“Esta é a tua mãe”: Maria em nosso caminho para a
santidade
Como as mães costumam fazer, Maria passa à nossa frente no caminho. Ela advinha aquilo de que necessitamos, e o prepara para nós, muitas vezes de modo tão discreto que nem sequer percebemos.
26/09/2025
“Esta é a tua mãe” (Jo 19, 27). Quando Jesus, agonizante na
cruz, dizia isso a São João e a Santa Maria, estava revelando a eles algo muito
profundo, real: uma dessas “coisas que estavam ocultas desde a criação do
mundo” (Mt 13, 35). Jesus não lhes estava dando títulos honoríficos:
Maria é realmente nossa Mãe, e nós somos seus
filhos.
“A maternidade de Maria, através do mistério da Cruz, deu um
salto impensável: a mãe de Jesus tornou-se a nova Eva, porque o Filho a
associou à sua morte redentora, fonte de vida nova e eterna para cada homem que
vem a este mundo”[1].
Naquele momento solene e doloroso, Jesus mostra até onde chega o dom infinito
que nos concedeu ao encarnar. Deus não faz as coisas pela metade: onde entra,
vai até o fim. Entrou em nossa humanidade e a preencheu com suas bênçãos; e
dentre elas uma das maiores é a de sermos, com Ele, filhos daquela que é
bendita entre todas as mulheres (cf. Lc 1, 42).
Assim como seria um equívoco ver na Ascensão um Jesus que se
afasta, e reduzir os sacramentos a um consolo para essa distância, seria também
equivocado pensar que, depois da Assunção de Maria aos céus, sua presença
maternal não fosse a mesma de quando vivia nesta terra. “Maria é elevada em
corpo e alma à glória do céu e com Deus e em Deus é rainha do céu e da terra.
Porventura, está tão distante de nós? É verdadeiro o contrário. Precisamente
porque está com Deus e em Deus, está pertíssimo de cada um de nós. Quando
estava na terra podia somente estar perto de algumas pessoas. Estando em Deus,
que está próximo de nós, que está no ‘interior’ de todos nós, Maria participa
nesta aproximação de Deus. Estando em Deus e com Deus, está perto de cada um de
nós, conhece o nosso coração, pode ouvir as nossas orações, pode ajudar-nos com
a sua bondade materna”[2].
O Evangelho nos conta poucos detalhes da vida de nossa Mãe,
mas cada um deles está carregado de sentido para seus filhos: cada um é uma
janela pela qual podemos ver a sua vida e a sua pessoa, para amá-la mais e para
saber-nos cada vez mais seus filhos. Ao meditar nestas passagens, podemos
descobrir em Nossa Senhora três atitudes fundamentais: Maria acolhe Cristo, contempla-o
e o entrega. E, nessa proximidade de Deus, ela exerce agora
sua maternidade levando-nos por esse mesmo caminho: com Maria vamos, e voltamos
a Jesus[3].
E, com ela também, nós o levamos a todos.
Assim é, e assim seja
Naquele dia aparentemente igual aos outros, em Nazaré, Santa
Maria não podia imaginar até que ponto o seu fiat iria se converter
no maior ato de fé e de obediência da história. O verbo com que Maria responde
ao anjo, e que se traduz como fiat ou “faça-se”, aparece no
original grego de São Lucas (génoito) em um modo verbal que expressa a
urgência do coração para que algo aconteça (cf. Lc 1, 38). De fato, porém,
nossa Mãe não disse nem fiat nem génoito. A
palavra que, nos lábios de Maria, corresponderia mais exatamente a essa
expressão é “amém”. Um judeu dizia isso quando queria dizer a Deus “sim, assim
seja”. A raiz desta palavra hebraica significa solidez, convicção interior:
confirma o que foi dito como palavra firme, estável, vinculante. Sua tradução
exata é: “Assim é e assim seja”[4].
A acolhida de Maria não se reduz a um instante isolado em
sua vida: trata-se de uma disposição constante. Desde a visita do anjo até a
cruz, seu coração permanece atento à vontade de Deus. “Toda sua vida foi uma
peregrinação de esperança junto ao Filho de Deus e seu; uma peregrinação que,
através da cruz e da ressurreição, fê-la alcançar a pátria, o abraço de Deus”[5].
