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segunda-feira, 15 de dezembro de 2025

Américo Aguiar: “Nem os párocos são monarcas, nem os leigos miniaturas de padres”

Cardeal Américo Aguiar, bispo de Setúbal (Vatican News)

O cardeal e bispo de Setúbal destaca a importância do método sinodal, assinalando alguns aspetos do que tem sido feito na sua diocese e agradece o trabalho da Rede Sinodal em Portugal que aqui apresenta o episódio 11 do podcast “No coração da esperança”.

https://youtu.be/TzyOYsjAWWI

Rui Saraiva – Portugal

“No coração da esperança” é o nome da iniciativa em podcast da Rede Sinodal em Portugal. Apresentamos aqui o episódio número 11 de uma parceria inovadora de comunicação que faz caminhar em conjunto Diário do Minho, Voz Portucalense, Correio do Vouga, Correio de Coimbra, A Guarda, 7Margens, Rede Mundial de Oração do Papa e Folha do Domingo.

Neste episódio 11 o entrevistado é o cardeal Américo Aguiar, bispo de Setúbal e que coordenou a Jornada Mundial da Juventude (JMJ) Lisboa 2023. Publicamos aqui as suas respostas às questões da Rede Sinodal em Portugal:

P: Que leitura faz do Documento Final do Sínodo e das Pistas para a implementação do Sínodo, a partir daquela que foi a sua experiência na XVI Assembleia Geral do Sínodo dos bispos?

R: Em primeiro lugar, termos todos consciência que estamos a caminho. Estamos a fazer um caminho, estamos a caminho e fomos provocados para fazer o caminho juntos: uns com os outros. Não numa corrida de fundo isolada, mas cada vez mais termos consciência que fazemos caminho como povo. E chegar a uma estação a meio do caminho, ou no meio do início, ou no meio do fim… Nunca sabemos. Chegar a meio de uma viagem implica sempre muito respeito pela caminhada feita e alguma coragem para questionar o caminho feito. Como é óbvio.

Confesso que o que mais foi difícil para mim naqueles dias, naquelas semanas, foi, porque não tinha tido a experiência anterior, os grupos de trabalho com aquela metodologia da conversação no espírito. Confesso que a certa altura já cortava os pulsos, daquilo que significava converter-me àquela dinâmica e àquela metodologia. Mas passado metade já era qualquer coisa normal, já fazia parte, enfim, da aprendizagem, do protocolo e da metodologia.

Foi muito importante nos grupos em que... Eu acho que mudei só duas vezes de grupo: um grupo, depois outro, depois voltei ao início. Eu não me lembro de qual era o nome da função, mas era uma… Foram senhoras que nos calharam na primeira vez. Depois um senhor, depois uma senhora. Que eram os responsáveis por distribuir jogo, por fazer com que as coisas funcionassem. E eu tenho muita gratidão a essas pessoas, porque, de facto, fizeram com que cardeais, bispos, padres, leigos, mais ou menos famosos, mais ou menos anónimos, a certa altura éramos irmãos conhecidos desde sempre.

P: O que está a ser feito na sua diocese de Setúbal?

R: Temos uma Comissão Sinodal Diocesana, constituída por um sacerdote e três leigos. Duas leigas e um leigo, mais o sacerdote. Que eu já herdei quando cheguei. E pedi-lhes que continuassem a fazer o trabalho que tinham feito. Sei que antes tinham feito trabalho de grupos paroquiais, vicariais… O trabalho do terreno que foi feito por algumas dioceses, e Setúbal também. E eles agora, aliás, nestes dias últimos, estiveram no Jubileu, também participaram. E sou muito grato por isso, que temos de ter consciência que os leigos têm vida para além da participação nestas coisas que a Igreja lhes pede. E estivemos reunidos há dias para preparar aquilo que serão os próximos passos.

Nós, já comigo em Setúbal, eu pedi-lhes que eles fizessem um circuito por toda a diocese, ao nível das vigararias, para uma atualização, tipo revisão da matéria dada e projeção dos passos seguintes. Que o fizeram e eu pedi-lhes que me remetessem um documento síntese disso.

É assim, eu quero meter-me o menos possível nestas fases. Acho que é mais puro que venha ter ao bispo o diamante lapidado, porque eu acho que é do que se trata. Isto que se está a fazer, com imprescindível protagonismo laical… No caso de Setúbal é a maioria esmagadora: três, um. E depois nos conselhos também. Mas eu acho que é muito importante nós permitirmos que o diamante seja lapidado, e tenha ganho valor exatamente por isso.

E, por exemplo, aquilo que vamos fazer este Ano Pastoral 25/26:  uma das coisas que vamos, e estamos a arrancar... Uma: em Setúbal tem sido difícil a concretização da constituição dos Conselhos Pastorais Paroquiais. Tem sido difícil. A primeira… Eu estou lá há dois anos. A primeira carta pastoral... Pedi que se constituíssem. A segunda carta pastoral… Pedi, insisti e rezei para que se constituíssem. E a terceira carta pastoral, que foi há dias, pedi, rezei, insisti e supliquei. Não sei o que é que será a palavra a seguir. Mas estou muito grato porque nós somos 57 paróquias, e nós já passámos a barreira dos 40. Já passámos a barreira dos 40. Mas é fundamental. E estas instâncias de sinodalidade prática são fundamentais. E eu não consigo entender porque razão é que uma paróquia não o tem, não o constitui. Aliás, eu até uso a imagem: nem os párocos são monarcas, nem é preciso também, enfim, transformar os leigos em miniaturas de padres ou coisas parecidas. Portanto cada um no seu lugar, cada um respeitando a sua missão.

