TEOLOGIA
Introdução à História da Teologia Ortodoxa
Capítulo 10 da Obra «Os Grandes Teólogos do Século Vinte» -
Vol. 2 - Os Teólogos protestantes e ortodoxos.
Battista MONDIN
Teólogo católico
Os estudiosos não estão de acordo sobre a divisão da
história da teologia ortodoxa. Segundo Jugie, não existem na teologia oriental
escolas teológicas e sistemas que possam oferecer um “fundamentum
divisionis”[1]. Segundo outros estudiosos, ao contrário,
há razões de tempo, lugar e outros gêneros que justificam sua divisão em dois
ou mais períodos. Também somos dessa opinião, parecendo-nos justo dividir toda
a história bimilenar da teologia oriental em sete grandes períodos.
I. Período Patrístico (séculos I-VI)
O primeiro período da teologia oriental coincide com o da
teologia ocidental: é o período patrístico. Nessa época, as Igrejas do Oriente
e do Ocidente ainda estão unidas, dando origem a um patrimônio teológico único,
para cuja formação contribuem tanto os Padres latinos (Tertuliano, Cipriano,
Agostinho, Hilário, Ambrósio etc.) como os gregos (Orígenes, Clemente, Basílio,
Gregório Nazianzeno e de Nissa, João Crisóstomo etc.).
Durante essa primeira fase da história da ciência sagrada,
as principais características da reflexão teológica são as mesmas tanto no
Oriente como no Ocidente. Ela tem caráter bíblico (inspira-se diretamente nos
textos sacros), apofático (coloca preferencialmente a ênfase na
incognoscibilidade e na inefabilidade de Deus e dos seus mistérios),
assistemático (estuda os problemas que são impostos pelas circunstâncias, não
se preocupando em abordá-los ordenadamente em seu conjunto) e platônico (adota
como instrumento conceptual a filo de Platão, aplicando à divisão entre mundo
natural e mundo sobrenatural a ruptura que Platão coloca entre mundo sensível e
mundo inteligível).
Essas características permanecem constantes em toda a
história da teologia oriental e com o tempo tendem a se acentuar em favor do
misticismo e do intuicionismo. Já na teologia latina, depois da época
patrística, essas características se eclipsam pouco a pouco, cedendo lugar a
características contrárias: menor contato com a fonte bíblica, preocupação
catafática e sistemática, aristotelismo como instrumento conceptual. Daí ter
ocorrido um progressivo afastamento entre as teologias oriental e ocidental durante
a Idade Média e a Época Moderna, um afastamento destinado a se aprofundar em
virtude do cisma, até estender-se não só à forma, mas também ao conteúdo da
reflexão teológica.
“Os primeiros cinco séculos constituem a idade de ouro
dos grandes Mestres, Padres e Doutores da Igreja, que transmitem às futuras
gerações a herança da Paradosis, já formada em suas grandes linhas”[2]. Os nomes inesquecíveis daqueles que mais
contribuíram para a formação da teologia oriental são: Justino, Clemente,
Orígenes, Atanásio, Cirilo, Basílio, Gregório Nazianzeno, Gregório de Nissa,
João Crisóstomo, Nestório, o Pseudo-Dionísio.
II. A Era de Justiniano (séculos VI-VIII)
Na era de Justiniano (527-565), os teólogos empenham-se na
luta contra dois excessos: o monofisismo e o nestorianismo.
A figura mais ilustre desse período é João Damasceno (+
749), que supera a controvérsia através da explicitação dos conceitos de
natureza e hipóstase. Sua principal obra é o De Fide Orthodoxa, uma
grandiosa síntese da Tradição. Ela “encerra a era patrística e abre a época das
cadeias enciclopédicas, em que a criação é substituída pelas citações e pelas
justificações baseadas no consensus patrum”[3].
Outro teólogo de primeira grandeza foi Máximo, o Confessor
(+ 638), que em suas viagens e seus contatos em Jerusalém e Roma, sobretudo com
o papa Martinho I, combateu tanto o monofisismo como o monotelismo. O seu Florilegium revela
visivelmente a influência do Pseudo-Dionísio e da filo neoplatônica, na qual
são Máximo vê “o meio técnico mais apropriado para exprimir a
ortodoxia”[4].
Durante a época justiniana foi que nasceu a famosa
controvérsia do Filioqüe. Falando da processão do Espírito Santo, o
III Concílio de Nicéia (787) utilizara a fórmula “ex patre per filium”. Essa
fórmula não foi recebida favoravelmente pelos teólogos ocidentais (por exemplo:
Alcuíno) que nela viam ambiguidade e o perigo de que o Espírito Santo fosse
considerado uma criatura. Daí a áspera e longa disputa, que, como é sabido, foi
uma das principais causas da separação entre as Igrejas de Constantinopla e de
Roma.