Quantas vezes o Senhor nos pede, também a nós, coisas que necessitam de nosso
pessoal “Amém, faça-se em mim segundo tua palavra”. Quantas vezes
Ele está nos esperando com os braços abertos, como um pai que se agacha e chama
seu filho pequeno. Deixamos que Ele entre sem reservas em nossos pensamentos,
em nossas decisões e em nossas ações? Deixamo-nos abraçar por Ele?
Não é por acaso que, ao receber o corpo eucarístico de
Cristo respondamos “Amém”: assim como Maria acolheu o Verbo para que se fizesse
carne em seu seio, nós também o acolhemos para que cresça e viva em nós. “Há,
pois, uma analogia profunda entre o fiat pronunciado
por Maria às palavras do Anjo e o amém que cada fiel diz
quando recebe o corpo do Senhor”[6].
Vamos recebê-lo com ela, com a “pureza, humildade e devoção” com que nossa mãe
o recebeu naquela primeira vez, e sempre.
Unir tudo no coração
A contemplação é outra das atitudes fundamentais na vida de
Maria, e nossa Mãe também quer nos levar por esse caminho. “Ser contemplativo
não depende dos olhos, mas do coração. E nisto entra em jogo a oração, como um
ato de fé e amor, como “respiração” da nossa relação com Deus”[7] Nos
Evangelhos, Maria pronuncia muito poucas palavras em comparação com o papel que
tem nos diferentes episódios. Desde a visita dos pastores em Belém até a cruz,
Maria guarda e medita em seu coração os mistérios de seu Filho (Lc 2, 19).
No silêncio de Nazaré, na oração em Caná, durante a vida
pública, vemos uma Mãe que medita, que observa e que se deixa transformar pela
presença de Jesus. No caminho rumo ao Calvário é fácil imaginar o encontro
entre a Mãe e o Filho, quando “com imenso amor, Maria olha para Jesus, e Jesus
olha para sua Mãe; os olhos de ambos se encontram, e cada coração derrama no
outro a sua própria dor”[8].
E na manhã luminosa da Ressurreição, inundada pela glória do Ressuscitado, ela
antecipa o resplendor da Igreja[9],
que vive também em “seus membros frágeis (...). Muitos deles são mulheres, como
a idosa Isabel e a jovem Maria; mulheres pascais, apóstolas da ressurreição”[10].
O olhar contemplativo, essa “respiração” da alma,
permite-nos ir compreendendo pouco a pouco o sentido do que acontece em nossa
vida, e o que Deus espera de nós. “É isso que o Evangelho exprime no olhar de
Maria, que olhava com o coração.(...) No Evangelho, a melhor expressão do que
pensa o coração é oferecida por duas passagens de São Lucas que nos dizem que
Maria ‘guardava (synetérei) todas estas coisas, ponderando-as (symbállousa)
no seu coração’ (cf. Lc 2, 19.51). (...) e o que ela guardava
não era apenas ‘a cena’ que via, mas também o que ainda não compreendia,
conservando-o presente e vivo, na esperança de unir tudo no seu coração”[11].
Como filhos pequenos que, às vezes, não conseguem realizar
uma tarefa difícil, podemos contar sempre com nossa Mãe para que nos guie neste
caminho da contemplação. “Maria fala conosco, fala a nós, convida-nos a
conhecer a palavra de Deus, a amar a palavra de Deus, a viver com a palavra de
Deus, a pensar com a palavra de Deus”[12].
Se deixarmos que nos tome pela mão, ela nos dará paciência com as coisas que
não entendemos, e irá nos ajudar a ir unindo os pontos aparentemente
desconexos, como nesses desenhos em que a figura só aparece no final de um
paciente traçado.
Sempre entregando a Jesus
Desde o princípio de sua vocação materna, Maria entende que
Jesus é um tesouro para compartilhar com todos: o Senhor fez “grandes coisas”
nela (Lc 1, 49). Não para sua glória pessoal, mas para o bem da humanidade
inteira. A alegria do Magnificat reflete uma profunda
experiência de filiação divina: Maria percebe o imenso amor do Pai, que se
inclina sobre ela, confiando-lhe o que tem de maior, o Filho amado. Ela se
descobre cheia de Deus, do amor de Deus, mais do que nenhum outro ser humano antes
e depois dela. E essa abundância a impele a levar todos a Jesus.
