Translate

terça-feira, 30 de setembro de 2025

Idosos órfãos de filhos vivos

Ground Picture | Shutterstock

Revista Pazes - publicado em 27/10/16 - atualizado em 30/09/25

Uma reflexão que vale a pena.

Atenção e carinho estão para a alegria da alma, como o ar que respiramos está para a saúde do corpo. Nestas últimas décadas surgiu uma geração de pais sem filhos presentes, por força de uma cultura de independência e autonomia levada ao extremo, que impacta negativamente no modo de vida de toda a família. Muitos filhos adultos ficam irritados por precisarem acompanhar os pais idosos ao médico, aos laboratórios. Irritam-se pelo seu andar mais lento e suas dificuldades de se organizar no tempo, sua incapacidade crescente de serem ágeis nos gestos e decisões

A ordem era essa: em busca de melhores oportunidades, vinham para as cidades os filhos mais crescidos e não necessariamente os mais fortes, que logo traziam seus irmãos, que logo traziam seus pais e moravam todos sob um mesmo teto, até que a vida e o trabalho duro e honesto lhes propiciassem melhores condições. Este senhor, com olhos sonhadores, rememorava com saudade os tempos em que cavavam buracos nas terras e ali dormiam, cheios de sonho que lhes fortalecia os músculos cansados. Não importava dormir ao relento. Cediam ao cansaço sob a luz das estrelas e das esperanças.

A evasão dos mais jovens em busca de recursos de sobrevivência e de desenvolvimento, sempre ocorreu. Trabalho, estudos, fugas das guerras e perseguições, a seca e a fome brutal, desde que o mundo é mundo pressionou os jovens a abandonarem o lar paterno. Também os jovens fugiram da violência e brutalidade de seus pais ignorantes e de mau gênio. Nada disso, porém, era vivido como abandono: era rompimento nos casos mais drásticos. Era separação vivida como intervalo, breve ou tornado definitivo, caso a vida não lhes concedesse condição futura de reencontro, de reunião.

Separação e responsabilidade

Assim como os pais deixavam e, ainda deixam seus filhos em mãos de outros familiares, ao partirem em busca de melhores condições de vida, de trabalho e estudos, houve filhos que se separaram de seus pais. Em geral, porém, isso não é percebido como abandono emocional. Não há descaso nem esquecimento. Os filhos que partem e partiam, também assumiam responsabilidades pesadas de ampará-los e aos irmãos mais jovens. Gratidão e retorno, em forma de cuidados ainda que à distância. Mesmo quando um filho não está presente na vida de seus pais, sua voz ao telefone, agora enviada pelas modernas tecnologias e, com ela as imagens nas telinhas, carrega a melodia do afeto, da saudade e da genuína preocupação. E os mais velhos nutrem seus corações e curam as feridas de suas almas, porque se sentem amados e podem abençoá-los. Nos tempos de hoje, porém, dentro de um espectro social muito amplo e profundo, os abandonos e as distâncias não ocupam mais do que algumas quadras ou quilômetros que podem ser vencidos em poucas horas. Nasceu uma geração de ‘pais órfãos de filhos’. Pais órfãos que não se negam a prestar ajuda financeira. Pais mais velhos que sustentam os netos nas escolas e pagam viagens de estudo fora do país. Pais que cedem seus créditos consignados para filhos contraírem dívidas em seus honrados nomes, que lhes antecipam herança. Mas que não têm assento à vida familiar dos mais jovens, seus próprios filhos e netos, em razão – talvez, não diretamente de seu desinteresse, nem de sua falta de tempo – mas da crença de que seus pais se bastam.

Este estilo de vida, nos dias comuns, que não inclui conversa amena e exclui a ‘presença a troco de nada, só para ficar junto’, dificulta ou, mesmo, impede o compartilhar de valores e interesses por parte dos membros de uma família na atualidade, resulta de uma cultura baseada na afirmação das individualidades e na política familiar focada nos mais jovens, nos que tomam decisões ego-centradas e na alta velocidade: tudo muito veloz, tudo fugaz, tudo incerto e instável. Vida líquida, como diz Zygmunt Bauman, sociólogo polonês. Instalou-se e aprofundou-se nos pais, nem tão velhos assim, o sentimento de abandono. E de desespero. O universo de relacionamento nas sociedades líquidas assegura a insegurança permanente e monta uma armadilha em que redes sociais são suficientes para gerar controle e sentimento de pertença. Não passam, porém de ilusões que mascaram as distâncias interpessoais que se acentuam e que esvaziam de afeto, mesmo aquelas que são primordiais: entre pais e filhos e entre irmãos. O desespero calado dos pais desvalidos, órfãos de quem lhes asseguraria conforto emocional e, quiçá material, não faz parte de uma genuína renúncia da parte destes pais, que ‘não querem incomodar ninguém’, uma falsa racionalidade – e é para isso que se prestam as racionalizações – que abala a saúde, a segurança pessoal, o senso de pertença. É do medo de perder o pouco que seus filhos lhes concedem em termos de atenção e presença afetuosa. O primado da ‘falta de tempo’ torna muito difícil viver um dia a dia em que a pessoa está sujeita ao pânico de não ter com quem contar.

A irritação por precisar mudar alguns hábitos. Muitos filhos adultos ficam irritados por precisarem acompanhar os pais idosos ao médico, aos laboratórios. Irritam-se pelo seu andar mais lento e suas dificuldades de se organizar no tempo, sua incapacidade crescente de serem ágeis nos gestos e decisões. Desde os poucos minutos dos sinais luminosos para se atravessar uma rua, até as grandes filas nos supermercados, a dificuldade de caminhar por calçadas quebradas e a hesitação ao digitar uma senha de computador, qualquer coisa que tire o adulto de seu tempo de trabalho e do seu lazer, ao acompanhar os pais, é causa de irritação. Inclusive porque o próprio lazer, igualmente, é executado com horário marcado e em espaço determinado. Nas salas de espera veem-se os idosos calados e seus filhos entretidos nos seus jornais, revistas, tablets e celulares. Vive-se uma vida velocíssima, em que quase todo o tempo do simples existir deve ser vertido para tempo útil, entendendo-se tempo útil como aquele que também é investido nas redes sociais. Enquanto isso, para os mais velhos o relógio gira mais lento, à medida que percebem, eles próprios, irem passando pelo tempo. O tempo para estar parado, o tempo da fruição está limitado. Os adultos correm para diminuir suas ansiosas marchas em aulas de meditação. Os mais velhos têm tempo sobrante para escutar os outros, ou para lerem seus livros, a Bíblia, tudo aquilo que possa requerer reflexão. Ou somente uma leve distração. Os idosos leem o de que gostam. Adultos devoram artigos, revistas e informações sobre o seu trabalho, em suas hiper especializações. Têm que estar a par de tudo just in time – o que não significa exatamente saber, posto que existe grande diferença entre saber e tomar conhecimento. Já, os mais velhos querem mais é se livrar do excesso de conhecimento e manter suas mentes mais abertas e em repouso. Ou, então, focadas naquilo que realmente lhes faz bem como pessoa. Restam poucos interesses em comum a compartilhar. Idosos precisam de tempo para fazer nada e, simplesmente recordar. Idosos apreciam prosear. Adultos têm necessidade de dizer e de contar. A prosa poética e contemplativa ausentou-se do seu dia a dia. Ela não é útil, não produz resultados palpáveis.

A dificuldade de reconhecer a falta que o outro faz

Do prisma dos relacionamentos afetivos e dos compromissos existenciais, todas as gerações têm medo de confessar o quanto o outro faz falta em suas vidas, como se isso fraqueza fosse. Montou-se, coletivamente, uma enorme e terrível armadilha existencial, como se ninguém mais precisasse de ninguém. A família nuclear é muito ameaçadora. para o conforto, segurança e bem-estar: um número grande de filhos não mais é bem-vindo, pais longevos não são bem tolerados e tudo isso custa muito caro, financeira, material e psicologicamente falando. Sobrevieram a solidão e o medo permanente que impregnam a cultura utilitarista, que transformou as relações humanas em transações comerciais. As pessoas se enxergam como recursos ou clientes. Pais em desespero tentam comprar o amor dos filhos e temem os ataques e abandono de clientes descontentes. Mas, carinho de filho não se compra, assim como ausência de pai e mãe não se compensa com presentes, dinheiro e silêncio sobre as dores profundas as gerações em conflito se infringem.

