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segunda-feira, 5 de dezembro de 2022

A perseguição aos cristãos e o amor

DesignRage | Shutterstock
Por Francisco Borba Ribeiro Neto

O cancelamento cultural (“perseguição educada”, nas palavras do Papa Francisco) ao qual os cristãos de hoje frequentemente estão sujeitos, nas democracias ocidentais, nos revolta e escandaliza.

Perseguidos, mas não esquecidos: o título da série de relatórios bianuais produzidos pela Ajuda à Igreja que Sofre (ACN), reportando a perseguição aos cristãos no mundo não poderia ser mais adequado. Desde sempre os cristãos estão sendo perseguidos em algum lugar do mundo, mas a estabilidade e a relativa segurança que o cristianismo desfruta nas democracias ocidentais frequentemente nos faz esquecer dessa dura realidade de nossos irmãos cristãos que vivem em países onde são minoria. Mas não podemos nos esquecer deles…

Todos nós, cristãos, no horizonte místico da comunhão dos santos, somos devedores de nossos irmãos que viveram e vivem o martírio. Qual país teria conhecido a Cristo sem a dedicação dos missionários? Pois não existe missão sem histórias de martírio. Ainda hoje, os sacrifícios dos mártires nos ajudam – de forma tão invisível quanto a da oração – a manter nossa fé e nos encontrarmos com Cristo. O mártir, em sua entrega, se torna particularmente semelhante a Cristo e, com Ele, se torna instrumento privilegiado para a salvação do mundo. Não se esquecer de nossos irmãos que sofrem perseguição é gesto de gratidão, mas também exercício para o fortalecimento de nossa fé, caminho para nos descobrirmos mais mergulhados na comunhão dos santos.

Certa vez, perguntaram ao já idoso Dom Estanislao Karlic, bispo e teólogo argentino, o que pensava da possibilidade de grandes nações atuais, cada vez mais ateias, serem “recristianizadas”. Ele respondeu que já havia pensado nessa hipótese, e essa ideia fazia com que se entristecesse e rezasse. Ficava triste, dizia ele, porque nenhuma nação se converteria sem o testemunho de mártires, e ele sofria ao pensar em todos esses cristãos que ainda deveriam sofrer para que o mundo se convertesse. Os católicos há muito descobriram que a verdadeira conversão não é fruto do poder ou das estratégias de convencimento, mas da ação misteriosa de Deus, que toca os corações… E o martírio revela uma abundância de vida e de amor, capaz de superar o sofrimento e a morte – uma força, ainda maior e mais verdadeira que a do poder humano, que toca o coração de quem se depara com tal testemunho.

A perseguição física e a “perseguição educada”

Quando lemos o relatório Perseguidos, mas não esquecidos recém-lançado pela ACN nos damos conta de quão pequenas são nossas dificuldades para praticar os preceitos de nossa fé. De fato é muito ruim não poder ir à missa ou encontrar nossos amigos e partilhar em comunidade nossa fé por conta de uma pandemia, como aconteceu no auge da pandemia de Covid. Mas percebemos que é muito pouco diante da possibilidade de ter sua família metralhada em meio de uma celebração litúrgica, ter sua filha raptada para ser forçada a se casar com um homem de outra religião ou precisar fugir de sua casa, deixando todos os seus bens e história para trás.

O cancelamento cultural (“perseguição educada”, nas palavras do Papa Francisco) ao qual os cristãos de hoje frequentemente estão sujeitos, nas democracias ocidentais, nos revolta e escandaliza. Mas sem dúvida ainda é pouco comparado com a perseguição física, que pode chegar até à morte, experimentada por nossos irmãos em vários países do mundo. Não se trata de minimizar o que sofremos, mas apenas de dar aos problemas sua verdadeira dimensão – e reconhecer os méritos de uma história que pode ter muitos erros, mas transmitiu a nossos povos a noção de respeito à integridade física e à liberdade de cada cidadão. Aliás, minorias religiosas muitas vezes são vítimas de intolerância e perseguição religiosa entre nós, e também nos cabe lutar para que seus praticantes tenham os mesmos direitos que temos.

Um cuidado necessário

O Relatório da ACN mostra que as maiores ameaças aos cristãos no mundo atual vêm de grupos extremistas islâmicos e das ditaduras comunistas que ainda restam no mundo. Geograficamente, a Ásia e a África são os dois continentes onde os cristãos são mais ameaçados. Esses dados levam a algumas conclusões, mas, ao mesmo tempo, implicam em alguns cuidados.

Sem dúvida, o extremismo islâmico e o autoritarismo comunista devem ser combatidos no mundo todo, se queremos sociedades mais livres e direitos humanos mais respeitados. Contudo, um perigo sempre presente é aquele de, ao combater um adversário, usarmos as mesmas estratégias e armas que ele usa. Quando agimos assim, acabamos nos tornando iguais àqueles que desejamos combater. Podemos nos tornar tão agressivos e irracionais quanto os extremistas islâmicos dos quais queríamos nos proteger. Podemos apoiar um líder tão ou mais despóticos do que os líderes das ditaduras comunistas em nosso medo de vivermos num Estado totalitário. Com isso, acabamos perdendo o amor cristão que, inicialmente, nos movia. Enganados, servimos ao demônio em nosso afã de seguir a Deus.

Responder ao mal com o bem

Mas, então, como devemos agir? Bento XVI, numa passagem curta, mas iluminada, comentando a passagem em que Cristo diz para “dar a outra face” (Mt 5, 38-42 e Lc 6, 27-31), explica que não se trata de deixar-se dominar pelos maus, deixar que os perseguidores nos façam mal, mas sim em responder ao mal com o bem (Ro 12, 21), num “modo de ser pessoa” baseado no amor. Mostrar-se capaz de amar, de fazer o bem, mostrar que o amor de Deus realmente nos faz mais felizes, é uma forma eficiente de lutarmos contra muitas formas de perseguição religiosa.

