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quinta-feira, 17 de julho de 2025

Formação da personalidade (2): Protagonistas da nossa vida (Parte 1/2)

Foto/Crédito: Opus Dei

Formação da personalidade (2): Protagonistas da nossa vida

Quando explicamos o porquê de nossas reações espontâneas, muitas vezes, em vez de dizer “é que sou assim”, teríamos que admitir: “eu me fiz assim”. Editorial sobre a formação do caráter na vida do cristão.

20/01/2015

«Eu peço para serem protagonistas desta mudança. Continuem a vencer a apatia, dando uma resposta cristã às inquietações sociais e políticas que estão surgindo em várias partes do mundo. Peço-lhes para serem construtores do mundo, trabalharem por um mundo melhor. Queridos jovens, por favor, não 'olhem da sacada' a vida, entrem nela. Jesus não ficou na sacada, mergulhou… 'Não olhem da sacada' a vida, mergulhem nela, como fez Jesus»[1]. Diante destas palavras do Papa Francisco aos jovens, surgem imediatamente algumas perguntas, que o próprio Romano Pontífice formulava a seguir: «Por onde começamos? A quem pedimos para iniciar isso? Por onde começamos? Por ti e por mim! Cada um, de novo em silêncio, se interrogue: se devo começar por mim, por onde principio? Cada um abra o seu coração, para que Jesus lhe diga por onde começar»[2]. Para ser protagonistas dos acontecimentos do mundo é indispensável começar por ser protagonistas da nossa própria vida.

Livres e condicionados

Este protagonismo implica reconhecer que as circunstancias familiares ou sociais influem em nosso caráter, mas não o determinam absolutamente. O mesmo é válido para os instintos mais básicos que provém da constituição corporal, e também para a herança genética: assinalam algumas tendências, mas estas podem ser moldadas e orientadas através do exercício da vontade que segue a inteligência bem formada.

Nossa personalidade se forja na medida em que tomamos decisões livres, já que ações humanas não se dirigem unicamente a mudar nosso ambiente, mas também influem em nosso modo de ser. Embora às vezes aconteça de uma maneira não muito consciente, a repetição de atos faz que adquiramos certos costumes ou adotemos uma postura ante a realidade. Por isso, quando explicamos o porquê de nossas reações espontâneas, mais que dizer "é que sou assim", muitas vezes teríamos que admitir: "me tornei assim".

Temos condicionamentos que muitas vezes são difíceis de controlar, como a qualidade das relações familiares, o ambiente social em que crescemos, uma doença que nos limita de alguma maneira, etc. Frequentemente, não é possível ignorá-los ou remediá-los, mas pode-se mudar a atitude com que os enfrentamos, principalmente se formos conscientes de que nada fica fora dos cuidados providentes de Deus: É necessário repetir muitas e muitas vezes que Jesus não se dirigiu a um grupo de privilegiados, mas veio revelar-nos o amor universal de Deus. Todos os homens são amados por Deus, de todos espera amor[3]. Em qualquer circunstância, inclusive com grandes limitações, podemos dar a Deus e ao próximo obras de amor, por menores que pareçam. Não se pode medir o valor de um sorriso no meio da tribulação; do oferecimento da dor a Deus, procurando a união com a Cruz; da aceitação paciente das contrariedades! Um amor sem limites, mais forte que a dor, que a solidão, que o abandono, que a traição, que a calúnia, que o sofrimento físico e moral, que a própria morte, não pode ser vencido por nada.

Artífices da própria vida

Uma tarefa da nossa liberdade é descobrir os talentos pessoais, virtudes, capacidades, competências, agradecê-los e aproveitá-los. Porém, temos de recordar que o que mais estrutura a personalidade cristã são os dons de Deus, que incidem na parte mais íntima do nosso ser. Entre estes se encontra, de modo eminente, o imenso presente da filiação divina, que recebemos com o Batismo. Graças a ele, o Pai vê em nós a imagem - se bem que imperfeita, pois somos criaturas limitadas - de Jesus Cristo, que se torna cada vez mais clara com o sacramento da Confirmação, o perdão transformador da Penitência e, especialmente, a comunhão com seu Corpo e seu Sangue.

Partindo destes dons recebidos das mãos de Deus, cada pessoa, querendo ou não, é autora de sua existência. Nas palavras de São João Paulo II, « todo o homem recebeu a tarefa de ser artífice da própria vida: de certa forma, deve fazer dela uma obra de arte, uma obra-prima»[4]. Somos donos de nossos atos - o Senhor desde o princípio, criou o homem e o deixou nas mãos seu próprio arbítrio[5]-; somos nós, se quisermos, que assumimos a direção das nossas vidas no meio de tormentas e dificuldades.

Somos livres! Experimentamos este descobrimento com alguma incerteza: para onde levarei a minha vida? Mas em primeiro lugar com alegria: Deus, ao criar-nos, correu o risco e a aventura da nossa liberdade. Quis uma história que fosse uma história verdadeira, feita de autênticas decisões, e não uma ficção nem um jogo[6]. Nesta aventura não estamos sós: contamos, em primeiro lugar, com a ajuda do próprio Deus, que nos propõe uma missão, e também com a colaboração dos outros: familiares, amigos, inclusive pessoas que cruzam casualmente conosco em algum momento da existência. O protagonismo na própria vida não implica negar que em muitos aspectos somos dependentes, e se considerarmos que esta dependência é recíproca, então poderíamos dizer que somos interdependentes. A liberdade, por si só, não é suficiente: fica vazia se não a utilizarmos para nos comprometermos com coisas grandes, magnânimas. Como veremos, a liberdade é para a entrega ou, dito de outro modo, só pode existir una liberdade entregue.

Um caminho para percorrer

São Josemaria recordava um cartaz que encontrou em Burjasot (Valencia), pouco tempo depois do fim da guerra civil espanhola, com uma frase que muitas vezes citou em sua pregação: "Cada caminhante siga o seu caminho". Cada alma vive a sua própria vocação de um modo pessoal, com a sua própria marca: podemos andar pela direita, pela esquerda, em zigue-zague, caminhando a pé, a cavalo. Há cem mil maneiras de ir pelo caminho divino[7]. Cada pessoa é autora principal da sua história de santidade, cada uma tem seu selo distintivo, na configuração de qualquer faceta da sua existência e da sua personalidade, evitando o simples "deixar-se levar" pelos fatos.

Livremente - como filhos, insisto, não como escravos -, seguimos a senda que o Senhor marcou a cada um de nós. Saboreamos esta liberdade de movimentos como uma dádiva de Deus [8]. Esta desenvoltura -soberania humana- vai de mãos dadas com a responsabilidade, do saber que somos "criaturas de Deus": um sonho divino que se torna realidade na medida em que experimentarmos o amor sem condições, que pede nossa resposta. O amor de Deus afirma nossa liberdade, e a eleva a altitudes impensáveis com sua graça.

J.R. García-Morato


[1] Papa Francisco, Vigília de oração com os jovens (Rio de Janeiro, 27 de julho de 2013)

[2] Ibid.

[3] São Josemaria Escrivá, É Cristo que passa, n. 110

[4] São João Paulo II, Carta aos artistas, n. 2

[5] Cfr. Sir, 15,14

[6] São Josemaria Escrivá, "As riquezas da fé", artigo publicado no jornal ABC, de Madri, em 02 de novembro de 1969.

[7] São Josemaria, Carta, 2 de ferreiro de 1945, n. 19

[8] São Josemaria Escrivá, Amigos de Deus, 35

Fonte: https://opusdei.org/pt-br/article/protagonistas-da-nossa-vida/

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