Como evitar comer microplásticos presentes na nossa comida
Autor: Ally Hirschlag e Martha Henriques
De BBC Future
29 setembro 2025
Utensílios de cozinha
Nós já tiramos nossos alimentos da embalagem ou recipiente.
Agora, vem a preparação. E o ponto de partida de muitos pratos é a tábua de
corte.
Um estudo examinou fatias de alimentos individuais
preparadas em uma tábua de corte e estimou que 100 a 300 partículas de micro ou
nanoplástico podem ser geradas por milímetro de corte.
Um estudo de 2023 calculou que um tipo específico de tábua,
feito de polietileno, libera 7,4 a 50,7 g de microplásticos por ano. Outro
tipo, de polipropileno, liberaria cerca de 49,5 g por ano.
Para se ter uma ideia, o peso aproximado de uma porção
generosa de cereal matinal é de 50 gramas.
É preciso observar que este foi um estudo pequeno e que a
liberação de microplásticos variou entre os tipos de tábuas e estilos de corte
de diferentes pessoas. Afinal, a liberação dessa quantidade de plástico
deixaria a sua tábua de corte em frangalhos após poucos anos de uso.
"Você começa a observar e, claro, pode ver [os
entalhes] ali", explica Snekkevik, que publicou uma análise das fontes de
microplásticos na cozinha em 2024.
"Mas, para onde foi o plástico? Ele tem que ter ido
para algum lugar." E, às vezes, ele vai diretamente para o alimento que
foi cortado sobre a tábua.
Pesquisadores dos Emirados Árabes Unidos relataram, em 2022,
que a carne vendida em um açougue e em um supermercado continha microplásticos
originários das tábuas de corte de plástico. Esses microplásticos derretem
quando a carne é cozida e se solidificam novamente quando a refeição esfria.
Lavar completamente a carne por três minutos reduziu, mas
não eliminou os microplásticos no seu interior, segundo os pesquisadores. E a
análise de uma tábua de corte usada pelo açougue estimou que 875 g de plástico
foram perdidos até o final da sua vida útil.
Estima-se que utensílios de cozinha antiaderentes
desgastados também podem liberar milhares até milhões de partículas de
microplástico, fazendo deles outra fonte subestimada de plástico na cozinha.
Até utensílios antiaderentes novos, usados com um batedor de
silicone macio, liberam quantidades significativas de microplásticos.
Da mesma forma, misturadores e tigelas de mistura de
plástico liberam partículas a cada uso. Bater gelo por cerca de 30 segundos,
por exemplo, libera centenas de milhares de partículas de microplástico.
O silicone costuma ser indicado como alternativa mais segura
que os utensílios de plástico. Mas Adrian afirma que não há evidências
concretas que indiquem que este material libera menos microplásticos.
"Embora o silicone seja tecnicamente mais estável e
suporte temperaturas mais altas que o plástico descartável, ele não elimina
totalmente os problemas de lixiviação e microplásticos", explica ela.
Ainda assim, ela segue usando silicone na cozinha, devido à
sua estabilidade.
Snekkevik destaca que o silicone, na verdade, se degrada ao
calor muito alto.
"Por isso, ele certamente é uma boa alternativa e
exigiria um pouco mais [que o plástico] para se fragmentar", segundo ela.
"Mas eu não me sentiria confortável a ponto de dizer, sim, use sempre
silicone."
Outras alternativas para certos utensílios de cozinha são o
vidro e o aço inoxidável, destaca Snekkevik.
Existem também bioplásticos baseados em química verde. Eles
são projetados para serem biodegradáveis (ao
contrário do plástico tradicional), tanto no meio ambiente quanto no corpo
humano.
"Essencialmente, o corpo evoluiu de forma a metabolizar
os biomateriais e não para metabolizar materiais sintéticos", explica o
professor de química prática para o meio ambiente Paul Anastas, da Universidade
Yale de New Haven, nos Estados Unidos.
Anastas afirma que a química verde permite criar materiais
plásticos com menos riscos. "Ela é benéfica por definição", segundo
ele.
Mas muitos plásticos, como canudos de ácido poliláctico, são
apregoados como biodegradáveis, o que não é verdade.
Às vezes, esses plásticos simplesmente se fragmentam em
microplásticos com mais rapidez, segundo Snekkevik. "Eles ainda não são a
alternativa perfeita."
Calor
Agora que os ingredientes foram preparados, é hora de
cozinhar. E, quanto mais quentes ficam os plásticos, mais microplásticos eles
tendem a liberar.
Um estudo concluiu que recipientes de plástico aquecidos no
micro-ondas por três minutos podem liberar até 4,22 milhões de partículas de
microplástico e 2,11 bilhões de pedaços de nanoplástico de um único centímetro
quadrado de superfície.
O uso de recipientes similares na geladeira também pode
liberar "milhões a bilhões" de microplásticos e nanoplásticos, mas
por um período muito mais longo, de seis meses, concluiu o estudo.