Isso não elimina, evidentemente, o fato de não nos esquecermos das vítimas de perseguição e de alguns gestos, até pequenos, mas que estão ao nosso alcance. O primeiro, mais fundamental e sabermos de suas histórias (não nos esquecermos deles) e rezarmos por eles, que Deus os conforte e os proteja em suas tribulações.  Para isso, vale a pena conhecer este relatório que estou comentando. Depois, existem uma série de ações de solidariedade aos refugiados e recuperação econômica das comunidades que podem ser apoiadas por nós. Por último, cobrar que nosso governo tenha uma posição proativa, no cenário internacional, de combate aos grupos extremistas e às políticas persecutórias em todos os países.

Fonte: https://pt.aleteia.org/

Papa Francisco: "Sem paz somos todos derrotados"

Destruição na Ucrânia  (AFP or licensors)

Publicamos a introdução do Papa Francisco ao livro "Uma encíclica sobre a paz na Ucrânia" (Edições Terra Santa, organizado por Francesco Grana) que reúne os discursos do Pontífice sobre o conflito na Europa. O texto foi antecipado pelo jornal "Il Fatto Quotidiano".

Francisco

“Nunca soube que o Senhor tenha começado um milagre sem concluí-lo bem". Desde que li e reli o livro Os Noivos de Alessandro Manzoni, há muitos anos, sempre meditei longamente sobre esta frase. É uma frase de esperança, enquanto caminhamos rumo ao Jubileu de 2025, cujo lema eu quis dedicar precisamente a esta virtude teologal: Peregrinos da Esperança.

Bento XVI nos deu uma maravilhosa encíclica sobre esperança, Spe salvi. Ele escreve que “a ‘redenção’, a salvação, segundo a fé cristã, não é um simples dado de fato. A redenção é-nos oferecida no sentido que nos foi dada a esperança, uma esperança fidedigna, graças à qual podemos enfrentar o nosso tempo presente: o presente, ainda que custoso, pode ser vivido e aceito, se levar a uma meta e se pudermos estar seguros desta meta, se esta meta for tão grande que justifique a canseira do caminho”.

Estas são experiências que cada um de nós teve na sua própria vida e que nos permitem enfrentar as quedas diárias com a certeza de que o Senhor nos toma pela mão e nos levanta porque Ele não quer que fiquemos no chão. Tenho lembrado com frequência "que é lícito olhar uma pessoa do alto para baixo somente para ajudá-la a se levantar: nada mais. Somente neste caso é lícito olhar de cima para baixo. Mas nós cristãos devemos ter o olhar de Cristo, que abraça de baixo, que busca os perdidos, com compaixão. Este é, e deve ser, o olhar da Igreja, sempre, o olhar de Cristo, não o olhar condenador".

A guerra na Ucrânia, mesmo na véspera do seu início, questionou cada um de nós. Depois dos anos dramáticos da pandemia, quando, não sem grandes dificuldades e muitas tragédias, estávamos finalmente saindo de sua fase mais aguda, por que chegou o horror deste conflito sem sentido e blasfemo, como é toda a guerra? Podemos falar com segurança de uma guerra justa? Podemos falar com segurança de uma guerra santa?

Nós, homens de Deus que anunciamos o Evangelho do Ressuscitado, temos o dever de gritar esta verdade de fé. Deus é um Deus da paz, do amor e da esperança. Um Deus que quer que todos nós sejamos irmãos, como Seu Filho Jesus Cristo nos ensinou. Os horrores da guerra, de toda guerra, ofendem o santíssimo nome de Deus. E o ofendem ainda mais quando seu nome é abusado para justificar tal indizível massacre.

O grito das crianças, das mulheres e dos homens feridos pela guerra sobe a Deus como uma oração pungente pelo coração do Pai. Quantas tragédias ainda teremos que testemunhar antes que todos os envolvidos em cada guerra compreendam que esta é apenas uma estrada de morte que ilude apenas alguns a acreditarem que são os vencedores? Pois que fique claro: com a guerra todos nós somos derrotados! Mesmo os que não tomaram parte dela e que, na covarde indiferença, assistiram a este horror sem intervir para levar a paz.

Todos nós, em qualquer papel, temos o dever de ser homens de paz. Ninguém excluído! Ninguém tem o direito de olhar para o outro lado. "Neste mundo da globalização, caímos na globalização da indiferença. Habituamo-nos ao sofrimento do outro, não nos diz respeito, não nos interessa, não é responsabilidade nossa! Reaparece a figura do ‘Inominado’ de Alexandre Manzoni. A globalização da indiferença torna-nos a todos ‘inominados’, responsáveis sem nome e sem rosto".

Na véspera do início da Segunda Guerra Mundial, o Servo de Deus Pio XII lembrou ao mundo que "nada se perde com a paz. Tudo pode ser perdido com a guerra. Que os homens voltem a compreender-se. Recomecem as negociações. Tratando com boa vontade e com respeito os direitos recíprocos, dar-se-ão conta de que a negociações sinceras e eficazes nunca está fechado um sucesso excelente”.

Sou particularmente grato a Francesco Antonio Grana porque reuniu todos os meus apelos pela paz na Ucrânia. Do mesmo sou grato ao seu jornal, ilfattoquotidiano.it, porque, desde o início deste conflito, sempre deu ampla ressonância a estas minhas palavras. Como sou para tantos outros homens e mulheres que se fizeram portadores desta mensagem, muitas vezes com concretude e no silêncio.

O texto que vocês têm mãos é um texto que reúne o que despertou no meu coração durante estes meses de guerra, vendo as imagens desta terrível tragédia e lendo as terríveis crônicas desta e de muitos outros conflitos no mundo que muitas vezes são esquecidos. Uma espécie de diário de guerra que ofereço aos leitores na esperança de que possa muito em breve tornar-se um diário de paz e, sobretudo, um aviso a todos para não repetirem mais tais monstruosidades. Uma verdadeira encíclica sobre e pela paz na Ucrânia e em todos os outros lugares da Terra.

