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domingo, 30 de outubro de 2022

São Marcelo

São Marcelo | arquisp
30 de outubro

São Marcelo

O martírio de são Marcelo está estreitamente ligado ao de são Cassiano, e sua Paixão é um belo exemplo de autenticidade, graças a sua prosa enxuta, essencial e sem digressões, sem os enriquecimentos usuais na história dos primitivos cristãos.

Marcelo era um centurião do exército romano da guarnição de Tânger. Como tal foi enviado a participar dos festejos do aniversário do imperador Diocleciano. Era sabido que em tal circunstância os participantes deviam honrar uma estátua do imperador com um gesto (lançar incenso no braseiro posto a seus pés) que os cristãos consideravam idolátrico.

Marcelo recusou-se a fazê-lo e, para mostrar-se coerente, retirou as insígnias de centurião, jogou-as aos pés da estátua e se declarou cristão. Por muito menos isso seria passível da pena capital.

Foi chamado o escrivão para que redigisse uma ata oficial sobre a rebeldia do centurião. O funcionário — em latim, exceptor — recusou-se a redigir as atas processuais. Imitando o centurião Marcelo, jogou fora a pena, protestou pela injustiça perpetrada contra os inocentes, condenados à morte por adorarem o único e verdadeiro Deus, e declarou-se também ele cristão.

Foram ambos aprisionados e poucos dias depois sofreram o martírio: Marcelo em 30 de outubro, e Cassiano em 3 de dezembro. O poeta Prudêncio dedica-lhes um hino.

*Fonte: Pia Sociedade Filhas de São Paulo Paulinas http://www.paulinas.org.br

sábado, 29 de outubro de 2022

Orar sem Cessar

Orar sem cessar | Cléofas

Orar sem Cessar

 POR PROF. FELIPE AQUINO

O Papa João Paulo II ao final de sua vida, quando sofria muito, disse: “Quanto mais se sofre, mais é preciso rezar”. Foi o próprio Senhor quem mandou “rezar sempre e nunca desanimar” (cf. Lc 18,1); foi Ele quem prometeu que toda oração feita em seu nome seria atendida (cf. Jo 16,23s). Ele não falha; todavia a hora de Deus nem sempre é a nossa hora:

“Ele diz: Eu te ouvi no tempo favorável e te ajudei no dia da salvação” (2 Cor 6,2; cf. Is 49,8).

Sem oração é impossível caminhar na fé e fazer a vontade de Deus. O Senhor Jesus nos manda: “orar sempre sem jamais deixar de fazê-lo” (Lc 18,1), e São Paulo nos recomenda: “Orar sem cessar” (1 Ts 5,17).

A oração é para a alma o que o ar é para o corpo.

Jesus é muito claro sobre tudo isto: “Sem Mim nada podeis” (Jo 15,5). A oração pode mudar todas as coisas; o arcanjo Gabriel disse à Maria: “Para Deus nada é impossível” (Lc 1,37). “Tudo é possível ao que crê” (Mc 9,23), nos garantiu o Senhor. E mais, “pedi e vos será dado” (Lc 11,9). “Tudo o que pedirdes na oração, crede que o tendes recebido, e ser-vos-á dado” (Mc 11,24).

São Paulo recomenda com insistência: “Orai em todo o tempo” (Ef 6,18), “perseverai na oração” (Cl 4,2), “orai sempre e em todo o lugar” (1 Tm 2,8). “Antes de tudo recomendo que se façam súplicas, orações, petições, ações de graças por todos os homens […]” (1 Tm 2,1). Além do mais, o próprio Senhor nos deu o exemplo:

“Entretanto espalhava mais e mais a sua fama, e concorriam grandes multidões para ouvi-lo e ser curadas das suas enfermidades. Mas ele costumava retirar-se a lugares solitários para orar” (Lc 5,15-16).

Há muitas formas de oração e todas elas são boas, desde que sejam feitas ‘com o coração’, como nos tem pedido insistentemente a grande Mãe de Deus.

Escrevi um livro com as orações mais belas que a Igreja guardou em seu coração nestes dois mil anos: “Orações de todos os tempos da Igreja”; nele você irá encontrar profundas orações para todos os dias e para ocasiões próprias. Se você não sabe rezar, abra este livro e deixe Deus falar ao seu coração. O grande pregador de Notre Dame de Paris, padre De Ravignân S.J., dizia:

“Meus queridos amigos, acreditem-me, depois da experiência de 30 anos de ministério, eu sinto o dever de notificar e testemunhar o seguinte:

Todas as defecções e todas as deficiências; todas as misérias e todas as falhas; todas as quedas assim como os passos mais horríveis fora do caminho reto, tudo isto deriva de uma única fonte: falta de constância na oração.

Vivam uma vida de oração; aprendam a transformar qualquer coisa na oração, quer os sofrimentos, quer as dores e qualquer tipo de tentação.

Rezem na calma e na tempestade, rezem à noite como ao longo do dia, rezem indo e voltando, rezem embora se sintam cansados e distraídos.

Rezem também a contragosto e peçam a Jesus que agoniza no Jardim das Oliveiras e no Calvário aquela força e aquela coragem de rezar que Ele nos mereceu com suas dores e seu sangue.

Rezem, porque a oração é a força que salva, a coragem que dá a perseverança, a mística ponte lançada por Deus sobre o abismo que separa a alma de Deus”.

No processo de beatificação de Dom Bosco, um dos inquisidores perguntou: “Quando Dom Bosco rezava; ele era tão ocupado?” Ao que o defensor respondeu: “Seria melhor perguntar quando é que Dom Bosco não rezava! O dia todo ele estava em estado de oração”.