Maria está sempre entregando o seu Filho: oferece-o,
criança, aos pastores e aos Magos (cf. Lc 2, 16-20; Mt 2, 10-11); coloca-o nos
braços de Simeão e Ana (cfr. Lc 2, 25-38); deixa-o tão “solto” que até o perde
em Jerusalém; “provoca” o milagre em Caná, e coloca cada um à escuta do que Ele
nos diga (cf. Jo 2, 3-5); deixa que Jesus se ocupe de sua missão, embora os
parentes reclamem (cf. Mt 12, 46-50); aceita a vontade do Pai e, ao pé da cruz,
entrega-se com Jesus à humanidade inteira (cf. Jo 19, 25). E é fácil imaginar
as conversas, repletas de Jesus, que ela teria com os discípulos depois da
Ascensão... As mesmas que deseja ter conosco, e com todos os que, como o
discípulo amado, a acolhem em sua casa e em suas coisas (cf. Jo 19, 27).
Cada um é filho a seu modo
Certa vez, São Josemaria recordava uma visita que fez a
Sevilha em uma Semana Santa: “Saí para a rua quando as confrarias já se
encontravam lá... E quando vi toda aquela gente, aqueles homens piedosos na
procissão que iam acompanhando a Virgem, pensei: isto é penitência, isto é
amor. Era muito bonito. Depois, quando vi...não sei qual altar era, não recordo
qual imagem da Virgem... As joias, as luzes, eram o de menos... O importante
era o amor, os cantos típicos, os galanteios: tudo! Eu estava lá, olhando-a, e
comecei a fazer oração.... Fui à lua. Vendo aquela imagem da Virgem tão linda,
nem percebi que estava em Sevilha, nem na rua. E alguém me tocou no ombro.
Voltei-me e vi um homem do povo, que me disse: ‘Senhor cura, esta não
vale ná: a nossa é a que vale!’ De início quase me pareceu uma
blasfêmia. Depois pensei: ele tem razão; quando eu mostro fotografias de minha
mãe, embora goste de todas, também digo: esta, esta é boa”[13].
Cada um de nós pode ter uma foto “boa” de sua Mãe celestial:
não se trata necessariamente de uma imagem, mas sim de um modo muito pessoal de
falar-lhe, de amá-la, de confiar a ela o que nos enche o coração. “Cada cristão
pode, olhando para trás, reconstruir a história de suas relações com a Mãe do
Céu. Uma história na qual há datas, pessoas e lugares concretos, favores que
reconhecemos como vindos de Nossa Senhora, e encontros carregados de um sabor
especial. Percebemos que o amor que Deus nos manifesta através de Maria tem
toda a profundidade do divino, e ao mesmo tempo, a familiaridade e o calor
próprios do que é humano”[14].
Como as mães costumam fazer, mas de um modo ainda mais
sutil, Maria se adianta a nós no caminho. Ela adivinha do que necessitamos, e o
prepara, muitas vezes de modo tão discreto que nem sequer percebemos. E embora
fique muito feliz que lhe agradeçamos esses cuidados de mãe, não deixa de
cuidar de nós, mesmo que não o façamos. Santa Maria, sabemos que você o fará,
mas nos faz tanto bem pedir outra vez: iter para tutum, prepare-nos
um caminho seguro.
[1] Leão
XIV, Homilia, 9/06/2025.
[2] Bento
XVI, Homilia, 15/08/2005.
[3] Cfr.
São Josemaría, Caminho, n. 495
[4] Cfr.
R. Cantalamessa, L’anima di ogni sacerdozio, Ancora, Milão 2014, p 53.
[5] Leão
XIV, Ângelus, 15/08/2025.
[6] São
João Paulo II, Ecclesia de Eucharistia, n. 55
[7] Francisco,
Audiência, 5/05/2021.
[8] São
Josemaria, Via Sacra, 4ª estação
[9] Cfr.
Sedulio, Carmen paschale, 5, 358-364
[10] Leão
XIV, Homilia, 15/08/2025
[11] Francisco,Dilexit
nos, n. 19
[12] Bento
XVI, Homilia, 15/08/2005
[13] Palavras
de São Josemaria que constam em A.Sastre, Tempo de Caminhar, Quadrante.
[14] São
Josemaria, “Recuerdos del Pilar, em Escritos Vários: Edicción
crítico-histórica, Rialp, Madri 2018, p 275.
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