Por vezes a estratégia de condutas desviantes dão certo, para os adolescentes conseguirem trazer seus pais para mais perto, enquanto os mais idosos caem doentes, necessitando – objetivamente – de cuidados especiais. Tudo isso, porém, tem um altíssimo custo. Diálogo? Só existe o verdadeiro diálogo entre aqueles que não comungam das mesmas crenças e valores, que são efetivamente diferentes. Conversar, trocar ideias não é dialogar. Dialogar é abrir-se para o outro. É experiência delicada e profunda de auto revelação. Dialogar requer tempo, ambiente e clima, para que se realizem escutas autênticas e para que sejam afastadas as mútuas projeções. O que sabem, pais e filhos, sobre as noites insones de uns e de outros? O que conversam eles sobre os receios, inseguranças e solidão? E sobre os novos amores? Cada geração se encerra dentro de si própria e age como se tudo estivesse certo e correto, quando isso não é verdade.

A dificuldade de reconhecer limites característicos do envelhecimento dos pais. Este é o modelo que se pode identificar. Muito mais grave seria não ter modelo. A questão é que as dores são tão mascaradas, profundas e bem alimentadas pelas novas tecnologias, inclusive, que todas as gerações estão envolvidas pelo desejo exacerbado de viver fortes emoções e correr riscos desnecessários, quase que diariamente. Drogas e violência toldam a visão de consequências e sequestram as responsabilidades. Na infância e adolescência os pais devem ser responsáveis pelos seus filhos. Depois, os adultos, cada qual deve ser responsável por si próprio. Mais além, os filhos devem ser responsáveis por seus pais de mais idade. E quando não se é mais nem tão jovem e, ainda não tão idoso que se necessite de cuidados permanentes por parte dos filhos? Temos aí a geração de pais desvalidos: pais órfãos de seus filhos vivos. E estes respondem, de maneira geral, ou com negligência ou, com superproteção. Qualquer das formas caracteriza maus cuidados e violência emocional.

Na vida dos mais velhos alguns dos limites físicos e mentais vão se instalando e vão mudando com a idade. Dos pais e dos filhos. Desobrigados que foram de serem solidários aos seus pais, os filhos adultos como que se habituaram a não prestarem atenção às necessidades de seus pais, conforme envelhecem. Mantêm expectativas irrealistas e não têm pálida ideia do que é ter lutado toda uma vida para se auto afirmar, para depois passar a viver com dependências relativas e dar de frente com a grande dor da exclusão social. A começar pela perda dos postos de trabalho e, a continuar, pela enxurrada de preconceitos que se abatem sobre os idosos, nas sociedades profundamente preconceituosas e fóbicas em relação à morte e à velhice. Somente que, em vez de se flexibilizarem, uns e outros, os filhos tentam modificar seus pais, ensinando-lhes como envelhecer. Chega a ser patético. Então, eles impõem suas verdades pós-modernas e os idosos fingem acatar seus conselhos, que não foram pedidos e nem lhes cabem de fato.

De onde vem a prepotência de filhos adultos e netos adolescentes que se arrogam saber como seus pais e avós devem ser, fazer, sentir e pensar ao envelhecer? É risível o esforço das gerações mais jovens, querendo educa-los, quando o envelhecimento é uma obra social e, mais, profundamente coletiva, da qual os adultos de hoje – que justa, porém indevidamente – cultivam os valores da juventude permanente e, da velhice não fazem a mais pálida ideia. Além do que, também não têm a menor noção de como haverão eles próprios de envelhecer, uma vez que está em curso uma profunda mudança nas formas, estilos e no tempo de se viver até envelhecer naturalmente e, morrer a Boa Morte. Penso ser uma verdadeira utopia propor, neste momento crítico, mudanças definidas na interação entre pais e filhos e entre irmãos. Mudanças definidas e, de nenhuma forma definitivas, porém, um tanto mais humanas, sensíveis e confortáveis. O compartilhar é imperativo. O dialogar poderá interpor-se entre os conflitos geracionais, quem sabe atenuando-os e reafirmando a necessidade de resgatar a simplicidade dos afetos garantidos e das presenças necessárias para a segurança de todos.

Quando a solidão e o desamparo, o abandono emocional, forem reconhecidos como altamente nocivos, pela experiência e pelas autoridades médicas, em redes públicas de saúde e de comunicação, quem sabe ouviremos mais pessoas que pensam desta mesma forma, porém se auto impuseram a lei do silêncio. Por vergonha de se declararem abandonados justamente por aqueles a quem mais se dedicaram até então. É necessário aprender a enfrentar o que constitui perigo, alto risco para a saúde moral e emocional para cada faixa etária. Temos previsão de que, chegados ao ano de 2.035, no Brasil haverá mais pessoas com 55 anos ou mais de idade, do que crianças de até dez anos, em toda a população. E, com certeza, no seio das famílias. Estudos de grande envergadura em relação ao envelhecimento populacional afirmam que a população de 80 anos e mais é a que vai quadruplicar de hoje até o ano de 2.050. O diálogo, portanto, intra e intergeracional deve ensaiar seus passos desde agora. O aumento expressivo de idosos acima dos 80 anos nas políticas públicas ainda não está, nem de longe, sendo contemplado pelas autoridades competentes. As medidas a serem tomadas serão muito duras. Ninguém de nós vai ficar de fora. Como não deve permanecer fora da discussão sobre o envelhecimento populacional mundial e as estratégias para enfrentá-lo.

Fonte: https://pt.aleteia.org/2016/10/27/idosos-orfaos-de-filhos-vivos/

São João Henrique Newman será proclamado doutor da Igreja em 1º de novembro

O papa Leão XIV vai proclamar são João Henrique Newman doutor da Igreja | Captura Vatican Media

Por Victoria Cardiel*

28 de set de 2025 às 10:19

O papa Leão XIV anunciou antes da oração do Ângelus hoje (28) que vai conferir o título de doutor da Igreja a são João Henrique Newman em 1º de novembro, dia em que a Igreja celebra a festa de Todos os Santos.

“Tenho a alegria de anunciar que, no próximo dia 1 de novembro, no contexto do Jubileu do Mundo Educativo, conferirei o título de Doutor da Igreja a são João Henrique Newman, que contribuiu de forma decisiva para a renovação da teologia e para a compreensão da doutrina cristã no seu desenvolvimento”, disse o papa em italiano.

São João Newman (1801-1890), teólogo inglês convertido do anglicanismo ao catolicismo, é considerado uma das figuras intelectuais mais influentes da Igreja contemporânea. Suas reflexões sobre o desenvolvimento da doutrina, a consciência pessoal e a relação entre fé e razão marcaram profundamente o pensamento católico, a ponto de ser frequentemente citado no Concílio Vaticano II.

O reconhecimento como doutor da Igreja — título concedido a santos cujos escritos e ensinamentos tiveram um valor eminente para a teologia e a espiritualidade católica — coloca Newman na mesma linha de grandes referências como santo Agostinho, santo Tomás de Aquino, santa Teresa D’Ávila e santa Teresa de Lisieux.

A proclamação oficial acontecerá em uma cerimônia solene em Roma, coincidindo com as celebrações do jubileu dedicadas à área da educação, um contexto especialmente significativo dada a contribuição de Newman à reflexão sobre a universidade e a formação integral da pessoa.

Orações pelas regiões asiáticas atingidas pelo tufão

Leão XIV manifestou sua proximidade às populações da Ásia atingidas nos últimos dias por um violento tufão que causou graves danos e inundações em vários países da região.

“Nestes últimos dias, um tufão extraordinariamente forte atingiu vários territórios asiáticos, em particular as Filipinas, a ilha de Taiwan, a cidade de Hong Kong, a região de Guangdong e o Vietname. Sinto-me próximo das populações afetadas, especialmente as mais pobres”, disse o papa.

O tufão, acompanhado de ventos fortes e chuvas torrenciais, causou cortes de energia elétrica, evacuações em massa e perdas materiais consideráveis em áreas urbanas e rurais. As autoridades locais informaram sobre vítimas fatais e milhares de desabrigados, enquanto equipes de emergência e voluntários trabalham nos esforços de resgate.

O papa pediu aos fiéis que rezem por aqueles que perderam seus entes queridos e por aqueles que enfrentam a devastação causada pelo desastre natural. Ele também exortou a comunidade internacional a não esquecer a situação das populações mais vulneráveis.

*Victoria Cardiel é jornalista especializada em temas de informação social e religiosa. Desde 2013, ela cobre o Vaticano para vários veículos, como a agência de noticias espanhola Europa Press, e o semanário Alfa y Omega, da arquidiocese de Madri (Espanha).

Fonte: https://www.acidigital.com/noticia/64731/sao-joao-henrique-newman-sera-proclamado-doutor-da-igreja-em-1o-de-novembro

HISTÓRIA: A civilização suave

Gianpaolo Romanato, Jesuítas, Guarani e Emigrantes nas Reduções do Paraguai , Região do Veneto – Longo Editore, Ravenna 2008, 104 pp. | 30Giorni.