Enquanto continuamos a rezar insistentemente pela paz na Ucrânia, verdadeiramente sem nunca nos cansarmos, não devemos nos acostumar a esta guerra assim como qualquer outra guerra. Não devemos permitir que nossos corações e mentes fiquem anestesiados diante da repetição destes graves horrores contra Deus e contra o homem. Não devemos, por nenhuma razão no mundo, acostumar-nos a isto, quase tomando como certa esta terceira guerra mundial em pedaços que se tornou, diante de nossos olhos, uma guerra mundial total.

Rezemos pela paz! Vamos trabalhar pela paz! Certos de que o Senhor Jesus, Príncipe da Paz, dará à Ucrânia e ao mundo inteiro, especialmente onde tantos focos de guerra ainda persistem, o alvorecer da manhã de Páscoa.

TEM INÍCIO O PROCESSO DE BEATIFICAÇÃO E CANONIZAÇÃO DE CARMEN HERNÁNDEZ

Início do Processo de Beatificação e Canonozação de Carmen Hernádez |
cn.org.br

TEM INÍCIO O PROCESSO DE BEATIFICAÇÃO E CANONIZAÇÃO DE CARMEN HERNÁNDEZ

POST 4 DE DEZEMBRO DE 2022 C. N. BRASIL

Fotos: archimadri.es

Está aberto, oficialmente, o processo de beatificação e canonização de Carmen Hernández Barrera, iniciadora, junto com Kiko Argüello, do Caminho Neocatecumenal, um itinerário de iniciação cristã, fruto do Concílio Vaticano II, que está a serviço da Igreja para levar às paróquias a beleza de viver a fé em pequenas comunidades. Esta iniciação cristã está presente no mundo todo, inclusive em cem dioceses do Brasil.

A cerimônia que marcou a abertura oficial, dando início à primeira etapa do processo, ou seja, a fase diocesana, aconteceu em 4 de dezembro, na Universidade Francisco de Vitória, em Madri, Espanha, sendo presidida pelo Arcebispo de Madri, Cardeal Carlos Osoro Sierra.

Esteve presente a Equipe Internacional responsável pelo Caminho Neocatecumenal, composta por Kiko Argüello, Ascensión Romero e Padre Mario Pezzi. Ascensión passou a integrar a equipe após a morte de Carmen em 19 de julho de 2016.

Já Kiko conheceu Carmen na década de 60, em Palomeras Altas, periferia de Madri, lugar onde teve início o Caminho Neocatecumenal. Em sua fala, no início da cerimônia, ele recordou:

“O Senhor nos uniu, Carmen e eu, durante mais de 50 anos, em uma missão de evangelização maravilhosa, que começou nesta diocese de Madri, como fruto do Concílio Vaticano II. Nos conhecemos em 1964, quando ela retornou de sua histórica peregrinação à Terra Santa. Eu havia ido viver em um barraco com os pobres de Palomeras. Ali, Carmen conheceu a comunidade de irmãos que se reuniam em meu barraco e ficou impressionada com a resposta que davam à Palavra de Deus. Decidiu ficar e viver conosco e construímos um barraco para ela. Carmen viu a presença de Jesus Cristo que vem salvar os pecadores, realizar o mistério de Páscoa e criar a comunhão onde é impossível que se realize.Carmen foi estupenda! Foi uma mulher extraordinária, uma verdadeira profeta, uma autêntica missionária, que viveu a fé em grau heroico. Uma mulher excepcional! Importantíssima para a Igreja, sempre em oração, apaixonada por Cristo, pela Escritura, pela Páscoa, com um amor incondicional ao Papa e a Igreja”.

Fotos: archimadri.es

Na cerimônia, Carlos Metola, postulador da causa, leu o Supplex Libellus (libelo de súplica), que representa o pedido de abertura do processo em nome das partes autoras: a Equipe Internacional do Caminho Neocatecumenal, Fundação Família de Nazaré de Madri e Fundação Família de Nazaré de Roma.

Dom Carlos fez a leitura de aceitação do libelo de demanda e da nomeação do Tribunal Delegado para esta causa, composto pelo Delegado Episcopal para a Causa dos Santos, Padre Alberto Fernández Sánchez, o Promotor de Justiça, Padre Martín Rodajo Morales e as notárias adjuntas, Ana Gabriela García Martínez e Mercedes Alvaredo de Beas.

Fotos: archimadri.es

Uma vez iniciado o processo de beatificação e canonização, Carmen Hernández passa a ser reconhecida como Serva de Deus, uma vez que foi aceito o Supplex Libellus onde se afirma:

“Carmen Hernández pôde viver as virtudes cristãs em grau heroico: a fé, a esperança, a caridade, a prudência, a justiça, a fortaleza, a temperança, a paciência, o sofrimento, a piedade, a aceitação da vontade de Deus, um amor profundíssimo pela Igreja e por Jesus Cristo, um imenso amor pela oração, pela hierarquia da Igreja, com uma grande liberdade na correção fraterna, e cremos ter muitas provas disso, através de seus numerosos escritos pessoais, catequeses, cartas e testemunhos de muitas pessoas que a conheceram. Há uma fama de sinais e favores estendida ao povo de Deus, de que Carmen Hernández intercede ante a Deus por eles, devido a numerosas graças e favores que lhe pediram e continuam pedindo diariamente. Temos recebido mais de 1500 graças de mais de 70 países distintos de todo o mundo”.

A cerimônia encerrou com a estreia de dois poemas sinfônicos de Kiko Argüello: Filhas de Jerusalém Aquedah, sendo este referente ao sacrifício de Isaac, filho de Abraão, narrado no capítulo 22 do livro do Gênesis, e aquele se refere ao capítulo 23 do Evangelho de São Lucas, que narra a subida de Jesus Cristo ao Calvário para ser crucificado. A apresentação foi feita pela Orquestra Sinfônica do Caminho Neocatecumenal.

