O TEMPO SE ABREVIOU
20/10/2025
Dom Lindomar Rocha Mota
Bispo de São Luís de Montes Belos (GO)
Há épocas em que o tempo caminha escorre rápido, noutras,
apenas escorre. A experiência humana percebe esses ritmos. O Eclesiastes intuiu
que havia um tempo para cada coisa, e Agostinho, voltando-se para dentro,
reconhece que o tempo se mede antes no coração. Quando São Paulo escreve aos
coríntios que “o tempo se fez breve”, inaugura um modo vigilante de viver, em
que cada gesto se torna significativo pede mais responsável.
A modernidade fez brotar instrumentos que afinam essa
percepção. A física ensinou que a duração depende do ponto de vista, e a
relatividade deslocou a certezas do relógio universal. A literatura, com
Proust, aprendeu a compor a memória como coisa viva e Tolstói expandiu um
instante numa época inteira.
Desde a metade do século XX, o tempo ganhou contornos mais
marcados. As cidades erguidas dos escombros, a circulação acelerada de pessoas
e ideias, a confiança industriosa de uma geração que reconstruiu pontes,
ferrovias e escolas concorreu para um compasso acelerado.
A corrida espacial condensou, em poucos anos, imaginações
que antes pareciam reservadas à lenda. O livro, de que Victor Hugo desconfiava
como rival de pedra e vitral, cedeu lugar a outras contradições ainda mais
leves.
Assim, a informação passou a chegar antes do acontecimento
consolidar sentido e o mundo aprendeu a acordar notificado.
Paul Virilio observou que a velocidade reorganiza a
percepção. Quando quase tudo se torna simultâneo, o instante deixa de ser uma
passagem e se converte em confusão.
As horas permanecem com sessenta minutos, embora uma decisão
política percorra continentes em segundos e um gesto privado ganhe publicidade
imediata. O cotidiano, mais comprimido, supõe uma arte de atenção para esculpir
presenças.
A tradição bíblica conserva uma sabedoria para esse ofício.
O tempo oportuno (kairós) não é um relógio secreto, é um olhar treinado.
Jesus narra parábolas em que o agricultor sabe esperar e o viajante sabe
partir; em ambas as imagens, a pressa cede lugar ao ritmo do cuidado.
Não é um desacelerar por nostalgia. É um reconhecer que a
brevidade pede exatidão.
Se o tempo é breve, a caridade precisa ser inteira; se os
dias se adensam, a palavra deve ser sóbria; se a história acelera, a esperança
precisa aprender a caminhar sem perder o fôlego.
A cultura também fornece metáforas confiáveis. Em Tolkien, o
tempo não é tirano; é tessitura em que a paciência dos hobbits
salva aquilo que a impetuosidade não alcança. Avida com este ritmo
diferenciado, mede o valor do acontecimento pela transformação que opera e não
pelo ruído que produz.
No pós-guerra, a aceleração recebeu nova estrutura: redes de
comunicação, logística global, biotecnologia, algoritmos. Tudo isso trouxe
benefícios inegáveis, e também exigiu virtudes correspondentes.
A ética, nesse cenário, torna-se arte de compasso que regula
o andamento para que a melodia não se desfaça em ruído.
A política, entendida como cuidado da casa comum, ganha
obrigação de estabelecer ritmos que protejam os frágeis, porque são eles que
sofrem primeiro quando o mundo corre sem cadência.
O horizonte espiritual não recua diante desse quadro. A
liturgia, que atravessa séculos sem se confundir com a rotina, educa a
respiração do tempo.
O calendário católico, com suas estações, demonstra que a
aceleração pode conviver com a fidelidade, e que a novidade costuma nascer de
uma atenção antiga ao ensinar que “Jesus Cristo é o mesmo ontem, hoje e
sempre”, como uma fonte, e, quem bebe nela encontra força para atravessar a
pressa sem ser arrastados por ela.
O relógio continuará marcando, a alma, porém, pode aprender
a dar peso diferente às mesmas horas. Quando isso ocorre, a aceleração deixa de
ser ameaça vira possibilidade.
“O tempo se fez breve de novo” (1Cor 7,29) é convite a
inteireza. Pede-se que a pressa seja convertida em prontidão, que a novidade
seja provada com sabedoria. Pede-se, ainda, que a esperança trabalhe com mãos
firmes. Se o mundo corre, caminhemos com largueza de espírito, convertendo a
brevidade em um modo mais puro de viver, em que cada hora encontra lugar, cada
palavra encontra medida e cada um encontra o seu destino.
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