Arquivo 30Dias nº 12 - 2008

A civilização suave

A incrível experiência de evangelização e civilização que foi a fundação pelos jesuítas de verdadeiras cidades no coração da América Latina entre os séculos XVII e XVIII.

por Lorenzo Cappelletti

Um pequeno, mas precioso livro de Gianpaolo Romanato, publicado recentemente pela editora Longo, de Ravena, com o título Gesuiti, Guaraní ed emigranti nelle Riduzioni del Paraguay (Jesuítas, Guarani e Emigrantes nas Reduções do Paraguai ), é um livro pequeno, mas precioso. Apoiado pela longa estadia do autor no Paraguai , o livro é dedicado àquela experiência incrível, tanto evangelizadora quanto civilizadora, que foi a fundação, pelos jesuítas, de cidades reais no coração da América Latina entre os séculos XVII e XVIII. Essas cidades foram organizadas para os índios guaranis da maneira mais amorosa e apropriada, compatível com a mentalidade da época e as características daquelas populações. "Uma civilização gentil", como a chama Romanato, "realizada por jesuítas que vieram de toda a ecúmena da época, isto é, o encontro não destrutivo e não confrontacional entre uma cultura forte e uma fraca" (p. 48). A história daquele território foi crucial, antes de tudo, para a abordagem missionária pioneira ali pelos jesuítas, que corresponde — Romanato observa que a conexão nem sempre é clara (pp. 22; 47; 60-61 e passim ) — ao que eles estavam fazendo ao mesmo tempo do outro lado do mundo, na China. Também foi crucial para a dramática história da supressão da Companhia de Jesus em 1773, entrelaçada com a luta secular entre espanhóis e portugueses pelo domínio do Novo Mundo, que teve seu maior ponto de conflito na região das Reduções. E novamente, para a própria evolução da lei natural e do pensamento iluminista, cujo pano de fundo histórico , poderíamos dizer, foi precisamente constituído por aquele estado de natureza e... de graça que europeus eruditos e humildes como os jesuítas estavam experimentando ali não por meio de livros, mas no campo, seguindo o exemplo de São Francisco Xavier. E, finalmente, a própria configuração do Brasil de hoje, o país com o maior número de católicos do mundo, e que por isso mesmo merece atenção privilegiada dos interessados ​​nos assuntos da Igreja e do mundo, é incompreensível sem olhar para aquelas origens.

Romanato, professor do Departamento de História da Universidade de Pádua e recentemente nomeado para o Pontifício Comitê de Ciências Históricas, possui inúmeras publicações sobre história contemporânea relacionadas à região do Vêneto e seu povo. É justamente com base nessa expertise que ele abordou o tema em questão, aparentemente distante deles no espaço e no tempo. Na realidade, folheando as páginas de sua obra — com engajamento cada vez maior, devemos dizer — descobre-se que a história daquele território, que se estende muito além do sul do atual Paraguai, incluindo a província de Misiones, no nordeste da Argentina, e grande parte do estado brasileiro do Rio Grande do Sul (quase tão grande quanto a Itália), está intimamente ligada aos italianos e, em tempos recentes, especialmente aos venezianos ( lato sensu ), que, com um feito não menos épico que o dos primeiros jesuítas, repovoaram e civilizaram aquelas terras entre os séculos XIX e XX. Mas, desde o início, numerosos italianos trabalharam naquela região. Começando com sua primeira evangelização e sua primeira historiografia, a tradição da Ordem remonta a fundação da primeira Redução dedicada a Santo Inácio aos padres jesuítas Giuseppe Cataldini (†1653) e Simone Mascetta (†1658). Assim como foi sempre um italiano quem traçou a primeira história das Reduções, com base nas cartas de seu conterrâneo jesuíta Gaetano Cattaneo: o modenês Ludovico Antonio Muratori, que em seu Del cristianesimo felice nelle missioni dei Padri della Compagnia di Gesù nel Paraguay , publicado em Veneza em 1743, em meio à polêmica antijesuíta, dá prova daquela independência de julgamento e daquela intuição que fazem o verdadeiro historiador, quando escreve que a verdadeira Igreja está prestes a "encher e santificar uma parte do mundo que é maior que a própria Europa", porque naquelas terras "reaparece o espírito dos primeiros cristãos" e "habita a humildade" (ver pp. 57-58). Falando em humildade, devemos mencionar, entre outros, o músico de Prato, Domenico Zipoli, que, após uma brilhante carreira como organista no Gesù em Roma, partiu como missionário em 1717 (morrendo de tuberculose antes mesmo de completar quarenta anos). Somente hoje, graças à descoberta fortuita de seus manuscritos na Bolívia, podemos compreender a importância de sua obra, até então desconhecida.

Um vislumbre dos edifícios sobreviventes na Redução de Trinidad, Paraguai | 30Giorni.

O livro é recomendado em dois níveis. Primeiro, do ponto de vista acadêmico, ele fornece uma revisão bibliográfica altamente atualizada, útil para qualquer pessoa que esteja pesquisando sobre o tema. Para qualquer pesquisa monográfica, todo professor gostaria de poder recomendar uma primeira ferramenta como a que Romanato oferece sobre as figuras e eventos ligados ao território das Reduções. Além de uma apresentação criteriosa do que já foi escrito, ele também oferece sugestões para caminhos de pesquisa inexplorados. Como o que se refere aos "arquitetos jesuítas de origem italiana que trabalharam em várias cidades da América do Sul e nas Reduções, moldando seu estilo arquitetônico e organização urbana: Giovanni Battista Primoli, Giuseppe Bressanelli, Giovanni Andrea Bianchi, Angelo Pietragrassa, Pietro Danesi" (p. 63). Ou a outra questão, igualmente interessante, quase complementar à anterior, sobre o destino e a influência das centenas de jesuítas, muitos deles não italianos, que, exilados após a supressão da Companhia, encontraram refúgio em várias localidades dos Estados Pontifícios, especialmente na Emília-Romanha. "Aqueles que acolheram o maior número foram Faenza, Ímola, Bolonha e Ravena, além, é claro, de Roma. [...] A marca que deixaram no mundo italiano da época ainda é uma questão em grande parte não resolvida. Sabe-se que escreveram e publicaram extensivamente e que entre eles estavam algumas das mentes mais brilhantes que trabalharam nas Reduções" (pp. 66-67).

Mas, mesmo além do nível acadêmico, o livro de Romanato é uma primeira leitura recomendada para qualquer pessoa cuja única fonte de conhecimento até agora seja o filme A Missão (que também é belo e frequentemente citado pelo próprio Romanato) — o filme A Missão — da história moderna e contemporânea daquele polo privilegiado do mundo sul-americano, a região do Paraná, Uruguai e Iguaçu. É uma leitura interessante para quem quer entender o passado para entender e amar o presente.

Fonte: https://www.30giorni.it/

Arquitetura da verdade

Deus, o arquiteto da vida (Facebook)

ARQUITETURA DA VERDADE

29/09/2025

Dom Lindomar Rocha Mota
Bispo de São Luís de Montes Belos (GO) 

Durante muito tempo a vida comum avançou porque havia medida e referência. A política se equilibrava no juízo dos eleitores, a economia justificava o que produzia e distribuía, a religião repousava em instituições que atravessavam séculos. Com a virada do milênio as réguas se torceram e muitas paredes cederam. A política passou a medir barulho em vez de argumento, a economia multiplicou cifras que não chegam ao cotidiano, e até a religião se fragmentou em promessas sem memória de igrejas que surgiram como modo de negócios que ainda precisam ser examinados.  

A verdade precisa ser compartilhada, pois quando a verdade deixa de ser critério compartilhado o abismo deixa de ser metáfora e começa a organizar a vida pública. 

Sair desse terreno pede uma conversão paciente. É preciso recompor a confiança com pessoas responsáveis, processos confiáveis e fatos que possam ser examinadas por todos.  

O nosso tempo tornou visível, ainda, o risco das grandes fortunas tecnológicas. Há gênios da engenharia e da informática que, ao cruzarem a fronteira da política, revelam amadorismo, improviso e mentalidade tirânica. Plataformas que funcionam como praças digitais passam a refletir humores pessoais. Mudanças bruscas de regras, decisões tomadas em público como quem joga os dados, interferências que tocam a vida de países inteiros. 

Quando uma infraestrutura crítica depende da vontade de um único proprietário, a fronteira entre opinião e poder real se desfaz e a democracia fica exposta. Lembremos que nenhum talento individual substitui instituições, que um bilionário não pode funcionar como órgão regulador, que a esfera pública requer freios, contrapesos e prestação de contas. 

