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terça-feira, 11 de novembro de 2025

Fitoplâncton oceânico produz metade do oxigênio da Terra.

Tons de azul e verde no Mar de Barents foram resultados da ocorrência da alta das populações de fitoplâncton na região — Foto: Wikimedia Commons.

Fitoplâncton oceânico produz metade do oxigênio da Terra. Um novo estudo sugere que ele pode estar diminuindo

Pesquisa observou diminuição na quantidade de clorofila ao longo de 20 anos, a qual pode ser associada à queda na população de fitoplâncton. Associação, no entanto, não é consenso entre cientistas.

Por Victor Bianchin

10/11/2025 12h25

Um novo estudo, publicado na revista Science Advances, aponta para um dado alarmante: a quantidade de fitoplâncton nos oceanos pode estar diminuindo. Esses microrganismos aquáticos, que estão na base da cadeia alimentar marítima, são responsáveis por boa parte da atividade fotossintética do planeta, capturando dióxido de carbono (CO2) e devolvendo oxigênio à atmosfera.

O estudo, desenvolvido por pesquisadores das Universidades de Tsinghua (China), Bangor (Reino Unido) e Pensilvânia (EUA), se baseou em imagens de satélite e também dados de bóias flutuadoras, além de algoritmos de deep learning que foram úteis para preencher lacunas de dados (como áreas obscurecidas por nuvens). Ele observou que, entre 2001 e 2023, a concentração de clorofila A (ou “Chl-a”, o pigmento fotossintético, um indicador de abundância) diminuiu cerca de 1,78% por ano em águas costeiras. O nome "fitoplâncton", vale dizer, serve de guarda-chuva para um grande grupo de microrganismos, que inclui algas microscópicas e bactérias.

Segundo os cientistas que assinam o levantamento, essa diminuição pode estar sendo causada pelo aquecimento global. Existe um fenômeno natural chamado de estratificação do oceano em que as águas mais superficiais são mais quentes (por causa da radiação solar) e menos densas, ao passo que as águas mais profundas são mais frias e menos densas. Normalmente, essas águas frias, que são também ricas em nutrientes, sobem à superfície, principalmente em costas e regiões equatoriais, por meio de um fenômeno chamado upwelling, ou “afloramento”. Outros fatores, como tempestades, também ajudam a movimentar a água e trazer para cima os nutrientes do fundo.

Em um cenário de aquecimento global, porém, a história fica mais complexa. As águas superficiais ficam ainda mais quentes e têm dificuldade de se misturar com as mais frias. Isso gera uma carência de nutrientes na superfície, o que afeta os organismos que dependem deles para sobreviver, como o fitoplâncton. Por consequência, toda a cadeia alimentar acaba sendo comprometida.

Por que o fitoplâncton é importante

Os oceanos cobrem 71% da superfície terrestre e são responsáveis por cerca de metade da produção de oxigênio do planeta, a maior parte fotossintetizada pelo fitoplâncton. Além de produzir oxigênio, ele serve de alimento para o zooplâncton (organismos aquáticos sem capacidade fotossintética). Esses, por sua vez, são consumidos por pequenos peixes e animais, dando continuidade à cadeia alimentar até chegar aos grandes predadores.

“Num ambiente terrestre, os principais autótrofos são as árvores. Nelas, as raízes absorvem nutrientes e água, as folhas fazem fotossíntese e produzem glicose, e o tronco transfere tudo pro resto do organismo. No oceano, uma única célula faz tudo que uma árvore inteira faz. São microalgas que formam um gramado tridimensional planetário, chamado fitoplâncton”, afirma Frederico Brandini, professor do Instituto Oceanográfico da USP. Ele lembra que, 3,5 bilhões de anos atrás, a Terra era um planeta anóxico, ou seja, sem oxigênio livre — as primeiras moléculas começaram a ser produzidas pelo fitoplâncton.

De acordo com o novo estudo, as reduções na quantidade de fitoplâncton são mais graves nas regiões costeiras: 40% das áreas analisadas apresentaram declínio, enquanto apenas 12,5% demonstraram crescimento significativo. Essas regiões com aumento, que incluem o norte da costa brasileira, têm o crescimento creditado a “provavelmente a intensificação das atividades humanas”, o que traria mais nutrientes à água.