Nada melhor do que ir rezar diante de Jesus no Sacrário, ou Tabernáculo. Ele está ali, como vítima de Amor oferecida permanentemente ao Pai, por cada um de nós. Não foi Ele mesmo que disse: “Vinde a Mim, vós que estais cansados e sobrecarregados, e eu vos aliviarei […]” (Mt 11,28).

Já vi muitos receberem graças diante do Sacrário. Vi jovens deixarem as drogas, vi mulheres recuperarem seus maridos, vi doenças serem curadas.

Os homens são consoladores inoportunos, disse Jó.

Vamos ao Sacrário, com fé, lembremo-nos da viúva de Naim, de Lázaro morto e ressuscitado, dos leprosos curados, de Madalena perdoada, da hemorroísa, do cego Bartimeu…

No Sacrário Ele nos espera; permite que nós mesmos marquemos a hora; Ele está sempre à disposição, a qualquer hora.

Tenho comigo que qualquer problema pode ser resolvido quando vamos ao Sacrário. Diante do Santíssimo tudo pode ser resolvido. Se não for do jeito que queremos, será segundo a vontade de Deus, que será melhor para nós.

Na capela do Santíssimo, onde faço adoração diária, muitos me pedem orações: “reze por mim, meu marido morreu”; “reze por mim, meu marido me deixou”; “reze por mim, meu filho está preso…”.

E os pedidos continuam. Resolvi chamar aquele lugar de “Capela das lágrimas”, pois ali, muitos, especialmente as mulheres, vêm derramar as lágrimas diante de Jesus.

Elas estão certas: “Vinde a Mim, disse o Mestre”. Não se canse de incomodar o Mestre. Ele quer ser incomodado. Lembre-se que Ele contou o fato daquele homem que recebeu um amigo à meia noite, e foi na casa do vizinho pedir pão para o amigo. O vizinho já estava dormindo e não quis atender o outro. (cf. Lc 11,5s)

“E eu vos digo: pedi, e dar-se-vos-á; buscai, e achareis; batei, e abrir-se-vos-á. Pois todo aquele que pede, recebe; aquele que procura, acha; e ao que bater, se lhe abrirá” (Lc 11,8-10).

Na hora da dor, refugie-se também nas santas chagas de Jesus. As chagas de Jesus são refúgio seguro. São Boaventura dizia: “Se eu nada mais puder fazer meu Jesus, procurarei as vossas chagas e aí permanecerei”.

Dom Bosco dizia que se quisermos muitas graças devemos ir ao Sacrário muitas vezes; se quisermos poucas graças, basta visitá-lo poucas vezes; mas, se não quisermos graça alguma, basta nunca visitarmos a Jesus sacramentado. A decisão é nossa!

Prof. Felipe Aquino

“Não somos maiores que os nossos pais”

Missa no Mosteiro | 30Giorno
Revista 30Dias - 11/2011

“Não somos maiores que os nossos pais”

Em Le Barroux, perto de Avinhão, na França, há quarenta anos a comunidade beneditina fundada por dom Gérard Calvet cresce marcada pela estreita observância da Regra e pelo amor à antiga tradição litúrgica da Igreja

por Giovanni Ricciardi

A igreja de Le Barroux [© Massimo Quattrucci]

Das janelas do mosteiro de Le Barroux, o céu de Provença é uma bandeira celeste estendida ao vento. O mistral o agita às vezes com violência: em certos dias de inverno pode soprar a até trezentos quilômetros por hora nas montanhas próximas. As oliveiras e as vinhas não parecem sofrer com isso, mas a maior parte da vegetação é baixa, é o maquis mediterrâneo, como se diz, com exceção dos ciprestes, cuidadosamente inseridos ali para lembrar que a partir destes muros se olha para o alto. Sob o céu, como um cone regular, ergue-se a massa escura do Mont Ventoux. Foi aqui que na Sexta-Feira Santa de 1336 Francesco Petrarca fez, com seu irmão Gherardo, sua famosa “ascensão”, descrita numa carta ao amigo agostiniano Dionigi di Borgo San Sepolcro, que o iniciara na leitura das Confissões. Ao final da escalada, o poeta leu ao acaso ao irmão uma passagem do livro X, em que Agostinho escreve: “Os homens vão admirar os píncaros dos montes, as ondas alterosas do mar, as largas correntes dos rios, a amplidão do oceano, as órbitas dos astros: e nem pensam em si mesmos”.

Petrarca, em sua luta constante entre o amor pelas coisas terrenas e a nostalgia pelas do céu, invejava em Gherardo, que era frade, o desapego, a liberdade que lhe havia permitido subir o monte rápido e ligeiro, sem o peso que segurava o poeta embaixo.

Uma história de fidelidade à Tradição

Foi bem aqui, há quarenta anos, em 22 de agosto de 1970, que outro Gherardo, para sermos exatos Gérard Calvet, beneditino francês, chegou dirigindo uma motoneta, com suas roupas no bagageiro e a bênção do abade do mosteiro de que provinha, e se estabeleceu na pequena capela de Bédoin, consagrada a Santa Maria Madalena. Nos anos turbulentos do pós-concílio, desejava unicamente continuar sua vida monástica sem ter de submeter-se àqueles “experimentos” de renovação doutrinal ou litúrgica que lhe pareciam muito mais pobres que a riqueza “antiga e sempre nova” da tradição: oração, silêncio, trabalho manual, ofícios em latim, liturgia tradicional.

