A Ascensão do Senhor aos céus
Homilia de São Josemaria sobre a festa da Ascensão do
Senhor, publicada no livro "É Cristo que passa".
28/05/2025
Temos à nossa frente uma grande tarefa. Não é possível
permanecermos passivos, porque o Senhor nos declarou expressamente: Negociai
até que eu volte. Enquanto esperamos o regresso do Senhor, que voltará para
tomar posse plena do seu Reino, não podemos estar de braços cruzados. A
propagação do Reino de Deus não é apenas tarefa oficial dos membros da Igreja,
que representam Cristo por terem recebido dEle os poderes sagrados. Vos autem
estis corpus Christi : vós também sois corpo de Cristo - frisa o Apóstolo -,
com mandato específico de negociar até o fim.
Ainda há tanto que fazer! Mas será que em vinte séculos não
se fez nada? Em vinte séculos trabalhou-se muito. Não me parece nem objetiva
nem honesta a persistência com que alguns se empenham em menosprezar a tarefa
dos que nos precederam. Em vinte séculos realizou-se um grande trabalho e, com
frequência, realizou-se muito bem. Em certas épocas, houve desacertos, recuos,
como também hoje há retrocessos, medo, timidez, ao mesmo tempo que não faltam
atitudes de valentia e generosidade. Mas a família humana renova-se
constantemente; em cada geração é necessário continuar com o empenho de ajudar
o homem a descobrir a grandeza da sua vocação de filho de Deus, e inculcar-lhe
o mandamento do amor ao Criador e ao próximo.
Cristo ensinou-nos definitivamente o caminho desse amor a
Deus: o apostolado é o amor a Deus que transborda e se dá aos outros. A vida
interior exige crescimento na união com Cristo, pelo Pão e pela Palavra. E a
preocupação de apostolado é a manifestação exata, adequada e necessária da vida
interior. Quando se saboreia o amor de Deus, sente-se o peso das almas. Não se
pode dissociar a vida interior do apostolado, como não é possível separar em
Cristo o seu ser de Deus-Homem da sua função de Redentor. O Verbo quis
encarnar-se para salvar os homens, para os fazer uma só coisa com Ele. Esta é a
razão da sua vinda ao mundo: Por nós, homens, e por nossa salvação desceu dos
céus, rezamos no Credo.
Para o cristão, o apostolado é algo congênito: não tem nada
de artificial, de justaposto, não é externo à sua atividade diária, à sua
ocupação profissional. Tenho-o dito sem cessar, desde que o Senhor dispôs que
surgisse o Opus Dei. Trata-se de santificar o trabalho ordinário, de
santificar-se nessa tarefa e de santificar os outros mediante o exercício da
respectiva profissão, permanecendo cada um no seu estado de vida.
O apostolado é como a respiração do cristão; não pode um
filho de Deus viver sem esse palpitar espiritual. Recorda-nos a festa de hoje
que o zelo pelas almas é um mandamento amoroso do Senhor: ao subir para a sua
glória, Ele nos envia pelo orbe inteiro como suas testemunhas. Grande é a nossa
responsabilidade, porque ser testemunha de Cristo implica, antes de mais nada,
procurar comportar-se segundo a sua doutrina, lutar para que a nossa conduta
recorde Jesus e evoque a sua figura amabilíssima. Temos que conduzir-nos de tal
maneira que, ao ver-nos, os outros possam dizer: este é cristão porque não
odeia, porque sabe compreender, por que não é fanático, porque está acima dos
instintos, porque é sacrificado, porque manifesta sentimentos de paz, porque
ama.
Com a doutrina de Cristo, não com as minhas idéias, acabo de
traçar um caminho ideal para o cristão. Temos de convir em que é alto, sublime,
atrativo. Mas talvez nos perguntemos: será possível viver assim na sociedade de
hoje?
É verdade que o Senhor nos chamou em momentos em que se fala
muito de paz, e não há paz: nem nas almas, nem nas instituições, nem na vida
social, nem entre os povos. Fala-se continuamente de igualdade e de democracia,
e proliferam as castas: fechadas, impenetráveis. Chamou-nos num tempo em que se
clama por compreensão; e a compreensão brilha pela sua ausência, mesmo entre
pessoas que agem de boa fé e querem praticar a caridade, porque, não o
esqueçamos, a caridade, mais do que em dar, consiste em compreender.
Atravessamos uma época em que os fanáticos e os intransigentes - incapazes de
admitir as razões dos outros - se protegem de antemão tachando de violentas e
agressivas as suas vítimas. Chamou-nos, enfim, quando se ouve tagarelar muito
sobre unidade, e talvez seja difícil conceber maior desunião, não já entre os
homens em geral, mas entre os próprios católicos.