O evento foi transmitido, ao vivo, pelo canal oficial da Arquidiocese de Madri no YouTube. No Brasil, a transmissão foi feita, com tradução simultânea, pelo canal oficial do Caminho Neocatecumenal no Brasil no YouTube. Assim, a cerimônia pôde ser acompanhada em todo o mundo, de forma que, em muitos lugares, inclusive no Brasil, as comunidades neocatecumenais se reuniram para acompanhar a transmissão.

Fotos: archimadri.es

Livros

No Brasil, há dois livros publicados que apresentam a história de Carmen: Carmen Hernández – Notas Biográficas, da autoria de Aquilino Cayuela, e Carmen Hernández Diários 1979-1981 com anotações feitas por ela em seus diários, em que relata fatos de sua vida e manifesta sua relação pessoal em diálogo com Jesus Cristo.

Os livros podem ser solicitados entrando em contato com o Centro Neocatecumenal de Brasília pelo link: https://cn.org.br/portal/livros/

Centro Neocatecumenal de Brasília
Assessoria de Comunicação

Mais informações, acesse:
Site oficial para a causa de canonização e beatificação de Carmen Hernández
Site oficial internacional do Caminho Neocatecumenal

O Papa: se não fossem feitas armas por um ano, a fome no mundo acabaria

Mísseis usados ​​na guerra  (©oneinchpunch - stock.adobe.com)

Encontrando uma delegação do Seminário Rabínico Latino-Americano, Francisco reiterou sua denúncia contra a indústria de armas e lembrou que novas armas estão sendo testadas na Ucrânia às custas das pessoas que morrem. Ele então afirma que na Bíblia, a justiça é adorar a Deus e servir ao próximo.

Benedetta Capelli – Vatican News

Há uma referência à atualidade no discurso improvisado do Papa Francisco em espanhol a uma delegação do Seminário Rabínico Latino-Americano, proveniente da Argentina e recebida, no Vaticano, na sexta-feira, 2 de dezembro. Em suas palavras, a dor pela guerra na Ucrânia.

Esta guerra me faz sofrer. Irmãos contra irmãos, mas não só isso. Pensar que em um século houve três guerras mundiais: 39-45, 14-18 e esta. Pensar que se não fossem feitas armas por um ano, a fome no mundo acabaria, pois acredito que seja a maior indústria. Pensar que uma guerra se trava quando um império se sente fraco, então mata para se sentir forte e usar as armas que devem vender ou doar para fazer novas. Dói-me ver aqueles drones sendo experimentados, sobrevoando a Ucrânia. São armas novas que estão testando, às custas das pessoas que morrem.

Exemplo de fraternidade

A pergunta que o bispo de Roma se faz sobre a mansidão do ser humano encontra resposta em Jeremias. O convite a trabalhar como irmãos é forte.

Contra uma cultura da crueldade, do homem lobo para o homem, trabalhamos a partir da nossa fé, com estes livros sagrados comuns e dando o exemplo de fraternidade.

Adorar, servir e ajudar

O Papa também se detém naqueles que, refletindo sobre suas palavras, o julgam "comunista" porque "fala de coisas sociais" em vez de falar de Deus. Em vez disso, ele enfatiza que "a justiça do coração" está presente na Bíblia, "está sempre com Deus e com o próximo". Portanto, se adora e se serve, se adora e se ajuda.

Quem só ajuda e não adora é um bom ateu, nada mais. Quem adora e não ajuda é um cínico, um mentiroso. As duas coisas caminham juntas. Devemos lutar por isso, para que a nossa fé se torne obras e as nossas obras nos conduzam à fé. É um círculo.

Formar novos líderes sociais

A delegação do Seminário Rabínico Latino-Americano "Marshall T. Meyer", por ocasião da audiência, apresentou ao Papa uma proposta de mudança social através da formação de líderes, a partir de uma perspectiva espiritual comum. Uma meta a ser alcançada em união com a Santa Sé e através de centros educacionais, centros de espiritualidade e movimentos juvenis. Em entrevista ao Vatican News, o rabino argentino Ariel Stofenmacher, reitor do Seminário Rabínico Latino-Americano, sublinhou que "a proposta tem a ver com a compreensão das necessidades deste mundo e com a visão do Papa sobre essas necessidades, em termos de atenção aos pobres e defesa do meio ambiente”. Daí a exigência de nos tornarmos “agentes de mudança através da educação” para enfrentar com decisão “os flagelos da sociedade como a discriminação, a pobreza, a falta de trabalho e a violência de gênero”.

O Seminário Rabínico Latino-Americano é o principal centro de espiritualidade e formação judaica na América Latina. Foi fundado em 1962 na cidade de Buenos Aires pelo rabino Marshall T. Meyer e tem sedes em Montevidéu e Santiago do Chile.

Santa Crispina

Santa Crispina | Wikipedia
05 de dezembro
Santa Crispina

Crispina nasceu de rica e nobre família em Tebaste (ou Thagara, ou Thacora), cidade romana da Numídia, em Taoura, Argélia, norte da África. Ali vivia no final do século III e início do Século IV, casada e mãe de vários filhos. Não possuía boa saúde; muito firme na Fé, era estimada carinhosamente pelos cristãos, que a procuravam pelos seus bons conselhos tanto em assuntos religiosos quanto naturais.

Neste período eclodiu a décima perseguição do imperador romano Dioclesiano aos cristãos. Sendo muito conhecida na região, Crispina foi uma das primeiras a serem presas e levada a Theveste (Tébessa) para julgamento pelo procônsul Gaius Annio Anullino. Diante dele, ela se negou a adorar os deuses pagãos: – "Você quer viver muito ou morrer entre as torturas como seus cúmplices [Júlio, Potamia, Félix, Grato e outros sete cristãos]?".

"Se eu quisesse morrer, eu não deveria fazer outra coisa que dar o meu consentimento aos demônios, deixando que a minha alma se perdesse no fogo eterno".

