TEOLOGIA
Introdução à História da Teologia Ortodoxa
Capítulo 10 da Obra «Os Grandes Teólogos do Século Vinte» -
Vol. 2 - Os Teólogos protestantes e ortodoxos.
Battista MONDIN
Teólogo católico
Os estudiosos não estão de acordo sobre a divisão da
história da teologia ortodoxa. Segundo Jugie, não existem na teologia oriental
escolas teológicas e sistemas que possam oferecer um “fundamentum
divisionis”[1].
Segundo outros estudiosos, ao contrário, há razões de tempo, lugar e outros
gêneros que justificam sua divisão em dois ou mais períodos. Também somos dessa
opinião, parecendo-nos justo dividir toda a história bimilenar da teologia
oriental em sete grandes períodos.
IV. O período de Gregório Palamas (séculos XIV-XV)
Por volta do fim da Idade Média, a teologia ortodoxa é
dominada pela figura de Gregório Palamàs (+ 1359). Escritor muito fecundo e
original, Palamàs efetuou uma síntese do pensamento patrístico na teologia da
Glória de Deus. Suas teses mais características são três:
a) O homem não pode conhecer a essência de Deus
transcendente;
b) Pode, porém, conhecer suas ações, suas operações, seus
atributos;
c) Portanto, em Deus deve haver uma distinção real entre
essência incognoscível e atributos cognoscíveis.
Em 1351, a doutrina palamita foi canonizada pelo Sínodo de
Constantinopla como a expressão mais autêntica da fé ortodoxa.
Gregório Palamàs teve numerosos discípulos, entre os quais
Nilo Cabasilas (+ 1363), sucessor de seu mestre na cadeira de Tessalônica e
autor, entre outras coisas, de Regula Theologica, De Causis
Dissentionum in Ecclesia e De Papae Imperio, e Filóteo
Coccinus (+ 1376), primeiro abade do monte Athos e mais tarde patriarca de
Constantinopla, autor de um Encomium sobre Gregório Palamàs.
Mas, Palamàs também teve muitos adversários. Os mais dignos
de nota são: Nicéforo Gregoras (+ 1360), que escreveu Onze Orações
contra Gregório Palamas, e Prócoro Cydones (+ 1368), cujo nome está ligado
sobretudo às traduções em grego de santo Agostinho e são Tomás. Do Aquinense,
ele traduziu parte da Summa Theologiae e toda a Summa
Contra Gentes.
Durante esse período, nasceu a controvérsia em torno
da Epíclese (a oração que se dirige ao Pai depois da
consagração, para que ele mande o Espírito Santo para transformar os dons
divinos do pão e do vinho no corpo e no sangue do Salvador). A historiografia
recente pôde estabelecer que a fórmula “ea transmutans” foi
introduzida na liturgia ortodoxa somente no século XV. De qualquer modo,
a Epíclese torna-se um novo motivo de discórdia com os
latinos. Com efeito, enquanto estes afirmavam que a consagração ocorre no
momento em que se repete as palavras de Cristo “este é o meu corpo” e
“este é o meu sangue”, os ortodoxos sustentavam que, além dessas palavras,
é preciso também a Epíclese, ou então que a Epíclese basta
por si só.
V. A Teologia da Diáspora (séculos XVI-XVII)
Em 1453, quando os turcos ocuparam Constantinopla, a
teologia ortodoxa recebeu um golpe mortal: as escolas teológicas fechadas,
muitas bibliotecas foram destruídas, muitos teólogos exilados.
Foi então que se constituiu a teologia ortodoxa da Diáspora.
Essa teologia é marcada pelos sinais do ambiente em que se desenvolve: denota
influência do catolicismo quando se desenvolve em países católicos e mostra
influência do protestantismo quando se desenvolve em países protestantes.
No início, obviamente, é mais forte a influência católica
(dado que os protestantes nasceriam somente no século XVI), mas depois a
influência protestante também adquire um considerável peso.
Dentre os teólogos influenciados pelo catolicismo, podemos
recordar Melésio Figas, um cretense que realizou seus estudos na Universidade
de Pavia. Em 1590, foi nomeado patriarca de Alexandria. A formação católica não
o impediu de protestar energicamente quando, em 1595, os ucranianos
subscreveram a reunião com Roma. Então, escreveu um ensaio intitulado Sobre
o Primado do Papa, em que conclamava os ucranianos a desfazerem o
acordo com Roma. Em seu escrito, Figas repete sem grande originalidade os
argumentos tradicionais dos ortodoxos contra o primado romano e contra os
pretensos erros dos latinos.