Uma opção pela solidão que durou pouquíssimo. Três dias depois da sua chegada, apresentou-se em Bédoin um jovem para pedir que o acolhesse como noviço. Dom Gérard, surpreso e inseguro a respeito do que fazer, respondeu que não saberia como acolhê-lo, mas a insistência do outro levou a melhor. Depois de oito anos, constitui-se uma comunidade de 11 monges: a capelinha, com seu pequeno priorado em ruínas, prontamente restaurado, tornou-se assim estreita demais para o novo cenóbio. Mas o crescimento da nova comunidade, apoiado pelo abade de dom Gérard, seguia adiante.

O apego à liturgia tradicional naqueles anos se conjugou com uma natural simpatia pelas posições de dom Lefebvre, que em julho de 1974 celebrou as ordenações dos primeiros monges da comunidade. Esse fato suscitou a reação do abade, que, se inicialmente tinha apoiado a opção de dom Gérard, naquele momento ordenou-lhe que encerrasse a sua experiência monástica. A comunidade foi excluída por isso da Congregação dos Beneditinos de Subiaco.

Diante desse impasse, dom Gérard escolheu o caminho espinhoso de continuar a comunidade que iniciara, sentindo dor pela ruptura, mas convencido em seu coração de que o amor à tradição litúrgica secular da Igreja não poderia estar em conflito com o âmago da fé, com a fidelidade ao Papa, e que Deus encontraria um caminho para resolver uma situação canônica que se tornara irregular. Em 1980, deram adeus a Bédoin e depositaram a primeira pedra do novo mosteiro, no município de Le Barroux, entre o Mont Ventoux e as “Dentelles” de Montmirail, uma construção em estilo neorromânico, nua e essencial, que foi completada em pouco mais de uma década.

Nesse meio-tempo, a ruptura entre Lefebvre e a Igreja se aprofundava, embora dom Gérard continuasse a esperar numa reconciliação. Assim, quando em 1988 João Paulo II, com o motu proprio Ecclesia Dei veio ao encontro das solicitações dos católicos “tradicionalistas”, concedendo a eles, embora sob certas condições, que celebrassem segundo o rito pré-conciliar, foi um dia de festa para o mosteiro de Le Barroux. Dom Gérard sempre tinha dito a seus monges que, se não sofressem pela situação canonicamente indefinida do mosteiro, isso significava que não amavam realmente a Igreja. Como dom Lefebvre, não confiando nas ofertas de Roma, ordenou naquele mesmo ano alguns bispos sem o consentimento do Papa, inaugurando o cisma de fato, o mosteiro escolheu sem titubear a fidelidade a Roma e a ruptura com o movimento do arcebispo francês. Dom Gérard pagou esse apego à Igreja vendo-se rejeitado pela comunidade monástica que nesse meio-tempo Le Barroux tinha fundado no Brasil, a qual preferiu continuar fiel à “linha dura” de Lefebvre.

No ano seguinte, em 2 de outubro de 1989, o cardeal Gagnon, acompanhado pelo bispo de Avinhão, consagrou solenemente a igreja do mosteiro recém-construída. Com esse gesto público, tornava-se visível a plena unidade da experiência de Le Barroux com a Igreja católica.

 

Os monges cantam o Ofício das Laudes às seis da manhã [
© Massimo Quattrucci]

A vida cotidiana

Em meio à luz do campo provençal, o mosteiro parece hoje viver uma vida distante do barulho das lutas eclesiais e do noticiário daqueles anos. Seus sinos acompanham a vida de uma cidadezinha que nos primeiros tempos recebeu com desconfiança e suspeita os recém-chegados. Os monges se levantam no coração da noite para rezar em coro as Matinas, antecedem a aurora em suas celas para meditar a Escritura e os textos dos Padres, se reencontram às seis na igreja do mosteiro para o canto das Laudes e depois aqueles entre eles que receberam a sagrada ordem celebram nos altares laterais a missa “lida” em latim segundo o Missal Romano promulgado em 1962 por João XXIII. Alguns fiéis também entram, desafiando o frio da manhã, e se ajoelham para acompanhar a celebração no mais absoluto silêncio. Depois, todos iniciam os trabalhos do dia.

O mosteiro é praticamente autossuficiente. Os 52 monges (alguns muito jovens, com idade média de 46 anos) que hoje constituem a comunidade (mais 13 outros que fundaram uma nova no sudoeste da França) vivem unicamente de seu trabalho, segundo a tradição beneditina. A terra do mosteiro produz óleo e vinho, uma padaria garante a satisfação das necessidades da comunidade, com a venda de biscoitos, baguetes e doces ao povo da cidade ou aos turistas. Há alguns anos o mosteiro abriu também um moinho, que oferece à comunidade rural o serviço de trituração de azeitonas, usando duas moendas de pedra especialmente encomendadas da Toscana e movidas por máquinas modernas. A tipografia também trabalha a todo o vapor, não apenas para imprimir os missais com o rito romano tradicional, mas também para satisfazer às exigências da pequena editora fundada por dom Gérard. A oração do Benedicite abre as refeições, vegetarianas e consumidas em silêncio, com os hóspedes no centro do refeitório, recebidos solenemente pelo abade, que os cumprimenta lavando suas mãos em sinal de acolhida. Uma acolhida que prevê também abrigo noturno para quem não tiver um teto sob o qual dormir por ali. Durante o tempo do almoço ou do jantar, um monge lê uma leitura espiritual ou às vezes até um texto de história ou de caráter mais genericamente cultural.

