A reportagem sobre os locais de missão de Robert Francis
Prevost no Peru. Uma parada na capital do país sul-americano entre os
agostinianos que lembram o confrade que agora se tornou Papa: “um homem próximo
da Eucaristia, nas orações, na preparação da pizza, porque gostava de cozinhar.
Um homem fraterno, mas ao mesmo tempo firme quando era necessário”.
Salvatore Cernuzio - enviado ao Peru
No barulho contínuo de buzinas e motores nas “carreteras”
de Lima e sob o cinza geral do céu, que os habitantes chamam de “panza de
burro” em referência ao cinza esbranquiçado da barriga de um burro, o
convento de Santo Agostinho, no centro histórico, parece um oásis de cores,
silêncio e recolhimento. Uma antiga estrutura de arquitetura rococó, a poucos
passos da Plaza de Armas, embelezada por afrescos e efígies
sagradas, entre as quais Nuestra Señora de Gracia, padroeira do
Peru, venerada em 8 de maio. A data, ou seja, de eleição de Robert Francis
Prevost.
O então missionário agostiniano raramente visitava esta
capital que imediatamente envolve e perturba os cinco sentidos, entre a umidade
que gruda nas roupas, o cheiro que varia de borracha queimada a banana-da-terra
assada, o zumbido dos mototáxis (muitos) e combis (uma espécie
de ônibus com uma dezena de assentos) que parecem competir entre si mais do que
dirigir. De seus territórios no norte – vilarejos, cidades, bairros – o
agostiniano de Chicago mudou-se para a capital apenas para as assembleias
gerais de sua ordem religiosa. Os confrades, porém, lembram-se bem dele, desde
quando, com pouco mais de 30 anos, em meados dos anos 80, começou a missão em
Chulucanas e depois em Trujillo, sua residência por 11 anos, e finalmente em
Chiclayo como bispo.
«Ehhh, o nosso Roberto!», suspira o Pe. Gioberty Calle,
cruzando os braços sob a batina preta com cinto de couro. «Lembro-me dele muito
próximo de nós na Eucaristia, nas orações, na preparação da pizza, porque
gostava de cozinhar... Lembro-me dele fraterno, mas ao mesmo tempo firme quando
era necessário».
O “padre” fala com voz de barítono, passeando pelo pátio do
convento, decorado com azulejos hispano-mouriscos, enquanto o canto dos
periquitos se mistura ao barulho externo. A atmosfera permanece, no entanto,
abafada, suspensa no tempo. Não era assim aqui em San Agustín na
noite de 8 de maio, quando o cardeal protodiácono anunciou o Habemus
Papam. Sinos, gritos de alegria e aplausos ressoaram por todo o convento. O
Pe. Gioberty estava comemorando o aniversário de um amigo sacerdote de outra
comunidade. Era hora do almoço e ele correu imediatamente para a casa que
divide com outros três irmãos para se sentar em frente à TV e assistir à fumaça
branca. “Sentamos e ligamos rapidamente a TV. Estávamos esperando. A pergunta
era: será que é o nosso irmão Roberto?”.
E foi o “padre Roberto” que apareceu no Balcão das Bênçãos,
saudando o seu Peru e proclamando-se “filho de Santo Agostinho”. Uma passagem
que o Pe. Calle lembra colocando a mão na cabeça, em sinal de emoção. “Foi
realmente uma surpresa. Eu olhava como se não fosse verdade... Ele é um homem
de fé, é um agostiniano. Agradeço-lhe por ter dito isso livremente”. O
religioso aproveita os meios de comunicação do Vaticano para enviar uma
mensagem ao seu “velho amigo”: “Você é um agostiniano. Você sabe bem, Roberto,
que isso te envolve e te compromete. Te compromete com sua vocação, com sua fé,
com seu seguimento de Deus. Não tenha medo, nós te acompanhamos em oração. Aqui
você tem seus irmãos e o Peru te ama. Conte conosco e volte ao Peru, estamos
esperando por você”.
Todos dizem “volte ao Peru” a este Papa que, apesar de suas
raízes americanas, é considerado “peruano” em todos os aspectos. Por outro
lado, o Peru é um país que, apesar de suas contradições e limitações, abre uma
brecha na alma e lá se sedimenta. Irmã Margaret Walsh, missionária marista,
australiana, mas agora naturalizada peruana, sabe bem disso. Baixa estatura,
olhos azuis vivos, um espanhol irresistível com os “R” e os “O” com um acento
anglo-saxão marcado, ela também guarda lembranças pessoais do Padre Prevost,
especialmente dos primeiros tempos de sua missão. “Quando ele chegou, era tão
jovem... mas desde o início foi muito aberto, muito atencioso e com uma grande
capacidade de falar com as pessoas, sensível às diferenças, sem nunca cair na
crítica de uma cultura tão diferente”.
A Irmã Margaret, que está no Peru há cerca de 30 anos, após
várias viagens pelo mundo (incluindo a Itália), compartilha suas memórias da
capela da casa de dois andares, na zona de Callao, nos arredores de Lima, onde
ela e suas irmãs vivem, cantam e rezam todos os dias. As outras missionárias
preparam café e um bolo de cenoura, ela arruma um vaso de flores ao lado de uma
foto do Papa Leão. Ela ri ao lembrar-se da noite de 8 de maio: “¿Quién será?
¿Quién será? Todos nós aqui em Callao nos perguntávamos. Talvez o
Padre Robert...”.
A freira sorri novamente ao pensar que o homem vestido de
branco hoje é o mesmo que, anos atrás, ela viu montado em uma mula. “Era até
perigoso, sabe? Porque a mula tende a andar perto das margens”. Na estação das
chuvas, porém, era a única alternativa para se deslocar a pé para zonas altas,
distantes e frias, e Prevost “era uma pessoa com o desejo de chegar aos
outros”. Sobre ele, a Irmã Margaret lembra também o grande respeito que
demonstrava pelo papel das mulheres na Igreja. Ela conta as muitas conversas
com sua superiora e também a estima demonstrada pelas outras religiosas com
quem conversava durante os almoços e jantares. A uma “mulher”, a Irmã Walsh
confia o pontificado de Leão XIV, a Nossa Senhora Mãe do Bom Conselho: “espero
que continue na sua presença. Rezo para que a Mãe o acompanhe em seu caminho,
especialmente nos momentos difíceis”.
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