Colocar uma bebida quente em um copo de plástico descartável
também gera microplásticos.
Um estudo testou diversas variedades e concluiu que copos
feitos de polipropileno contendo água quente a 50 °C liberaram a maior
quantidade de microplásticos. E, em todos os tipos de copos, houve menos
contaminação quando o conteúdo estava frio.
Examinando os copos em seguida, os pesquisadores descobriram
que o conteúdo quente havia danificado a superfície de plástico. A equipe
estimou que uma pessoa que use copos de plástico descartáveis uma ou duas vezes
por semana pode beber entre 18.720 e 73.840 pedaços de microplástico por ano.
Existe uma regra geral que, por acaso, segue o famoso livro
de receitas Sal, Gordura, Ácido, Calor: Os Elementos da Boa Cozinha,
da chef de cozinha e escritora Samin Nosrat (Ed. Cia. de Mesa, 2019). Adrian
afirma que estes quatro componentes podem decompor o plástico em microplásticos
com mais rapidez.
Em uma tigela de plástico, a água salgada libera três vezes
mais microplásticos que com água sem sal. Isso ocorre porque os cristais de sal
entram em atrito com a superfície da tigela.
Além disso, Sathyanarayana descobriu que alimentos com alto
teor de gordura também contêm maiores concentrações de certos aditivos de
plástico, que podem ser prejudiciais à saúde.
Limpeza
Agora que a refeição acabou, vamos lavar a louça.
Esponjas de cozinha descartáveis são mais uma fonte de micro
e nanoplásticos. E, entre as que têm uma face mais mole e outra mais dura, é
esta última que traz maior risco de espalhar partículas.
À medida que se desgastam, as esponjas de cozinha podem
liberar até 6,5 milhões de partículas de microplástico por grama. E adicionar
detergentes e outros produtos de limpeza à esponja pode fazer com que elas
liberem ainda mais partículas.
Em relação a outros produtos de limpeza comuns feitos de
plástico, existem ainda poucas pesquisas sobre a liberação de microplásticos.
A liberação de microplásticos por tecidos de microfibras
durante a limpeza era um tema de pesquisa muito esquecido em 2024, quando
Snekkevik e seus colegas publicaram sua análise.
O que se sabe é que os tecidos sintéticos liberam grandes
quantidades de microplásticos e são considerados uma importante fonte de
poluição plástica nos oceanos.
O que fazer com uma cozinha cheia de plástico
Vilde Snekkevik desaconselha tomar decisões precipitadas.
Ela recomenda não jogar fora seus
aparelhos e utensílios de cozinha feitos de plástico.
"Mesmo depois de escrever este relatório, ainda tenho
alguns itens na minha cozinha que são de plástico", ela conta. "Não
vou simplesmente jogar tudo fora e dizer 'chega'."
Uma estratégia é se concentrar em produtos que demonstrem
óbvios sinais de lesões, como qualquer utensílio claramente raspado, cortado,
descamado ou derretido.
Quando aparentemente chegar a hora de substituir algum
produto, Snekkevik afirma que, de forma geral, irá escolher um substituto que
não contenha plástico.
"Mas não vou sair pela cozinha imediatamente e jogar
tudo fora, pois esta também não é necessariamente a forma mais ecológica de
fazer isso."
Além do prato
Os alimentos e bebidas podem ser a via mais direta de
entrada dos microplásticos no nosso sistema digestivo, mas ainda não sabemos ao
certo qual o seu efeito sobre o nosso corpo.
As pesquisas existentes sobre os efeitos dos microplásticos
do intestino ao nosso corpo são inconclusivas e poucos estudos foram realizados
em seres humanos.
Alguns cientistas indicaram que eles podem prejudicar os
micróbios que vivem no intestino ou que algumas partículas menores podem até
chegar à nossa corrente sanguínea. E parte desse material externo pode
simplesmente ficar alojado dentro do nosso corpo.
"Plásticos baseados em materiais fósseis, nas suas
formas micro e nanoparticuladas, foram encontrados em virtualmente todos os
órgãos do corpo que foram estudados, incluindo as artérias, cérebro, sangue,
placenta e testículos", segundo Paul Anastas.
É possível que boa parte do plástico que existe dentro de
nós não cause problemas de saúde, afirma Sheela Sathyanarayana. Para ela,
"talvez se possa defender que as partículas podem se alojar em algum lugar
e ser inertes naquela região".
Adrian destaca que também não se sabe ao certo por quanto
tempo o plástico permanece no corpo, nem se ele se acumula ao longo do tempo.
Por isso, o microplástico que você já ingeriu ou bebeu hoje talvez não
permaneça no seu corpo para sempre.
Na verdade, já se observou que pelo menos uma parte dos
microplásticos que comemos costuma passar diretamente pelo outro lado.
Leia a versão
original desta reportagem (em inglês) no site BBC Earth.



Nenhum comentário:
Postar um comentário