Não somos maiores que os nossos pais

“A liturgia tradicional é mais rica em sinais que nos lembram de onde vem a fé, e nos ensina que nós não somos maiores que os nossos pais, mas transmitimos apenas o que recebemos”. Não existe polêmica nas palavras do abade Louis-Marie, amigo e discípulo de dom Gérard, que lhe deixou o pastoral da comunidade em 2003, demitindo-se cinco anos antes de morrer. Além do mais, a experiência da beleza que provém dessa liturgia não é privilégio exclusivo desse mosteiro. Outras comunidades de monges adotam hoje na França essa forma de oração. Explica ainda o abade: “Na França secularizada, como me disse uma vez um bispo ucraniano, parece que vemos um grande deserto espiritual, mas nesse deserto há oásis muito bonitos”. Não apenas em Le Barroux. Algo se move, já sem a rigidez dos esquemas de vinte anos atrás. A relação entre o mosteiro e a diocese de Avinhão, em que se encontra a comunidade de dom Gérard, já não é tensa como antigamente. O padre abade vai todos os anos concelebrar com o bispo a missa crismal da Quinta-Feira Santa, e muitos sacerdotes da diocese se abriram a essa experiência monástica, promovendo pontos de comunicação com a Igreja francesa. De modo geral, diz-nos padre Louis-Marie, “as pessoas parecem atraídas para cá não apenas e exclusivamente porque celebramos segundo o rito romano anterior ao Concílio, mas simplesmente pela beleza da oração monástica, pelo canto gregoriano que aqui é executado, pois aqui a oração é vivida e sentida na profundidade do silêncio, voltados para Deus”.

Todo ano uma centena de sacerdotes provenientes em sua maioria da França, da Itália, da Alemanha, da Grã-Bretanha e da Holanda passam em Le Barroux alguns dias de retiro, para conversar com os monges ou para aprender a celebrar a missa segundo o antigo ritual. O mosteiro conta com cerca de trezentos oblatos, entre sacerdotes, leigos e famílias que têm a espiritualidade beneditina como referência.

As vocações que chegam a Le Barroux, hoje no ritmo de duas ou três por ano, têm as mais diversas origens. Há um jovem monge que provém da carreira militar, outro que era engenheiro na China e conheceu Le Barroux pelo site do mosteiro, um terceiro que pediu o batismo aos vinte anos a um padre de Marselha e depois tentou o caminho da vocação numa ordem religiosa, que, porém, lhe pareceu pouco “exigente”. E então esse mesmo padre o trouxe para cá “porque um dos aspectos que atraem as pessoas para um lugar como este”, explica o abade, “é uma escolha livre de radicalidade evangélica”. Livre e radical são os dois adjetivos que mais ressoam entre estas paredes. Alguns lefebvrianos, não muitos na verdade, se aproximam da experiência de Le Barroux vendo-a como uma ponte para um retorno à plena comunhão com a Igreja, mas também porque, observa o abade, “na Fraternidade São Pio X sentem que respiram às vezes um ar pesado, caracterizado por aquilo que segundo eles se poderia chamar um certo autoritarismo clerical”.

É como se aqui se estabelecesse um equilíbrio diferente, não baseado no compromisso, nem na contraposição a outras realidades eclesiais, mas simplesmente no retorno à Regra de São Bento como caminho para aproximar o coração da vida cristã. “Nestes anos”, acrescenta o padre abade, “pudemos constatar que os mosteiros que resolveram renovar e revolucionar as formas da vida religiosa são hoje os que têm menos vocações na França. Creio que, além do dinamismo e da vitalidade que veem nesta comunidade jovem, um dom que herdamos do nosso fundador, os jovens são atraídos a Le Barroux justamente pela radicalidade da opção por Deus, independentemente da beleza da liturgia que celebramos aqui. Mas isso não é tudo; no fundo, não é isso o essencial. Eu mesmo quando cheguei aqui, e me apaixonei por este lugar, desde o som dos sinos até o cuidado com que é celebrado o Ofício Divino, logo me dei conta de que a vida monástica nada mais é que um holocausto, uma oferta total de si a Deus”.

À noite, o som dos sinos chama a todos para as Vésperas, o momento talvez mais íntimo e ao mesmo tempo solene da liturgia comunitária. Enquanto o rumor da oração se espalha na hora do crepúsculo, a sombra do crucifixo sobre o altar se alonga sobre a parede de pedra nua da abside, e tudo parece de repente mais claro. Então é possível entender as palavras com que o abade conclui sua reflexão sobre o fascínio que exerce este lugar: “As coisas que eu disse são reais, mas secundárias. A atração última de uma vocação é simplesmente o bom Deus. É por isso que a vocação, toda vocação continua a ser fundamentalmente um mistério”.

Do Diálogo sobre a Providência divina, de Santa Catarina de Sena, virgem

Santa Catarina de Sena | Liturgia das Horas

Do Diálogo sobre a Providência divina, de Santa Catarina de Sena, virgem

(Cap. 134, ed. latina, Ingolstadii 1583, ffº 215v-216)        (Séc.XIV)

Como é bom e suave teu espírito, Senhor, em todas as coisas!

Com a indizível benignidade de sua clemência, o Pai eterno dirigiu o olhar para esta alma, e começou a falar:

“Caríssima filha, determinei com firmeza usar de misericórdia para com o mundo e quero providenciar acerca de todas as situações dos homens. Mas o homem ignorante julga levar à morte aquilo que lhe concedo para a vida, e assim se torna muito cruel, para si próprio; no entanto, dele eu cuido sempre. Por isso quero que saibas: tudo quanto dou ao homem provém da suprema providência.

