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quarta-feira, 2 de julho de 2025

O olhar de pesquisador italiano sobre a Arte Sacra nas Missões Jesuíticas

Nossa Senhora da Conceição (Vatican News)

Na entrevista ao VN, o pesquisador Luca Ruggieri recorda que a arte é um instrumento necessário para a evangelização, algo que foi desafiador para os jesuítas no contexto dos índios guaranis, onde não existia uma “cultura visiva como no contexto europeu, mas uma cultura visiva diferente”. Com o passar do tempo, os próprios guaranis passaram a imprimir as próprias características nas esculturas sacras, um patrimônio com uma “riqueza polifônica pela sua diversidade na expressão”.

Jackson Erpen - Cidade do Vaticano

Quando se fala de Missões e Reduções Jesuítico-Guaranis, recorda-se o grupo das trinta cidades fundadas pela Companhia de Jesus a partir do século XVII, entre os indígenas guaranis, na chamada Província de Paraguaia, jurisdição localizada no Vice-Reino do Peru e que abrangia regiões onde hoje é o Paraguai, Argentina, Uruguai e partes da Bolívia, Brasil e Chile.

Em 18 de maio último, o Governo do Estado do Rio Grande do Sul deu início às celebrações oficiais pelos 400 anos das Missões Jesuíticas Guaranis, marco histórico que será comemorado em 2026.

Luca Ruggieri fala aos microfones da Rádio Vaticano (Vatican News)

As Missões testemunharam, entre outros, o nascimento da primeira fundição de aço da América, o que levou a região a ser chamada por Montesquieu de “o primeiro Estado industrial da América”. Mas não só. A pecuária, o desenvolvimento do comércio da erva-mate, da carne, do couro, da lã, foram elementos fundamentais que moldaram a cultura gaúcha. E paralelamente ao desenvolvimento econômico, surgiram as escolas, a música, a arte sacra.

E precisamente a “Arte produzida nas Missões Jesuíticas” é o tema do Mestrado em História da Arte na Universidade Roma Tre de Luca Ruggieri (cujo orientador da dissertação é o Prof. Mauro Vincenzo Fontana), que em visita ao Brasil, Argentina e Paraguai, pode ter um contato mais direto com algumas das Reduções, como São Miguel, Santo Inácio, Loreto, Corpus, um patrimônio não só da América do Sul, mas de toda a humanidade, como fez questão de ressaltar na entrevista ao Vatican News.

A história dessa região, não obstante tenha sido enaltecida no passado por escritores, historiadores e filósofos de renome, voltou a despertar interesse com o filme "The Mission", de Roland Joffé. No entanto, "poucas pessoas na Europa conhecem a história da arte, da produção artística nas Reduções Jesuíticas", observa o jovem pesquisador.

Igreja de São Miguel das Missões (Foto: Luca Ruggieri)

Mas, o que levou um jovem italiano da região das Marcas a se interessar pela arte de uma região tão distante da Itália, berço do Renascimento? Quem o introduziu nesse "mundo das Missões, dos jesuítas", durante seu período da Graduação na Universidade de Macerata, de fato, foi a Prof. Sabiana Pavone, importante pesquisadora deste tema. A partir daí, ele passou a focar seus estudos nas Missões Jesuíticas do Paraguai:

Nossa Senhora de Loreto e a evangelização do Novo Mundo

Mas há uma outra razão que o aproximou deste tema: Loreto. No conhecido Santuário mariano, localizado a poucos quilômetros de sua cidade natal, Mogliano, ele colaborou com o Museu Pontifício. E precisamente de suas leituras e pesquisas na biblioteca brotou a compreensão de que "Loreto foi uma academia espiritual dos jesuítas. De lá, por exemplo, partiu o jesuíta Giuseppe Cataldini, responsável pela Redução de Loreto, no Paraguai."

Luca explica, ademais, que Nossa Senhora de Loreto foi a iconografia que os jesuítas utilizaram para evangelizar o mundo. "Eles tinham consciência de que a Virgem de Loreto não havia sido utilizada por outras Ordens religiosas no Novo Mundo", e por isso decidiram "levar a Virgem de Loreto a todos os lugares da América do Sul e Central.

