Mathilde de Robien - publicado
em 12/09/25
Consultor em mediação digital e apaixonado por novas
tecnologias, Jean Pouly descreve a chegada da inteligência artificial (IA) no
ensino como um verdadeiro tsunami. Ele oferece algumas chaves para compreender
como lidar com essa nova realidade.
Aleteia: O senhor usa em seu livro a palavra
“tsunami” para descrever a chegada das tecnologias digitais na educação. Em que
sentido a aprendizagem foi transformada pelo digital e, mais especificamente,
pela IA?
Jean Pouly: Eu retomava uma expressão usada há mais
de dez anos por Emmanuel Davidenkoff em seu livro O tsunami digital.
Na época, esperava-se um tsunami na educação, mas ele ainda não havia realmente
acontecido: surgiram os quadros digitais e os computadores nas salas de aula,
mas ainda havia professor, livros, cadernos, lápis… Hoje, porém, estamos diante
de um verdadeiro “tsunami”, rápido e profundo. Duas coisas estão mudando: o fim
do monopólio da escola, já que agora se aprende em todo lugar e o tempo todo,
não apenas na escola ou nos livros. Pode-se aprender no ônibus, seja o código
de trânsito ou acordes de violão em um tutorial.
E qual é a outra mudança em curso?
O uso constante da IA, que tem resposta para tudo, está
revolucionando o acesso ao conhecimento. De repente, é como se houvesse 30
professores a mais em cada sala, diante de um professor que já não detém o
monopólio do saber. Isso não significa que a escola vá desaparecer, mas
redefine de forma ainda mais profunda o papel dos docentes e formadores. Ganham
destaque competências insubstituíveis pela IA, como o apoio moral e afetivo, o
acompanhamento personalizado, o nível de experiência e expertise do professor,
o direcionamento, a capacidade de animar e motivar um grupo.
“O uso permanente da IA está transformando o acesso ao
conhecimento e ao saber.”
Vemos de um lado o desenvolvimento do adaptive learning,
ferramentas que se adaptam ao nível e ao progresso dos alunos, mas de outro,
países como a Suécia estão reintroduzindo o livro de papel. Pode haver um
retorno?
Os suecos recuaram porque perceberam que a escrita manual
favorece o aprendizado e a memorização, e tiveram a coragem de voltar atrás.
Mas isso não impede o avanço do adaptive learning, que considero
interessante. Um sistema de IA coleta dados sobre o aprendizado de um aluno e
adapta seu percurso. Isso permite personalizar a aprendizagem. Não é fácil dar
aula para uma turma inteira, já que não existem dois alunos que aprendem da
mesma forma. O adaptive learning propõe a cada um conteúdo
ajustado a suas necessidades, ritmo e modo de aprender. É o sonho da “máquina
de ensinar” enfim realizado! Vejo aí uma oportunidade de uso que deve crescer.
A partir do ensino médio, alguns professores pensam em
avaliar os prompts de seus alunos. Qual é a lógica disso?
Saber usar bem a IA e redigir prompts é uma nova
competência. A arte de fazer a pergunta certa, chamada prompting, é
quase mais importante que a resposta da máquina. Surge então a questão: devemos
avaliar os prompts dos alunos ou as respostas da IA? Se a pergunta for vaga,
não tem valor algum. Perguntar, por exemplo, “Quais são as origens da Primeira
Guerra Mundial?” é muito geral. Onde está a contribuição do aluno nessa
questão? Nenhuma. O ideal é que os alunos reflitam antes sobre o tema e depois
peçam à IA informações que complementem a inteligência humana. Avaliar prompts
é uma boa ideia, desde que haja pesquisa prévia do aluno para que sua pergunta
seja complexa, bem elaborada, sutil e que leve a uma resposta precisa, com real
valor.
E para os deveres de casa? Os pais devem proibir o uso do
ChatGPT?
Não acredito muito em proibições, mas sim na descoberta
conjunta e no acompanhamento. Porém, é preciso cuidar para que certos hábitos
não se instalem. O uso sistemático do ChatGPT pode prejudicar as capacidades
cognitivas de um aluno. Se uma criança se acostuma a perguntar tudo à IA em vez
de refletir por si mesma, o risco é que seu cérebro atrofiará. Gosto da imagem
da órtese e da prótese: a IA produz seu verdadeiro valor apenas quando se
conecta bem à inteligência humana. Nesse caso, ocorre um aumento da inteligência,
uma “órtese digital”. Caso contrário, corremos o risco da “prótese digital”, em
que a IA substitui totalmente a reflexão humana. Dar uma calculadora a um
estudante de nível avançado em matemática o ajuda a progredir, mas entregá-la a
uma criança que não sabe contar não fará com que ela avance. Os adultos, mesmo
sujeitos a essa atrofia no longo prazo, já adquiriram os fundamentos; as
crianças não. Por isso, é crucial estar atento ao impacto cognitivo. O antídoto
está em fazê-los ler, refletir, elaborar pensamento próprio.
Em 2011, psicólogos americanos descreveram o “efeito
Google”: a tendência de memorizar mais o caminho até a informação do que a
informação em si. Podemos falar em um “efeito ChatGPT”?
Ainda é cedo para afirmar, falta perspectiva. Mas uma coisa
é certa: estamos diante de uma revolução de natureza antropológica. Inventamos
sistemas que nos imitam, competem conosco e, às vezes, nos substituem. Ao
delegar cada vez mais funções cognitivas às máquinas, corremos o risco de
enfraquecer, reduzir, atrofiar e até perder gradualmente capacidades
intelectuais como refletir, relacionar ideias, sintetizar, memorizar, deduzir,
classificar, hierarquizar, orientar-se. É por isso que precisamos exercitar o
espírito crítico e o livre-arbítrio para decidir quando a tecnologia deve nos
apoiar — como uma órtese sustenta uma articulação — ou quando passa a nos
substituir, como uma prótese que ocupa o lugar de um membro.
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