E o motivo está em que, tendo criado com providência, olhei em mim mesmo e fiquei cativo da beleza de minha criatura. Porque foi de meu agrado criá-la com grande providência à minha imagem e semelhança. Mais ainda, dei-lhe a memória para guardar meus benefícios em seu favor, por querer que participasse de meu poder de Pai eterno.

Dei-lhe, além disto, a inteligência para conhecer e compreender na sabedoria de meu Filho a minha vontade, porque sou com ardente caridade paterna o máximo doador de todas as graças. Concedi-lhe também a vontade de amar, participando da clemência do Espírito Santo, para poder amar aquilo que a inteligência vise e conhecesse.

Isto fez minha doce providência. Ser o único capaz de entender e de encontrar seu gozo em mim com alegria imensa na minha eterna visão. E como de outras vezes te falei, pela desobediência de vosso primeiro pai Adão, o céu estava fechado. Desta desobediência decorreram depois todos os males no mundo inteiro.

Para fazer desaparecer do homem a morte de sua desobediência, em minha clemência providenciei, entregando-vos meu Filho unigênito com grande sabedoria, para que assim reparasse vosso dano. Impus-lhe uma grande obediência, a fim de que o gênero humano se livrasse do veneno que se difundira no mundo pela desobediência de vosso primeiro pai. Assim, como que cativo de amor e com verdadeira obediência, correu com toda a rapidez, correu à ignominiosa morte sacratíssima, deu-vos a vida, não pelo vigor de sua humanidade, mas da divindade”.

Os perigos do hedonismo

Shutterstock | Juice Team
Por Talita Rodrigues

Entenda por que o hábito de fazer apenas o que dá prazer pode levar à tristeza e à escuridão.

Nos dias atuais mensagens do tipo “faça o que quiser”, “o importante é ser feliz” e “seja autêntico” são cada vez mais comuns. No entanto, essas ideias criam pessoas cada vez mais hedonistas, que usam apenas o prazer e os sentimentos como bússolas.

E isso é muito perigoso. Se você confiar apenas em seu estado anímico (como você se sente) para guiá-lo, além de se sentir perdido e confuso, quando ele estiver mais “apagado” irá te levar junto para a escuridão e a tristeza.

Por outro lado, o estabelecimento de valores elevados – como a bondade, a humanidade e o amor – faz com que você siga sempre o mesmo caminho. 

Estabelecer e cultivar um conjunto de valores que irão te guiar durante toda a tua vida fazem com que as suas relações e seus comportamentos sejam muito mais estáveis. Apegue-se ao que importa de verdade, e não às sensações passageiras e prazeres mundanos.

Se você percebe o quanto o hedonismo ‘atual’ é prejudicial, compartilhe esse post com alguém que precise ler isso e me diga nos comentários: quais valores te guiam?

Aproveite para seguir a psicóloga Talita Rodrigues no Instagram

Fonte: https://pt.aleteia.org/

Aparecida: a arte a serviço da fé e da evangelização

Santuário de Aparecida | Vatican News

Desde 2019 se desenvolvem no Santuário Nacional de Aparecida os trabalhos para o revestimento das 4 fachadas principais da Basílica. O trabalho foi confiado ao Centro Aletti, de Roma, sob a direção do padre Marco Rupnik, um artista sacro mundialmente conhecido, autor de projetos para muitas igrejas, entre elas o novo Santuário de Fátima, em Portugal e a fachada do Santuário de Lourdes, na França.

Padre Pedro André, SDB e Laura Lo Monaco - Vatican News

Dentre os membros da equipe do Centro Aletti que está em Aparecida, para o revestimento da fachada sul do Santuário, se encontra o artista sacro Erasmo de Abreu, 40 anos, de Castanhal no Estado do Pará. Ele concedeu uma entrevista ao Vatican News, contando um pouco de sua experiência no trabalho de revestimento da Basílica e sua visão a respeito da devoção dos brasileiros que peregrinam até Aparecida, ao encontro da Padroeira do Brasil.

Conte-nos um pouco da sua história de fé e como ela se entrelaçou com a arte.

Como muitos no Brasil, minha história de fé se iniciou na comunidade, onde ganhamos esta experiência de Igreja desde pequeno, acompanhado pelos meus pais e catequistas. Minha experiência na arte se iniciou com a minha aproximação com a diocese de Castanhal e o bispo dom Carlos Verzeletti, fundador de uma escola de arte, que me ajudou a compreender e me interessar mais sobre a vida da arte da Igreja, ajudando a aprofundar meus conhecimentos e habilidades. Ele me apresentou La Frank, Arcabas, padre Rupnik, Claudio Pastro, onde fomos misturando um pouco os estilos e chegamos à arte que desenvolvemos hoje nas paróquias.

Qual a importância da arte num templo católico?

Dentro da concepção daquilo que aprendi e daquilo que já vivi: a palavra de Deus tem muita força, a evangelização tem muita força, são de grande importância; é aquilo que norteia toda nossa caminhada como cristãos, como católicos, como pessoas que tem acesso ao Cristo através da Palavra, através do Anúncio, através da Tradição. A arte no templo católico abre caminhos e portas para que pessoas que não tenham tido a oportunidade de encontrarem-se com Deus, se aproximem muito mais e assim se despertem para um encontro através de uma imagem. A arte tem essa importância de provocar um encontro, um questionamento, de se perguntar o que aquela arte está dizendo e porque nós a encontramos ali. A arte que eu tenho visto, proposto e aprendido oferece muito isso: provoca um encontro, um questionamento, uma aproximação com Deus.

Como você conheceu o padre Rupnik, e como se tornou seu colaborador?

