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sexta-feira, 1 de agosto de 2025

Cardeal Newman, “um gênio complexo, poeta e místico”

São John Henry Newman, próximo Doutor da Igreja (Vatican News)

O arcebispo de Reggio Calabria - Bova, sul da Itália, dom Fortunato Morrone, traça um perfil do santo purpurado inglês, que será proclamado Doutor da Igreja.

Por Fortunato Morrone

John Henry Newman será doutor da Igreja. Finalmente! Após a canonização do beato cardeal, proclamada pelo Papa Francisco em 13 de outubro de 2019, esperava-se que a Igreja, na pessoa do Santo Padre Leão XIV, o reconhecesse como um de seus doutores (note-se que, em 1879, Leão XIII o elevou ao cardinalato). Imagino, todavia, um Newman de certo modo embaraçado e surpreso com tal reconhecimento da Igreja.

Consciente de seu caráter e limitações culturais, mas também de seu notável potencial intelectual e moral, Newman, já idoso, em uma correspondência, após listar uma série de qualidades e dons específicos exigidos de um teólogo, confidenciou: "Isso eu não sou, nem jamais serei. Como São Gregório Nazianzeno, prefiro trilhar meu próprio caminho e dispor do meu tempo [...] sem compromissos urgentes" (LD XXIV, 213).

Nesse sentido, Newman foi, antes de mais nada, um pastor e pregador de rara delicadeza linguística e comunicativa, e um homem de fé de notável cultura e refinada inteligência que - na contingência de polêmicas culturais ou na defesa detalhada desta ou daquela questão teológica ou filosófica - soube expor as razões da esperança cristã em toda a sua plenitude, mas com um estilo e uma agudeza de reflexão que revelam a grandeza de seu espírito, capaz de elevar o tom do debate religioso, social, educacional ou cultural para ampliar o horizonte cognitivo, racional e de fé de seus leitores ou ouvintes, fossem eles a favor ou contra ele.

Mas a Igreja não se engana: Newman será doctor Ecclesiae porque, nas palavras de São Paulo VI, ele é reconhecido como "um farol cada vez mais luminoso para todos os que buscam uma orientação clara e uma direção segura em meio às incertezas do mundo moderno" (Discurso aos especialistas e estudiosos do pensamento do Cardeal Newman, 7 de abril de 1975).

Leitor assíduo e discípulo dos Padres, como eles, Newman alimentou e motivou seu exercício e ministério teológicos, haurindo continuamente, por meio da oração, da escuta e do estudo das Escrituras. Se com sua vida de fé, Newman testemunhou a beleza e a praticabilidade do Evangelho, com sua reflexão teológica, o presbítero anglicano e professor em Oxford, e mais tarde presbítero católico oratoriano, ofereceu argumentos convincentes em favor da credibilidade, solidez e sabedoria da fé.

"Um gênio complexo, poeta e místico" (Bremond), líder do Movimento de Oxford durante a era anglicana, Newman foi uma referência teológica confiável, apesar de anos de desconfiança entre seus compatriotas, para a comunidade católica renascida na Inglaterra após sua dolorosa, mas lúcida passagem para a Igreja de Roma. Defendendo a liberdade de consciência em nome de uma fé incondicionalmente aberta à "luz suave" da Verdade e dialogando dialógica e criticamente com as correntes do pensamento religioso, filosófico e teológico da era vitoriana, Newman soube conjugar magistralmente a relação entre fé e razão, aspecto crucial do pensamento ocidental, com uma abordagem mais fenomenológica-personalista do que metafísica. Abriu, assim, novos caminhos para a pesquisa teológica, chamada a oferecer razões para a esperança que os crentes, especialmente os simples, são convidados a testemunhar, ontem e hoje, nesta história humana amada por Deus. E aos simples, Newman dedicou sua Gramática do Assentimento (1870), que o envolveu por toda a vida, seguindo as linhas programáticas essenciais já delineadas nos Quinze Sermões Universitários, proferidos entre 1830 e 1843.

Atualmente, sua obra, no horizonte da amizade entre as razões da fé, fundadas na Revelação, e as exigências da razão, oferece-nos a visão de uma fé jubilosa que dá confiança à razão diante do relativismo e o cientificismo atual.

Entre outras obras teológicas de Newman, destacamos o Ensaio sobre o desenvolvimento da doutrina cristã (1845), concluído pouco antes de sua passagem para o catolicismo, no qual a categoria de Tradição é evidenciada à luz da história secular da Igreja de forma dinâmica e criativa; a Ideia de Universalidade (1854), fruto de sua experiência como reitor da nova Universidade de Dublin, obra na qual os temas da unidade, interdisciplinaridade e transdisciplinaridade do conhecimento em diálogo com a teologia (ver Veritatis Gaudium 4, aqui Newman é citado juntamente com Rosmini) são antecipados no contexto de seu tempo. Ainda, Sobre a consulta dos fiéis em matéria de doutrina (1859), no qual a visão eclesiológica — delineada em The Prophetical Office, publicado em 1837 para dar consistência teológica ao anglicanismo, mas retomado e corrigido no Terceiro Prefácio da Via Media (1873) — nos ajuda a compreender a natureza sinodal da Igreja hoje. E, por fim, a Carta ao Duque de Norfolk, sobre o delicado tema da consciência, o lugar do coração na experiência de si mesmo e de Deus (God and myself – “Deus e eu mesmo”), mas entendido dentro do ato de fé do crente, como uma assunção subjetiva e responsável da confissão objetiva de fé garantida pela Igreja.

Esses textos permanecem um ponto de referência hoje, tanto para o amplo debate teológico contemporâneo quanto para a missão da Igreja neste mundo em constante mudança, que apresenta novos desafios para a inteligência da fé e oportunidades inéditas para a proclamação do Evangelho, mas em uma dinâmica relacional que, no crente, envolve principalmente o coração que se comunica com o coração (cor ad cor loquitur) e que certamente envolve a inteligência.

*Arcebispo de Reggio Calabria – Bova

Fonte: https://www.vaticannews.va/pt

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Pe. Manuel Pérez Candela

Pe. Manuel Pérez Candela
Pároco da Paróquia Nossa Senhora da Imaculada Conceição - Sobradinho/DF