Estátua de São Luiz Gonzaga (Vatican News)

O jovem pesquisador italiano recorda que a arte foi e é um instrumento necessário para a evangelização. Isso, no entanto, "foi mais difícil para os jesuítas, pois chegaram em um contexto, como o dos guaranis, onde não havia uma cultura visiva como no contexto europeu, mas uma cultura visiva diferente, definida por um pesquisador como “cultura visiva antimimética”. E essa combinação desses dois aspectos diferentes - espanhol (europeu) e o aspecto indígena -, acabou por despertar o interesse de Luca na condução de seus estudos.

Para um historiador de arte - observa ele - a coisa mais importante "é estudar a obra de arte, compreendê-la bem, e na sua linguagem visual". Um dos mais importantes historiadores da arte das reduções na Argentina, fala de “evolução diacrônica entre a produção artística missioneira. Evolução da cultura castelhana que caracterizava as peças de arte".

E com seu olhar atento de pesquisador, Ruggeri destaca na entrevista o momento em que os guaranis passaram a imprimir nas estátuas, características suas.

Quando guaranis se tornaram hábeis na construção das obras, "foi o momento onde a peculiaridade deles chegou". Tem muitas estátuas que tem uma peculiaridade particular na realização dos olhos. Uma característica tipicamente da cultura guarani, mas também a qualidade do rosto. E isso facilita para datar as peças, que seriam mais perto do século XVIII, pois neste século já se sabia que muitos guaranis trabalhavam em conhecido atelier.

Para ilustrar, ele cita a estátua de São Lorenço, nos Museus das Missões, onde há a presença da flor do maracujá, "uma flor muito importante na cultura figurativa indígena guarani".

Vista do Parque Arqueológico, em São Miguel das Missões (Vatican News)

A "riqueza polifônica desse patrimônio" e sua valorização

A bibliografia é fundamental em uma pesquisa ou trabalho científico. Nesse sentido, Luca fala da dificuldade em encontrar bibliografia sobre este tema na Europa, o que é natural, carência esta superada pelo material existente e disponibilizado, por exemplo, em Museus e Bibliotecas na América do Sul, incluindo o Pátio do Colégio, em São Paulo, o Museu Júlio de Castilhos em Porto Alegre.

Nessa revisão bibliográfica, o jovem italiano constata a existência de uma falta de comunicação entre a crítica do mundo hispânico (Argentina e Paraguai), que usa uma modalidade mais europeia, e a produção bibliográfica lusófona. "Existe uma impostação muito diferente entre elas em relação ao assunto da arte, o que gera considerações extremamente diferentes".

De qualquer forma, Luca faz questão de destacar que "a riqueza desse patrimônio é uma riqueza polifônica, pela sua diversidade na expressão. E para bem compreender essa riqueza, é preciso estudá-la, principalmente a estátua. É a coisa mais importante, que “não fala”; depois, todas as outras fontes e arquivos, fontes documentais que podem ajudar na leitura das obras. Por isso também um trabalho “polifônico” de pesquisadores pode ajudar na valorização das peças. Um trabalho polifônico que é um trabalho dos historiadores da arte, europeus, mas majoritariamente na América do sul.".

Luca Ruggieri lamenta que o Museu de São Miguel das Missões, que é tão importante, ainda está fechado. "Não é possível! Pois não é só o patrimônio do Brasil, é um Patrimônio da Humanidade São Miguel das Missões, onde estão as peça artísticas e se pode admirar a sua qualidade".

Neste sentido, ele recorda a importância do trabalho de valorização deste patrimônio também no campo político: "As pessoas que trabalham na política precisam compreender que o patrimônio  artístico das Missões não é só um patrimônio a ser admirado, mas é um patrimônio que também pode gerar dinheiro, com o turismo, e por isso tem uma qualidade que não é num breve período, mais num longo prazo".

Fonte: https://www.vaticannews.va/pt

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Pe. Manuel Pérez Candela

Pe. Manuel Pérez Candela
Pároco da Paróquia Nossa Senhora da Imaculada Conceição - Sobradinho/DF