Conheci o padre Rupnik através do bispo dom Carlos Verzeletti. Como já fazíamos alguns trabalhos nas paróquias da diocese de Castanhal, um dia dom Verzeletti me propôs morar um tempo na Itália, no Centro Aletti (onde Padre Rupnik era diretor), e ali fazer uma experiência mais profunda acerca da arte, da teologia que norteia a arte, e da comunidade de artistas que gera, produz e vive toda essa arte que oferece para todo o mundo. Assim, ingressei nesta comunidade de artistas e me tornei colaborador do grupo.

Trabalhos de revestimeto externo do Santuário de Aparecida

Como se desenvolve o trabalho no Ateliê de Castanhal?

No retorno à Castanhal, há 3 anos atrás, nós colocamos em pé o ateliê AMACOM: o ateliê de artes e mosaicos da Amazônia, no qual estamos trabalhando desde sua fundação em setembro de 2019. Nos trabalhos desenvolvidos no ateliê nós buscamos manter o que aprendemos na Itália, do que vivemos no centro Aletti, do que absorvemos como teologia, iconografia, leitura e interpretação do Evangelho através de imagens. Assim nós temos levado adiante um grupo coeso e que tem muita facilidade de compreender aquilo que o centro Aletti oferece.

Como é a experiência de trabalhar com mosaicos no Santuário de Aparecida? Você já havia trabalhado na primeira fase?

Sim, na primeira fase eu já havia trabalhado e eu jamais poderia sonhar que um dia estaria trabalhando em um Santuário tão importante para nós brasileiros; eu como artista brasileiro poder oferecer algo que já faço com as minhas mãos, mas muito mais de poder oferecer algo como filho deste país tão devoto de Maria é uma alegria muito grande. A experiência de poder fazer mosaicos aqui no Santuário é um presente dado por Deus para mim e para minha equipe. Hoje sou muito mais feliz de poder trazer aqui um pequeno grupo de artistas para poder colaborar junto com pessoas tão experientes, tão doadas, tão entregues a esse trabalho que é tão bonito. É uma alegria muito grande poder fazer parte dos trabalhos de Aparecida.

Quantos fazem parte da equipe de trabalho nesta fase? De onde eles são?

Nós somos um número de aproximadamente 42 pessoas, vindas de muitos países do mundo, como por exemplo Itália, México, Argentina, Polônia, República Tcheca, Eslovênia, Monte Negro, Albânia, Líbano, Filipinas, Ucrânia, Venezuela, Croácia e Brasil, claro. É um grupo misto, cheio de culturas diferentes e isto nos enriquece muito.

Equipe de trabalho formada por artistas do mundo todo

Como se desenvolve o trabalho de cada dia?

Nós começamos bem cedo, com o café da manhã. Trabalhamos das 7h30 às 18h30, com pausa ao meio-dia para a celebração da Santa Missa. Durante todo o dia trabalhamos nos mosaicos e fazemos as refeições juntos.

Nestes últimos dias, devido às festividades da padroeira, muitos peregrinos chegaram a pé, de longas distâncias. Há alguma experiência que mais tenha chamado sua atenção?

Eu sempre me comovo com os grupos, com as expressões das pessoas, de como as pessoas vem até o Santuário para rezar, para confiar aquilo que Deus faz de forma tão pessoal em suas vidas. É interessante ver como cada um está ali por aquilo que recebeu ou por aquilo que se sente bem em agradecer ou por poder estar visitando a casa da Mãe. Cada pensamento, cada vida pessoal, cada milagre que aconteceu na vida de alguém se coloca junto com o de outras pessoas e de repente nós temos um mar de pessoas na mesma fé. Ver pessoas de todas as cores, todas as raças, todas as classes no mesmo sentido de encontrar com Maria, de agradecer a Deus por aquilo que recebe, isso me comove muito.

Como os seus colegas estrangeiros veem as demonstrações de fé do povo brasileiro? 

Eles se comovem com a devoção do povo brasileiro. Aqui no Brasil as pessoas são muito devotas. Os estrangeiros olham com muita atenção para isso. Eu observo que meus colegas artistas também são atingidos por essa devoção. Algumas vezes observo que alguns deles se colocam em oração diante da imagem de Nossa Senhora Aparecida antes de começar o trabalho dos mosaicos, como um bom peregrino brasileiro. Isso me deixa muito contente e muito feliz de poder participar com eles da mesma oração, da mesma fé.

sexta-feira, 28 de outubro de 2022

O Papa: sacerdotes arrivistas são ridículos, um padre deve estar perto do povo

Encontro do Papa com os sacerdotes e seminaristas que estudam
em Roma  (Vatican Media)

Na segunda-feira (24/10) o Papa Francisco encontrou na Sala Paulo VI os seminaristas e sacerdotes que estudam em Roma, na ocasião abordou numerosos tópicos: do estilo compassivo dos padres, chamados a estar perto do povo e não arrivistas, à direção espiritual, do uso das novas tecnologias ao discernimento, do diálogo entre ciência e fé ao papel da Igreja nas guerras.

Vatican News

No longo do diálogo do Papa na segunda-feira (24) na Sala Paulo VI com seminaristas e sacerdotes que estudam em Roma, foram feitas dez perguntas ao Pontífice.