Para humilhá-la, rasparam o seu cabelo, e Gaius a atormentou de várias formas; mas nem diante do choro dos seus próprios filhos ela negou a Deus. Humilhado, então, ficou Gaius, diante da valentia de Crispina, e irritado decretou-lhe a morte por decapitação de espada, diante do que a santa disse: "Louvado seja Deus que me olhou de cima e me tirou de suas mãos".

 Em cinco de dezembro de 305, a sentença foi executada fora de Theveste, e neste local foi posteriormente construída uma Basílica. Num dos seus sermões, Santo Agostinho, que viveu no mesmo período, a compara com Santa Inês e Santa Tecla, e o seu culto foi muito difundido na Antiguidade.

Colaboração: José Duarte de Barros Filho

Reflexão:

“Crispina”, de etimologia alemã, significa “de cabelo crespo”. [Infelizmente não pude apurar, caro leitor, se o nome desta mártir era, portanto, este mesmo, ou se apenas um apelido]. Mas providencialmente este fato permite uma breve e pertinente consideração. Crespo, encaracolado, enrolado desde a raiz, é o modo característico da vida humana desde o Pecado Original; o que não impede, pela infinita bondade de Deus que nos concedeu a Redenção pela Paixão, Morte e Ressurreição de Cristo, de novamente nos reconciliarmos com Ele, a exemplo da firmeza e virtude exemplares desta santa. A nós basta a humildade de reconhecer nossas limitações e, assim conscientes delas, obedecermos a Deus, seguindo os Seus Mandamentos com o auxílio indispensável dos Sacramentos que Ele nos deixou através da Santa Igreja. Esta é a coerência ao mesmo tempo normal e indispensável a quem de verdade é fiel a Deus, sem “reinterpretações” e subjetivismos interesseiros: só assim receberemos a graça santificante que nos permite não adorar os demônios ao invés do Senhor, ainda que para isso seja necessário morrer na carne. De fato, as perseguições romanas aos cristãos se baseavam em que eles não ofereciam sacrifícios aos deuses romanos, o que deveria trazer a sua insatisfação e consequente castigo para o império…algo até lógico, e que seria admirável se não fosse o fato de que tais “deuses” nada mais eram do que fantasias criadas à imagem e semelhança dos homens pecadores, exatamente o contrário da Verdade, pois somos nós os criados à Imagem e Semelhança de Deus, por Sua bondade e nada mais! Tal inversão de ideias vem exatamente do diabo, que nos quer perder e afastar de Deus, e que Santa Crispina denunciou claramente no seu julgamento: ela se recusou a "sacrificar aos demônios", resistindo às ameaças e punições para não "sujar sua própria alma com os ídolos, que são feitos de pedra, fabricados pelo homem". Hoje também são muitos os ídolos que o diabo propõe à Humanidade, particularmente através de ideologias políticas que prometem um impossível e mal dimensionado e ilusório “paraíso terrestre”, onde questões econômicas e administrativas são colocadas acima de Deus e da salvação das almas. Só seremos “enrolados”, enganados, se o quisermos e permitirmos; pois Cristo e os Seus santos já nos mostraram claramente o caminho da Verdade e a disposição a seguir.

Oração:

Deus, Pai de Amor, que jamais abandona os Seus filhos, os quais resgatastes com o Sangue de Jesus, concedei-nos pela intercessão de Santa Crispina o discernimento e a firmeza para não nos deixarmos enganar ou intimidar pelas seduções e perseguições do mal, dos ídolos atuais, enfim, do demônio que se apresenta sob muitos disfarces mas não pode esconder o seu desejo de dominar tiranicamente nossos corpos e almas, mas ao contrário nos fortaleça na Fé e na Verdade, para darmos sempre e sem restrições o exemplo do primado ao Vosso Amor e à Vossa Vontade. Por Nosso Senhor Jesus Cristo, Vosso Filho, e Nossa Senhora. Amém.

Primeira Pregação do Advento 2022 com Fr. Raniero Cantalamessa

Primeira Pregação do Advento 2022/Fr. Cantalamessa | Vatican News

"Vamos ao encontro de Cristo que vem, com um ato de fé, que é também uma promessa de Deus e, portanto, uma profecia: o mundo está nas mãos de Deus e, quando, abusando da sua liberdade, o homem terá chegado ao fundo, ele intervirá para salvá-lo. Sim, intervirá para salvá-lo! Para isso, de fato, veio ao mundo, há dois mil e vinte e dois anos."

https://youtu.be/pRwAAajpBQ4

Fr. Raniero Card. Cantalamessa, OFMCap.

A PORTA DA FÉ

Primeira Pregação do Advento de 2022

Santo Padre, Reverendos Padres, irmãos e irmãs da Cúria Romana, perguntei-me várias vezes sobre qual o sentido e a utilidade destas pregações no Advento e na Quaresma, que interrompem ou atrasam compromissos de todo tipo e importância. O que me anima e me tira os escrúpulos de fazê-los perder tempo, é a convicção de que não se vem a estas pregações para escutar opiniões ou soluções para problemas eclesiais do momento, mas para haurir forças das verdades de fé e, assim, encarar todos os problemas com espírito certo. Para, enfim, banhar-se – ou ao menos refrescar-se – de fé, de esperança e de caridade.

Assim, pensei em escolher como tema destas três pregações de Advento justamente as três virtudes teologais. Fé, esperança e caridade são o ouro, o incenso e a mirra que nós, Magos de hoje, queremos oferecer como dom a Deus que “vem nos visitar do alto”. Valendo-nos da tradição antiga – patrística e medieval – sobre as virtudes teologais, tentarei – por quanto possível fazê-lo em três breves meditações – uma aproximação também moderna e existencial, que responda aos desafios, aos enriquecimentos e, às vezes, aos substitutos propostos pelo homem de hoje às virtudes teologais do cristianismo.

