Publicada a primeira exortação apostólica de Robert Prevost,
um trabalho iniciado por Francisco sobre o tema do serviço aos pobres, em cujo
rosto encontramos “o sofrimento dos inocentes”. O Papa denuncia a economia que
mata, a falta de equidade, a violência contra as mulheres, a desnutrição, a
emergência educacional. Ele faz seu o apelo de Bergoglio pelos migrantes e pede
aos fiéis que façam ouvir “uma voz que denuncie”, porque “as estruturas da
injustiça devem ser destruídas com a força do bem"
Salvatore Cernuzio – Vatican News
Dilexi te, “Eu te amei”. O amor de Cristo que se encarna no
amor aos pobres, entendido como cuidado dos doentes; luta contra a escravidão;
defesa das mulheres que sofrem exclusão e violência; direito à educação;
acompanhamento aos migrantes; esmola que “é justiça restabelecida, não um gesto
de paternalismo”; equidade, cuja falta é “a raiz de todos os males sociais”.
Leão XIV assina sua primeira exortação apostólica, Dilexi te, texto
em 121 pontos que brota do Evangelho do Filho de Deus que se tornou pobre desde
sua entrada no mundo e que relança o Magistério da Igreja sobre os pobres nos
últimos cento e cinquenta anos. “Uma verdadeira mina de ensinamentos”.
LEIA AQUI O TEXTO INTEGRAL DA EXORTAÇÃO APOSTÓLICA DO PAPA
LEÃO XIV
“Os pobres não existem por acaso...”
O Papa Leão XIV traça uma reflexão profunda sobre as causas
da pobreza: “Os pobres não existem por acaso ou por um cego e amargo destino.
Muito menos a pobreza é uma escolha, para a maioria deles. No entanto, ainda há
quem ouse afirmá-lo, demonstrando cegueira e crueldade”, sublinha (14).
“Obviamente, entre os pobres há também aqueles que não querem trabalhar”, mas
há também muitos homens e mulheres que, por exemplo, recolhem papelão de manhã
à noite apenas para “sobreviver” e nunca para “melhorar” a vida. Em suma, lê-se
em um dos pontos centrais da Dilexi te, não se pode dizer “que a
maioria dos pobres estão nessa situação porque não obtiveram méritos, de acordo
com a falsa visão da meritocracia, segundo a qual parece que só têm méritos
aqueles que tiveram sucesso na vida” (14).
Ideologias e orientações políticas
Em muitas ocasiões, observa o Papa Leão, são os próprios
cristãos que se deixam “contagiar por atitudes marcadas por ideologias mundanas
ou por orientações políticas e econômicas que levam a injustas generalizações e
conclusões enganosas” (15).
Há quem continue a dizer: “O nosso dever é rezar e
ensinar a verdadeira doutrina”. Mas, desvinculando este aspecto religioso da
promoção integral, acrescentam que só o Governo deveria cuidar deles, ou que
seria melhor deixá-los na miséria, ensinando-lhes antes a trabalhar (114)
A esmola frequentemente desprezada
Sintoma dessa mentalidade é o fato de que o exercício da
caridade às vezes é “desprezado ou ridicularizado, como se fosse uma fixação
somente de alguns e não o núcleo incandescente da missão eclesial” (15). O Papa
detém-se longamente na esmola, raramente praticada e frequentemente desprezada
(115).
Como cristãos, não renunciemos à esmola. Um gesto que
pode ser feito de várias maneiras, e podemos tentar fazer da forma mais eficaz,
mas que deve ser feito. E será sempre melhor fazer alguma coisa do que não
fazer nada. Em todo o caso, tocar-nos-á o coração. Não será a solução para a
pobreza no mundo, que deve ser procurada com inteligência, tenacidade e
compromisso social. Mas precisamos praticar a esmola para tocar a carne
sofredora dos pobres (119)
Indiferença por parte dos cristãos
Na mesma linha, o Papa destaca “a falta ou mesmo a ausência
de compromisso” com a defesa e a promoção dos mais desfavorecidos em alguns
grupos cristãos (112). Se uma comunidade da Igreja não coopera para a inclusão
de todos, adverte ele, “correrá também o risco da sua dissolução, mesmo que
fale de temas sociais ou critique os Governos. Facilmente acabará submersa pelo
mundanismo espiritual, dissimulado em práticas religiosas, reuniões infecundas
ou discursos vazios” (113).
