Uma criança empilha blocos de plástico, praticando a
coordenação necessária para tarefas como amarrar os sapatos ou usar uma
tesoura. Atividades como essa estão se tornando menos comuns à medida que as
telas e a conveniência remodelam as experiências da primeira infância, dizem os
especialistas.
As crianças estão perdendo suas habilidades motoras? As
telas podem ser as culpadas
Desde fechar zíperes até virar as páginas de um livro, tarefas simples estão se tornando desafios para uma geração criada com tablets. Conheça aqui o que os pais precisam saber para ajudar.
Por Teal Burrell
Publicado 10 de out. de 2025, 16:58 BRT
A professora Amy Hornbeck percebe que algo
está errado assim que seus alunos entram na sala de aula.
Antes, as crianças chegavam com os bolsos cheios de pedras, brinquedos e
bugigangas coletadas durante aventuras ao ar livre.
Agora, elas chegam com os olhos grudados nas telas
dos celulares ou dos tablets. E isso é evidente em
outras tarefas do dia a dia das crianças: elas não
conseguem fechar o zíper dos casacos, virar as páginas de um
livro ou até mesmo segurar uma colher corretamente.
Hornbeck não é a única a perceber essas mudanças. Uma pesquisa
recente da Education Week (principal evento que
debate a educação nos Estados Unidos) descobriu que 77% dos
educadores relataram que os jovens alunos têm mais dificuldade
em manusear lápis, canetas e tesouras. Em comparação, 69%
observaram um aumento nas dificuldades para amarrar os sapatos em
relação a cinco anos atrás.
“É como se eles nunca tivessem visto um bloco de
brinquedo de montar”, diz Hornbeck, instrutora das Escolas Públicas de
Beverly City, em Nova Jersey (Estados Unidos), descrevendo como as
crianças se atrapalham quando solicitadas a empilhar
apenas três blocos. “O que eles fazem com o bloco depois que você mostra o
que fazer é impressionante.”
As crianças de hoje estão perdendo habilidades motoras
finas essenciais — os movimentos pequenos e precisos necessários
para amarrar um cadarço, escrever com uma caneta ou construir uma torre.
Especialistas apontam uma combinação complexa de tempo de tela, hábitos
diferentes e uma mudança nas experiências da infância como
os culpados.
A National Geographic traz aqui o
que os pais precisam saber para ajudar seus filhos e evitar
esse problema.
As crianças brincam ao ar livre em uma escola de imersão na
natureza em Portland, Oregon, onde escalar, cavar e explorar ajudam a
desenvolver habilidades motoras finas.
O papel da pandemia no atraso de algumas habilidades
motoras
É fácil culpar a pandemia de
Covid-19 por essa diminuição nas habilidades motoras finas. Um estudo
com mais de 250 bebês nascidos no primeiro ano da pandemia descobriu
que eles tiveram pontuações mais baixas em testes de motricidade
fina aos seis meses de idade do que bebês nascidos antes da pandemia.
Lauren Shuffrey, que realizou o estudo e agora é
professora da NYU Grossman School of Medicine, nos Estados Unidos,
diz que é difícil saber se os resultados são decorrentes
do aumento do estresse pré-natal ou do ambiente
diferente que os bebês da pandemia experimentaram nos
primeiros meses de vida.
Ficar em casa com pais que trabalham também
levou ao aumento
do tempo de tela para crianças de todas as idades — um
fator relacionado a atrasos nas habilidades motoras finas. “Os pais fizeram o
que tinham que fazer em circunstâncias menos que ideais”, afirma Shuffrey.
No entanto, Steven Barnett, codiretor do
Instituto Nacional de Pesquisa em Educação Infantil da Universidade Rutgers,
também nos Estados Unidos, acredita que essa tendência é anterior à
pandemia. “Isso já vem acontecendo há muito tempo”, comenta ele, sugerindo
que a pandemia pode ter acelerado um problema já existente.