*  *  *

Na oração cristã, sempre teve grande ressonância o salmo que – na versão da liturgia – diz:

Ó portas, levantai vossos frontões!
Elevai-vos bem mais alto, antigas portas,
a fim de que o Rei da glória possa entrar.
Dizei-nos: “Quem é este Rei da glória?”
“É o Senhor, o valoroso, o onipotente,
o Senhor, o poderoso nas batalhas!” 
(Sl 24,7-8).

Na interpretação espiritual dos Padres e da liturgia, as portas de que se fala no salmo são aquelas do coração humano: “Feliz aquele a cuja porta Cristo bate”, comentava Santo Ambrósio. “Nossa porta é a fé... Se quiseres levantar os portais de tua fé, entrará em ti o Rei da glória”[1]. São João Paulo II fez, das palavras do salmo, o manifesto do seu pontificado. “Abri, melhor, escancarai as portas a Cristo!”, gritou ao mundo, no dia da inauguração do seu ministério.

A grande porta que o homem pode abrir, ou fechar, a Cristo, é apenas uma e se chama liberdade. Ela, porém, se abre segundo três modalidades diversas, ou segundo três tipos diversos de decisão que podemos considerar como outras portas: a fé, a esperança e a caridade. Estas são todas portas especiais: abrem-se por dentro e por fora ao mesmo tempo: com duas chaves, das quais uma está nas mãos do homem, a outra, nas de Deus. O homem não pode abri-las sem o concurso de Deus e Deus não quer abri-las sem o concurso do homem.

Cristo, origem e cumprimento da fé

Iniciemos, portanto, a nossa reflexão com a primeira das três portas: a fé. Deus – lê-se nos Atos dos Apóstolos – “havia aberto a porta da fé aos gentios” (At 14,27). Deus abre a porta da fé ao dar a possibilidade de crer enviando quem prega a boa nova; o homem abre a porta da fé acolhendo esta possibilidade.

Com a vinda de Cristo, constata-se, a propósito da fé, um salto de qualidade. Não na natureza dela, mas em seu conteúdo. Já não se trata mais de uma fé genérica em Deus, mas da fé em Cristo nascido, morto e ressuscitado por nós. A Carta aos Hebreus faz um longo elenco de crentes: “Pela fé, Abel... Pela fé, Abraão... Pela fé, Isaac... Pela fé, Jacó... Pela fé, Moisés...” Mas conclui dizendo: “Todos eles, se bem que pela fé tenham recebido um bom testemunho, não alcançaram a realização da promessa” (Hb 11,39). O que faltava? Faltava Jesus, isto é, aquele que – afirma a mesma Carta – “vai à frente da nossa fé e a leva à perfeição” (Hb 12,2).

A fé cristã, portanto, não consiste apenas em crer em Deus; consiste em crer também naquele que Deus enviou. Quando, antes de realizar um milagre, Jesus pergunta: “Tu crês?” e, após tê-lo realizado, afirma: “A tua fé te salvou”, não se refere a uma fé genérica em Deus (esta era presumida em todo israelita); refere-se à fé nele, no poder divino a ele concedido.

Esta, assim, é a fé que justifica o ímpio, a fé que faz renascer para a vida nova. Ela se coloca ao término de um processo do qual São Paulo, no capítulo 10 da Carta aos Romanos, traça as várias fases, quase visivelmente, desenhando-as no mapa do corpo humano. Tudo começa, diz ele, pelos ouvidos, a partir do ouvir o anúncio do Evangelho: “A fé vem da escuta”, fides ex auditu. Dos ouvidos, o movimento passa ao coração, onde se toma a decisão fundamental: corde creditur, “com o coração se crê”Do coração, o movimento se volta à boca: “com a boca se faz a profissão de fé”: ore fit confessio.

O processo não termina aqui, mas – dos ouvidos, do coração e da boca – ele passa para as mãos. Sim, porque “a fé age pelo amor”, diz o Apóstolo (Gl 5,6). São Tiago pode se tranquilizar. Há espaço também para as “obras”: porém, não antes, mas depois (logicamente, se não cronologicamente) da fé. “Não se chega à fé – afirma São Gregório Magno – partindo-se das virtudes, mas às virtudes partindo-se da fé”[2].

Surge, neste ponto, uma pergunta de grande atualidade. Se a fé que salva é a fé em Cristo, o que pensar de todos aqueles que não têm nenhuma possibilidade de crer nele? Vivemos em uma sociedade, também religiosamente, pluralista. A nossas teologias – Oriental e Ocidental, Católica e Protestante, do mesmo modo – desenvolveram-se em um mundo onde existia, na prática, apenas o cristianismo. Conhecia-se, certamente, a existência de outras religiões, mas elas eram consideradas falsas em princípio, ou não eram consideradas de fato. À parte o diverso modo de entender a Igreja, todos os cristãos compartilhavam o axioma tradicional: “Fora da Igreja não há salvação”: Extra Ecclesiam nulla salus.

Hoje não é mais assim. Há algum tempo, está em curso um diálogo entre as religiões, baseado no respeito recíproco e no reconhecimento dos valores presentes em cada uma delas. Na Igreja Católica, o ponto de partida foi a declaração “Nostra aetate” do Concílio Vaticano II, mas uma orientação análoga é compartilhada por todas as Igrejas históricas cristãs. Com este reconhecimento, foi-se afirmando a convicção de que também pessoas fora da Igreja podem ser salvas.

É possível, nesta nova perspectiva, manter o papel até agora atribuído à fé “explícita” em Cristo? O antigo axioma: “fora da Igreja não há salvação” não terminaria por sobreviver, neste caso, no axioma: “fora da fé não há salvação”? Em alguns ambientes cristãos, esta última é, de fato, a doutrina dominante, e é ela que motiva o empenho missionário. Deste modo, contudo, a salvação passa a ser limitada, em princípio, a uma exígua minoria de pessoas.

