LECTIO DIVINA
23/09/2025
Cardeal Orani Tempesta
Arcebispo do Rio de Janeiro (RJ)
O mês de setembro é um tempo especial para a Igreja, pois é
o mês dedicado à Bíblia, que junto com a Tradição nos trazem a Palavra de Deus.
No dia 30 de setembro a Igreja celebra São Jerônimo, tradutor da Bíblia do
hebraico e do grego originais para o latim popular falado na época. Inspirado
pelo Espírito Santo, ele foi capaz de compreender profundamente as Escrituras
Sagradas e escreveu muitos comentários sobre os textos bíblicos. Também nós
somos chamados a nos deixar conduzir pelo Espírito Santo para compreender a
Palavra de Deus.
Ao longo deste mês somos convidados a meditar as Sagradas
Escrituras. É claro que devemos fazê-lo em todos os meses do ano, mas, de modo
particular, em setembro. Precisamos tirar a Bíblia do armário ou da estante,
onde tantas vezes fica esquecida e empoeirada, escolher um texto e meditar.
Isso pode ser feito individualmente ou em família, pela manhã, antes do
trabalho, ou à noite, quando todos já estão em casa. Muitas vezes nos ocupamos
demais com televisão, internet e outras distrações, e acabamos não reservando
tempo para Deus.
Em nossa Arquidiocese, a tradição dos círculos bíblicos é
antiga e formam os grupos de reflexão, comunidades e paróquias. O método
utilizado, com os textos preparados no livreto da arquidiocese, é o da lectio
divina, ou leitura orante da Palavra de Deus.
Escolha um trecho da Palavra de Deus — pode ser até o
Evangelho do dia — e faça a experiência da lectio divina. Essa prática consiste
em ler o texto sagrado duas ou três vezes, destacando os versículos ou frases
que mais chamam a atenção, depois passar para meditação sobre o que essa
palavra incide em nossa vida. O terceiro passo é a oração, rezando naquilo que
a palavra lida e meditada nos comoveu. Concluímos com contemplação, ou seja,
guardando aquela palavra no coração para iluminá-lo durante o dia e a vida.
Para realizar a lectio divina é necessário preparar-se e
preparar o ambiente: sentar-se de forma confortável, pedir a iluminação do
Espírito Santo, escolher um local silencioso e desligar-se de distrações.
Depois, ler e reler o texto, procurando entender o que ele diz para a própria
vida. A vida ganha um novo sentido por meio da oração; por isso, precisamos
alimentar a alma e o espírito com a Palavra de Deus, deixando que ela oriente
nossas ações.
A lectio divina deve durar, ao menos, meia hora. Não pode
ser feita às pressas ou de maneira superficial. É recomendável que seja
realizada pela manhã ou à noite, individualmente ou em grupo (círculos
bíblicos), com a família ou amigos. Quando feita em grupo, cada pessoa pode ler
o texto em voz alta e, em seguida, meditar em silêncio, destacando o versículo
ou a frase que mais lhe falou ao coração.
Além disso, já chegando ao final de setembro, continuemos a
dar destaque à Palavra de Deus, colocando-a em evidência junto ao ambão ou na
entrada da Igreja, e, principalmente promovendo círculos bíblicos de oração e
lectio divina nesta desejada capilaridade de nossa vida de missão
arquidiocesana. Que essa prática não se restrinja apenas a setembro (quando
tivemos as assembleias dos círculos bíblicos), mas se prolongue por todo o ano.
A Palavra de Deus deve ser o nosso alimento diário, capaz de orientar os passos
de cada jornada.
Quando praticamos diariamente a lectio divina,
alimentamo-nos da Palavra e preparamos o coração para a Eucaristia. É como os
discípulos de Emaús, que, após ouvirem a explicação das Escrituras por Jesus,
tiveram a mente e o coração abertos, reconhecendo-o ao partir o pão. Na Santa
Missa somos convidados a nos alimentar de duas mesas: a da Palavra e a da
Eucaristia. Por isso, se meditarmos a Palavra em casa todos os dias, estaremos
melhor preparados para receber o Senhor no sacramento.
A lectio divina é uma prática muito antiga, que remonta ao
século III, por volta do ano 220, especialmente entre monges católicos. Com as
regras monásticas de Pacômio, Agostinho, Basílio e Bento, ela se consolidou
como um exercício fundamental de espiritualidade. O tempo dedicado à Palavra
era sempre o melhor do dia. Por isso, recomenda-se que hoje a lectio divina
dure, no mínimo, trinta minutos, preferencialmente pela manhã.
São Jerônimo recorda que “ignorar as Escrituras é ignorar
Cristo”. Na Sagrada Escritura encontramos a história da salvação e o projeto
amoroso de Deus, que se realiza plenamente em Jesus Cristo. Ele nos convida à
conversão e nos revela o plano salvífico do Pai, levado à plenitude pela sua
entrega na cruz.
Diversos documentos da Igreja ressaltam a importância da
lectio divina para a vida da Igreja e de cada fiel. Entre eles, a Constituição
Dogmática Dei Verbum e a Exortação Apostólica Verbum Domini. Ambos recordam que
não basta apenas meditar a Palavra: é necessário também estudá-la, buscar
compreendê-la e permitir que ela transforme a vida. Inclusive, durante a
liturgia eucarística, sobretudo na homilia, cabe ao sacerdote explicar as
leituras proclamadas para que a Palavra penetre no coração dos fiéis.
Neste mês da Bíblia e em todos os outros, busquemos meditar
e aprofundar os estudos da Palavra de Deus, como neste ano, a Carta aos
Romanos. Que, além de meditar, saibamos também estudar as Escrituras, para
conhecê-las melhor e, assim, conhecer mais profundamente a Cristo.
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