RECORDANDO PADRE GIACOMO...
Arquivo 30Dias nº 05 - 2012
O cristianismo: uma história simples
Encontro com padre Giacomo Tantardini no Centro Cultural
Fabio Locatelli, de Bérgamo 15 de dezembro de 2000.
pelo Padre Giacomo Tantardini
Queria dizer uma última coisa. O que pede ao homem essa
graça sem a qual o homem nada faz? “Que a Tua graça sempre nos preceda e
acompanhe”, diz uma das orações da Igreja. Lex orandi legem statuat
credendi, dizia a antiga fórmula que Pio XII citou, mas, talvez prevendo o
que aconteceria, trocou depois por Lex credendi legem statuat orandi,
ou seja, que a lei da fé estabeleça a lei da oração. Porém, a antiga fórmula
dizia que é a lei da oração que estabelece a lei da fé. Santo Agostinho, para
responder aos pelagianos, usa normalmente este argumento: vocês dizem que a fé
não é graça, então por que a Igreja roga que um não crente se converta? Ou
essas orações são por modo de dizer ou é Deus que converte o
coração. Vocês dizem que permanecer na fé não é graça, mas então por que
pedimos na oração do Senhor que não nos deixe cair em tentação? Se fosse
capacidade nossa vencer a tentação, não rezaríamos pedindo não cair em tentação.
Portanto, isso significa que não deixar-se vencer pela tentação é graça. Ou a
Igreja diz as suas orações por modo de dizer ou vocês têm de
aceitar, diz Agostinho aos hereges pelagianos, que cada passo da vida cristã é
graça; do contrário, teriam de eliminar as orações da Igreja. “Que a Tua
graça sempre nos preceda e acompanhe, ó Senhor”. Então, que cabe ao homem
neste caminho em que a iniciativa é Sua? “Se não tomas a iniciativa, eu nada
faço”, dizia na véspera da sua morte inesperada o papa Luciani. Na quinta-feira
à noite morreu e na quarta-feira tinha feito o gesto que toda quarta-feira o
papa faz, falando da caridade. Gesto todo centrado nesta coisa: se Tu não tomas
a iniciativa, eu nada faço. E dizia: que significa tomar a iniciativa (e citava
Santo Agostinho, uma das frases mais fantásticas de Agostinho)? Não significa
apenas que atrai a minha liberdade, mas significa também que me concede estar
contente por ser atraído. Não só me atrai, mas me dá o prazer (Agostinho diz
realmente voluptas, prazer) de ser atraído. Se não me dá o prazer
de aderir, se não me dá o prazer de ir atrás dEle, não posso ir atrás dEle. Não
só atrai a vontade, mas doa o prazer de ser atraído. É uma das páginas mais
bonitas do magistério ordinário da Igreja, esse discurso sobre a caridade do
papa Luciani há vinte e dois anos.
Mas então o que é possível ao homem? Digo-o com as palavras
de Dom Giussani num artigo sobre o Santo Rosário publicado em 30 de abril no
jornal Avvenire (na minha opinião, uma das coisas
absolutamente mais belas, não apenas de Dom Giussani, mas de toda a Igreja
nestas décadas): “A resposta a essa graça está toda na oração de que somos
capazes”. A resposta a essa graça (que não é só o início, mas está em cada
passo) está toda na oração de que somos capazes. A nossa resposta é uma oração,
é um pedido. A nossa resposta é a surpresa de um pedido, um pedido como o de
João e André: “Onde ficas?” Diante de uma coisa tão bela, a nossa resposta é:
“Fica!”. Diante de uma doçura tão grande, a nossa resposta é: “Não nos
abandones, fica!”. Toda a nossa resposta é essa, e é toda a resposta da criança
quando o pai e a mãe lhe querem bem. “A nossa resposta é uma oração. Não é
uma capacidade particular, é apenas o ímpeto da oração”. Pode ser o choro
da criança que pede ao pai e à mãe que lhe queiram bem. O choro. Na antiga liturgia
havia uma missa para pedir o dom das lágrimas. Pedimos muito mais com as
lágrimas que com as palavras. O ímpeto, o ímpeto de um pedido. Habet et
laetitia lacrimas suas. Santo Ambrósio diz isso. Quando a pessoa está
contente com essa doçura, essa letícia também tem suas lágrimas. No fundo a
alegria se exprime somente chorando. Assim diz Giussani naquele artigo: “A
nossa resposta é uma oração, não é uma capacidade particular, é apenas o ímpeto
da oração”. Depois acrescenta Giussani (quero ler esta coisa porque retoma
Péguy, com quem iniciamos): “Entramos no mês de maio [agora estamos na novena
de Natal]. O povo cristão há séculos foi abençoado [o início é Seu: abençoado]
e confirmado no seu estar protendido para a salvação [confirmado: porque, se
Ele não confirma, mesmo que O tenhamos encontrado, não permanecemos no
encontro. É isso que diz a simplicidade da Tradição. Por exemplo, um dogma do
Concílio de Trento diz: “Se alguém está em estado de graça, não pode permanecer
em estado de graça sem uma ajuda especial da graça”. Vocês entendem como toda a
vida cristã é sustentada pela iniciativa dEle? Se alguém está em estado de
graça, não pode pedir sem uma especial ajuda da graça; sem uma atração que se
renova, não permanece nessa atração. Não é possível viver de um amor passado,
não é possível viver da atração de ontem, nem da atração de um instante atrás.
