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sexta-feira, 17 de outubro de 2025

Uma investigação sobre o Salmo 47: por que Deus é “terrível”?

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Paulo Teixeira - publicado em 16/10/25

Entenda a polêmica da tradução que incomoda, mas é mantida por especialistas em várias línguas. A resposta não está no dicionário, mas na história e na teologia.

Estava lendo em casa minha Bíblia e me deparei com o Salmo 47 (46) e, em um dos versos, a palavra "terrível" surge para descrever o Altíssimo. Logo isso me causou estranheza. Afinal, um Deus de amor, misericórdia e bondade pode ser chamado de "terrível"? A controvérsia não é nova, e as traduções litúrgicas oficiais parecem preferir manter a palavra, mesmo com a existência de sinônimos mais "suaves" como "sublime" ou "excelso". Mas por quê? 

O ponto de partida para essa discussão não é a sensibilidade do ouvinte, mas a precisão da tradução. Especialistas em Bíblia e linguística, responsáveis por traduzir os textos sagrados, explicam que a palavra "terrível" é a que mais se aproxima do original hebraico. Em outras palavras, não é uma escolha aleatória, mas um esforço para ser fiel ao texto que saiu do forno há milênios. 

O Salmo em sua essência

A questão central é que a tradução de um texto antigo não pode se basear apenas em dicionários contemporâneos. A palavra hebraica por trás de "terrível" carrega um significado muito mais complexo do que o "medonho" ou "violento" que associamos hoje. Para os antigos, essa palavra evocava uma mistura de reverência, poder avassalador e admiração. 

Imagine a força de um furacão, a grandiosidade de uma montanha ou o mistério de um eclipse solar. Esses fenômenos são "terríveis" no sentido de que inspiram uma mistura de medo e fascínio. Eles nos lembram de nossa pequenez e do poder imenso que os criou. É essa dimensão de poder transcendente que a palavra "terrível" tenta capturar. 

O que os especialistas argumentam é que sinônimos como "excelso" ou "sublime", embora agradáveis, já estão contidos na palavra "Altíssimo", gerando uma redundância. Além disso, esses termos perdem a nuance de poder e majestade que o termo original contém. 

A Bíblia de Jerusalém  e a Bíblia Pastoral, por exemplo, mantêm a palavra. As Bíblias em línguas românicas (espanhol, francês, italiano) também a adotam, o que sugere uma escolha técnica e não uma simples convenção de tradução. 

Do medo ao temor: a diferença teológica

A Bíblia está repleta de adjetivos que, à primeira vista, parecem "duros" para descrever Deus. Ele é o "Justo Juiz", o "Deus dos Exércitos", e o Credo diz que "há de vir em sua glória, para julgar os vivos e os mortos". A teologia por trás disso é que Deus, além de amor, é também justiça. E sua onipotência, expressa no termo "Todo-poderoso", não significa que ele é um "déspota" ou um "prepotente", mas que sua força é ilimitada. 

Outro exemplo é o "temor de Deus", um dos sete dons do Espírito Santo. Ele não significa "ter medo" de Deus no sentido de que ele vai nos punir, mas sim um medo de ofendê-lo, uma profunda reverência por sua santidade e grandeza. 

A tradução litúrgica, portanto, não é um exercício de "agradar" o fiel, mas de educá-lo. Ao manter a palavra "terrível", ela convida a uma reflexão mais profunda sobre a totalidade de Deus: um ser que é amor incondicional, mas também justiça e poder absolutos. 

A sensibilidade moderna pode se chocar com a dureza de certas palavras, mas a tradição teológica insiste que a Bíblia deve ser compreendida em seu próprio contexto. Afinal, a tradução perfeita é aquela que captura não só a letra, mas também o espírito do texto original. 

Fonte: https://pt.aleteia.org/2025/10/16/uma-investigacao-sobre-o-salmo-47-por-que-deus-e-terrivel/

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Pe. Manuel Pérez Candela

Pe. Manuel Pérez Candela
Pároco da Paróquia Nossa Senhora da Imaculada Conceição - Sobradinho/DF