ORGULHO, VANGLÓRIA E AMOR-PRÓPRIO NAS CONFISSÕES DE SANTO
AGOSTINHO
09/10/2025
Dom João Santos Cardoso
Arcebispo de Natal (RN)
No Livro X das Confissões, Santo Agostinho
dedica quatro capítulos (XXXVI–XXXIX) a uma acurada análise de três tentações
que ameaçam o caminho espiritual: o orgulho, a vanglória e o amor-próprio
desordenado. Depois de examinar as concupiscências ligadas aos sentidos — o
prazer e a curiosidade —, o bispo de Hipona volta-se para o mais sutil dos
perigos: aqueles que se escondem no interior da alma, mesmo quando esta já
busca a Deus.
Para Agostinho, o orgulho é a tentação de querer ser senhor
de si mesmo, esquecendo-se de que tudo é dom. Ele reconhece que apenas a
misericórdia de Deus pode curar essa inclinação: “Sabes o quanto já me
transformaste; […] derrubaste meu orgulho pelo temor, dobrando minha cerviz a
teu jugo” (X, XXXVI). Também descreve orgulho como um afastamento silencioso da
graça. Mesmo as boas obras, quando realizadas para obter reconhecimento humano
ou como fruto de autossuficiência, tornam-se armadilhas. Contra isso, Agostinho
propõe a humildade, lembrando que só Deus governa sem soberba: “Tu és o único
Senhor verdadeiro, que não tens senhor” (X, XXXVI).
A vanglória, filha do orgulho, consiste em mendigar aplausos
pelos dons recebidos. Santo Agostinho observa que ela pode infiltrar-se até no
desprezo da própria vanglória, quando alguém se orgulha de parecer humilde: “A
vanglória me tenta até quando a reprovo, e é por isso mesmo que a desaprovo”
(X, XXXVIII). Aqui reside um perigo profundamente insidioso: transformar a
prática do bem em ocasião de exaltação pessoal. O antídoto é recordar que todo
dom procede de Deus e deve ser usado para edificar os outros, não para
alimentar a vaidade.
No capítulo XXXIX, Agostinho trata do amor-próprio, que pode
tornar-se enfermidade quando leva o ser humano a apropriar-se dos bens divinos
como se fossem conquistas pessoais: “Quanto mais enfatuados consigo mesmos,
mais desagradam a ti, não só quando se gloriam de seus males como se fossem
bens, mas sobretudo quando se gloriam de teus bens como se fossem deles” (X,
XXXIX). O amor a si mesmo, quando orientado pela caridade, é legítimo; mas,
quando perde a referência ao Criador, converte-se em fechamento egoísta,
gerando inveja e ciúme diante dos dons alheios.
Nesses quatro capítulos, Agostinho insiste que a vitória
sobre orgulho, vanglória e amor-próprio não vem apenas de esforços morais, mas
da graça divina. Ele pede a Deus o dom de conhecer-se verdadeiramente e de
ordenar os afetos segundo o amor maior: “Suplico-te, meu Deus, que me dês a
conhecer a mim mesmo, para que eu possa confessar as chagas que achar em mim”
(X, XXXVII). A humildade, sustentada pela graça, liberta o coração para
reconhecer tudo como presente de Deus, devolvendo-Lhe a glória que Lhe é devida.
As observações de Agostinho permanecem surpreendentemente
atuais. Em tempos marcados pela busca de aprovação e pelo culto à imagem, suas
palavras convidam a examinar as nossas motivações mais profundas: por que
fazemos o bem? Buscamos agradar a Deus ou apenas conquistar aplausos?
As Confissões mostram que o verdadeiro
caminho é ordenar o amor: reconhecer-se criatura, celebrar os dons sem
apegar-se a eles e viver para a Verdade que liberta. Orgulho, vanglória e
amor-próprio desordenado não desaparecem facilmente, mas podem ser vencidos quando
colocados à luz do amor de Deus.
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