Isso não só não pode nos deixar tranquilos, mas primeiramente prejudica Cristo, subtraindo-lhe grande parte da humanidade. Não se pode crer que Jesus é Deus, e depois limitar a sua relevância de fato a apenas um setor restrito dela. Jesus é “o Salvador do mundo” (Jo 4,42); o Pai enviou o seu Filho “para que o mundo seja salvo por meio dele” (Jo 3,17): o mundo, não alguns poucos no mundo!

Busquemos uma resposta na Escritura. Ela afirma que quem não reconheceu Cristo, mas age em base à própria consciência (Rm 2,14-15) e faz o bem ao próximo (Mt 25,31ss) é aceito por Deus. Nos Atos dos Apóstolos, escutamos, da boca de Pedro, esta solene declaração: “De fato, estou compreendendo que Deus não faz distinção de pessoas. Pelo contrário, ele aceita quem o teme e pratica a justiça, qualquer que seja a nação a que pertença” (At 10,34-35).

Também os adeptos de outras religiões creem, em geral, que “Deus existe e recompensa os que o buscam” (Hb 11,6); realizam, por isso, o que a Escritura considera o dado fundamental e comum de toda fé. Isto vale, naturalmente, de maneira toda especial, para os irmãos Hebreus, que creem no mesmo Deus de Abraão, Isaac e Jacó, no qual cremos nós, cristãos.

O motivo principal do nosso otimismo não se baseia, contudo, no bem que os adeptos de outras religiões estejam em condição de fazer, mas na “multiforme graça de Deus” (1Pd 4,10). Às vezes, sinto a necessidade de oferecer o sacrifício da Missa justamente em nome de todos aqueles que se salvaram pelos méritos de Cristo, mas não o sabem e não podem agradecê-lo. A liturgia também nos exorta a fazê-lo. Na Oração Eucarística IV, à oração pelo Papa, pelo Bispo e pelos fiéis é acrescentada uma oração "por todos os que vos buscam com coração sincero".

Deus tem muito mais modos de salvar do que podemos pensar. Ele instituiu “canais” da sua graça, mas não se vinculou a eles. Um destes meios “extraordinários” de salvação é o sofrimento. Depois que Cristo o assumiu sobre si e o redimiu, também ele é, à sua maneira, um sacramento universal de salvação. Aquele que mergulhou nas águas do Jordão, santificando-as para todo batismo, também mergulhou nas águas da tribulação e da morte, fazendo delas um potencial instrumento de salvação. Misteriosamente, todo sofrimento – não apenas o dos fiéis – completa, de algum modo, “o que falta à paixão de Cristo” (Cl 1,24). A Igreja celebra a festa dos Santos Inocentes, ainda que nem mesmo eles sabiam que sofriam por Cristo!

Nós cremos que todos aqueles que se salvam, salvam-se pelos méritos de Cristo: “Em nenhum outro há salvação, pois não existe debaixo do céu outro nome, dado à humanidade, pelo qual devamos ser salvos” (At 4,12). Uma coisa, contudo, é afirmar a necessidade universal de Cristo para a salvação e outra coisa, afirmar a necessidade universal da fé em Cristo para a salvação.

Supérfluo, então, continuar a proclamar o Evangelho a toda criatura? Pelo contrário! É o motivo que deve mudar, não o fato. Devemos continuar a anunciar Cristo; não tanto, porém, por um motivo negativo – porque, do contrário, o mundo será condenado –, quanto por um motivo positivo: pelo dom infinito que Jesus representa para cada ser humano. O diálogo inter-religioso não se opõe à evangelização, mas determina seu estilo. Tal diálogo – escreveu São João Paulo II na Redemptoris missio – “faz parte da missão evangelizadora da Igreja”.

O mandato de Cristo: “Ide pelo mundo inteiro e proclamai o Evangelho a toda criatura” (Mc 16,15) e “Fazei discípulos todos os povos” (Mt 28,19) conserva a sua perene validade, mas deve ser compreendido em seu contexto histórico. São palavras para serem referidas no momento em que foram escritas, quando “todo o mundo” e “todos os povos” eram um modo para dizer que a mensagem de Jesus não era destinada apenas a Israel, mas também a todo o resto do mundo. São sempre válidas para todos, mas, para quem já pertence a uma religião, é preciso respeito, paciência e amor. Já o tinha compreendido na prática Francisco de Assis. Ele projetava dois modos de ir entre “os Sarracenos e outros infiéis”. Escreve na Regra não bulada:

Mas os frades que vão, podem comportar-se espiritualmente entre eles de dois modos. Um modo é que não façam nem litígios nem contendas, mas estejam submetidos a toda criatura humana por Deus e confessem que são cristãos. Outro modo é que, quando virem que agrada ao Senhor, anunciem a palavra de Deus, para que creiam em Deus onipotente, Pai e Filho e Espírito Santo, criador de tudo, no Filho redentor e salvador[3].

O desafio da ciência

Com esta abertura de coração, voltemos agora a nos ocupar da nossa fé cristã. O grande desafio que ela deve encarar em nossa época não vem tanto da filosofia, como no passado, mas da ciência. É de alguns meses atrás uma notícia sensacional. Um telescópio lançado ao espaço em 25 de dezembro de 2021 e posicionado há um milhão e meio de quilômetros da Terra, em 12 de julho deste ano enviou imagens inéditas do universo que extasiaram o mundo científico.

“O novo telescópio – lia-se nos noticiários – escancarou uma nova janela sobre o cosmo, em condições de nos catapultar atrás no tempo, até pouco depois do Big Bang inicial do mundo. É a visão mais detalhada do universo primordial jamais obtida. Representa a primeira degustação de uma nova e revolucionária astronomia que nos desvelará o universo como jamais o tínhamos visto”.

Seríamos tolos e ingratos se não participássemos do justo orgulho da humanidade por esta, como também por qualquer outra descoberta científica. Se a fé – além do que da escuta – nasce, como foi dito, do estupor, estas descobertas científicas não deveriam diminuir a possibilidade de crer, mas aumentá-la. Se vivesse hoje, o salmista cantaria com maior impulso: “Os céus proclamam a glória de Deus, e o firmamento anuncia as obras de suas mãos” (Sl 19,2) e Francesco de Assis: “Louvado sejas, meus Senhor, com todas as tuas criaturas”.