Seguindo o exemplo de Figas, um outro teólogo, Máximo de
Peloponeso, elaborou um Enchiridion Contra o Cisma dos
Papistas.
Entre os teólogos mais sensíveis à influência protestante,
podemos recordar Cirilo Lucaris (+ 1638), fervoroso promotor do calvinismo na
Grécia. Em 1629, publicou em Genebra o seu Orientalis Ecclesiae
Confessionem Christianae Fidei, uma obra profundamente impregnada de
calvinismo. O Sínodo de Constantinopla de 1638 condenou as suas doutrinas.
Os desvios “catolicizantes” e “protestantizantes” não
tardaram em provocar a reação de diversos teólogos, que, preocupados em
salvaguardar a integridade da fé ortodoxa, marcaram seus escritos por uma forma
fortemente polêmica.
Entre os polemistas ortodoxos, podemos ressaltar Melésio
Syrigos (+ 1667), cuja maior obra é intitulada Confutação Ortodoxa dos
Capítulos e das Questões da Confissão de Cirilo Lukaris, e Dositeu,
patriarca de Jerusalém (+ 1707), autor do Enchiridion Contra os Erros
de Calvino.
VI. A Escola de Kiev (séculos XVII-XVIII)
Enquanto a teologia da Diáspora se apagava lenta e
fatalmente, o primeiro lugar no mundo da cultura ortodoxa passava para a
Rússia, único país da Ortodoxia que conseguira furtar-se ao domínio turco. No
século XVII, a Rússia torna-se o centro de gravidade da ortodoxia, sobretudo
graças à escola de Kiev.
Esta fora fundada por Pedro Moghila (+ 1647), que a
estruturara pelo modelo das universidades dos jesuítas: língua latina e método
escolástico. O seu texto oficial, A Confissão Ortodoxa da Fé, era
calcado no esquema do catecismo de Pedro Canísio. E mesmo na liturgia
frequentemente eram imitadas as práticas católicas[7].
A obra-prima de Moghila, A Confissão Ortodoxa da Fé, muito
embora refletisse uma clara romanização da ortodoxia, gozou de elevadíssimo
prestígio durante uns dois séculos. Sobre ela o patriarca de Moscou, Adriano (+
1700), escreveu:
“O reverendíssimo metropolita Pedro, dito Moghila, homem de
grande inteligência e vasta erudição, elaborou esse livro inspirado por Deus…
Tudo aquilo que corresponde ao juízo desse livro é indubitavelmente ortodoxo.
Já aquilo que não concorda com ele, mas está em conflito, não faz parte da
doutrina da nossa Igreja e, portanto, não merece ser escutado”[8].
Durante todo o século XVIII, A Confissão foi
classificada entre os Livros Simbólicos da Igreja Ortodoxa,
sendo-lhe atribuída a mesma autoridade dos decretos dos primeiros concílios.
A escola de Kiev produziu numerosos teólogos, entre os quais
Lasar Baranovich (+ 1693) e Antônio Radivilovski (+ 1688).
Notas:
[1] M.
JUGIE, Theologia Dogmatica Christianorum Orientalium ab Ecclesia Cathotica
Dissidentium, Paris, 1926-1935, v. 11, p. 18, nota.
[7] G.
Florovsky julgou muito severamente a orientação da escola de Kiev, acusando-a
de “compromisso”, de “cripto-catolicismo romano”, de “barroquismo teológico”.
Cf. FLOROVSKY, “Westliche Einflüsse in der Russischen Theologie” em
Proces-Vetbaux du ler Congres de Théologie Orthodoxe à Athenes, 29 nov.-6 dez.
1936, Atenas, 1939, pp. 214-215; Puti Russkovo Bogoslovi; a (em russo), Paris,
1937, pp. 4ss.
[8] Citação
de J. CHRYSOSTOMUS, “Die Tbeologie der Russisch-orthodoxen Kirche em
Vorabend der Revolution von 1917” em Una Sanefa, 1968, p. 100.
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