Fatos e Fotos - Comunidade I

quarta-feira, 2 de julho de 2025

O cristianismo: uma história simples (Parte 3/4)

Bartolomé Esteban Murillo, Descanso na fuga para o Egito, Museu Puskin, Moscou [© Foto Scala Firenze] | 30Giorni

RECORDANDO PADRE GIACOMO...

Arquivo 30Dias nº 05 - 2012

O cristianismo: uma história simples

Encontro com padre Giacomo Tantardini no Centro Cultural Fabio Locatelli, de Bérgamo 15 de dezembro de 2000.

pelo Padre Giacomo Tantardini

Por que o cristianismo é uma história simples? É uma história simples (usamos uma palavra que a Igreja usa há dois mil anos) porque é graça, porque é um acontecimento e portanto uma história de graça. Se não fosse graça, seria uma coisa complicada. Por que a religiosidade humana não é simples? Porque nasce do homem. Porque é a tentativa boa do homem, partindo das coisas criadas, de reconhecer o Criador. Mas essa não é uma coisa simples, é uma coisa difícil. Diz o dogma de fé: é uma coisa difícil, uma coisa para poucos, uma coisa que, mesmo quando a religiosidade chega a seu termo (o Mistério existe), é mesclada a erros. São as palavras do dogma da Igreja. Não só é para poucos, não só é difícil, mas, mesmo quando a pessoa chega a dizer “Deus existe”, essa afirmação é mesclada a erros. No entanto, há dois mil anos começou uma coisa que é extremamente simples. Àquela menina foi prometido que conceberia e daria à luz. E, naqueles nove meses, quantos fatos humaníssimos... Em primeiro lugar ela se dá conta de que está grávida (e de que a barriga crescia como a barriga de qualquer mulher grávida). E o testemunho de José, que obedecendo ao Mistério maior do que ele a toma consigo. E o testemunho da prima Isabel: ela também tem um filho. E aquele Natal, aquele primeiro Natal, quando pela primeira vez os olhos de dois jovens, de Maria e José, viram a Deus. Viram a Deus. Começa assim o cristianismo. Não é que acreditaram em que Deus existe, não; nisso também acreditam os muçulmanos, que talvez nessa religiosidade sejam mais religiosos que nós, mas não viram. Não viram – no entanto, veio –, e na religiosidade e na moralidade podem ser mais morais e mais religiosos do que nós. Também por isso Paulo VI foi grande quando não fez nada para que não construíssem a mesquita em Roma; aliás, quando lhe diziam que deveria obter a reciprocidade, respondia que a Igreja não se rebaixava a esse nível. Mas é uma outra coisa. O cristianismo é uma outra coisa se comparado a todas as religiões do mundo, a todas as morais do mundo. O cristianismo é que há dois mil anos um jovem e uma jovem, José e Maria, viram a Deus com seus olhos, não numa visão mística. Maria deu à luz aquela criança. E José e ela a olharam maravilhados. Começou assim a história cristã. Ficaram ali a olhar para Deus. E depois naquela mesma noite os anjos anunciaram aos pastores que na cidade de Davi (pois Deus é fiel à suas promessas), “na cidade de Davi nasceu para vós o Salvador”. E os pastores foram, foram e viram um menino. Aquele menino era Deus. Assim, quando no Credo dizemos “Deus de Deus, luz da luz, Deus verdadeiro de Deus verdadeiro [aquele menino], gerado, não criado, consubstancial ao Pai. Por ele todas as coisas foram feitas, e por nós, homens, e para nossa salvação [por nós, homens, para o homem que se contenta com a luxúria, a usura e o poder, para esse homem, não para os homens de boa vontade (é Sua a boa vontade), mas para esse homem concreto], por nós, homens, e para nossa salvação desceu dos céus e se encarnou pelo Espírito Santo...”