A política sofre ainda outro deslocamento. A figura do influenciador, que vive do ritmo das redes, impõe agenda e humor, mas quase nunca oferece projeto. Vence quem captura atenção e não quem constrói processos. A cidade, se quer amadurecer, precisa devolver tempo à deliberação. Espaços onde a opinião desacelera e vira argumento, dados públicos que permitam refazer contas, decisões que venham acompanhadas de razões minoritárias para que o dissenso tenha lugar. Democracia é o exercício de justificar-se diante de muitos, e não a vitória do barulho ruidoso. 

Na economia a planilha precisa enxergar pessoas. Progresso que suga tempo, saúde, vínculos e o chão do qual vivemos não merece esse nome. A riqueza deve ter substância e endereço. Isso começa quando medimos o que sustenta a vida e não apenas o que infla gráficos. Metodologias abertas de impacto social e ambiental, auditorias independentes, redes produtivas enraizadas no território, crédito paciente para transição de atividades predatórias para atividades regenerativas. A métrica existe para servir ao sentido e não para o substituir. Quando números e vidas conversam, a economia respira. 

Na religião a fidelidade não dispensa exame. O crescimento veloz de comunidades sem lastro institucional pode atrair muita gente, mas também expõe vulneráveis e fragiliza a própria fé. Autoridade pastoral sem medida e sem verificação degenera em culto de personalidade e busca de poder político. Comunidades adultas protegem o carisma com regras claras, conselhos que prestam contas, formação séria de ministros, proteção efetiva dos pequenos. A tradição não é peso morto, é critério que impede reinvenções oportunistas do Evangelho. 

Nada disso avança sem reeducação do juízo. Fomos capturados por uma política da atenção que inflama afetos e empobrece a reflexão. 

O caminho não pede a restauração de velhos muros nem a exibição de novas vitrines. Pede a passagem do carisma sem prova para o trabalho e a caridade com prova. Líderes que inspiram e se submetem a regras. Métricas que contam o que a vida sente. As grandes fortunas, os pastores carismáticos, os políticos da atenção podem continuar a contribuir, desde que aceitem a companhia dos processos. Se a modernidade ensinou a medir e o nosso tempo confundiu o que medir, a etapa seguinte é recuperar a medida como serva do significado.  

Verdade que volta para casa, porque pode ser habitada, examinada e partilhada.  

Fonte: https://www.cnbb.org.br/

História de São Jerônimo

São Jerônimo (Cruz Terra Santa)

30 de setembro

São Jerônimo

São Jerônimo foi um homem de grande cultura, era doutor nas Sagradas Escrituras, teólogo, escritor, filósofo, historiador. Foi ele quem traduziu a Bíblia pela primeira vez, do hebraico e grego para o latim, a língua falada pelo povo. Sua tradução foi chamada de Vulgata, ou seja, popular...

História de São Jerônimo

São Jerônimo nasceu na Dalmácia, hoje Croácia, no ano de 340. Sua família era rica, culta e de raiz cristã. Ele era filho único e herdou uma pequena fortuna de seus pais. Após a morte deles, Jerônimo foi morar em Roma. Lá, estudou retórica, que é a arte de falar bem, oratória, com os melhores mestres da época. Com isso, adquiriu mais cultura ainda.

Batismo

Apesar de vir de uma família cristã, São Jerônimo ainda não tinha sido batizado. Só aos vinte e cinco anos ele tomou uma decisão madura e pediu o batismo. Então, foi batizado pelo Papa Libério. Depois disso, em oração, sentiu o chamado para a vida monástica. Mas não simplesmente vida monástica. Seu chamado era para a vida monástica dedicada à oração e ao recolhimento e ao estudo. Então, ele descobriu monges que viviam na Gália, atual França, e foi morar com eles. Lá, Jerônimo formou uma comunidade com seus amigos e discípulos. Estes dedicavam-se ao estudo da Bíblia e das obras de teologia.

A vida radical de São Jerônimo

São Jerônimo tinha um temperamento forte e radical. Por isso, foi procurar o deserto. No deserto, entrava num ritmo de orações e jejuns tão rigorosos que quase chegou a falecer. Tempos depois de se fortalecer no deserto, ele foi para Constantinopla, segunda capital do império romano. Lá, onde encontrou-se com São Gregório. Este lhe mostrou o caminho do amor pelo estudo das Sagradas Escrituras.

Por isso, São Jerônimo decidiu dedicar sua vida ao estudo da Palavra de Deus, para transmitir o cristianismo em sua máxima fidelidade, ao maior número de pessoas passível. Por causa desse objetivo, e usando sua grande aptidão para aprender línguas, estudou hebraico e grego. Seu objetivo era compreender as escrituras nas suas línguas originais para transmitir um ensinamento seguro aos fiéis..

A Vulgata, primeira tradução da bíblia

A fama da cultura e sabedoria de São Jerônimo se espalhou e chegou até Roma. Por isso, o Papa Damaso o chamou e lhe deu a grandiosa missão de traduzir a Bíblia para o Latim, a língua do povo. Por isso, sua tradução foi chamada de Vulgata, ou seja, popular. O Papa queria uma tradução mais fiel possível do hebraico e do grego para o latim e que, ao mesmo tempo, o povo pudesse compreender.

São Jerônimo reunia todas as condições para fazer este trabalho. Ele se tornou, então, o secretário do Papa. Por causa disso é que temos hoje a Bíblia traduzida para o português e várias línguas. Essas traduções vieram da Tradução Popular de São Jerônimo.

São Jerônimo e os anos de trabalho árduo

Este trabalho de São Jerônimo durou muitos anos, pois ele procurava, em cada versículo, a tradução mais fiel possível, para que o povo conhecesse em profundidade as riquezas da Palavra de Deus. Por isso, a tradução de São Jerônimo se tornou a base da tradução bíblica da igreja, aprovada no Concilio de Trento. Em sua tradução, além da extrema fidelidade aos textos originais, São Jerônimo mostrou uma grande riqueza de informações sobre a história da salvação.

Mudança para Belém

Terminado esse imenso trabalho, São Jerônimo foi morar em Belém, a terra onde Jesus nasceu. Lá, viveu como monge num mosteiro fundado por Santa Paula, sua grande amiga e auxiliadora nos trabalhos de estudo e tradução da Bíblia.

Morte de São Jerônimo

São Jerônimo morreu com quase 80 anos no dia 30 de setembro do ano 420. Ele é o Padroeiro dos estudos bíblicos, dos estudiosos da Bíblia. O dia da Bíblia foi colocado no dia de sua morte. Ele escreveu: Cristo é o poder de Deus e a sabedoria de Deus, e quem ignora as Escrituras, ignora o poder e a sabedoria de Deus; portanto, ignorar as Escrituras Sagradas é ignorar a Cristo.

Devoção a São Jerônimo

São Jerônimo é representado sempre escrevendo, com muitos livros à sua volta. Esta imagem, claro, faz referência ao inestimável trabalho de tradução da Bíblia que ele fez. Além disso, ele veste roupas de um monge, em referência a seus últimos anos no mosteiro de Belém. A devoção a ele chegou ao Brasil com os colonizadores. No Rio Grande do Sul há uma cidade com o seu nome.

Oração

Ó Deus, criador do universo, que vos revelastes aos homens através dos séculos pelas  Sagradas Escrituras, e levastes o vosso servo São Jerônimo a dedicar sua vida ao estudo e à meditação da Bíblia, dai-me a graça de compreender com clareza a vossa palavra quando leio a Bíblia. São Jerônimo, iluminai e esclarecei a todos os adeptos das seitas evangélicas para que eles compreendam as escrituras e se deem conta de que contradizem a religião católica e a própria Bíblia, porque eles se baseiam em princípios pagãos e supersticiosos.

São Jerônimo, ajudai-nos a considerar os ensinamentos que nos vem da Bíblia, acima de qualquer outra doutrina, já que é a palavra e o ensinamento do próprio Deus.

Fazei que todos os homens aceitem e sigam a orientação do vosso Pai expressa  nas Sagradas escrituras. Amém. São Jerônimo, rogai por nós.

Fonte: https://cruzterrasanta.com.br/historia-de-sao-jeronimo/144/102/

segunda-feira, 29 de setembro de 2025

As 'florestas verticais' que estão transformando cidades

Dez anos depois da criação da primeira floresta vertical, ela continua inspirando outras construções – e promovendo a saúde e a felicidade de moradores (Crédito,Eindhoven, Holanda/Stefano Boeri Architetti)

As 'florestas verticais' que estão transformando cidades

Author: Deborah Nicholls-Lee

De BBC Culture

19 junho 2025

Em 2007, o arquiteto italiano Stefano Boeri presenciou a frenética construção de uma cidade no deserto de Dubai, nos Emirados Árabes Unidos.

