Sei que te alegrou muito, Jesus. As coisas pequenas
São Josemaria nos ensinou a cuidar das coisas pequenas porque compreendia a capacidade do homem de agradar a Deus com pequenos e quase minúsculos detalhes realizados por amor.
28/04/2020
No dia 29 de dezembro de 1933, São Josemaria estava
concluindo a instalação da Academia
DYA. Quatro estudantes o estavam ajudando naquele dia: Manolo, Isidoro, Pepe e Ricardo.
Um dos trabalhos que fizeram foi instalar um quadro negro de 1,10 por dois
metros em uma sala de aula. No dia seguinte, ele anota por escrito a emoção que
o embargou: “Mal acabaram de colocar o quadro-negro numa sala de aula, a
primeira coisa que os quatro artistas escreveram foi: Deo omnis gloria!
– toda a glória para Deus – Sei que te alegrou muito, Jesus”[1].
Nessas poucas palavras, pode-se vislumbrar a sua alegria
diante daquela feliz ideia. Mas talvez haja algo mais naquela anotação e é o
modo como o fundador do Opus Dei compreendia a nossa capacidade de agradar
a Deus com detalhes pequenos e quase minúsculos. Não é fácil entender como uma
ação tão insignificante das criaturas possa chegar assim ao seu Criador.
Deus disse que as suas “delícias são estar com os filhos dos
homens” (Pr 8, 31), que gosta muito de nós. Se essa expressão de São Josemaria
parece atrevida, é ainda mais audaz quando descreve uma convicção muito íntima:
“Com a Fé e o Amor somos capazes de enlouquecer a Deus, que se torna outra vez
louco – já foi louco na Cruz, e é louco cada dia na Hóstia – mimando-nos como
um Pai faz com seu filho primogênito”[2].
Tal consciência era algo habitual em sua pregação: “Falei-lhes de Jesus
endoidecido, louco por nós”[3].
Tínhamos alguma vez chegado a imaginar uma reação divina deste calibre?
A felicidade de Deus
No fim da sua primeira carta pastoral, o prelado do
Opus Dei pedia a Deus: “Fazei, Senhor, que a partir da fé no vosso Amor
vivamos cada dia com um amor sempre novo, numa alegre esperança”[4].
O que pode unir a alegria – algo de que todos tivemos experiência – às virtudes
que nos aproximam de Deus e são outorgadas por ele? São Tomás de Aquino afirma
que a felicidade “corresponde a Deus em grau sumo” (S.Th. I-I, q. 26); ninguém
é tão feliz como Ele, e deseja desfrutar essa alegria conosco e também
compartilhá-la conosco. Por isso, vivemos à espera da felicidade eterna e, ao
mesmo tempo, estamos já alegres porque Deus nos concede já aqui a participação
na sua felicidade.
“COM A FÉ E O AMOR SOMOS
CAPAZES DE ENLOUQUECER A DEUS, QUE SE TORNA OUTRA VEZ LOUCO MIMANDO-NOS COMO UM
PAI FAZ COM SEU FILHO PRIMOGÊNITO”
Para penetrarmos no mistério da felicidade divina, pode
ajudar-nos contemplar uma reação de Jesus narrada por São Marcos: “Jesus estava
sentado em frente do cofre das ofertas e observava como a multidão punha
dinheiro no cofre. Muitos ricos depositavam muito. Chegou então uma pobre viúva
e deu duas moedinhas” (Mc 12, 41-42). Este detalhe insignificante emocionou a
Nosso Senhor.
As moedas de cobre ressoavam ao cair no gazofilácio, que era
uma espécie de trombeta com a boca para cima e que ficava no átrio do templo.
Era lá que se entregavam as oferendas, esmolas e rendas. O ruído normal que o
metal rijo fazia ao cair era bem diferente do suave tilintar das duas moedas
quase sem valor que aquela pobre mulher tinha oferecido. Correspondiam um
quarto de um ás e, na época era a menor moeda em circulação.
No entanto, aquela mulher conquistou o coração de Cristo.
Ele na verdade não necessita das nossas oferendas, mendiga algo muito maior: o
nosso coração. “Não viste os fulgores do olhar de Jesus quando a pobre viúva
deixou no templo a sua pequena esmola? Dá-lhe tudo o que puderes dar; não está
o mérito no pouco nem no muito, mas na vontade com que o deres”[5].