Nunca faço considerações políticas, porque não é esse o meu
ofício. Para descrever sacerdotalmente a situação do mundo atual, basta-me
pensar de novo numa parábola do Senhor: a do trigo e do joio. O reino dos céus
é semelhante a um homem que semeou boa semente em seu campo; mas, enquanto os
trabalhadores dormiam, veio certo inimigo seu, espalhou joio no meio do trigo,
e foi-se. Está tudo bem claro: o campo é fértil e a semente é boa; o Senhor do
campo lançou a mãos cheias a semente no momento propício e com arte consumada;
além disso, organizou uma vigilância para proteger a semeadura recente. Se
depois apareceu o joio, foi porque não houve correspondência, porque os homens
- os cristãos especialmente - adormeceram e permitiram que o inimigo se
aproximasse.
Quando os servidores irresponsáveis perguntam ao Senhor por
que cresceu o joio no seu campo, a explicação salta aos olhos: Inimicus homo
hoc fecit , foi o inimigo! Nós, os cristãos, que devíamos estar vigilantes para
que as coisas boas postas pelo Criador no mundo se desenvolvessem a serviço da
verdade e do bem, nós adormecemos - triste preguiça, esse sono! -, enquanto o
inimigo e todos os que o servem se moviam sem descanso. Bem vemos como cresceu
o joio: que semeadura tão abundante e por toda a parte!
Não tenho vocação para profeta de desgraças. Não desejo com
as minhas palavras apresentar um panorama desolador, sem esperança. Não
pretendo queixar-me destes tempos em que vivemos por providência do Senhor.
Amamos esta nossa época, porque é o âmbito em que temos de alcançar a nossa
santificação pessoal. Não admitimos nostalgias ingênuas e estéreis: o mundo
nunca esteve melhor. Desde sempre, desde o nascimento da Igreja, quando ainda
se escutava a pregação dos primeiros Doze, surgiam já com violência as perseguições,
começavam as heresias, propalava-se a mentira e desencadeava-se o ódio.
Mas também não é lógico negar que o mal parece ter
prosperado. Dentro de todo esse campo de Deus, que é a terra, que é herança de
Cristo, irrompeu o joio: e não apenas joio, mas abundância de joio! Não nos
podemos deixar enganar pelo mito do progresso perene e irreversível. O
progresso retamente ordenado é bom e Deus o quer. Mas hoje tem-se mais em conta
esse outro falso progresso, que cega os olhos a tanta gente, porque com
frequência não se percebe que a humanidade, em alguns de seus passos, volta para
trás e perde o que antes havia conquistado.
O Senhor - repito - deu-nos o mundo por herança. E é
necessário termos a alma e a inteligência despertas; temos que ser realistas,
sem derrotismos. Só uma consciência cauterizada, só a insensibilidade produzida
pela rotina, só o aturdimento frívolo podem permitir que se contemple o mundo
sem ver o mal, a ofensa a Deus, o prejuízo, às vezes irreparável, que se causa
às almas. Temos que ser otimistas, mas com um otimismo que nasça da fé no poder
de Deus - Deus não perde batalhas -, com um otimismo que não proceda da
satisfação humana, de uma complacência néscia e presunçosa.
Que fazer? Disse que não procurava descrever crises sociais
ou políticas, derrocadas ou mazelas culturais. Sob a perspectiva da fé cristã,
venho-me referindo ao mal no sentido preciso de ofensa a Deus. O apostolado
cristão não é um programa político nem uma alternativa cultural: consiste na
difusão do bem, no contágio do desejo de amar, numa semeadura concreta de paz e
de alegria. E desse apostolado derivarão sem dúvida benefícios espirituais para
todos: mais justiça, mais compreensão, mais respeito do homem pelo homem.
Há muitas almas à nossa volta; e não temos o direito de ser
obstáculo ao seu bem eterno. Estamos obrigados a ser plenamente cristãos, a ser
santos, a não defraudar Deus nem todos aqueles que esperam do cristão o exemplo
e a doutrina.
O nosso apostolado deve basear-se na compreensão. Insisto
novamente: a caridade, mais do que em dar, consiste em compreender. Não escondo
que aprendi na minha própria carne quanto custa não ser compreendido. Sempre me
esforcei por fazer-me compreender, mas há quem se empenhe em não me
compreender: eis outra razão, prática e viva, para que deseje compreender a
todos. Mas não há de ser um impulso circunstancial o que nos obrigue a ter esse
coração amplo, universal, católico. O espírito de compreensão é expressão da
caridade cristã do bom filho de Deus: porque o Senhor quer que estejamos
presentes em todos os caminhos retos da terra, para espalhar a semente da
fraternidade - não a do joio -, da desculpa, do perdão, da caridade, da paz.
