nós somos como comunidade e nação. A educação promovida pela Companhia de Jesus patrocinou essa consciência nacional”, afirma.

PERSONAGENS NACIONAIS

jesuitasbrasil.org

Fundadores das primeiras cidades brasileiras, os jesuítas foram pioneiros também na educação na colônia portuguesa. Em 1550, criaram o primeiro colégio do Brasil, em Salvador, sendo responsáveis, nos anos seguintes, pela fundação de inúmeras instituições de ensino nos mais variados cantos do território brasileiro. O legado jesuíta é percebido não só na educação, referência até hoje como ensino de qualidade, mas também na cultura, na ciência e na política, entre outras áreas.

Na carta de apresentação da reedição do livro A história da Companhia de Jesus no Brasil (2004), de Serafim Leite, o padre Cesar Augusto dos Santos, coordenador da publicação na época, afirmou: “Para escrever a História do Brasil, é preciso primeiro escrever a História da Companhia de Jesus no Brasil, disse o grande historiador Capistrano de Abreu. Isso porque, até o século XVIII, as duas histórias se confundem”.

O professor Paulo Roberto ressalta também as figuras jesuítas marcantes na formação do Brasil. “A influência dos membros da Companhia de Jesus sobre a nascente sociedade brasileira abrangeu diversos aspectos. Foi uma influência totalizante porque os jesuítas, em especial Manuel da Nóbrega e José de Anchieta, no século XVI, participaram da fundação das primeiras cidades do Brasil: Salvador, São Paulo e Rio de Janeiro”, conta.

Organizador do livro Obra completa de Manuel da Nóbrega (2017), ele fala sobre o mérito do primeiro provincial do Brasil. “Nóbrega foi o responsável pela primeira missão jesuítica na América. Então, sua contribuição é pioneira para a formação da nacionalidade brasileira com textos reveladores do seu itinerário humano e intelectual”, afirma Paulo Roberto. Além disso, ele destaca que o jesuíta foi o responsável pela peça teatral Diálogo sobre a conversão do gentio, considerada a primeira obra literária escrita no Brasil, e pelo O Caso da Mesa da Consciência, documento jurídico contra a escravidão indígena praticada na colônia. Esses textos marcam o início do desenvolvimento do Teatro e do Direito no País.

No livro A Grande Aventura dos Jesuítas no Brasil (2016), o jornalista Tiago Cordeiro conta que Nóbrega percorreu todo o território que formava a colônia, de São Paulo a Pernambuco, e   conseguiu, com isso, mapear vilas e tribos. Essas peregrinações o ajudaram a ter um olhar mais amplo sobre o País. “Nenhum europeu foi tão importante para o início da colonização do Brasil quanto ele”, afirma o escritor.  O papel desempenhado por Nóbrega no século XVI se faz presente até hoje no País, pois ele foi um dos responsáveis por nos dar essa visão nacional, o que conhecemos atualmente como identidade brasileira.

“Nóbrega era um homem que tinha visão do todo. Além disso, ele percebia nas pessoas – em particular, nos jesuítas que estavam com ele – o que elas tinham de melhor e podiam oferecer para o serviço ou para a missão”, explica padre Contieri. Para ele, “Anchieta não seria o que é hoje se não fosse Nóbrega, se ele não tivesse dado ao jovem jesuíta a possibilidade de desenvolver aptidões e seu potencial. Se ele ignorasse isso, Anchieta passaria desapercebido pela história do Brasil, assim como tantos outros”.

Anchieta foi uma figura marcante na história do País, não à toa é considerado o Apóstolo do Brasil. O jesuíta desembarcou em terras tupiniquins ainda muito jovem, aos 19 anos, em 1553.  Em pouco tempo, tornou-se auxiliar de Nóbrega, dedicado professor e excepcional linguista. “Além dessa face de intelectual humanista bafejado pelos ventos da Renascença europeia, havia em Anchieta o homem de ação que participou, ativamente, da fundação das cidades de São Paulo e Rio de Janeiro e foi figura fundamental na pacificação dos índios, quando os colonizadores tiveram de enfrentar a Confederação dos Tamoios”, explica Paulo Roberto. Essa atuação política de Anchieta demonstrou aos colonos o valor do diálogo.