Como as telas estão substituindo as brincadeiras práticas
e manuais dos pequenos?
O tempo passado diante das telas — sejam celulares,
tablets, eBooks ou TV — é tempo que as crianças não
se dedicam a atividades manuais, como brincar com blocos, bonecos,
artesanato, desenho e construção.
Embora aprender matemática ou criar arte digital
possa ser educativo, isso não desenvolve o controle motor fino que
vem da escrita à mão, do recorte ou de desenhar
e colorir.
As brincadeiras
ao ar livre, que são cruciais para o desenvolvimento motor fino
e grosso, também estão diminuindo. “As crianças não estão mais
cavando na terra, colhendo flores, todas as coisas
interessantes que elas poderiam fazer por conta própria”, explica
Barnett.
A conveniência na criação
dos filhos também afetou o desenvolvimento de habilidades,
diz Hornbeck. Calças elásticas sem zíperes ou botões economizam
tempo nas manhãs agitadas, e lanches pré-embalados eliminam a
bagunça — mas esses atalhos privam as crianças de
oportunidades de praticar fechar zíperes, abotoar botões ou usar talheres.
As preferências das crianças por brinquedos também
mudaram, afirma Hornbeck. Peças magnéticas, que se encaixam
facilmente, substituíram quebra-cabeças e blocos de madeira, que
exigem muito mais paciência e precisão.
E em três das quatro salas de aula que Hornbeck observou, nenhuma
criança se aventurou na área de leitura durante
um período de três horas. “Essa é uma grande mudança”, diz ela. “No passado,
não era assim, ninguém queria ir para a área dos livros.”
Crianças brincando ao ar livre nadam na costa da vila de
Rose, em Montenegro.
Esse declínio reflete uma tendência mais ampla: ler
por prazer tornou-se muito menos comum entre as
crianças de quase todo o mundo, de acordo com dados da Pew
Research. Embora virar as páginas de um livro possa
parecer uma tarefa menor, Hornbeck observa que a capacidade mais ampla de se
concentrar e seguir instruções — habilidades estimuladas pela
leitura — é fundamental para atividades como fechar
um zíper ou amarrar um cadarço.
Essa mudança não afeta apenas a alfabetização, mas
também tem efeitos em cadeia em habilidades como capacidade
de atenção e concentração, que são essenciais para o desenvolvimento motor
fino. “O nível de frustração com tarefas simples está realmente
aumentando”, revela Hornbeck. “Isso faz com que as crianças simplesmente
queiram desistir e não fazer.”
Barnett acrescenta que a diminuição da capacidade
das crianças de se concentrarem em
uma tarefa, especialmente aquelas que exigem esforço, é um fator-chave
para o declínio das habilidades motoras finas.
Veja os quebra-cabeças, por exemplo. Para montar
um, é preciso ter estratégia, virar as peças e tentar várias vezes
até acertar. Mas Hornbeck diz: “Muitas crianças simplesmente dizem ‘Não’.
Elas estão acostumadas a jogar no computador, que gira as peças para elas.” Ela
acrescenta: “Os tablets oferecem muito mais apoio imediato do que na vida
real.”
Como reconstruir as habilidades motoras finas das
crianças?
Hornbeck sugere que os
pais procurem oportunidades para desafiar seus filhos e
insiram atividades motoras finas nas tarefas diárias. Como cozinhar
juntos, procurem pedras no caminho para a escola, encham copos e apertem
esponjas no banho. Desenhar ou pintar alguma coisa também
é interessante.
E percebam que essas atividades não podem competir
com uma tela. “Você encontrará mais resistência se desligar a
televisão e disser: ‘Agora é hora de ler’”, comenta Hornbeck. Para
evitar a briga, faça a atividade primeiro e não ligue a tela.
Barnett concorda. “Tire-os das telas”,
diz ele. “As crianças estão tentando pegar livros. Isso é um sinal.”



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