Por Solène Tadié*
7 de ago. de 2025
A posse do presidente Karol Nawrocki ontem na Polônia
encontra o país em uma encruzilhada.
Católico praticante e conservador, filiado ao partido Lei e
Justiça (PiS, na sigla em polonês), Nawrocki foi eleito em
um segundo turno acirrado no início de junho. Embora a presidência polonesa
seja em grande parte simbólica, o cargo pode se tornar especialmente importante
em momentos de polarização.
A eleição de Nawrocki ocorreu depois de meses de crescentes
tensões culturais e políticas sob a administração liberal do primeiro-ministro
Donald Tusk, no poder desde dezembro de 2023, e sinaliza não só uma potencial
recalibração do poder, mas também uma disputa renovada sobre a identidade
política, moral e espiritual da Polônia.
As duas rodadas de votação ocorreram em 18 de maio e 1º de
junho e Nawrocki venceu por uma margem apertada, com 50,89% dos votos, contra
seu oponente liberal Rafał Trzaskowski, que obteve 49,11%.
A Polônia tem um sistema parlamentarista no qual o poder
executivo é exercido principalmente pelo primeiro-ministro e pelo Conselho de
Ministros. O presidente, embora detenha poderes executivos limitados, mantém
importantes prerrogativas constitucionais, como o direito de vetar leis, nomear
altos funcionários e influenciar a política externa e de segurança.
Um eleitorado dividido
A ascensão de Nawrocki ao poder levanta a questão de qual
papel uma presidência que reivindica uma identidade cristã e conservadora pode
desempenhar num país caracterizado tanto por intensa polarização política
quanto por um cenário religioso em mudança.
Embora a Polônia continue sendo um dos países mais católicos
da Europa, a secularização se intensificou fortemente nos últimos anos,
particularmente depois da crise da covid-19. Essa mudança, porém, não é
uniforme nem definitiva. Assim, o resultado dessa presidência não reflete
apenas tensões internas, mas repercute em debates europeus mais amplos em torno
do futuro da fé, das identidades nacionais e da perenidade dos valores
tradicionais numa sociedade em rápida evolução.
Segundo Grzegorz Górny, importante jornalista católico, a
presidência de Nawrocki pode marcar um ponto de inflexão importante.
“O direito de veto pode, na verdade, ser uma ferramenta
poderosa”, disse ele à EWTN. Para anular veto presidencial, a coalizão que
apoia o primeiro-ministro precisaria de uma maioria de três quintos (60%) no
Sejm (o parlamento polonês), o que atualmente ela não tem.
O jornalista enfatizou que o governo de Tusk planejava
apresentar um projeto de lei para legalizar o aborto no ano passado e sinalizou
novas leis visando a Igreja, como uma decisão de reduzir pela metade o número
de horas alocadas para aulas de catequese católica em escolas públicas, parte
de um esforço mais amplo para reformular o papel do cristianismo na vida
pública polonesa.
“O governo planejou implementar rapidamente uma revolução
cultural e moral — a vitória de Karol Nawrocki frustrou esses planos”, disse
Górny.
Mais confrontador que Duda
Marek Matraszek, consultor político experiente e
familiarizado com assuntos públicos poloneses e europeus, acredita que Nawrocki
pode ter um impacto político maior do que seu antecessor Andrzej Duda — não por
causa do poder institucional, mas devido ao temperamento e posicionamento
político.
"Duda era visto como cauteloso e conciliador; Nawrocki
é mais direto, mais combativo", disse ele à EWTN. Para Matraszek, o tom
incomumente pessoal de sua rivalidade com Tusk, moldado por ataques acirrados
na campanha, sugere um estilo político mais confrontador. Nawrocki, ex-boxeador
amador, pode de fato trazer uma posição mais firme à presidência.
Segundo Matraszek, ele também poderia tentar
internacionalizar questões como o Estado de Direito e a liberdade de imprensa,
usando sua plataforma para desafiar a trajetória do governo tanto na Europa
quanto no exterior.
A assertividade de Nawrocki surge num momento em que Tusk
enfrenta crescente pressão política. Desde a eleição, Tusk tem sido colocado em
dúvida não só pela oposição, mas também por sua própria base política, por não
ter concretizado as reformas sociais prometidas. Uma pesquisa feita poucos dias
antes da posse de Nawrocki mostrou que cerca de metade dos poloneses acredita
que Tusk deveria renunciar.
Em 11 de julho, o primeiro-ministro pediu um voto de
confiança no Sejm, dizendo que seu governo estava enfrentando “desafios
maiores” depois do resultado presidencial.