O local era dominado por arranha-céus cobertos de vidro, cerâmica e metal, desperdiçando energia.

Estes materiais "refletiam a luz solar, gerando calor no ar e, principalmente, no solo urbano, onde andam os pedestres", conta ele à BBC.

A 4,8 mil km de distância, Boeri havia recém começado a trabalhar no seu novo projeto de dois edifícios muito altos, em uma área degradada no norte de Milão, na Itália.

Seu projeto convidaria a fauna e a flora a ocupar aquele deserto industrial e resfriar o ar interno e externo. Surgia um novo e radical protótipo arquitetônico, que "integra a natureza viva como parte constituinte do projeto", segundo ele.

O surpreendente resultado foi a primeira "floresta vertical" do mundo.

Inaugurado há 10 anos, o complexo Bosco Verticale de Milão, na Itália, foi a primeira floresta vertical do mundo (Crédito,Boeri Studio/ Dimitar Harizanov)

O projeto completou 10 anos e ganhou inúmeros prêmios.

Suas plantas mantidas por "jardineiros voadores" dominaram a lateral dos edifícios. Elas resfriam a temperatura em até 3ºC, já que a folhagem libera vapor d'água e filtra a luz solar.

Para comemorar o aniversário, o escritório Stefano Boeri Architetti publicou um novo livro, chamado Bosco Verticale: Morphology of a Vertical Forest ("Bosco Verticale: morfologia de uma floresta vertical", em tradução livre).

A obra inclui ensaios de especialistas examinando a intersecção entre a natureza e a arquitetura, além das imagens do fotógrafo arquitetônico Iwan Baan.

O livro acompanha a evolução do projeto e os princípios a ele incorporados.

Para a editora Rizzoli, responsável pela publicação, a obra "celebra um trabalho arquitetônico que se tornou símbolo de uma sensibilidade coletiva renovada em relação aos cuidados com o meio ambiente e o mundo vegetal".

Moradia para pessoas e pássaros

Revertendo a hierarquia arquitetônica habitual, o livro descreve a floresta vertical como "um lar para árvores e aves, que também abriga seres humanos".

A obra se baseia em textos e filosofias que a influenciaram, como o livro The Secret Life of Trees ("A vida secreta das árvores", em tradução livre), de 2006.

Escrito pelo biólogo britânico Colin Tudge, o texto explica o papel fundamental desempenhado pelas árvores nas nossas vidas, sequestrando carbono, produzindo glicose e oferecendo sombra.

Bosco Verticale também menciona a etologista britânica Jane Goodall. Ela alerta que, à medida que a população humana aumenta, "é extremamente importante que este crescimento seja acompanhado por novos incentivos para trazer o mundo natural para as cidades já existentes e para o planejamento de novos municípios".

A Floresta Vertical de Nanjing, na China, adotou os princípios do Bosco Verticale de Milão (Crédito,Stefano Boeri Architetti)

Desde a inauguração da Floresta Vertical de Milão, uma onda verde de construções ricas em plantas começou a reintroduzir a natureza nas nossas cidades – de Dubai (EAU) até Denver, nos Estados Unidos; e de Antuérpia, na Bélgica, até Arlington, no Estado americano da Virgínia.

E a primeira floresta vertical da África está programada para ser inaugurada no Cairo (Egito), ainda este ano.

Em resposta aos críticos que duvidavam da viabilidade econômica do conceito, foi inaugurada em 2021 a Floresta Vertical Trudo em Eindhoven, na Holanda – um projeto de moradias sociais com aluguel máximo orçado em 600 euros (cerca de R$ 3.830) por mês.

Senso de conexão

Em Montpellier, no sul da França, um terço dos Jardins Secretos será reservado para moradias acessíveis.

Trata-se de uma empreitada comercial reflorestada, com projeto da Vincent Callebaut Architectures, sediada na capital francesa, Paris. A inauguração deve ocorrer ainda este ano.

Integrando práticas como telhados verdes e reciclagem de água, os Jardins Secretos também "combatem a crise climática restaurando a conexão entre o ser humano e a natureza", conta Vincent Callebaut à BBC.

"Transformando os moradores em jardineiros urbanos e as fachadas em sifões de carbono, esta construção demonstra que a ecologia não é uma restrição, mas uma filosofia de estilo de vida", explica ele.

O edifício Tao Zhu Yin Yuan em Taipei (Taiwan), com 21 andares, foi inaugurado em 2024 (Crédito,BES Engineering)

O poder que estas extraordinárias estruturas têm de alterar a vida e o sentimento das pessoas é fundamental para o seu projeto.

Um dos planos mais recentes da Vincent Callebaut Architectures é a Árvore do Arco-Íris, em Cebu, nas Filipinas. O projeto é inspirado nas cores psicodélicas da casca do eucalipto-arco-íris, nativo da região.

A "árvore" exige a colaboração dos moradores de cada um dos seus 300 apartamentos, para manter sua flora exuberante. Tudo isso, aliado às estufas compartilhadas e colmeias urbanas, ajuda a "incentivar os laços sociais", segundo Callebaut, criando um senso de comunidade e conexão.

Esta noção de que os projetos biofílicos (baseados na conexão inata entre os seres humanos e a natureza) podem afetar positivamente o nosso bem-estar é confirmada por recentes pesquisas.

Um estudo realizado pela Universidade de Wageningen, na Holanda, concluiu que as plantas em um ambiente de trabalho não só o tornam mais atraente, mas também aumentam a satisfação dos funcionários.

Os profissionais também observaram que as plantas melhoram a qualidade do ar e que eles relatam menos problemas de saúde.

No País de Gales, um estudo que durou 10 anos observou a incidência de ansiedade e depressão em 2,3 milhões de registros médicos.

O estudo associou o maior índice de verde na vizinhança a 40% menos ansiedade e depressão do que entre as pessoas que moravam nas áreas com menos vegetação.

As pessoas das áreas mais pobres apresentaram maiores benefícios e o acesso a espaços verdes e água reduziu o risco de ansiedade e depressão em 10%, contra 6% nas áreas mais ricas.

O Tao Zhu Yin Yuan, em Taiwan, possui varandas giratórias, que otimizam o uso da luz solar (Crédito,BES Engineering)

Por isso, não é surpresa que novos hospitais estejam adotando os conceitos biofílicos.

O Hospiwood 21 em La Louvière, na Bélgica, é outro projeto de Callebaut.

A construção, segundo o arquiteto, "incorpora florestas verticais terapêuticas, usando plantas para reduzir o estresse do paciente e promover a recuperação". Ela inclui um interior biofílico relaxante, repleto de plantas em cascata.

Na Itália, o novo Hospital Policlínico de Milão, projetado por Stefano Boeri, incluirá um telhado verde com mais de 7 mil metros quadrados.

Para Boeri, a biofilia faz parte do remodelamento das instalações de saúde.

Ela "abre uma nova perspectiva sobre a reabilitação, indo além do conceito tradicional de construção destinada ao simples cuidado dos pacientes a longo prazo, passando a ser um verdadeiro espaço de interação e bem-estar, em contato próximo com a natureza".

De fato, os ramos verdes do projeto biofílico estão se espalhando por uma imensa variedade de construções.

O Aeroporto Jewel Changi, em Cingapura, é um complexo de lazer e varejo com 10 andares.

Aberto para passageiros e visitantes desde 2019, ele abriga verdejantes florestas internas que incluem 1,4 mil árvores, além da cascata interna mais alta do mundo, com 40 metros.

Na capital holandesa, Amsterdã, o interior de bambu sustentável do Hotel Jakarta, fundado em 2018, inclui um jardim tropical no seu átrio central.

Regado pela água da chuva que vem do telhado, ele avança rapidamente em direção ao seu teto de 30 metros de altura.

A uma hora de distância, em Roterdã, também na Holanda, um telhado verde, quase 40 metros acima do nível do solo, coroa o The Depot, um armazém acessível ao público que abriga a vasta coleção de arte do Museu Boijmans van Beuningen, na forma de um caldeirão gigante espelhado.

Além de levantar o nosso ânimo, as florestas em arranha-céus podem desempenhar papel importante no combate às mudanças climáticas.

O edifício Tao Zhu Yin Yuan, em Taipei (Taiwan), é outro projeto de Vincent Callebaut – uma torre de 21 andares em formato de hélice dupla de DNA, inaugurada em 2024.

Suas 23 mil plantas absorvem cerca de 130 toneladas de dióxido de carbono (CO2) por ano. E seu efeito de resfriamento da fachada reduz a necessidade de ar-condicionado em 30%.

