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quarta-feira, 12 de novembro de 2025

Sei que te alegrou muito, Jesus. As coisas pequenas (Parte 1/2)

Cuidar das coisas pequenas (Opus Dei)

Sei que te alegrou muito, Jesus. As coisas pequenas

São Josemaria nos ensinou a cuidar das coisas pequenas porque compreendia a capacidade do homem de agradar a Deus com pequenos e quase minúsculos detalhes realizados por amor.

28/04/2020

No dia 29 de dezembro de 1933, São Josemaria estava concluindo a instalação da Academia DYA. Quatro estudantes o estavam ajudando naquele dia: Manolo, Isidoro, Pepe e Ricardo. Um dos trabalhos que fizeram foi instalar um quadro negro de 1,10 por dois metros em uma sala de aula. No dia seguinte, ele anota por escrito a emoção que o embargou: “Mal acabaram de colocar o quadro-negro numa sala de aula, a primeira coisa que os quatro artistas escreveram foi: Deo omnis gloria! – toda a glória para Deus – Sei que te alegrou muito, Jesus”[1].

Nessas poucas palavras, pode-se vislumbrar a sua alegria diante daquela feliz ideia. Mas talvez haja algo mais naquela anotação e é o modo como o fundador do Opus Dei compreendia a nossa capacidade de agradar a Deus com detalhes pequenos e quase minúsculos. Não é fácil entender como uma ação tão insignificante das criaturas possa chegar assim ao seu Criador.

Deus disse que as suas “delícias são estar com os filhos dos homens” (Pr 8, 31), que gosta muito de nós. Se essa expressão de São Josemaria parece atrevida, é ainda mais audaz quando descreve uma convicção muito íntima: “Com a Fé e o Amor somos capazes de enlouquecer a Deus, que se torna outra vez louco – já foi louco na Cruz, e é louco cada dia na Hóstia – mimando-nos como um Pai faz com seu filho primogênito”[2]. Tal consciência era algo habitual em sua pregação: “Falei-lhes de Jesus endoidecido, louco por nós”[3]. Tínhamos alguma vez chegado a imaginar uma reação divina deste calibre?

A felicidade de Deus

No fim da sua primeira carta pastoral, o prelado do Opus Dei pedia a Deus: “Fazei, Senhor, que a partir da fé no vosso Amor vivamos cada dia com um amor sempre novo, numa alegre esperança”[4]. O que pode unir a alegria – algo de que todos tivemos experiência – às virtudes que nos aproximam de Deus e são outorgadas por ele? São Tomás de Aquino afirma que a felicidade “corresponde a Deus em grau sumo” (S.Th. I-I, q. 26); ninguém é tão feliz como Ele, e deseja desfrutar essa alegria conosco e também compartilhá-la conosco. Por isso, vivemos à espera da felicidade eterna e, ao mesmo tempo, estamos já alegres porque Deus nos concede já aqui a participação na sua felicidade.

“COM A FÉ E O AMOR SOMOS CAPAZES DE ENLOUQUECER A DEUS, QUE SE TORNA OUTRA VEZ LOUCO MIMANDO-NOS COMO UM PAI FAZ COM SEU FILHO PRIMOGÊNITO”

Para penetrarmos no mistério da felicidade divina, pode ajudar-nos contemplar uma reação de Jesus narrada por São Marcos: “Jesus estava sentado em frente do cofre das ofertas e observava como a multidão punha dinheiro no cofre. Muitos ricos depositavam muito. Chegou então uma pobre viúva e deu duas moedinhas” (Mc 12, 41-42). Este detalhe insignificante emocionou a Nosso Senhor.

As moedas de cobre ressoavam ao cair no gazofilácio, que era uma espécie de trombeta com a boca para cima e que ficava no átrio do templo. Era lá que se entregavam as oferendas, esmolas e rendas. O ruído normal que o metal rijo fazia ao cair era bem diferente do suave tilintar das duas moedas quase sem valor que aquela pobre mulher tinha oferecido. Correspondiam um quarto de um ás e, na época era a menor moeda em circulação.