Há que afirmar sem rodeios que existe um vínculo
indissolúvel entre a nossa fé e os pobres (36)
O testemunho dos santos, beatos e ordens religiosas
Para contrabalançar essa atitude de indiferença, há um mundo
de santos, beatos e missionários que, ao longo dos séculos, encarnaram a imagem
de “uma Igreja pobre e para os pobres” (35). De Francisco de Assis e seu gesto
de abraçar um leproso (7) a Madre Teresa, ícone universal da caridade dedicada
aos moribundos da Índia “com uma ternura que era oração” (77). E ainda São
Lourenço, São Justino, Santo Ambrósio, São João Crisóstomo, seu Santo
Agostinho, que afirmava:
“Aquele que diz amar a Deus e não se compadece dos
necessitados, mente” (45).
Leão ainda lembra o trabalho dos Camilianos pelos doentes
(49), das congregações femininas em hospitais e casas de repouso (51). Ele
lembra o acolhimento nos mosteiros beneditinos a viúvas, crianças abandonadas,
peregrinos e mendigos (55). E lembra também os franciscanos, dominicanos,
carmelitas e agostinianos que iniciaram “uma revolução evangélica” através de
um “estilo de vida simples e pobre” (63), juntamente com os trinitários e
mercedários que, lutando pela libertação dos prisioneiros, expressaram o amor
de “um Deus que liberta não só da escravidão espiritual, mas também da opressão
concreta” (60).
A tradição destas Ordens não cessou. Pelo contrário,
inspirou novas formas de ação diante das escravidões modernas: o tráfico de
pessoas, o trabalho forçado, a exploração sexual, as diversas formas de
dependência. A caridade cristã, quando encarnada, torna-se libertadora (61)
O direito à educação
O Pontífice recorda também o exemplo de São José de
Calasanz, que fundou a primeira escola popular gratuita da Europa (69), para
salientar a importância da educação dos pobres: “Não é um favor, mas um dever”.
Os pequenos têm direito à sabedoria, como exigência
básica do reconhecimento da dignidade humana (72)
A luta dos movimentos populares
Na exortação, o Papa também menciona a luta contra os
“efeitos destrutivos do império do dinheiro” por parte dos movimentos
populares, conduzidos por líderes “colocados muitas vezes sob suspeita e até
perseguidos” (80). Eles, escreve, “convidam a superar aquela ideia das
políticas sociais concebidas como uma política para os pobres, mas nunca com os
pobres, nunca dos pobres” (81).
Uma voz que desperte e denuncie
Nas últimas páginas do documento, Leão XIV apela a todo o
Povo de Deus para “fazer ouvir, ainda que de maneiras diferentes, uma voz que
desperte, denuncie e se exponha mesmo correndo o risco de parecer estúpidos”.
As estruturas de injustiça devem ser reconhecidas e
destruídas com a força do bem, através da mudança de mentalidades e também, com
a ajuda da ciência e da técnica, através do desenvolvimento de políticas
eficazes na transformação da sociedade (97)
Os pobres, não um problema social, mas o centro da Igreja
É necessário que “todos nos deixemos evangelizar pelos
pobres”, exorta o Papa (102). “O cristão não pode considerar os pobres apenas
como um problema social: eles são uma questão familiar.
Pertencem aos nossos”. Portanto, “a relação com eles
não pode ser reduzida a uma atividade ou departamento da Igreja” (104).
Os pobres ocupam um lugar central na Igreja (111)
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