Não é possível. Só vivemos do presente. Portanto, se alguém está em estado de
graça, para permanecer em estado de graça é preciso a renovação dessa ajuda especial].
O povo cristão por séculos foi abençoado e confirmado no seu estar protendido
para a salvação, eu creio, especialmente por uma coisa: o Santo Rosário”. É
simples a vida cristã, é simples. Depois de décadas de tantas palavras, de
tantas lutas, de tantos desafios... Havia um ângelus do papa Luciani que dizia:
“Menos batalhas e mais orações”. O povo cristão foi abençoado e
confirmado, eu creio, por uma coisa: a oração do Santo Rosário.
E termino lendo alguns versos da poesia de Péguy com que comecei. Descreve a permanência dessa graça. “Eis o lugar do mundo onde tudo se torna fácil”. Fácil também o pecado, também a traição, como em Pedro. Fácil também a tentação de correr atrás da luxúria, da usura e do poder. Mas fácil ser reabraçados. E chorar de gratidão. Mais fácil. A diferença é que quem não faz experiência disso não sabe dessa coisa mais fácil. Sabe de todas as outras coisas, mas não sabe dessa coisa mais fácil. Mais fácil, mais bela, mais simples. Tudo se torna fácil. “O arrependimento, a partida e também o acontecimento.” Até o reacontecer dessa surpresa é fácil: no Paraíso será perene, aqui é fácil, aqui é fácil que reaconteça, não perene. E diz ainda Santo Agostinho: o Senhor também aos Seus eleitos, aos Seus santos pode não dar em alguns momentos a atração fascinante a Si, para que assim, experimentando serem pecadores, ponham nEle a esperança e não neles mesmos. “E o adeus temporário, a separação, / O único canto da terra em que tudo se faz dócil. [...] O que por toda parte requer um exame / Aqui nada mais é que o efeito de uma indefesa juventude”. O que por toda parte requer um exame, pelo qual você deve demonstrar que é bom... Até em casa é assim, muitas vezes. Você tem de demonstrar que é bom. E não pode ser um pobre pecador. Tem de demonstrar que é bom. Assim, ao fato de ser pecador como todos, acrescenta também a hipocrisia, que é pecado mais grave, o dos fariseus. “O que por toda parte requer um exame / Aqui nada mais é que o efeito de uma indefesa juventude. / O que por toda parte pede um adiamento / Aqui nada mais é que uma presente fragilidade. // O que por toda parte requer um atestado / Aqui nada mais é que o fruto de uma pobre ternura. / O que por toda parte pede um toque de destreza/ Aqui nada mais é que o fruto de uma humilde incapacidade[...]. O que por toda parte é obrigação de regra / Aqui nada mais é que um ímpeto e um abandono”. Como diz Giussani. Só o ímpeto da oração, só o ímpeto do pedido. Como a criança que durante o dia pode quebrar muitos copos. Quebrasse ela mil copos e mil vezes diria “mamãe, ajude-me a não quebrá-lo”; esse é o homem cristão. “Mamãe, ajuda-me a não quebrá-lo.” E é mais fácil, mais fácil para a criança dizer nos braços da mãe: “Mamãe, ajuda-me a não quebrá-lo”, que quebrar o copo. “O que por toda parte é obrigação de regra / Aqui nada mais é que um ímpeto e um abandono; / O que por toda parte é uma dura pena / Aqui nada mais é que uma fraqueza que é soerguida. [...] O que por toda parte seria um duro esforço / Aqui nada mais é que simplicidade e paz; / O que por toda parte é a casca rugosa / Aqui nada mais é que a seiva e as lágrimas da trepadeira. [...] O que por toda parte é um bem perecível / Aqui nada mais é que paz e veloz desimpedimento; / O que por toda parte é um empertigar-se / Aqui nada mais é que uma rosa e uma pegada na areia. [...] Disseram-nos tanta coisa, ó Rainha dos Apóstolos/ Perdemos o gosto pelos discursos / Já não temos altares, a não ser os vossos / Nada mais sabemos senão uma oração simples”. Bom Natal.
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