No entanto, aquela mulher conquistou o coração de Cristo. Ele na verdade não necessita das nossas oferendas, mendiga algo muito maior: o nosso coração. “Não viste os fulgores do olhar de Jesus quando a pobre viúva deixou no templo a sua pequena esmola? Dá-lhe tudo o que puderes dar; não está o mérito no pouco nem no muito, mas na vontade com que o deres”[5]. Jesus não interpreta os gestos do modo como nós o fazemos. A oferenda da viúva é minúscula, mas a Jesus agrada muito mais que as outras porque é livre, humilde e gratuita. Significa muito para Ele e não resiste a explicar: “Em verdade vos digo: esta pobre viúva deitou mais do que todos os que lançaram no cofre porque todos deitaram do que tinham em abundância; esta, porém, pôs da sua indigência, tudo o que tinha para o seu sustento” (Mc 12, 43). Cristo nos desafia a avaliar as coisas – e sobretudo a nossa vida – de uma forma diferente, alternativa e paradoxal.

Amar com a mesma moeda

É inútil tentar medir o amor do Senhor por nós. “Deus chega de graça. O seu amor não é negociável: não fizemos nada para merecê-lo e nunca poderemos recompensá-lo”[6]. Jesus Cristo quer ser nosso amigo. Assim confiou aos seus apóstolos no Cenáculo (cfr. Jo 15, 15) “E ao dizer a eles, disse-o a todos nós. Deus não nos ama apenas como criaturas, mas como filhos a quem, em Cristo, oferece uma verdadeira amizade”[7]. Quando apalpamos a nossa fragilidade, no entanto, tendemos a pensar que Deus reage como nós o faríamos, Quando as coisas não nos saem bem ou quando pensamos que não estamos à altura de seu amor, nós o imaginamos desapontado, decepcionado ou triste. Não cabe em nossa cabeça que a nossa vida, marcada por misérias e tropeços, possa agradar ou alegrar e, menos ainda, deixar doido a Deus.

“DEUS CHEGA DE GRAÇA. O SEU AMOR NÃO É NEGOCIÁVEL: NÃO FIZEMOS NADA PARA MERECÊ-LO E NUNCA PODEREMOS RECOMPENSÁ-LO”

Os Padres da Igreja procuraram prevenir-nos deste erro tão comum: “Homem, por que te consideras tão vil, tu que tanto vales aos olhos de Deus?”[8]. São Boaventura ensina o caminho para não errarmos: “Se queres saber como se realizam estas coisas, pergunta à graça, não ao saber humano; pergunta ao desejo, não ao entendimento; pergunta ao gemido expressado na oração”[9].

Como Deus pode se entusiasmar desse modo com os nossos minúsculos detalhes de carinho ou até com as nossas limitações? Como é possível que a distância infinita entre o amor de Deus e a nossa pobre correspondência seja cancelada? É claro que não temos dinheiro suficiente para comprar o seu amor. Ama-nos porque tem vontade, que é a mais divina. Por isso, não nos obriga a corresponder de um modo preciso. Entusiasma-se, ao mesmo tempo, se pagamos com a sua moeda, com um amor gratuito de quem se deixa amar, de quem permite ao outro que fique louco. Isso acontece quando compreendemos que o carinho divino não está à venda e, por isso, confiamos apenas na loteria da sua bondade incondicional. A alma então responde com o pouco que guarda, mas com uma grande diferença: ela o faz porque quer, como Deus. E desfruta disso como ele.

Diego Zalbidea


[1] São Josemaria, Forja, n. 611.

[2] São Josemaria, Instrucción acerca del espíritu sobrenatural de la Obra, n. 39.

[3] São Josemaria, Apontamentos íntimos de 23-XI-1931. Citado em Pedro Rodríguez, Caminho. Edição Comentada, Quadrante, São Paulo, 2014, p. 916.

[4] F. Ocáriz, Carta pastoral, 14/02/2017, n. 33.

[5] São Josemaria, Caminho, n. 829.

[6] Francisco, Homilia na Noite de Natal, 24/12/2019.

[7] F. Ocáriz, Carta Pastoral, 1/11/2019, n. 2.

[8] São Pedro Crisólogo, Sermão 148.

[9] São Boaventura, Itinerarium mentis in Deum, cap. 7, n. 6, em Opera omnia, V, Ad Claras Aquas (Quaracchi) 1891, p. 313.

Fonte: https://opusdei.org/pt-br/article/sei-que-te-alegrou-jesus/

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Pe. Manuel Pérez Candela

Pe. Manuel Pérez Candela
Pároco da Paróquia Nossa Senhora da Imaculada Conceição - Sobradinho/DF