Do morango do amor ao pudim: por que brasileiros gostam tanto de açúcar?
Autor: André Biernath
Da BBC News Brasil em Londres
14 agosto 2025
Os doces brasileiros são mais doces?
Fazer uma comparação como essa é difícil, mas algumas
receitas indicam que o brasileiro, em geral, usa mais açúcar que o resto do
mundo. Geralmente, as receitas brasileiras levam cerca de 50% a mais de açúcar
do que as versões parecidas disponíveis em outros países.
Um exemplo clássico é o tradicional bolo de cenoura com
cobertura de chocolate. Enquanto a versão inglesa do carrot cake leva
cerca de 200 gramas de açúcar, a brasileira pode chegar a 400 gramas, ou seja,
o dobro.
Situação semelhante acontece quando comparamos a receita do
pudim de leite brasileiro com o francês, ou o nosso doce de leite e o dulce
de leche argentino.
"Se você for pensar no pão de mel alemão, ele é um pão,
um pão com especiarias, tem açúcar mascavo, uma doçura menor, ele é mais seco.
Aqui [no Brasil], quando você fala pão de mel, você pensa em um bolinho,
recheado com doce de leite, se possível banhado com chocolate",
exemplifica a historiadora Débora Oliveira.
Até mesmo nossas próprias "criações" são bem
açucaradas. O brigadeiro, por exemplo, marca registrada do Brasil, é preparado
com uma lata inteira de leite condensado. Esse ingrediente já carrega, em
média, 55 gramas de açúcar a cada 100 gramas.
Quanto açúcar o brasileiro consome?
O Ministério da Saúde calcula que o brasileiro consome, em
média, 80 gramas de açúcar por dia — o equivalente a 18 colheres de chá de
açúcar. Isso representa 50% a mais do limite máximo recomendado pela
Organização Mundial de Saúde (OMS), de 50 gramas diárias, ou 12 colheres de
chá.
Esse alto consumo coloca o Brasil no topo do ranking mundial
de ingestão de açúcar, ao lado dos Estados Unidos, Rússia e México. Para
comparação, os brasileiros chegam a consumir o triplo de açúcar que chineses ou
japoneses.
Dados
do Ministério da Agricultura e Pecuária ainda revelam que esse hábito
cresceu nas últimas décadas. Nos anos 1930, o consumo individual era de cerca
de 15 quilos de açúcar por ano. Em 1990, esse número passou para 50 quilos, e
hoje gira em torno de 65 quilos, segundo a OMS.
O consumo médio de açúcar também cresceu em outras partes do
mundo. Estima-se que o consumo aumentou 100 vezes de 1850 até os dias de hoje,
com algumas variações regionais.
Estudos apontam que cerca de 60% dessa ingestão vêm de
açúcares adicionados a alimentos e bebidas. O restante está presente em
produtos processados e ultraprocessados.
"É muito comum no Brasil, no setor público, por
exemplo, você ter café e ele já estar adoçado na garrafa. A pessoa nem adoça o
próprio café, porque essa é a prática. Temos também pessoas que adicionam
açúcar no leite com achocolatado, que já tem o açúcar", destaca a
professora do Instituto de Nutrição da UERJ Daniela Canella.
Excesso de açúcar e saúde
Se por um lado o açúcar está enraizado na cultura
brasileira, por outro, o consumo excessivo se tornou um grave problema de saúde
pública.
Segundo o Ministério da Saúde, o alto consumo de açúcar está
relacionado a uma série de doenças crônicas que
cresceram no Brasil nas últimas décadas, como o diabetes tipo 2 e a obesidade.
"Um ponto bem importante é o ganho de peso, e se a
gente pensa que a obesidade cresce no Brasil e no mundo, o ganho de peso é
bastante sensível. Não é a obesidade, o peso mais elevado como uma questão
estética. A obesidade é um problema e está relacionada ao desenvolvimento de
infinitas doenças: diabetes, hipertensão, doenças cardiovasculares, alguns
tipos de câncer", explica Daniela Canella.
Isso não quer dizer que você deva cortar todo o açúcar da
sua alimentação ou que não possa experimentar o tão famoso morango do amor.
Segundo a nutricionista, o segredo é consumir com moderação.
Reduzir gradualmente o açúcar nas receitas, resgatar o sabor
real dos ingredientes — que muitas vezes acabam escondidos pela doçura — e
repensar hábitos alimentares são estratégias que ajudam a equilibrar saúde e
prazer à mesa.
"Talvez a redução drástica seja muito difícil porque as
pessoas estão acostumadas com aquele paladar, mas talvez fazer uma transição
sem substituir por edulcorante [aditivos alimentares popularmente conhecidos
como adoçantes]. Se você vai reduzindo aos poucos, o paladar vai se acostumando
até parar de consumir ou consumir menos. E evitar consumir ultraprocessados com
alerta de açúcar e, no dia a dia, tentar reduzir esse açúcar adicionado [em
bebidas, cafés] também ajuda muito", aconselha Canella.
Nenhum comentário:
Postar um comentário