O edifício possui sacadas giratórias para maximizar a exposição à luz solar e suas chaminés de ventilação centrais refletem o interesse de Callebaut pelo biomimetismo, a emulação dos sistemas da natureza para fornecer soluções para os problemas humanos.

As chaminés funcionam como pulmões. Elas retiram o ar na sua base e o purificam, para expelir no topo.

O Bosco Verticale mantém o ambiente dos seus moradores refrigerado e serve de moradia para os pássaros, além dos seres humanos (Crédito,Boeri Studio/ Giovanni Nardi)

Muito mais altas do que largas, as florestas verticais também minimizam a vedação do solo, liberando espaço para a natureza e reduzindo o risco de enchentes.

"Meus projetos incorporam a visão de que as cidades não são mais problemas para o clima, mas sim soluções vivas", afirma Callebaut.

Longe de ser "um obstáculo ou complemento ornamental", a natureza é o princípio orientador do projeto.

Os edifícios, agora, servem de "árvores habitadas", segundo ele, "que absorvem dióxido de carbono, produzem energia e abrigam biodiversidade".

Os edifícios biofílicos ajudam a combater duas graves crises dos nossos tempos – o aquecimento global e o declínio da saúde mental – e já são considerados parte de cidades totalmente reflorestadas.

Em Liuzhou, na província chinesa de Guangxi (uma das regiões mais atingidas pelo smog — nevoeiro contaminado por fumaça — do mundo), a Cidade da Floresta é um projeto futurista de Stefano Boeri.

Ela irá abrigar cerca de 30 mil moradores e gerar toda a sua energia. O projeto foi aprovado e aguarda construção.

Já a Cidade da Floresta Inteligente de Cancún, no México, pretende proibir veículos movidos a combustão. Ela é outro projeto do mesmo arquiteto, que aguarda licença para iniciar a construção.

De volta a Milão, o edifício que começou tudo, com seus painéis solares no telhado, sem dúvida é como uma árvore, que recebe a energia solar e retira a água do solo.

"A natureza não é algo que existe em um passado imemorial", segundo o escritor e filósofo Emanuele Coccia, no livro. "Ela é e sempre será o nosso futuro tecnológico."

Para Boeri, as florestas verticais gêmeas criadas por ele em Milão não são apenas edifícios, mas "um manifesto político" com "uma mensagem simples e popular: a natureza viva precisa voltar a habitar os espaços concebidos para os seres humanos. Nem mais, nem menos."

O livro Bosco Verticale: Morphology of a Vertical Forest foi editado pela Stefano Boeri Architetti e publicado pela editora Rizzoli.

Leia a versão original desta reportagem (em inglês) no site BBC Culture.

Fonte: https://www.bbc.com/portuguese/articles/cql2pd1reqro

Celebrar os Arcanjos é celebrar o amor de Deus por toda criação

Steve estvanik | Shutterstock

Padre Reginaldo Manzotti - publicado em 27/09/22 - atualizado em 29/09/25

O amor de Deus é maior do que pensamos, e Ele não nos deixa sozinhos nesta batalha contra o inimigo.

O mês de setembro, que é rico na espiritualidade, ainda nos reserva o dia dos Arcanjos de Deus, em 29 de setembro. Celebrar os Arcanjos é como uma festa no Céu e na Terra, celebrar o amor de Deus por toda criação.

Na passagem do Evangelho quando Jesus vê Natanael e diz “eu te vi debaixo da figueira”, Ele está querendo dizer Natanael, (e diz para mim e para você Maria, João, Reginaldo...) você está maravilhado porque eu te vi, eu te vejo sempre, eu te vejo na hora que você deita, quando você fuxica, fala mal dos outros, rouba. Eu vejo tudo, nada escapa do meu olhar. Você pode se esconder dentro de um cofre de aço que eu te vejo. Você está maravilhado com isto, mais maravilhado ficará quando vir o céu aberto e os anjos de Deus subindo e descendo sobre filho do homem (cf. Jo 1,47-51).

Menciono ainda outro texto, Êxodo 23, 20-21: “Eu vou enviar um Anjo diante de ti, para que te proteja no caminho e te conduza até o lugar que te preparei. Respeita-o e escuta sua voz”. Então, quer dizer que anjos realmente existem? Sim, todos nós temos nosso Anjo da Guarda. Existem Arcanjos Miguel, Rafael e Gabriel, as potestades celestes, do bem e do mal (cf. Ef 6,10-12), porque é a batalha a que somos chamados a travar.

São Miguel

São Miguel é o grande chefe da milícia celeste. Seu nome em forma de pergunta: quem é igual a Deus? Seria porque quando o anjo decaído Lúcifer, inflamado pelo orgulho, quis ser igual a Deus, o Arcanjo perguntou com voz forte: "Quem é igual a Deus?"

Quem dera tivéssemos a coragem de dizer: “São Miguel põe teu pé de Arcanjo sobre o homem velho que há dentro de mim, o homem mesquinho; põe teu pé nas minhas intenções erradas, no meu pensar equivocado; coloque o pé sobre os inimigos da minha família; coloque o pé e amasse a cabeça do Diabo que tenta a minha vida”.

São Rafael

São Rafael, cujo nome deste Arcanjo vem do hebraico Rafa, sinônimo de cura, e El, que significa Deus. "Cura de Deus" ou "Curador divino" “Medicina de Deus”. Citado no Livro de Tobias, como seu companheiro de viagem (cf. Tb 5,16). Enviado por Deus para curar Tobit, pai de Tobias e livrar Sara do demônio, Rafael se revela como um dos sete espíritos que assistem ao Trono de Deus (cf. Tb 12,11-15). É considerado o Anjo da Providência, que nos conduz pelos caminhos certos e cura os males do corpo e da alma.

São Gabriel

São Gabriel é o “emissário do Senhor”, seu nome significa Força de Deus. É um dos Anjos que está sempre na presença de Deus (Lc 1,19). Foi ele quem disse a Zacarias que sua oração fora ouvida, que Isabel, sua mulher, lhe daria um filho, e deveria se chamar João (cf. Lc 1,8-20). Porém, sua mais nobre missão foi a de anunciar à Virgem Maria, o maior acontecimento da história da humanidade: a encarnação em seu seio, do Verbo de Deus. (Lc 1,26-38). Por sua missão estar relacionada tanto no Antigo como no Novo Testamento com a vinda do Salvador, São Gabriel é conhecido como Arcanjo da Redenção.

Queridos filhos e filhas, o amor de Deus é maior do que pensamos e Ele não nos deixa sozinhos nesta batalha. Não tenham medo, tomem as armas da luz. Não tenham medo do que o Inimigo de Deus pode fazer em nós, na humanidade. Deus nos deu tudo para que nos levantemos. Arcanjos do Senhor venham em nosso auxílio. Amém.

Fonte: https://pt.aleteia.org/2022/09/27/celebrar-os-arcanjos-e-celebrar-o-amor-de-deus-por-toda-criacao/

A parábola do homem rico e do pobre Lázaro em Santo Ambrósio

O rico e Lázaro (YouTube)

A PARÁBOLA DO HOMEM RICO E DO POBRE LÁZARO EM SANTO AMBRÓSIO

27/09/2025

por Dom Vital Corbellini
Bispo da Diocese de Marabá

 Jesus contou para os seus discípulos a parábola do homem que tinha muitas riquezas, e de uma pessoa muito pobre, Lázaro (cfr. Lc, 16,19-31). Os dois estavam próximos e ao mesmo tempo distantes. O Senhor quis dizer que a vida eterna ou a condenação eterna iniciam neste mundo e no julgamento após a morte as coisas se darão conforme a vida vivida neste mundo. A seguir veremos nós a interpretação dada por Santo Ambrósio, Bispo de Milão no final do século IV.

A vestimenta de púrpura

A parábola colocou a realidade de uma pessoa com muitas riquezas e outra com a pobreza. A pessoa rica se vestia de púrpura, de modo a ter mundanas delícias. A pessoa se aproveitava destas situações não se importando com a vida das pessoas, sobretudo das pessoas mais necessitadas. Ela estava no deleite das realidades presentes, parecendo que tudo andasse bem[1]. Mas nesse caso ele só vivia para ele, não se importando com a vida das outras pessoas.

A figura do pobre

Lázaro era pobre, buscando sempre ajudas mas estas foram negadas pela pessoa rica. A pessoa que tinha mais condições para ajudar a pessoa pobre ficou indiferente às suas solicitações. Segundo Santo Ambrósio era ele pobre neste mundo, mas era rico diante de Deus[2]. Ele era pobre em palavra, mas era rico na fé (cfr. Tg 2,5), no amor.

