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terça-feira, 4 de novembro de 2025

Como evitar comer microplásticos presentes na nossa comida (Parte 2/2)

O silicone é um tipo diferente de polímero encontrado na cozinha, que também pode se decompor em altas temperaturas (Crédito: Getty Images)

Como evitar comer microplásticos presentes na nossa comida

Autor: Ally Hirschlag e Martha Henriques

De BBC Future

29 setembro 2025

Utensílios de cozinha

Nós já tiramos nossos alimentos da embalagem ou recipiente. Agora, vem a preparação. E o ponto de partida de muitos pratos é a tábua de corte.

Um estudo examinou fatias de alimentos individuais preparadas em uma tábua de corte e estimou que 100 a 300 partículas de micro ou nanoplástico podem ser geradas por milímetro de corte.

Um estudo de 2023 calculou que um tipo específico de tábua, feito de polietileno, libera 7,4 a 50,7 g de microplásticos por ano. Outro tipo, de polipropileno, liberaria cerca de 49,5 g por ano.

Para se ter uma ideia, o peso aproximado de uma porção generosa de cereal matinal é de 50 gramas.

É preciso observar que este foi um estudo pequeno e que a liberação de microplásticos variou entre os tipos de tábuas e estilos de corte de diferentes pessoas. Afinal, a liberação dessa quantidade de plástico deixaria a sua tábua de corte em frangalhos após poucos anos de uso.

"Você começa a observar e, claro, pode ver [os entalhes] ali", explica Snekkevik, que publicou uma análise das fontes de microplásticos na cozinha em 2024.

"Mas, para onde foi o plástico? Ele tem que ter ido para algum lugar." E, às vezes, ele vai diretamente para o alimento que foi cortado sobre a tábua.

Pesquisadores dos Emirados Árabes Unidos relataram, em 2022, que a carne vendida em um açougue e em um supermercado continha microplásticos originários das tábuas de corte de plástico. Esses microplásticos derretem quando a carne é cozida e se solidificam novamente quando a refeição esfria.

Lavar completamente a carne por três minutos reduziu, mas não eliminou os microplásticos no seu interior, segundo os pesquisadores. E a análise de uma tábua de corte usada pelo açougue estimou que 875 g de plástico foram perdidos até o final da sua vida útil.

Estima-se que utensílios de cozinha antiaderentes desgastados também podem liberar milhares até milhões de partículas de microplástico, fazendo deles outra fonte subestimada de plástico na cozinha.

Até utensílios antiaderentes novos, usados com um batedor de silicone macio, liberam quantidades significativas de microplásticos.

Da mesma forma, misturadores e tigelas de mistura de plástico liberam partículas a cada uso. Bater gelo por cerca de 30 segundos, por exemplo, libera centenas de milhares de partículas de microplástico.

Tábuas de corte feitas de plástico liberam micropartículas durante o uso, indicam estudos (Crédito: Getty Images)

O silicone costuma ser indicado como alternativa mais segura que os utensílios de plástico. Mas Adrian afirma que não há evidências concretas que indiquem que este material libera menos microplásticos.

"Embora o silicone seja tecnicamente mais estável e suporte temperaturas mais altas que o plástico descartável, ele não elimina totalmente os problemas de lixiviação e microplásticos", explica ela.

Ainda assim, ela segue usando silicone na cozinha, devido à sua estabilidade.

Snekkevik destaca que o silicone, na verdade, se degrada ao calor muito alto.

"Por isso, ele certamente é uma boa alternativa e exigiria um pouco mais [que o plástico] para se fragmentar", segundo ela. "Mas eu não me sentiria confortável a ponto de dizer, sim, use sempre silicone."

Outras alternativas para certos utensílios de cozinha são o vidro e o aço inoxidável, destaca Snekkevik.

Existem também bioplásticos baseados em química verde. Eles são projetados para serem biodegradáveis (ao contrário do plástico tradicional), tanto no meio ambiente quanto no corpo humano.

"Essencialmente, o corpo evoluiu de forma a metabolizar os biomateriais e não para metabolizar materiais sintéticos", explica o professor de química prática para o meio ambiente Paul Anastas, da Universidade Yale de New Haven, nos Estados Unidos.

Anastas afirma que a química verde permite criar materiais plásticos com menos riscos. "Ela é benéfica por definição", segundo ele.

Mas muitos plásticos, como canudos de ácido poliláctico, são apregoados como biodegradáveis, o que não é verdade.

Às vezes, esses plásticos simplesmente se fragmentam em microplásticos com mais rapidez, segundo Snekkevik. "Eles ainda não são a alternativa perfeita."

Calor

Agora que os ingredientes foram preparados, é hora de cozinhar. E, quanto mais quentes ficam os plásticos, mais microplásticos eles tendem a liberar.

Um estudo concluiu que recipientes de plástico aquecidos no micro-ondas por três minutos podem liberar até 4,22 milhões de partículas de microplástico e 2,11 bilhões de pedaços de nanoplástico de um único centímetro quadrado de superfície.