Acrescento isto. Depois de Maria e José, depois daqueles trinta anos em que o Eterno, que começou a existir e a crescer no tempo (o Eterno, continuando a ser eterno, começou a existir e a crescer no tempo e a contar os dias, as horas, os meses e os anos, como qualquer criança), depois daqueles trinta anos em que viveu em Nazaré, obedecendo a seu pai e a sua mãe, começa a missão, quando os dois primeiros, naquela tarde, às margens do Jordão, o encontraram, quando João e André, depois que João Batista indicou “Eis o Cordeiro de Deus, eis Aquele que tira os pecados do mundo”, foram atrás dele. Foram atrás dele atraídos por Ele. E então Jesus se volta e a esses dois rapazes – André era casado, portanto devia ter alguns anos mais, mas João era mesmo um rapazote –, a esses dois jovens pergunta: “O que buscais?”. Isso sempre me impressiona. Não lhe responderam buscamos a verdade, buscamos a felicidade, não lhe disseram nem mesmo buscamos o Messias. O que o coração buscava eles O tinham à sua frente. Eles O tinham à sua frente. O coração é infalível, nisso o coração é infalível. Há uma tese belíssima da teologia católica que fala da infalibilidade da fé. A infalibilidade do magistério é secundária em relação à infalibilidade da fé. A fé é infalível. O que buscavam, o que o coração buscava, eles O tinham à sua frente. Então àquela pergunta, “O que buscais?”, respondem perguntando a única coisa que alguém pode perguntar. Quando alguém encontra o que o coração deseja pode apenas pedir que essa coisa permaneça. “Mestre, onde moras?”, ou seja, “onde ficas?”. Onde ficas, para que eu fique contigo? Publicamente, aqui. Com Maria e José, digamos, ficava privadamente. Os trinta anos de vida privada, privada mas com muitos episódios públicos: os pastores, depois os Magos, depois quando aos doze anos no Templo... Mas, seja como for, uma história particular. Aqui o início é da história pública, da história pela qual esta noite estamos aqui. Por isso existe no mundo essa história simples de pessoas que se fascinaram porque O encontraram. História simples: fascinaram-se porque O encontraram e depois, uma vez encontrado, depende dEle, não depende em primeiro lugar de você, depende dEle que fique com você. É simples por isso. Caso contrário – posto que o início do cristianismo é graça (se a pessoa é cristã, não pode deixar de dizer isso) –, se introduz uma outra dinâmica. Não! Uma vez encontrado, o que acontece? O que você fez para encontrá-Lo? Nada. Então, veja, não se agite, porque depende dEle. Depende dEle, que o encontrou e continua fiel. Depende dEle, que se mantém fiel a você; não depende em primeiro lugar da sua fidelidade. Depende dEle. É simples por isso. É simples porque não só Ele encontra você, não só foi Ele que foi ao encontro dos primeiros, mas depende dEle, que ficou com os primeiros, depende dEle, que no dia seguinte se deixou encontrar novamente pelos primeiros, depende dEle, que no dia seguinte mais uma vez...

André foi para casa naquela noite e disse a seu irmão Pedro: “Encontramos o Messias”. Uma outra coisa que me maravilha é pensar que Pedro da primeira vez que vislumbrou humanamente o Mistério feito carne foi olhando para o rosto de seu irmão. Nunca tinha visto o rosto de André assim, nunca tinha visto o rosto de seu irmão dessa forma, pois a graça tem um reflexo no humano. A graça é visível. Tem uma fonte invisível, mas tem um reflexo visível; o reflexo da graça pode ser visto, pode ser visto e é inconfundível. É infalível o reflexo da graça, é inconfundível com qualquer outra beleza. É a beleza pela qual o coração foi criado. Então não apenas é Ele que se deixa encontrar, mas é Ele que permanece, tanto assim que no dia seguinte, quando viu Pedro, lhe disse: “Tu és Simão, filho de João, tu te chamarás Pedro”. E assim, de dois, se tornaram três e dessa forma foram adiante durante três anos... Assim. Mas pensem naqueles três anos, pensem de quem era a iniciativa. Não era daqueles que O seguiam, a iniciativa era sempre Sua. Como quando o jovem rico, convidado a segui-Lo, ou melhor, amado por Ele... Jesus o olhou e se enterneceu, quis o seu bem. No entanto o jovem não O segue, e então Jesus diz que é impossível para um rico entrar no Reino dos Céus, e Pedro lhe pergunta: “Mas então quem se pode salvar?”. E aqui está uma das mais belas frases do Evangelho: “E Jesus, olhando para eles [olhando para eles, não fazendo teologia, olhando para eles] disse: ‘A Deus nada é impossível’”. Olhando para eles: porque o que lhe era evidente, como Mistério, como homem ele aprendia das coisas que aconteciam, tal como nós aprendemos daquilo que acontece. Se Pedro estava ali, se João estava ali, se Mateus estava ali (pensava eu hoje, vendo os quadros de Caravaggio, pensava na Vocação de Mateus de Caravaggio, em São Luís dos Franceses, em Roma), se Zaqueu tinha descido cheio de alegria, isso significa que a Deus nada é impossível. Pois Mateus era rico, aliás, recolhia dinheiro para os invasores romanos, e Zaqueu, o mais rico de Jericó... se eles estavam ali, isso significa que a Deus nada é impossível. Jesus também, como homem, aprendeu a natureza do Mistério a partir daquilo que acontecia. O que, como Deus, ele conhecia, aprendeu como homem pela experiência. Diz São Bernardo numa das frases mais estupendas sobre o mistério de Jesus: o que por natureza conhecia desde a eternidade (que a Deus nada é impossível), ele o aprendeu pela experiência humana. Ele também se surpreendeu quando viu Zaqueu descer correndo. Pensem no episódio de Zaqueu. Esse pequeno homem que teve de subir na árvore para vê-lo passar. Esse pequeno homem que era o chefe das quadrilhas ilegais da cidade de Jericó, e Jesus, passando, olha para ele e lhe diz: “Zaqueu, vou a tua casa”. Não disse nada, não lhe respondeu nada. Cheio de alegria desceu. E depois distribuiu quatro vezes o que havia roubado. Mas depois, depois! De imediato, cheio de alegria, desceu e correu a sua casa. Então é simples, é simples não apenas porque o início é graça, mas porque cada passo é graça. Diz Santo Tomás numa de suas frases mais belas (a Igreja Católica, usando também essa frase, no ano passado, assinou um documento com os luteranos em que dizia que sobre aspectos essenciais da doutrina da justificação os católicos e os protestantes reconhecem a mesma coisa): “Gratia facit fidem”, a graça cria a fé. A fé é o reconhecimento dessa atração, a fé é o reconhecimento desse encontro, a fé é a surpresa reconhecida desse encontro. “Gratia facit fidem non solum quando fides incipit esse in homine”, a graça cria a fé não apenas quando a fé começa a existir num homem, “sed quamdiu fides durat”, mas a cada momento em que a fé permanece. A cada momento, não apenas no início, a cada momento a iniciativa é Sua.

