As Reduções buscaram ser alternativa ao sistema de dominação
e colonização por parte das Coroas espanhola e portuguesas dos territórios
latino-americanos, "buscando uma possibilidade de espaço para as
componentes indígenas da sociedade e especialmente no caso da população da
etnia Guarani", cuja adesão ao projeto dos jesuítas possibilitou aos
indígenas uma margem de liberdade - possível dentro daquelas circunstâncias
históricas - e também de instrução, de formação, explica a Prof. Marina Massimi.
Jackson Erpen – Cidade do Vaticano
Em junho de 2025, o governo do Rio Grande do Sul lançou a
contagem regressiva para as comemorações, em 2026, dos 400 anos das Missões
Jesuítico-Guaranis, com objetivo de criar uma ampla mobilização cultural,
turística e econômica, com investimentos e planejamento a longo prazo para
valorizar este importante patrimônio.
De fato, em 1983, a UNESCO declarou como Patrimônio Mundial
o Sítio Arqueológico de São Miguel Arcanjo, as ruínas de San Ignacio Miní,
Nossa Senhora de Santa Ana, Nossa Senhora de Loreto e Santa María Maior,
localizadas em território argentino. Em 2015, São Miguel das Missões recebeu do
Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) o estatuto de
Patrimônio Cultural Brasileiro pelas suas associações com a história e a
espiritualidade guarani.
No contexto das comemorações dos 400 anos desta
“experiência”, considerada por muitos como a “realização
de uma grande utopia”, conversamos com a professora Marina
Massimi*, que no âmbito do Instituto de Estudos Avançados da USP,
coordena um grupo de pesquisa chamado “Tempo, Memória e Pertencimento”, que se
ocupa da preservação do patrimônio histórico e documental e monumental do
Brasil e da América Latina. Hoje, propomos a primeira parte da entrevista, na
qual a docente italiana, que vive no Brasil desde 1981, começa falando sobre “o
que foram as Reduções Jesuítico-Guaranis”:
Elas nasceram a partir de dois objetivos. Primeiro, era
garantir a liberdade da população nativa, dos indígenas dentro do contexto do
domínio colonial. O domínio colonial na América Latina era em parte da Coroa
espanhola e em outra da Coroa portuguesa. As Reduções nasceram no âmbito de um
território que pertencia à Coroa espanhola. E por que garantir a liberdade dos
nativos dentro do domínio da colônia? Porque os nativos eram submetidos a um
regime de trabalho semiescravo. No âmbito do Brasil se tratava de fato do
trabalho escravo, propriamente dito. No âmbito do domínio espanhol se tratava
de um sistema chamado de “encomenda” que de alguma forma era muito parecido ao
regime da escravatura, porque o indígena tinha que trabalhar para o colono, que
recebia um certo território e uma certa população por “encomenda”. Nesse
sentido, a primeira coisa era garantir essa liberdade para permitir o
desenvolvimento humano das populações. Isso era ligado também ao segundo
objetivo das Reduções, que era a evangelização. Era possível evangelizar as
pessoas, sujeitos livres portanto, que tivessem a possibilidade de se
autodeterminar quanto às suas escolhas e tivessem os direitos humanos
garantidos. Então, esses dois objetivos, a defesa da liberdade e da dignidade
da pessoa e o objetivo da evangelização, levaram alguns jesuítas, em particular
o jesuíta espanhol Diego de Torres Bollo, no início do século XVII, a
encaminhar um projeto junto à Companhia, à direção geral da Companhia de Jesus,
junto ao Padre Geral por um lado e à Coroa espanhola por outro, da constituição
de agregações sociais, comunidades, em outras palavras, ou reduções – depois
vou explicar porque esse nome -, onde fossem morar indígenas nativos e pudessem
ter uma vida civil, uma vida social, uma vida de trabalho, de digamos uma vida
humana nesse sentido, sob a supervisão de um pequeno grupo de dois ou três
missionários da Companhia de Jesus. Nesse território, onde nasceriam essas
cidades, a Coroa espanhola garantiria autonomia dessas comunidades, no sentido
que nenhum colono poderia adentrar no território, ainda menos submeter à
escravatura ou ao sistema da “encomenda” nenhum dos moradores dessas cidades.
Por que eram chamadas de "Reduções” e qual o
significado dessa experiência?