“A celebração dos 470 anos da chegada dos jesuítas ao País é fundamental para que, fazendo memória do nosso passado, a gente possa efetivamente pensar a nossa missão atual” (Pe. Contieri)

Padre Klein, delegado da Educação da CPAL, conta que Anchieta era conhecido por sua agilidade intelectual, pela criatividade pedagógica e pela flexibilidade diante dos costumes das crianças. “Sabia português, latim e espanhol e logo aprendeu o tupi, escrevendo a primeira gramática e traduzindo o catecismo e outros textos para a catequese das crianças. O desempenho polivalente de Anchieta granjeou-lhe dos seus biógrafos diversos títulos, como educador do país, inaugurador da literatura, fundador do teatro, poeta, epistológrafo, etnólogo, indigenista, pacificador etc.”, afirma o jesuíta. A atuação da Companhia de Jesus foi um marco de destaque em diversas áreas e é percebida e apontada, ainda hoje, por historiadores e especialistas.

Além de Nóbrega e Anchieta, outro jesuíta essencial na história da Companhia de Jesus e do Brasil é o padre Antônio Vieira. Para Paulo Roberto, ele é a maior figura intelectual da cultura luso-brasileira do século XVII. “Embora nascido em Portugal, Vieira veio criança para o Brasil e teve toda sua formação escolar na Bahia, revelando-se, desde muito jovem, o gênio que causaria espanto nas principais cidades europeias, sendo recebido sempre com louvores à sua excepcional eloquência e saber, de Lisboa (Portugal) a Roma (Itália)”, conta o professor.

Paulo Roberto explica que “Vieira foi um missionário implacável na defesa da liberdade dos índios brasileiros, percorrendo as selvas da Amazônia e enfrentando os fazendeiros do Maranhão. Entretanto, também foi o intelectual que frequentou os salões refinados da elite europeia, principalmente como interlocutor privilegiado de papas e reis. Sua obra completa, publicada por Edições Loyola, revela a dimensão do seu gênio artístico e sua importância para o Brasil”, ressalta.

O professor da Universidade Federal Fluminense afirma que tantos outros são exemplos de atuação no Brasil. “Entre os que se destacam por seu pioneirismo estão, no século XVI, o padre Fernão Cardim, autor dos Tratados da terra e gente do Brasil, livro inovador com textos sobre a sociedade tupinambá que influenciou os estudos da antropologia, e, no século XVII, André João Antonil, pseudônimo do jesuíta João Antônio Andreoni, que escreveu o primeiro livro brasileiro de economia ao apresentar um detalhado quadro das principais riquezas do País nos seus dois primeiros séculos”, afirma.

Por tudo isso, 2019 foi um ano para olhar, de maneira criativa e agradecida, o passado e atuação dos primeiros jesuítas. “A celebração dos 470 anos da chegada dos jesuítas ao País é fundamental para que, fazendo memória do nosso passado, a gente possa efetivamente pensar a nossa missão atual. Acho que esse é o fato mais relevante, refazer a memória para que o nosso presente seja muito mais promissor, seja muito mais eficaz e esteja muito mais em conformidade com aquilo que Deus quer de nós”, finaliza padre Contieri.

*A edição completa dessa matéria foi publicada na 50ª Edição do informativo Em Companhia (Nov./Dez. 2018). Quer ler a edição completa e ver o vídeo que preparamos para você? Então, clique aqui!

Fonte: https://www.jesuitasbrasil.org.br/

Pe. Manuel Pérez Candela

Pe. Manuel Pérez Candela
Pároco da Paróquia Nossa Senhora da Imaculada Conceição - Sobradinho/DF