A fé de Lázaro

Santo Ambrósio afirmou que a passagem da Sagrada Escritura aludiria a fé de Lázaro e que foi rejeitada da mesa do rico. Suas feridas sem dúvida horrorizaram o desgostoso rico porque em meio aos seus suntuosos banquetes, na companhia de perfumados convivas certamente não tolerava o mau cheiro daquelas feridas, enquanto os cães as lambiam, porque para o rico o odor do ar da própria natureza proporcionava repugnância[3].

Alheios à condição humana

A parábola colocou insolência e a altivez da pessoa rica traduzida em sinais apropriados, pois ela era de maneira alheia à condição humana, indiferente ao sofrimento do pobre, como se estivesse situado acima da natureza humana, encontrando nas misérias dos pobres, incentivos a seus prazeres, chegando a rir do miserável, insultar o faminto e despojar-se daqueles de quem conviria apiedar-se com amor[4].

A comida do pão e a evangelização dos pagãos

Certamente Lázaro não teve a graça da comida do pão material. Ele a terá do pão espiritual, a vida eterna com o Senhor Jesus. Santo Ambrósio colocou um ponto importante da evangelização dos povos pagãos, a sua vocação, sendo como que as feridas lambidas pelos cães: “Voltarão ao entardecer, e terão fome como cães”(Sl 58,15). Ou mesmo como o reconhecimento do mistério da cananeia quando o Senhor disse para ela que “Ninguém toma o pão dos filhos e o lança aos cães”(Mt 15,26). A mulher cananeia afirmou que os cachorrinhos comem as migalhas que caem da mesa dos seus donos (cfr. Mt 15,27). Estas migalhas são do pão que é o Verbo, e a fé no Verbo, as migalhas como pontos fundamentais da doutrina da fé em Jesus. Por isso Jesus disse para ela que grande era a sua fé (cfr. Mt 15,28)[5].

Louvor às coisas

Santo Ambrósio louvou as situações de vida do pobre Lázaro, no sentido que aquelas feridas impediram uma dor perpétua como a pessoa que estava na riqueza. As migalhas seriam especiais, pois elas repeliram um sempiterno jejum que seriam após a morte cumulados de eternos alimentos. As migalhas eram as palavras das Escrituras, que dão vida e salvação às pessoas[6]. Santo Ambrósio colocou a pobreza como sinal de confiança dos pobres em Deus, de libertação para uma vida digna, como as bem-aventuranças tem presentes (cfr. Lc 6, 20).

O grande abismo

Entre o rico e o pobre, houve um grande abismo, porque após a morte os méritos ou os sofrimentos não puderam mudar-se de modo que o pobre estava no seio de Abraão, na felicidade e o rico foi colocado no inferno, desejoso de haurir, buscar no patriarca e nele uma brisa refrescante (cfr. Lc 16,22-24)[7]. O valor da água é importante porque ela é também o refrigério da alma posta entre dores, na qual o profeta Isaias afirmou que brotará água com deleite das fontes da salvação (cfr. Is 12,3). Existe segundo o Bispo de Milão a tortura antes do julgamento porque para o luxurioso carecer de delícias seria uma pena tendo presentes as palavras do Senhor que haverá choro e ranger de dentes, quando as pessoas virem Abraão, Isaac e Jacó e todos os profetas no Reino de Deus (cfr. Lc 16,9)[8].

Ser mestre

A parábola quer ensinar às pessoas, o valor da partilha, a busca pelo bem, pela paz e o amor entre as pessoas com Deus, para ser mestre em Deus. A situação foi contrária à pessoa rica, quando tinha um tempo para aprender, para viver o amor, mas ela se fechou aos sofrimentos das pessoas. A passagem da Escritura quis colocar pelo ensinamento do Mestre Jesus que o Antigo Testamento era o fundamento da fé, da esperança e do amor, até a sua vinda, sendo desta forma, o cumpridor das Escrituras. O ensinamento fundamental da parábola é a doação das coisas para as pessoas mais necessitadas em vida, doar aos pobres[9], os prediletos do Reino dos céus (cfr. Lc 6,20).

 ________________

[1] Cfr. Comentário ao Evangelho de São Lucas, Livro 8 (Lc 16,14-19,27), 13. In: Santo Ambrósio. São Paulo: Paulus, 2022, pg. 513.

[2] Cfr. Idem, pg. 514.

[3] Cfr. Ibidem, 14.

[4] Cfr. Ibidem, pgs. 514-515.

[5] Cfr. Ibidem, 15, pg. 515.

[6] Cfr. Ibidem.

[7] Cfr. Ibidem, 18, pg. 517.

[8] Cfr. Ibidem.

[9] Cfr. Ibidem, 19-20, pg. 517.

Fonte: https://cnbbn2.com.br/

“Esta é a tua mãe”: Maria em nosso caminho para a santidade

Combate, proximidade e missão (Opus Dei)

“Esta é a tua mãe”: Maria em nosso caminho para a santidade

Como as mães costumam fazer, Maria passa à nossa frente no caminho. Ela advinha aquilo de que necessitamos, e o prepara para nós, muitas vezes de modo tão discreto que nem sequer percebemos.

26/09/2025

“Esta é a tua mãe” (Jo 19, 27). Quando Jesus, agonizante na cruz, dizia isso a São João e a Santa Maria, estava revelando a eles algo muito profundo, real: uma dessas “coisas que estavam ocultas desde a criação do mundo” (Mt 13, 35). Jesus não lhes estava dando títulos honoríficos: Maria é realmente nossa Mãe, e nós somos seus filhos.

“A maternidade de Maria, através do mistério da Cruz, deu um salto impensável: a mãe de Jesus tornou-se a nova Eva, porque o Filho a associou à sua morte redentora, fonte de vida nova e eterna para cada homem que vem a este mundo”[1]. Naquele momento solene e doloroso, Jesus mostra até onde chega o dom infinito que nos concedeu ao encarnar. Deus não faz as coisas pela metade: onde entra, vai até o fim. Entrou em nossa humanidade e a preencheu com suas bênçãos; e dentre elas uma das maiores é a de sermos, com Ele, filhos daquela que é bendita entre todas as mulheres (cf. Lc 1, 42).

Assim como seria um equívoco ver na Ascensão um Jesus que se afasta, e reduzir os sacramentos a um consolo para essa distância, seria também equivocado pensar que, depois da Assunção de Maria aos céus, sua presença maternal não fosse a mesma de quando vivia nesta terra. “Maria é elevada em corpo e alma à glória do céu e com Deus e em Deus é rainha do céu e da terra. Porventura, está tão distante de nós? É verdadeiro o contrário. Precisamente porque está com Deus e em Deus, está pertíssimo de cada um de nós. Quando estava na terra podia somente estar perto de algumas pessoas. Estando em Deus, que está próximo de nós, que está no ‘interior’ de todos nós, Maria participa nesta aproximação de Deus. Estando em Deus e com Deus, está perto de cada um de nós, conhece o nosso coração, pode ouvir as nossas orações, pode ajudar-nos com a sua bondade materna”[2].

O Evangelho nos conta poucos detalhes da vida de nossa Mãe, mas cada um deles está carregado de sentido para seus filhos: cada um é uma janela pela qual podemos ver a sua vida e a sua pessoa, para amá-la mais e para saber-nos cada vez mais seus filhos. Ao meditar nestas passagens, podemos descobrir em Nossa Senhora três atitudes fundamentais: Maria acolhe Cristo, contempla-o e o entrega. E, nessa proximidade de Deus, ela exerce agora sua maternidade levando-nos por esse mesmo caminho: com Maria vamos, e voltamos a Jesus[3]. E, com ela também, nós o levamos a todos.

Assim é, e assim seja

Naquele dia aparentemente igual aos outros, em Nazaré, Santa Maria não podia imaginar até que ponto o seu fiat iria se converter no maior ato de fé e de obediência da história. O verbo com que Maria responde ao anjo, e que se traduz como fiat ou “faça-se”, aparece no original grego de São Lucas (génoito) em um modo verbal que expressa a urgência do coração para que algo aconteça (cf. Lc 1, 38). De fato, porém, nossa Mãe não disse nem fiat nem génoito. A palavra que, nos lábios de Maria, corresponderia mais exatamente a essa expressão é “amém”. Um judeu dizia isso quando queria dizer a Deus “sim, assim seja”. A raiz desta palavra hebraica significa solidez, convicção interior: confirma o que foi dito como palavra firme, estável, vinculante. Sua tradução exata é: “Assim é e assim seja”[4].