Nunca nos sintamos inimigos de ninguém.
O cristão tem que se mostrar sempre disposto a conviver com
todos, a dar a todos - com o seu trato - a possibilidade de se aproximarem de
Cristo Jesus. Há de sacrificar-se de bom grado por todos, sem estabelecer
distinções, sem dividir as almas em compartimentos estanques, sem lhes aplicar
rótulos, como se fossem mercadorias ou insetos dissecados. Não pode o cristão
separar-se dos outros, porque então a sua vida seria miserável e egoísta: deve
fazer-se tudo para todos, para salvar a todos.
Quem dera que vivêssemos assim, que soubéssemos impregnar a
nossa conduta desta semeadura de generosidade, deste desejo de convivência, de
paz! Desse modo, fomentar-se-ia a legítima independência pessoal dos homens e
cada um assumiria a sua responsabilidade pelas tarefas que lhe incumbem na
ordem temporal. O cristão saberia defender acima de tudo a liberdade alheia,
para poder depois defender a sua própria. Teria a caridade de aceitar os outros
como são - porque não há ninguém que não arraste consigo uma cauda de misérias
e não cometa erros -, ajudando-os com a graça de Deus e com delicadeza humana a
vencer o mal, a arrancar o joio, a fim de que todos possamos mutuamente
amparar-nos e viver com dignidade a nossa condição de homens e de cristãos.
A tarefa apostólica, que Cristo confiou a todos os seus
discípulos, produz, portanto, resultados concretos na esfera social. Não é
admissível pensar que, para sermos cristãos, seja preciso voltarmos as costas
ao mundo, sermos uns derrotistas da natureza humana. Tudo, até o mais ínfimo
dos acontecimentos honestos, encerra um sentido humano e divino. Cristo,
perfeito homem, não veio destruir o que é humano, mas enobrecê-lo, assumindo a
nossa natureza humana, à exceção do pecado: veio compartilhar todas as aspirações
do homem, exceto a triste aventura do mal.
O cristão deve estar sempre disposto a santificar a
sociedade a partir de dentro, permanecendo plenamente no mundo, mas sem ser do
mundo naquilo que o mundo encerra - não por ser característica real, mas por
defeito voluntário, pelo pecado - de negação de Deus, de oposição à sua amável
vontade salvífica.
A festa da Ascensão do Senhor sugere-nos também outra
realidade: esse Cristo que nos anima a empreender esta tarefa no mundo
espera-nos no céu. Por outras palavras: a vida na terra, que nós amamos, não é
a realidade definitiva; pois não temos aqui cidade permanente, mas andamos em
busca da futura cidade imutável.
Cuidemos, porém, de não interpretar a Palavra de Deus dentro
dos limites de horizontes estreitos. O Senhor não nos incita a ser infelizes
enquanto caminhamos, esperando a consolação apenas no mais além. Deus nos quer
felizes também aqui, se bem que anelando pelo cumprimento definitivo dessa
outra felicidade, que só Ele pode consumar plenamente.
Nesta terra, a contemplação das realidades sobrenaturais, a
ação da graça em nossas almas, o amor ao próximo como fruto saboroso do amor a
Deus, representam já uma antecipação do céu, uma incoação destinada a crescer
de dia para dia. Nós, os cristãos, não suportamos uma vida dupla: mantemos uma
unidade de vida, simples e forte, em que se fundamentam e se compenetram todas
as nossas ações.
Cristo espera-nos. Vivemos já como cidadãos do céu , sendo
plenamente cidadãos da terra, no meio das dificuldades, das injustiças, das
incompreensões, mas também no meio da alegria e da serenidade que nos dá
saber-nos filhos amados de Deus. Perseveremos no serviço do nosso Deus, e
veremos como aumenta em número e em santidade este exército cristão de paz,
este povo de corredenção. Sejamos almas contemplativas, absorvidas num diálogo
constante com Deus, procurando a intimidade com o Senhor a toda a hora: desde o
primeiro pensamento do dia até o último da noite; pondo continuamente o nosso
coração em Jesus Cristo, Nosso Senhor; achegando-nos a Ele por Nossa Mãe, Santa
Maria, e por Ele, ao Pai e ao Espírito Santo.
E se, apesar de tudo, a subida de Jesus aos céus nos deixar
na alma um travo de tristeza, acudamos à sua Mãe, como fizeram os Apóstolos:
Tornaram então a Jerusalém... e oravam unanimemente... com Maria, a Mãe de
Jesus.
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