"Peregrinar na esperança, como o lema do Ano Jubilar
nos propõe, é descobrir em cada momento do viver, uma perspectiva de
eternidade. A eternidade é o impulso para viver com o coração aberto para a
criatividade da existência".
Jackson Erpen - Cidade do Vaticano
A encarnação de Cristo no tempo revela o amor de Deus que se
fez próximo da humanidade. O eterno entrou na história, assumindo a condição
humana para redimir aquilo que estava perdido e reconciliar o homem com o
Criador. Em Jesus, o Verbo que se fez carne, o infinito se manifesta no finito,
e o divino se une ao humano sem confusão. Essa realidade mostra que a salvação
não é apenas uma promessa distante, mas já se faz presente na caminhada
terrena, dando sentido à existência e iluminando o tempo com a presença de
Deus.
Contudo, a encarnação não se limita ao agora; ela abre a
perspectiva da eternidade. Em Cristo, a humanidade encontra não só a redenção
do presente, mas também a esperança da plenitude futura, quando o tempo dará
lugar ao encontro definitivo com Deus. Aquele que entrou na história aponta
para além dela, revelando que a vida não termina no limite do corpo, mas se
prolonga na comunhão eterna com o Pai. Assim, a encarnação é sinal e garantia
de que a eternidade já começou em Cristo, e de que cada instante vivido Nele é
um passo em direção à vida plena que não terá fim.
Depois de “Jesus Cristo, a esperança da Igreja”, Pe.
Gerson Schmidt* nos propõe hoje a reflexão “A encarnação de Cristo no
tempo – esperança da eternidade":
"Com a encarnação de Cristo, a eternidade entrou no
tempo e criou-se assim a própria possibilidade da esperança, segundo
Kierkegaard. Na “teologia da esperança” não seria a encarnação o fundamento da
esperança, mas a ressurreição. Porém, Cristo não se encarna simplesmente para
se encarnar, mas com um objetivo próprio e concreto, ou seja, para salvar a
humanidade, para morrer e ressuscitar por amor a nós. Esses dois movimentos
precisam ser mantidos juntos: a encarnação e a ressurreição. É o que nos aponta
Raniero Cantalamessa: “As duas coisas devem ser mantidas juntas. Num ponto da
história - a Encarnação - a humanidade entrou no tempo, em outro ponto da
história - a ressurreição - o tempo entrou na eternidade! O horizonte cristão
da eternidade - como mais genericamente da salvação - é possibilitado,
conjuntamente, pela encarnação e ressurreição de Cristo. O Natal não é
menos indispensável para a esperança cristã do que é a Páscoa. Outros
homens morreram e ressuscitaram, segundo a Bíblia, mas não fundaram nenhuma
esperança nova. Se isso aconteceu com Cristo é porque a sua não era a morte e
ressurreição de uma pessoa qualquer, mas de um homem-Deus”[1].
Kierkegaard diz assim: “A Esperança do Cristianismo é a
eternidade e Cristo é o caminho; o seu abaixamento (kênosis na
teologia) é o caminho, mas também quando ascende ao céu, ele é o caminho”. Para
o pensamento bíblico, o ser humano não é tanto o que é determinado a ser pelo
seu nascimento, mas o que é também chamado a se tornar, mediante o exercício de
sua liberdade, na obediência à Palavra de Deus. Uma esperança madura, segundo
Kierkegaard, não oferece garantias, mas se mantém independente das
circunstâncias e é um ato corajoso de aceitar a vida nas mãos de Deus, sem
pedir segurança. A esperança, para Kierkegaard, é o fundamento da existência: a
partir da crença na possibilidade do bem, surge um terreno fértil para a
descoberta de si e para a afirmação da vida. Em Kierkegaard, o desenvolvimento
da esperança autêntica deve deixar de ser marginal para se tornar algo essencial
como ponto de partida para todo projeto de vida. O desespero, a falta de
esperança, surge quando o indivíduo se recusa a ser uma criatura e busca a
autonomia perfeita, ou quando não assume a responsabilidade pela sua própria
existência. A esperança é como antídoto de desespero. A esperança, ao
contrário, é um modo de pensar sobre a existência que pode superar o desespero,
pois oferece uma base para a construção de uma vida autêntica. As pessoas
entram em desespero por falta de perspectiva, possibilidade de solução, saída
para seus problemas. Precisamos levar ao desesperado a palavra fundamental da
esperança, da alegria do Evangelho, da vitória de Cristo sobre qualquer
circunstância intransponível.
Deus nunca nos deixa sem uma possibilidade. A possibilidade
nos arranca da mesmice, do desespero, da angústia do nada. O ser humano precisa
de possibilidades. Elas são para ele como que o oxigênio. Sem elas, morre de
asfixia espiritual. Kierkegaard diz assim: “A possibilidade é a única coisa que
salva. Alguém desmaia, procura-se água de colônia ou gotas e Hoffmann; quando
alguém quer desesperar, deve-se dizer: ‘rápido encontre-lhe uma possibilidade, deem-lhe
uma possibilidade. É o único remédio deem-lhe uma possibilidade e o desesperado
recupera ânimo, e anima-se porque se o homem fica sem possibilidade é como
seguir faltando-lhe o ar”[2].
Cantalamessa, em seu livro, “Fé, esperança e caridade – as
três graças do Cristianismo”, editado no Brasil pela Editora Paulus, apresenta
um subtítulo “Deem-lhe uma oportunidade”. Pois só a eternidade remove todos os
obstáculos que se interpõem à esperança, até o último obstáculo que é a morte.
A esperança não se torna simplesmente uma virtude dos mais jovens. A virtude da
esperança é uma virtude para toda a vida, sobretudo para o tempo da velhice.
Sempre é tempo de esperar, não passivamente, mas de forma criativa e inovadora.
Quem não espera mais em nada, já é um morto-vivo. Não terá motivação, não terá
alegria, não verá oportunidade diante dos desafios. Estará sempre olhando para
a realidade nua e crua, sem descoberta de um porvir. Peregrinar na esperança,
como o lema do Ano Jubilar nos propõe, é descobrir em cada momento do viver,
uma perspectiva de eternidade. A eternidade é o impulso para viver com o
coração aberto para a criatividade da existência".
*Padre Gerson Schmidt foi ordenado em 2 de janeiro
de 1993, em Estrela (RS). Além da Filosofia e Teologia, também é graduado em
Jornalismo e é Mestre em Comunicação pela FAMECOS/PUCRS.
_________________
[1] CANTALAMESSA,
RANIERO. “Fé, esperança e caridade – as três graças do Cristianismo”, Ed.
Paulus, 2024, p. 104.
[2] Idem,
106.
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