O uso de recipientes similares na geladeira também pode liberar "milhões a bilhões" de microplásticos e nanoplásticos, mas por um período muito mais longo, de seis meses, concluiu o estudo.

Colocar uma bebida quente em um copo de plástico descartável também gera microplásticos.

Um estudo testou diversas variedades e concluiu que copos feitos de polipropileno contendo água quente a 50 °C liberaram a maior quantidade de microplásticos. E, em todos os tipos de copos, houve menos contaminação quando o conteúdo estava frio.

Examinando os copos em seguida, os pesquisadores descobriram que o conteúdo quente havia danificado a superfície de plástico. A equipe estimou que uma pessoa que use copos de plástico descartáveis uma ou duas vezes por semana pode beber entre 18.720 e 73.840 pedaços de microplástico por ano.

Existe uma regra geral que, por acaso, segue o famoso livro de receitas Sal, Gordura, Ácido, Calor: Os Elementos da Boa Cozinha, da chef de cozinha e escritora Samin Nosrat (Ed. Cia. de Mesa, 2019). Adrian afirma que estes quatro componentes podem decompor o plástico em microplásticos com mais rapidez.

Em uma tigela de plástico, a água salgada libera três vezes mais microplásticos que com água sem sal. Isso ocorre porque os cristais de sal entram em atrito com a superfície da tigela.

Além disso, Sathyanarayana descobriu que alimentos com alto teor de gordura também contêm maiores concentrações de certos aditivos de plástico, que podem ser prejudiciais à saúde.

Limpeza

Agora que a refeição acabou, vamos lavar a louça.

Esponjas de cozinha descartáveis são mais uma fonte de micro e nanoplásticos. E, entre as que têm uma face mais mole e outra mais dura, é esta última que traz maior risco de espalhar partículas.

À medida que se desgastam, as esponjas de cozinha podem liberar até 6,5 milhões de partículas de microplástico por grama. E adicionar detergentes e outros produtos de limpeza à esponja pode fazer com que elas liberem ainda mais partículas.

Em relação a outros produtos de limpeza comuns feitos de plástico, existem ainda poucas pesquisas sobre a liberação de microplásticos.

A liberação de microplásticos por tecidos de microfibras durante a limpeza era um tema de pesquisa muito esquecido em 2024, quando Snekkevik e seus colegas publicaram sua análise.

O que se sabe é que os tecidos sintéticos liberam grandes quantidades de microplásticos e são considerados uma importante fonte de poluição plástica nos oceanos.

O que fazer com uma cozinha cheia de plástico

Vilde Snekkevik desaconselha tomar decisões precipitadas. Ela recomenda não jogar fora seus aparelhos e utensílios de cozinha feitos de plástico.

"Mesmo depois de escrever este relatório, ainda tenho alguns itens na minha cozinha que são de plástico", ela conta. "Não vou simplesmente jogar tudo fora e dizer 'chega'."

Uma estratégia é se concentrar em produtos que demonstrem óbvios sinais de lesões, como qualquer utensílio claramente raspado, cortado, descamado ou derretido.

Quando aparentemente chegar a hora de substituir algum produto, Snekkevik afirma que, de forma geral, irá escolher um substituto que não contenha plástico.

"Mas não vou sair pela cozinha imediatamente e jogar tudo fora, pois esta também não é necessariamente a forma mais ecológica de fazer isso."

Em nível global, seria necessária uma redução drástica do lixo plástico para diminuir nossa exposição individual ao microplástico (Crédito: Getty Images)

Além do prato

Os alimentos e bebidas podem ser a via mais direta de entrada dos microplásticos no nosso sistema digestivo, mas ainda não sabemos ao certo qual o seu efeito sobre o nosso corpo.

As pesquisas existentes sobre os efeitos dos microplásticos do intestino ao nosso corpo são inconclusivas e poucos estudos foram realizados em seres humanos.

Alguns cientistas indicaram que eles podem prejudicar os micróbios que vivem no intestino ou que algumas partículas menores podem até chegar à nossa corrente sanguínea. E parte desse material externo pode simplesmente ficar alojado dentro do nosso corpo.

"Plásticos baseados em materiais fósseis, nas suas formas micro e nanoparticuladas, foram encontrados em virtualmente todos os órgãos do corpo que foram estudados, incluindo as artérias, cérebro, sangue, placenta e testículos", segundo Paul Anastas.

É possível que boa parte do plástico que existe dentro de nós não cause problemas de saúde, afirma Sheela Sathyanarayana. Para ela, "talvez se possa defender que as partículas podem se alojar em algum lugar e ser inertes naquela região".

Adrian destaca que também não se sabe ao certo por quanto tempo o plástico permanece no corpo, nem se ele se acumula ao longo do tempo. Por isso, o microplástico que você já ingeriu ou bebeu hoje talvez não permaneça no seu corpo para sempre.

Na verdade, já se observou que pelo menos uma parte dos microplásticos que comemos costuma passar diretamente pelo outro lado.

Leia a versão original desta reportagem (em inglês) no site BBC Earth.

Fonte: https://www.bbc.com/portuguese/articles/cqxzqyq5558o

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