Jesus não interpreta os gestos do modo como nós o fazemos. A oferenda da viúva
é minúscula, mas a Jesus agrada muito mais que as outras porque é livre,
humilde e gratuita. Significa muito para Ele e não resiste a explicar: “Em
verdade vos digo: esta pobre viúva deitou mais do que todos os que lançaram no
cofre porque todos deitaram do que tinham em abundância; esta, porém, pôs da
sua indigência, tudo o que tinha para o seu sustento” (Mc 12, 43).
Cristo nos desafia a avaliar as coisas – e sobretudo a nossa vida – de uma
forma diferente, alternativa e paradoxal.
Amar com a mesma moeda
É inútil tentar medir o amor do Senhor por nós. “Deus chega
de graça. O seu amor não é negociável: não fizemos nada para merecê-lo e nunca
poderemos recompensá-lo”[6].
Jesus Cristo quer ser nosso amigo. Assim confiou aos seus apóstolos no Cenáculo
(cfr. Jo 15, 15) “E ao dizer a eles, disse-o a todos nós. Deus
não nos ama apenas como criaturas, mas como filhos a quem, em Cristo, oferece
uma verdadeira amizade”[7].
Quando apalpamos a nossa fragilidade, no entanto, tendemos a pensar que Deus
reage como nós o faríamos, Quando as coisas não nos saem bem ou quando pensamos
que não estamos à altura de seu amor, nós o imaginamos desapontado,
decepcionado ou triste. Não cabe em nossa cabeça que a nossa vida, marcada por
misérias e tropeços, possa agradar ou alegrar e, menos ainda, deixar doido a
Deus.
“DEUS CHEGA DE GRAÇA. O SEU
AMOR NÃO É NEGOCIÁVEL: NÃO FIZEMOS NADA PARA MERECÊ-LO E NUNCA PODEREMOS
RECOMPENSÁ-LO”
Os Padres da Igreja procuraram prevenir-nos deste erro tão
comum: “Homem, por que te consideras tão vil, tu que tanto vales aos olhos de
Deus?”[8].
São Boaventura ensina o caminho para não errarmos: “Se queres saber como se
realizam estas coisas, pergunta à graça, não ao saber humano; pergunta ao
desejo, não ao entendimento; pergunta ao gemido expressado na oração”[9].
Como Deus pode se entusiasmar desse modo com os nossos
minúsculos detalhes de carinho ou até com as nossas limitações? Como é possível
que a distância infinita entre o amor de Deus e a nossa pobre correspondência
seja cancelada? É claro que não temos dinheiro suficiente
para comprar o seu amor. Ama-nos porque tem vontade, que é a
mais divina. Por isso, não nos obriga a corresponder de um modo preciso.
Entusiasma-se, ao mesmo tempo, se pagamos com a sua moeda, com um amor gratuito
de quem se deixa amar, de quem permite ao outro que fique louco. Isso acontece
quando compreendemos que o carinho divino não está à venda e, por isso,
confiamos apenas na loteria da sua bondade incondicional. A
alma então responde com o pouco que guarda, mas com uma grande diferença: ela o
faz porque quer, como Deus. E desfruta disso como ele.
Diego Zalbidea
[1] São
Josemaria, Forja, n. 611.
[2] São
Josemaria, Instrucción acerca del espíritu sobrenatural de la Obra, n.
39.
[3] São
Josemaria, Apontamentos íntimos de 23-XI-1931. Citado em Pedro
Rodríguez, Caminho. Edição Comentada, Quadrante, São Paulo,
2014, p. 916.
[4] F.
Ocáriz, Carta pastoral, 14/02/2017, n. 33.
[5] São
Josemaria, Caminho, n. 829.
[6] Francisco, Homilia
na Noite de Natal, 24/12/2019.
[7] F.
Ocáriz, Carta Pastoral, 1/11/2019, n. 2.
[8] São
Pedro Crisólogo, Sermão 148.
[9] São Boaventura, Itinerarium mentis in Deum, cap. 7, n. 6, em Opera omnia, V, Ad Claras Aquas (Quaracchi) 1891, p. 313.
Fonte: https://opusdei.org/pt-br/article/sei-que-te-alegrou-jesus/
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