Onde há declínio, o aquecimento global é provavelmente o culpado. Segundo destaca o artigo, “nas últimas décadas, observou-se uma intensificação da estratificação oceânica, impulsionada por um aquecimento mais rápido da camada superior do oceano em comparação com as camadas mais profundas, devido às mudanças climáticas globais. Essa maior estratificação provavelmente está enfraquecendo o transporte vertical de nutrientes, limitando assim a disponibilidade de nutrientes para o crescimento do fitoplâncton na camada superior do oceano”.

O que a nova pesquisa não leva em conta

O professor Frederico Brandini afirma que há alguns pontos sobre a nova pesquisa que precisam ser tratados com cuidado. Ele lembra, por exemplo, que o uso da clorofila A como ferramenta de medição tem seus poréns. “Existe uma razão carbono-clorofila no fitoplâncton que vai de 20 a 200. Então 1 de clorofila pode ser 20 ou 200 de carbono. E o carbono é o que interessa”, diz ele. “O estudo usa a clorofila porque ela é um indicador de abundância, mas clorofila não é biomassa, a biomassa é o carbono. E 1,78% [de redução de clorofila A] é uma 'merreca'. Se você for olhar isso em miligramas por metro cúbico, dá 0,00035 miligrama de clorofila por metro cúbico. O oceano tem 361 milhões de km²”, argumenta.

Outro ponto levantado por Brandini é que o aumento de temperatura, embora cause acréscimo na estratificação da água, também implica em uma maior atividade metabólica por parte do zooplâncton (ele se alimenta mais). Esse fator, porém, não foi computado no estudo. “Isso significa que, talvez, esse decréscimo da clorofila não seja apenas pelo aumento da estratificação física, mas também pela herbivoria do zooplâncton. Eu, se fosse revisor desse artigo, teria falado ‘opa, mas e o zooplâncton, ele não tá comendo o fitoplâncton?’”.

Esse aspecto é importante porque ele muda o impacto dessa diminuição na quantidade de clorofila A: se de fato a biomassa de fitoplâncton está diminuindo, então há menos absorção de CO2 atmosférico, o que é um grande problema. “Por outro lado, se a herbivoria do zooplâncton está sendo importante, então esse CO2 continua sendo absorvido e está indo pro zooplâncton. Então, não há grandes mudanças”. Esse aumento na quantidade de zooplâncton poderia até mesmo gerar crescimento na população de peixes, favorecendo a atividade pesqueira.

O cientista também acredita que, na lista de problemas ambientais que podem impactar o ser humano, a queda de biomassa fitoplantônica não é a mais urgente. “Antes de ser afetado por esse tipo de problema, o ser humano vai ser afetado por coisas muito mais relevantes, como a contaminação oceânica com poluição, a sobrepesca, a ocupação das zonas costeiras, a destruição de manguezais, a perda de biodiversidade, o descarte de metais pesados nos oceanos. Pensando apenas no ser humano, essas coisas são problemas muito piores”, argumenta.

O estudo também contrasta com pesquisas anteriores, como esta de 2023 publicada na Nature, que indicam um possível aumento na quantidade de fitoplâncton nos oceanos, não uma redução. Michael Mann, diretor do Centro Penn para Ciência, Sustentabilidade e Mídia da Universidade da Pensilvânia e coautor do novo estudo, afirmou ao site Inside Climate News que esses estudos anteriores provavelmente têm dados incorretos, porque se baseiam apenas em imagens de satélite.

"Estou confiante de que nosso resultado está correto", disse ele, "porque é o que suspeitávamos que estivesse acontecendo, dados os substanciais aumentos na estratificação dos oceanos globais documentados anteriormente nas últimas décadas".

Fonte: https://revistagalileu.globo.com/cop30/noticia/2025/11/fitoplancton-oceanico-produz-metade-do-oxigenio-da-terra-um-novo-estudo-sugere-que-ele-pode-estar-diminuindo.ghtml

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