A acolhida de Maria não se reduz a um instante isolado em sua vida: trata-se de uma disposição constante. Desde a visita do anjo até a cruz, seu coração permanece atento à vontade de Deus. “Toda sua vida foi uma peregrinação de esperança junto ao Filho de Deus e seu; uma peregrinação que, através da cruz e da ressurreição, fê-la alcançar a pátria, o abraço de Deus”[5]. Quantas vezes o Senhor nos pede, também a nós, coisas que necessitam de nosso pessoal “Amém, faça-se em mim segundo tua palavra”. Quantas vezes Ele está nos esperando com os braços abertos, como um pai que se agacha e chama seu filho pequeno. Deixamos que Ele entre sem reservas em nossos pensamentos, em nossas decisões e em nossas ações? Deixamo-nos abraçar por Ele?

Não é por acaso que, ao receber o corpo eucarístico de Cristo respondamos “Amém”: assim como Maria acolheu o Verbo para que se fizesse carne em seu seio, nós também o acolhemos para que cresça e viva em nós. “Há, pois, uma analogia profunda entre o fiat pronunciado por Maria às palavras do Anjo e o amém que cada fiel diz quando recebe o corpo do Senhor”[6]. Vamos recebê-lo com ela, com a “pureza, humildade e devoção” com que nossa mãe o recebeu naquela primeira vez, e sempre.

Unir tudo no coração

A contemplação é outra das atitudes fundamentais na vida de Maria, e nossa Mãe também quer nos levar por esse caminho. “Ser contemplativo não depende dos olhos, mas do coração. E nisto entra em jogo a oração, como um ato de fé e amor, como “respiração” da nossa relação com Deus”[7] Nos Evangelhos, Maria pronuncia muito poucas palavras em comparação com o papel que tem nos diferentes episódios. Desde a visita dos pastores em Belém até a cruz, Maria guarda e medita em seu coração os mistérios de seu Filho (Lc 2, 19).

No silêncio de Nazaré, na oração em Caná, durante a vida pública, vemos uma Mãe que medita, que observa e que se deixa transformar pela presença de Jesus. No caminho rumo ao Calvário é fácil imaginar o encontro entre a Mãe e o Filho, quando “com imenso amor, Maria olha para Jesus, e Jesus olha para sua Mãe; os olhos de ambos se encontram, e cada coração derrama no outro a sua própria dor”[8]. E na manhã luminosa da Ressurreição, inundada pela glória do Ressuscitado, ela antecipa o resplendor da Igreja[9], que vive também em “seus membros frágeis (...). Muitos deles são mulheres, como a idosa Isabel e a jovem Maria; mulheres pascais, apóstolas da ressurreição”[10].

O olhar contemplativo, essa “respiração” da alma, permite-nos ir compreendendo pouco a pouco o sentido do que acontece em nossa vida, e o que Deus espera de nós. “É isso que o Evangelho exprime no olhar de Maria, que olhava com o coração.(...) No Evangelho, a melhor expressão do que pensa o coração é oferecida por duas passagens de São Lucas que nos dizem que Maria ‘guardava (synetérei) todas estas coisas, ponderando-as (symbállousa) no seu coração’ (cf. Lc 2, 19.51). (...) e o que ela guardava não era apenas ‘a cena’ que via, mas também o que ainda não compreendia, conservando-o presente e vivo, na esperança de unir tudo no seu coração”[11].

Como filhos pequenos que, às vezes, não conseguem realizar uma tarefa difícil, podemos contar sempre com nossa Mãe para que nos guie neste caminho da contemplação. “Maria fala conosco, fala a nós, convida-nos a conhecer a palavra de Deus, a amar a palavra de Deus, a viver com a palavra de Deus, a pensar com a palavra de Deus”[12]. Se deixarmos que nos tome pela mão, ela nos dará paciência com as coisas que não entendemos, e irá nos ajudar a ir unindo os pontos aparentemente desconexos, como nesses desenhos em que a figura só aparece no final de um paciente traçado.

Sempre entregando a Jesus

Desde o princípio de sua vocação materna, Maria entende que Jesus é um tesouro para compartilhar com todos: o Senhor fez “grandes coisas” nela (Lc 1, 49). Não para sua glória pessoal, mas para o bem da humanidade inteira. A alegria do Magnificat reflete uma profunda experiência de filiação divina: Maria percebe o imenso amor do Pai, que se inclina sobre ela, confiando-lhe o que tem de maior, o Filho amado. Ela se descobre cheia de Deus, do amor de Deus, mais do que nenhum outro ser humano antes e depois dela. E essa abundância a impele a levar todos a Jesus.

Maria está sempre entregando o seu Filho: oferece-o, criança, aos pastores e aos Magos (cf. Lc 2, 16-20; Mt 2, 10-11); coloca-o nos braços de Simeão e Ana (cfr. Lc 2, 25-38); deixa-o tão “solto” que até o perde em Jerusalém; “provoca” o milagre em Caná, e coloca cada um à escuta do que Ele nos diga (cf. Jo 2, 3-5); deixa que Jesus se ocupe de sua missão, embora os parentes reclamem (cf. Mt 12, 46-50); aceita a vontade do Pai e, ao pé da cruz, entrega-se com Jesus à humanidade inteira (cf. Jo 19, 25). E é fácil imaginar as conversas, repletas de Jesus, que ela teria com os discípulos depois da Ascensão... As mesmas que deseja ter conosco, e com todos os que, como o discípulo amado, a acolhem em sua casa e em suas coisas (cf. Jo 19, 27).

Cada um é filho a seu modo

Certa vez, São Josemaria recordava uma visita que fez a Sevilha em uma Semana Santa: “Saí para a rua quando as confrarias já se encontravam lá... E quando vi toda aquela gente, aqueles homens piedosos na procissão que iam acompanhando a Virgem, pensei: isto é penitência, isto é amor. Era muito bonito. Depois, quando vi...não sei qual altar era, não recordo qual imagem da Virgem... As joias, as luzes, eram o de menos... O importante era o amor, os cantos típicos, os galanteios: tudo! Eu estava lá, olhando-a, e comecei a fazer oração.... Fui à lua. Vendo aquela imagem da Virgem tão linda, nem percebi que estava em Sevilha, nem na rua. E alguém me tocou no ombro. Voltei-me e vi um homem do povo, que me disse: ‘Senhor cura, esta não vale ná: a nossa é a que vale!’ De início quase me pareceu uma blasfêmia. Depois pensei: ele tem razão; quando eu mostro fotografias de minha mãe, embora goste de todas, também digo: esta, esta é boa”[13].

Cada um de nós pode ter uma foto “boa” de sua Mãe celestial: não se trata necessariamente de uma imagem, mas sim de um modo muito pessoal de falar-lhe, de amá-la, de confiar a ela o que nos enche o coração. “Cada cristão pode, olhando para trás, reconstruir a história de suas relações com a Mãe do Céu. Uma história na qual há datas, pessoas e lugares concretos, favores que reconhecemos como vindos de Nossa Senhora, e encontros carregados de um sabor especial. Percebemos que o amor que Deus nos manifesta através de Maria tem toda a profundidade do divino, e ao mesmo tempo, a familiaridade e o calor próprios do que é humano”[14].

Como as mães costumam fazer, mas de um modo ainda mais sutil, Maria se adianta a nós no caminho. Ela adivinha do que necessitamos, e o prepara, muitas vezes de modo tão discreto que nem sequer percebemos. E embora fique muito feliz que lhe agradeçamos esses cuidados de mãe, não deixa de cuidar de nós, mesmo que não o façamos. Santa Maria, sabemos que você o fará, mas nos faz tanto bem pedir outra vez: iter para tutum, prepare-nos um caminho seguro.


[1] Leão XIV, Homilia, 9/06/2025.

[2] Bento XVI, Homilia, 15/08/2005.

[3] Cfr. São Josemaría, Caminho, n. 495

[4] Cfr. R. Cantalamessa, L’anima di ogni sacerdozio, Ancora, Milão 2014, p 53.

[5] Leão XIV, Ângelus, 15/08/2025.

[6] São João Paulo II, Ecclesia de Eucharistia, n. 55

[7] Francisco, Audiência, 5/05/2021.

[8] São Josemaria, Via Sacra, 4ª estação

[9] Cfr. Sedulio, Carmen paschale, 5, 358-364

[10] Leão XIV, Homilia, 15/08/2025

[11] Francisco,Dilexit nos, n. 19

[12] Bento XVI, Homilia, 15/08/2005

[13] Palavras de São Josemaria que constam em A.Sastre, Tempo de Caminhar, Quadrante.

[14] São Josemaria, “Recuerdos del Pilar, em Escritos Vários: Edicción crítico-histórica, Rialp, Madri 2018, p 275.

https://opusdei.org/pt-br/article/esta-e-a-tua-mae-maria-em-nosso-caminho-para-a-santidade/

Pe. Manuel Pérez Candela

Pe. Manuel Pérez Candela
Pároco da Paróquia Nossa Senhora da Imaculada Conceição - Sobradinho/DF