III. Período de Fócio e Cerulário (séculos IX-XIII)
Fócio é geralmente recordado por sua participação no cisma
do Oriente. Mas, frequentemente são ignorados os seus méritos no campo
teológico, muito embora tenha sido o maior cultor da ciência sagrada em seu
tempo.
O elemento que mais distingue a sua especulação teológica é
o lugar absolutamente novo que nela ocupa a filo aristotélica.
Ele utiliza a lógica do Estagirita com grande habilidade para defender a
validade do “per Filium”. Geralmente, interpreta a Sagrada
Escritura em sentido histórico e literal. Tem grande estima pelos Padres da
Igreja (menos os latinos e João Damasceno), vendo neles os autênticos
intérpretes do Evangelho. Antes da separação da Igreja latina (867), “não
ensinou nada em contrário à fé da Igreja de Roma, mesmo ressaltando algumas
diferenças nos usos litúrgicos e disciplinares (…)”[5]. A ruptura com Roma foi de breve duração,
devendo-se mais a razões disciplinares do que dogmáticas.
No século X, a cena teológica é dominada pela figura de São
Simeão, chamado o “Novo Teólogo”. Segundo Vladimir Lossky, ele merece
amplamente tal título, porque foi ele quem impôs um novo rumo à teologia
bizantina. Com efeito, ela, que antes tinha uma orientação essencialmente
“cristológica”, passa a assumir uma orientação predominantemente”
pneumatológica”: “Os problemas relativos ao Espírito Santo e à graça
são agora o núcleo central em torno do qual gravita o pensamento teológico“[6].
Nesse meio tempo, tornavam-se sempre mais tênues as relações
de Constantinopla com Roma, em virtude das péssimas condições políticas em que
se encontrava o Ocidente naquela época por causa das invasões dos húngaros,
normandos e árabes. Por isso, quando Miguel Cerulário anatematiza o papa de
Roma, em 1054, mais do que criar uma situação nova, ele está apenas selando o
estado de fato de uma separação que já perdurava há alguns séculos. O exemplo
de Bizâncio foi depois seguido pouco a pouco por todas as igrejas de rito
bizantino.
Como Fócio, Cerulário também foi um dos maiores teólogos de
seu tempo, tendo contribuído com seus escritos para escavar um fosso ainda mais
profundo com a Igreja latina. Em duas cartas, Epistula ad Petrum Antiochenum
e Epistula Leonis Achridensis, bem como nos Panoplia,
acusa os latinos de se terem afastado da Tradição apostólica nos seguintes
pontos: os ázimos, o jejum do sábado, a abstinência, o rito do batismo, o culto
das imagens, o filioqüe e o primado romano.
Outro grande teólogo desse período foi Miguel Psellos (+
1078), poeta, historiador e filósofo, além de teólogo. Como Fócio, utiliza
tanto a filo platônica como a aristotélica. Entre as suas
doutrinas, as mais dignas de nota são: a processão “ex patre tantum”, uma
certa substância material nos anjos, a santidade da Mãe de Deus no momento de
sua concepção, a sua função medianeira.
Psellos teve inúmeros discípulos de valor, entre os quais
João Ítalo (+ 1084) e Teofilato, prelado da Bulgária (+ 1108).
No século XIII, a teologia bizantina se polarizou em torno
do Concílio de Lião (1274), que se propunha a restabelecer a união entre
Constantinopla e Roma. Mas os esforços daqueles que procuravam dissipar as
razões do conflito não tiveram êxito. Os resultados positivos do Concílio não
foram bem acolhidos pelos monges e pelo povo e o cisma continuou.
Notas:
[1] M.
JUGIE, Theologia Dogmatica Christianorum Orientalium ab Ecclesia Cathotica
Dissidentium, Paris, 1926-1935, v. 11, p. 18, nota.
[2] P.
EVDOKIMOV, L’Ortodossia, Bolonha, 1965, p. 17.
[3] Ibid.,
p. 31
[4] Ibid.,
p. 19.
[5] V.
MALANCZUK, “Byzantine Theology, I (to 1500)” em New Catholic Encyclopedia, v.
lI, p. 1019.
[6] V.
Lo SSKY, La Teologia Mistica delta Chiesa d’Oriente, Bolonha, 1967,
p. 385.
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