Esta tarde visitei a mostra de Caravaggio, aqui em Bérgamo. Belíssima. Fomos guiados por um sacerdote que muito humanamente, de maneira muito bela, descrevia as coisas. A certa altura, porém, ele disse que Caravaggio exprime a dificuldade da fé. Eu não diria isso. A fé, quando acontece, nunca é difícil. É fácil a “falta de fé”. Isto sim, a “falta de fé” é facílima. “Homens de pouca fé, por que duvidais?” É facílima, até para aqueles que O seguiam, é facílima a “falta de fé”, é facílima a dúvida, é facílima a blasfêmia, isto sim. Pois a graça do Batismo cancela o pecado original, mas não as consequências do pecado original. É facílima a “falta de fé”, facílima a dúvida, é facílima a traição. Pensem em Pedro: “Mesmo que todos te abandonassem, eu nunca te abandonaria”. Três horas depois... Três horas depois! Em primeiro lugar, meia hora depois, tinha adormecido. E depois, três horas mais tarde, O traiu. É facílima a traição. Mas a fé é mais fácil. É mais fácil a fé. Senão, significa que não sabemos o que é. É mais fácil, pois quando Jesus, depois da traição, olhou para ele, era mais fácil explodir em pranto, mais fácil que qualquer outra coisa. A fé é mais fácil. Não existe uma fé difícil. É mais fácil. É uma imagem não cristã de fé dizer que a fé é difícil. É mais fácil, é ainda mais fácil que a traição. Pensem naquele pobre homem que era Pedro, naquele pobre pecador que era Pedro: quando Jesus olhou para ele, foi a coisa mais fácil da vida estourar em lágrimas, foi a coisa mais fácil da vida pôr-se a chorar. Foi a coisa mais fácil da vida dizer: “Como me queres bem, como me queres bem! No entanto, eu te traí”. É fácil a fé, é fácil. Não existe fé (este é um dogma de fé), não existe fé se o Espírito Santo não doa a doçura (fala de doçura; a doçura não pode ser difícil, seria uma coisa desumana), a doçura de aderir. É o Espírito, é a graça que doa a doçura de aderir. Usa a palavra doçura: mais fácil que isso! É fácil a fé. No instante seguinte, podemos não crer. No instante seguinte, podemos blasfemar, no instante seguinte podemos correr atrás do dinheiro, da luxúria e do poder. Mas, se experimentamos essa doçura, podemos correr atrás como todo o mundo, mas essa doçura é a coisa mais fácil, é a coisa mais fácil. E pôr-se a chorar depois de ter corrido atrás da luxúria, do dinheiro, do poder, pôr-se a chorar, porque essa doçura se reapresenta, porque esse olhar volta a olhar para você, pôr-se a chorar é a coisa mais fácil. Não há coisa mais fácil para a criança, que, depois de todos os caprichos deste mundo, se abandona nos braços do pai e da mãe; não há coisa mais fácil. Vocês dizem que é difícil para a criança? Seria uma coisa desumana se não se abandonasse. É a coisa mais fácil deste mundo abandonar-se nos braços do pai e da mãe.

Fonte: https://www.30giorni.it/

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