O bom sacerdote e o estilo de Deus

A uma pergunta feita sobre a concretude da misericórdia, o Papa respondeu que é necessário aprender a linguagem dos gestos que expressam proximidade e ternura. E isto também se aplica nas homilias: "deixar que a expressão seja total". "Se você não é humano com gestos, a mente também endurece e no sermão você dirá coisas abstratas que ninguém entende, e alguém será tentado a sair para fumar um cigarro". Francisco falou de três linguagens que revelam "a maturidade de uma pessoa: a linguagem da cabeça, a linguagem do coração e a linguagem das mãos" e encorajou a aprender a se expressar "nestas três linguagens: pensar o que sinto e faço; sentir o que penso e faço; fazer o que sinto e penso”. E também é preciso assumir o estilo de Deus, que é a proximidade. Deus "se tornou próximo na encarnação de Cristo. Ele está perto de nós". “Um bom sacerdote é um próximo compassivo e terno", esclareceu Francisco, reiterando novamente que o estilo de Deus "é sempre proximidade, compaixão e ternura. E você está próximo com paixão e ternura".

Manter o contato com o povo de Deus

Aos que lhe perguntavam como viver o sacerdócio sem perder aquele cheiro de ovelhas que deve ser próprio do ministério sacerdotal, Francisco respondeu que, mesmo que se esteja empenhado nos estudos ou em trabalhos na Cúria "é importante manter contato com o povo, com o povo fiel de Deus, porque há a unção do povo de Deus: são as ovelhas". Perdendo o cheiro das ovelhas, ao se distanciar delas, pode-se tornar "um teórico, um bom teólogo, um bom filósofo, um bom curial que sabe fazer todas as coisas”, mas foi perdida "a capacidade de sentir o cheiro das ovelhas". "Pelo contrário, sua alma perdeu a capacidade de se deixar despertar pelo cheiro das ovelhas", observou o Papa, que recomendou manter experiências pastorais "em uma paróquia, em um lar de crianças e jovens, ou idosos: seja o que for", para que o contato com o povo de Deus não se perca. E Francisco novamente reiterou o que ele chama de princípio das quatro proximidades dos sacerdotes: proximidade com Deus - oração -, proximidade com o bispo, proximidade com outros sacerdotes e proximidade com o povo de Deus: 'Se não há proximidade com o povo de Deus, você não é um bom sacerdote'.

Seminaristas e sacerdotes enquanto escutam o Papa

Sacerdócio não é comodismo ou carreirismo

O Papa falou então de sacerdotes que vivem o sacerdócio como se fosse um trabalho, com horários estabelecidos, sacerdotes funcionários, que buscam tranquilidade - não perturbar o padre, o padre está ocupado - e uma vida cômoda; ou seja, comodismo. "O sacerdócio é um serviço sagrado a Deus", explicou Francisco, "o serviço do qual a Eucaristia é o mais alto grau, é um serviço à comunidade". Em seguida, ele abordou o tema dos "padres arrivistas", aqueles que visam fazer carreira, convidando-os a parar com isso: "O arrivista é, em última análise, um traidor, não é um servidor. Ele busca o que lhe interessa e não faz nada pelos outros". Em seguida, ele contou uma história de sua própria avó, migrante italiana na Argentina - como tantos outros italianos que se mudaram para as Américas para construir casa e família - que gostava de dar ensinamentos simples, como a 'catequese' normal. "Nossa avó costumava nos ensinar: 'Na vida vocês devem progredir', isto é, conseguir logo tijolos, a terra, a casa, progredir, ou seja, ter uma posição, uma família, e ela nos ensinava isto. Mas cuidado para não confundir progredir com arrivismo, porque o arrivista é alguém que sobe, sobe, sobe e quando está no alto mostra aquilo ... a avó costumava dizer a palavra! Continuou o Pontífice. Te mostra, ele é assim, ele te mostra aquilo. A única coisa que os arrivistas fazem é o ridículo, eles são ridículos. Isso me fez bem na vida". Para um padre, por outro lado, o importante é a comunhão, a participação e a missão, servir aos outros, "o perigo de buscar o próprio prazer e a própria tranquilidade, é o perigo de arrivismo, e infelizmente na vida há muitos carreiristas".

O acompanhamento espiritual

No longo e aberto diálogo realizado na Sala Paulo VI, Francisco também enfatizou a importância da direção espiritual - confiando, porém, que ele preferia o termo "acompanhamento espiritual" - que não é obrigatório, mas ajuda no caminho da vida e é bom confiá-lo a uma pessoa que não seja o confessor. O Papa sublinhou que o importante é que se trate de dois papéis distintos. "Você vai ao confessor para que ele lhe perdoe seus pecados e você vai se preparar para os pecados. Você vai ao diretor espiritual para contar-lhe as coisas que estão acontecendo em seu coração, as emoções espirituais, as alegrias, as raivas e o que está acontecendo dentro de você". O Pontífice explicou que relacionando-se "somente com o confessor e não com o diretor espiritual", não se cresce, "não vai dar certo", se se relaciona "somente com um diretor espiritual, um companheiro" e não vai confessar seus pecados "também não dá certo", " são dois papéis diferentes". Em seguida esclareceu que a direção espiritual não é um carisma clerical, um carisma sacerdotal, mas um carisma batismal, e que "os sacerdotes que fazem a direção espiritual têm o carisma não porque são sacerdotes", mas "porque são batizados".  "A pessoa que não é acompanhada na vida", continuou Francisco, "gera ‘mofos’ na alma, os mofos mais tarde o molestam". Doenças, solidão triste, tantas coisas ruins". E ao invés disso, é importante estar acompanhado, reconhecer que há necessidade de estar acompanhado, "esclarecer as coisas", reconhecer que há necessidade de alguém que ajude a compreender as próprias emoções espirituais, "o que o Senhor quer com isto, onde está a tentação". "Encontrei alguns estudantes de teologia que não sabiam distinguir uma graça de uma tentação", relatou o Pontífice, lembrando que o acompanhamento espiritual pode ser feito por um padre, um bispo, mas também por uma religiosa ou mesmo um leigo ou uma leiga desde que seja uma pessoa sensata.