O termo Redução nasce do latim de uma expressão latina
que quer dizer 'Reductio ad unum'. A ideia era que - utilizando parafraseando
também as palavras de Antonio Ruiz de Montoya, que foi um dos primeiros
jesuítas que também se envolveram com essa experiência -, reduzir populações
espalhadas no território em pequenos grupos de três, quatro famílias que viviam
na floresta, e migrantes, de um lugar para outro numa comunidade fixa num certo
território, onde pudesse viver uma experiência de uma comunidade civil, uma
sociedade, que incluía o direito ao trabalho livre e a educação e a formação
religiosa e também a formação artística, cultural, e essas populações poderiam
viver isso sob a supervisão de um grupo de dois ou três jesuítas no máximo, A
ideia era que, portanto, precisava da adesão dessas populações indígenas à
proposta. De fato, houve muita adesão, sobretudo de um grupo de uma etnia
chamada guaranis. Muitos desses grupos, desses chefes das etnias guaranis,
toparam na proposta que para ele significava de alguma forma garantir uma
margem de liberdade num território totalmente colonizado pelos europeus e ao
mesmo tempo ter a possibilidade e a opção então de serem evangelizados.
Tratava-se de uma escolha, de fato, nem todos os guaranis, nem todos os nativos
toparam essa proposta, teve grupos que se rebelaram, que até se rebelaram de
forma violenta e até isso levou ao martírio de alguns dos jesuítas
missionários, que tinham se adentrado na floresta para fazer essa proposta. Mas
uma grande parte da população topou. Topou, porque isso era muito conveniente,
significava a possibilidade de uma vida livre, mas também a possibilidade de
aprender, a criar uma sociedade com sustento político e econômico e cultural
para si e para as suas famílias e para os seus filhos. De forma que se criaram
ao longo do tempo umas cerca de 30 cidades, podemos chamá-las assim, cada uma
compreendia uma população de 1000 a 7000 nativos e em cada uma delas a
supervisão, a presença de três ou dois jesuítas no máximo. Isso torna também
muito evidente o fato que houve uma adesão, de fato, pela população dos nativos
a essa proposta. Nessas cidades, então, ao longo de cerca de 150 anos, pode se
desenvolver uma vida civil, uma vida social, uma vida econômica, uma vida
cultural, havia direito também à formação. Todos os moradores das Reduções
haviam direito à formação, então, todos os guaranis das Reduções sabiam ler e
escrever e o território das Reduções era totalmente autônomo do domínio
colonial. O rei da Espanha garantia, de fato, autonomia a essas agregações.
Cada um dos índios reduzidos era considerado como vassalo direto do rei da
Espanha, a quem era pago imposto de forma direta, sem passar, portanto, pelo
encomendero. E essa experiência, então, deu origem também a uma vivacidade
civil, econômica e cultural muito grande nessas cidades. Hoje nós temos dessas
cidades remanescentes, ruínas remanescentes situadas na região entre Paraguai,
Brasil e Argentina - era o território que então era totalmente parte do Império
espanhol, da Colônia espanhola - e que mostram de qualquer forma a grandeza
dessa experiência. Eram cidades que foram construídas também de forma muito
bonita, com a vinda também de arquitetos jesuítas, engenheiros, pedreiros e com
envolvimento também das populações guaranis. As ruínas atestam, portanto, a
beleza, mas também a organização dessas cidades. Podemos ver que ela se formava
em torno de uma grande praça. Nessa praça, o ponto central era a igreja, ao
lado a casa dos padres, ao lado da Casa dos Padres o colégio, que mostra, portanto,
o significado da educação, dado a educação pela proposta, um cemitério, depois
as oficinas, onde eram desenvolvidos vários tipos de trabalho, desde o trabalho
agrícola, ao trabalho artístico e a todo o trabalho finalizado à vida e à
convivência. Havia também o Cotiguaçú, que era uma casa que hospedava as viúvas
e a as moças solteiras, as mães solteiras propriamente e também cada Redução
tinha uma estância, que era um território distante, uma espécie de fazenda, de
grande fazenda, onde também era desenvolvida de forma ampla e o cultivo, a
agricultura e a pecuária, portanto, agropecuária, e a produção dessas estâncias
chegou a ser muito intensa, ao ponto que as Reduções chegaram também a exportar
produtos como erva-mate, como algodão, e portanto, também, as Reduções
conseguiram se tornar ricas, possibilitando o bem-estar de suas populações.
Fonte: https://www.vaticannews.va/pt
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