Mudanças nas divisões e desafios para a Igreja
Além da dinâmica jurídica e institucional, a batalha em
curso também é de natureza cultural e geracional. Górny destacou um
acontecimento inesperado: o apoio a Nawrocki entre eleitores jovens.
“Foi uma grande surpresa”, disse ele, “que a maioria dos
jovens apoiasse candidatos de direita. Trzaskowski só recebeu 12% dos votos no
primeiro turno”.
Nesse contexto, Matraszek disse que a sociedade polonesa não
está mais nitidamente dividida em linhas ideológicas tradicionais e que duas
polarizações sobrepostas estão emergindo. Uma permanece horizontal — entre
visões de mundo liberais e conservadoras. A outra, que ele chama de
"polarização vertical", opõe o establishment político
às crescentes forças antielite. Esse eixo atravessa as linhas partidárias e tem
críticas à Igreja institucional, cada vez mais vista por alguns como parte da
ordem estabelecida.
Ambos os analistas reconhecem que a Igreja também está
enfrentando desafios crescentes.
Górny observou uma tendência dupla entre os jovens: enquanto
alguns se afastam sob a influência da cultura consumista, outros gravitam em
direção a um novo conservadorismo não-confessional.
“Até recentemente, o catolicismo estava no cerne da
identidade conservadora”, disse ele. “Agora, vemos a ascensão de uma direita
secular focada em patriotismo, história e segurança nacional, mas distante da
Igreja”.
Górny destacou, em particular, a ascensão do Partido
Confederação — um movimento secular, patriótico e antissistema — entre
eleitores mais jovens.
Matraszek confirmou essa mudança e falou também sobre uma
nuance: “A frequência à igreja está diminuindo, mas olhando mais de perto,
especialmente entre os jovens de 18 a 29 anos de idade, já há um pequeno, mas
notável, renascimento da identidade cristã — particularmente entre os jovens.
Não se trata só de religião institucional, mas de uma redescoberta da cultura e
do significado cristãos”.
A questão do aborto não parece ter tido um impacto
significativo no resultado da eleição, ao contrário do que muitos observadores
esperavam. Embora a mídia ocidental frequentemente aponte o aborto como uma
divisão central na política polonesa, tanto Górny quanto Matraszek minimizaram
sua importância desta vez.
“O tema esteve praticamente ausente”, disse Górny. “Até os
três principais candidatos de direita expressaram sua oposição ao aborto em
casos de estupro, e isso quase não gerou polêmica”.
Matraszek falou sobre o porquê: “Nawrocki foi cauteloso em
não fazer do aborto uma questão central da campanha, sabendo que isso poderia
mobilizar a esquerda. Ele prometeu vetar qualquer liberalização, mas evitou
desencadear reações emocionais negativas”.
Implicações continentais
Então, o que representa a presidência de Nawrocki? Para
Górny, é uma espécie de baluarte contra a arrogância ideológica e um sinal de
que a alma cristã da Polônia está longe de se extinguir. Para Matraszek, é
também um momento de acerto de contas: uma oportunidade de reconectar os
valores católicos com uma geração mais jovem desiludida tanto pelo progressismo
agressivo quanto pela rigidez institucional.
Nos próximos anos, a capacidade de Nawrocki de moldar o
debate na Polônia — por meio de autoridade moral, vetos estratégicos e
potencial alcance internacional — será observada de perto.
Em jogo está mais do que o equilíbrio do poder interno. A
Polônia está na vanguarda dos debates europeus mais amplos sobre identidade
política e continuidade espiritual. Suas disputas culturais e mudanças
geracionais em curso — marcadas tanto pela secularização quanto por sinais de
renovação — oferecem um estudo de caso revelador das tensões que moldam muitas
sociedades ocidentais.
Com a posse de Nawrocki como presidente, a direção futura do
país poderá continuar a repercutir muito além de suas fronteiras.
*Solène Tadié é correspondente europeia do National Catholic
Register. Ela é franco-suíça e cresceu em Paris (França). Depois de se formar
em jornalismo pela Universidade Roma III, ela começou a fazer matérias sobre
Roma e o Vaticano para a Aleteia. Ingressou no L’Osservatore Romano em 2015,
onde trabalhou sucessivamente na seção francesa e nas páginas culturais do
jornal italiano. Ela também colaborou com várias organizações de mídia
católicas de língua francesa. Solène é bacharel em filosofia pela Pontifícia
Universidade de São Tomás de Aquino.
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