Mas este Ano Pastoral, com a ajuda desta Comissão, e com a ajuda destes 40 já constituídos Conselhos Paroquiais Pastorais, vamos aprofundar para que todos saibam qual é de verdade a missão, a função. Porque, às vezes, nós convidamos as pessoas e normalmente enganamo-las. “Olhe, não dá trabalho nenhum, é só uma reunião por ano.” Pronto, está enganadinho. E a partir daí muitos acreditam nisso, e depois também as coisas não produzem como deveriam produzir, em razão destes mínimos olímpicos que nós vamos combinando uns com os outros.

Depois, também os Conselhos Paroquiais para os Assuntos Económicos. Também são muito importantes, e é fundamental que todos cresçam na corresponsabilidade pelas decisões da vida material da comunidade. De maneira que nem o pároco se sinta única e exclusivamente o dono, nem os leigos se sintam desresponsabilizados, nem também, erradamente, responsáveis pela decisão final.

E nós vamos ter no dia 28 de fevereiro próximo, um primeiro grande encontro de todos os Conselhos Pastorais Paroquiais constituídos. Estou muito curioso e muito orante por esse encontro, para que cada um comece a levar a sério a responsabilidade de fazer parte deste tal caminho. Porque a sinodalidade é querermos, desejarmos e aceitarmos caminhar juntos. E o que é isso? É fácil: ouvir, rezar, discernir e decidir. E eu aqui digo: decidir. Porque às vezes acho que há processos que esquecem a última parte, e passam eternamente a refletir, a discernir, a rezar, e depois falha a decisão. E a decisão é muito importante.

P: A Rede Sinodal em Portugal procura ser um espaço de partilha de conteúdos e dinamização do processo sinodal. Que papel poderá ter nesta fase da implementação das conclusões do Sínodo?

R: Acima de tudo nós temos todos que também... Temos que nos converter a que ninguém é dono da sinodalidade, e ninguém é dono do caminho. Ou seja, se há um dono é Cristo Rei. Já que há poucos dias celebramos Cristo Rei. O Espírito Santo, Deus, Jesus. Eles são os donos do caminho. São eles que nos inspiram, que nos projetam, que nos provocam e, por isso, em primeiro lugar, temos que dar graças a Deus por... Não sei se por loucura, por martírio, muitos leigos se colocarem na linha da frente do pelotão de fuzilamento para nos provocarem, para nos ajudarem à reflexão sobre exatamente esta temática. E com equilíbrio, porque às vezes nós conversamos… Eu não sou muito erudito naquilo que significa a sistematização académica das coisas… Chateia-me, aborrece-me, e não tenho muita paciência para isso. Mas ainda bem que há quem a tenha para nos ajudar a arrumar as coisas e a refletir de modo científico.

Mas eu temo muito, às vezes, que nos distraiamos demasiado com uma tentativa de tornar a sinodalidade uma cátedra da faculdade não sei de quê. E eu acho que isto não é propriamente a urgência. É preciso sistematizar, é preciso aprofundar, é preciso refletir. Mas eu... A minha preocupação como pastor, acima de tudo, é que as minhas ovelhas entendam. Saibam e entendam. Porque acima de tudo, e eu tenho notado nestes dois anos… Acho que é uma urgência uma aproximação e familiaridade, vejam lá, com a palavra de Deus. Acho que há um défice tamanho das pessoas mais diversas que encontramos no dia a dia, nas paróquias, nos serviços, nas comunidades, que é um défice gigantesco de familiaridade, de conhecimento com a Sagrada Escritura. Isso estou convencido que temos de fazer alguma coisa. Depois, se nós saltarmos da Sagrada Escritura para o Magistério da Igreja, para os documentos do Papa, para não sei quê… Então é melhor não continuar a conversar, porque isto vai acabar muito pessimista.

Portanto, em relação à Rede, agradecer o trabalho que fazem. Que ofereçam os sofrimentos para salvação do mundo, mas na certeza de que não é trabalho deitado fora. Pelo contrário. E acredito que estes caminhos das dioceses, das paróquias, dos movimentos… Estes caminhos, sendo caminhos de Deus, vão-se cruzar. A certa altura vão-se cruzar. Vai demorar mais, ou vai demorar menos tempo.

O cardeal Américo Aguiar é bispo de Setúbal e foi presidente da Fundação JMJ Lisboa 2023. Com esta entrevista colaborou com a iniciativa podcast “No coração da esperança” da Rede Sinodal em Portugal, uma parceria que junta Diário do Minho, Voz Portucalense, Correio do Vouga, Correio de Coimbra, A Guarda, 7Margens, Rede Mundial de Oração do Papa e Folha do Domingo.

Laudetur Iesus Christus

Fonte: https://www.vaticannews.va/pt

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Pe. Manuel Pérez Candela

Pe. Manuel Pérez Candela
Pároco da Paróquia Nossa Senhora da Imaculada Conceição - Sobradinho/DF