Alguns participantes do encontro

O diálogo entre ciência e fé: não há respostas para todas as perguntas

Partindo de uma pergunta sobre o diálogo entre ciência e fé, o Papa convidou antes de tudo a estar abertos às questões dos estudiosos e às ansiedades das pessoas ou dos estudantes universitários, a escutar e a manter sempre uma atitude positiva, aberta e humilde: 'Ser humilde, ter fé não é ter a resposta para tudo'. Esse método de defesa da fé não funciona mais, é um método anacrônico. Ter fé, ter a graça de acreditar em Jesus Cristo é estar a caminho". E é isso que o outro deve entender: que se está a caminho, que não há "todas as respostas para todas as perguntas". Voltando ao passado, Francisco recordou que houve uma época que estava na moda "uma teologia de defesa e havia livros com perguntas para defender". "Quando eu era menino, esse era o método de se defender", disse, "são respostas, algumas boas, outras limitadas, mas não são boas para o diálogo". Como se dar uma resposta decretasse uma vitória. "Não, não é assim", enfatizou o Pontífice, que também recomendou manter sempre aberto o diálogo com a ciência, mesmo não tendo respostas e, de direcionar a pessoa a quem você não soube responder para alguém que possa oferecer mais esclarecimentos. Diálogo é dizer: "Isso eu não sei explicar, mas você deve ir a estes cientistas, a estas pessoas que talvez o ajudarão". Por outro lado, devemos "fugir da contraposição religião e ciência", insistiu o Papa, "porque este é um espírito ruim, não é o verdadeiro espírito do progresso humano. O progresso humano fará a ciência avançar e também preservará a fé".

A vida, caminhar entre muitas dificuldades, cair e levantar

Respondendo a outra pergunta, o Pontífice descreveu a vida como "um desequilíbrio contínuo", porque é caminhar entre muitas dificuldades, caindo e se levantando, e encorajou a não ter medo e a fazer um discernimento neste desequilíbrio diário, porque "no desequilíbrio há as moções de Deus que convidam a algo, ao desejo de fazer o bem". "Saber viver no desequilíbrio" leva a "um equilíbrio diferente", um "equilíbrio dinâmico" governado por Deus, salientou Francisco, que também se deteve sobre esses conceitos falando também de discernimento correto. "O discernimento é sempre desequilibrado", disse, esclarecendo que "o discernimento correto é procurar como este desequilíbrio encontra o caminho de Deus - não encontra 'equilíbrio'". Talvez, o desequilíbrio seja "resolvido em um plano superior, não no mesmo plano". E esta é uma graça de oração, uma graça da experiência espiritual". É a busca de fazer a vontade de Deus, que leva a resolver o desequilíbrio, mas em outro nível. Na prática, o Papa acrescentou, "o desequilíbrio entra em oração, entra no caminho do Espírito Santo" que "leva a uma nova situação harmoniosa". Depois o Pontífice reiterou a importância da formação dos seminaristas, especialmente a espiritual, e recomendou a vida comunitária, "aprendendo a viver em comunidade e a não cair depois em críticas uns aos outros, nos partidos dentro do presbitério".

Momento musical oferecido ao Papa

Os perigos da Internet

Durante o encontro com os sacerdotes e os seminaristas que estudam na capital, o Papa também falou sobre sua relação com a tecnologia e seu desconforto com as modernas ferramentas digitais. Ele contou que logo que foi ordenado bispo na Argentina recebeu de presente um telefone celular, e que usou para uma única chamada telefônica para sua irmã e imediatamente devolveu. "Não é o meu mundo, mas vocês devem usá-lo", disse ele aos presentes, embora com prudência. Francisco enfatizou os perigos da internet, como a pornografia digital, que infelizmente é uma tentação para muitos, incluindo os religiosos: "É algo que enfraquece a alma. O diabo entra por ali: enfraquece o coração sacerdotal".

A Igreja diante da guerra

Por fim, respondendo a um sacerdote ucraniano, o Papa disse que a Igreja, como uma mãe, sofre diante das guerras "porque as guerras são a destruição dos filhos": "Deve sofrer, chorar, rezar. Deve ajudar as pessoas que foram atingidas, que perderam suas casas ou ficaram feridas pela guerra, mortes... A Igreja é mãe, e o papel antes de tudo é a proximidade com as pessoas que sofrem". Então Francisco acrescentou que a Igreja "é também uma mãe criativa da paz: ela tenta fazer a paz em certos momentos... Neste caso, não está sendo muito fácil".  Mas a Igreja tem um coração aberto. E falando do papel dos cristãos, acrescentou: "É verdade que existe a própria pátria e isto é verdade, devemos defendê-la", observou o Papa, "mas ir além, muito além disto: um amor mais universal". É por isso que "a Igreja Mãe deve estar perto de todos, de todas as vítimas". Uma atitude cristã é "rezar pelo pecado dos agressores, por este que vem aqui para arruinar minha pátria, para matar a minha família". Dirigindo-se depois diretamente ao jovem sacerdote que lhe havia feito a pergunta, o Pontífice continuou: "Vocês sofrem tanto, seu povo, eu sei, eu estou próximo. Mas rezem pelos agressores, pois eles são mais vítimas como vocês. Não se pode ver as feridas em suas almas, mas rezem, rezem para que o Senhor as converta e para que venha a paz ".

Pe. Manuel Pérez Candela

Pe. Manuel Pérez Candela
Pároco da Paróquia Nossa Senhora da Imaculada Conceição - Sobradinho/DF