Deus quis nos dar um sinal tangível da sua infinita grandeza com a imensidão do universo e um sinal da sua “inalcançabilidade” com a menor partícula de matéria que, uma vez alcançada – assegura a física –, mantém a sua “indeterminação”. O cosmo não se fez sozinho. É a qualidade do ser, não a quantidade que decide; e a qualidade da criação é ser... criada! Bilhões de galáxias, distantes bilhões de bilhões de anos-luz, não mudam esta sua qualidade.

Fazemos estas reflexões sobre fé e ciência não para convencer os cientistas não crentes (nenhum deles está aqui para escutar ou lerá estas palavras), mas para nos confirmar a nós, crentes na fé, e não nos deixarmos perturbar pelo clamor das vozes contrárias. É o mesmo objetivo pelo qual São Lucas afirma ao “caríssimo Teófilo” ter escrito o seu Evangelho: “para que conheças – diz ele – a solidez dos ensinamentos que recebeste” (Lc 1,4).

Diante do desdobrar-se das dimensões ilimitadas do universo diante de nossos olhos, o maior ato de fé para nós, cristãos, não é crer que tudo isso foi criado por Deus, mas crer que “tudo foi criado por meio de Cristo para ele” (Cl 1,16), que “sem ele nada foi feito de tudo o que foi feito” (Jo 1,3). O cristão tem uma prova sobre Deus bem mais convincente daquela dada pelo cosmo: a pessoa e a vida de Jesus Cristo.

Os crentes não são avestruzes. Não escondemos a cabeça no solo para não ver. Compartilhamos com cada pessoa o desconcerto diante de tantos mistérios e contradições do universo: da evolução natural, da história, da própria Bíblia... Contudo, estamos em condições de superar o desconcerto com uma certeza mais forte do que todas as incertezas: a credibilidade da pessoa de Cristo, da sua vida e da sua palavra. A certeza plena e alegre não se tem antes, mas depois de ter acreditado.

O justo, na sua fidelidade, viverá

A fé é o único critério capaz de fazer como que nos relacionemos de modo justo, não apenas com a ciência, mas também com a história. Ao falar da fé que justifica, São Paulo cita o famoso oráculo de Habacuc: “O justo, na sua fidelidade, viverá” (Hab 2,4). O que Deus quer dizer com aquela palavra profética, a partir do momento que é Deus em pessoa que a pronuncia?

A mensagem se abre com uma lamentação do profeta, pela derrota da justiça e porque Deus parece assistir impassível do alto dos céus a violência e a opressão. Deus responde que tudo isso está prestes a acabar porque chegará logo um novo flagelo – os Caldeus – que varrerá tudo e todos. O profeta se rebela contra esta solução. É esta a resposta de Deus? Uma opressão que substitui a outra?

Mas justamente aqui Deus esperava o profeta. Há uma solenidade insólita no modo com que o oráculo divino é introduzido: “Escreve uma visão e grava-a sobre tábuas... Se demora, espera-a... Eis que sucumbe quem não é reto, mas o justo, na sua fidelidade, viverá” (Hab 2,2-4). Ao profeta, é pedido o salto da fé. Deus não desvenda o enigma da história, mas pede que confie nele e na sua justiça, apesar de tudo. A solução não está na cessação da prova, mas no aumento da fé.

A história é uma contínua luta entre bem e mal, ímpios que triunfam e justos que sofrem. A vitória estável do bem sobre o mal não deve ser buscada na própria história, mas além dela. Deixemos para trás toda forma de milenarismo. Contudo, Deus é de tal forma soberano e está no controle dos eventos, que faz servir aos seus planos misteriosos até mesmo o agitar-se dos ímpios. É verdade: Deus escrive certo por linhas tortas! As situações podem escapar das mãos dos homens, mas não das de Deus.

A mensagem de Habacuc é de uma singular atualidade. A humanidade viveu nos últimos anos do século passado a libertação do poder opressor dos sistemas totalitários comunistas. Mas não tivemos o tempo de dar um respiro de alívio, que outras injustiças e violências surgiram no mundo. Houve quem, ao final da “guerra fria”, tivesse ingenuamente acreditado que o triunfo da democracia teria, portanto, encerrado definitivamente o ciclo das grandes convulsões e que a história teria prosseguido o seu curso sem maiores agitações. Até sema mais “história”. Uma tal tese foi, bem cedo, piedosamente desmentida pelos eventos, com o surgimento de outras ditaduras e o deflagrar-se de outras guerras, a começar pela “do Golfo”, até a desafortunada deste ano na Ucrânia.

Nesta situação, também para nós se apresenta a acalorada pergunta do profeta: “Até quando, Senhor? Tu, de olhos tão puros, que não pode ver o mal! Por que tanta violência, tantos corpos humanos esqueléticos pela fome, tanta crueldade no mundo, sem que intervenhas?” A resposta de Deus ainda é a mesma: sucumbe ao pessimismo e se escandaliza quem não tem o coração reto com Deus, enquanto o justo, na sua fidelidade, viverá, encontrará a resposta na sua fé. Entenderá o que Jesus queria dizer quando, diante de Pilatos, disse: “O meu reino não é deste mundo” (Jo 18,36).

Inculquemos isso, porém, e recordemo-lo, conforme a oportunidade, ao mundo: Deus é justo e santo; não permitirá que o mal tenha a última palavra e os malfeitores se valham disso. Haverá um juízo na conclusão da história, “vai um livro ser trazido, no qual tudo está contido, onde o mundo está julgado”: Liber scriptus proferetur – in quo totum continetur – unde mundus judicetur”[4].

Um primeiro juízo, no mais – imperfeito, mas sob os olhos de todos, crentes e não crentes – já está em ato agora, na história. Os benfeitores da humanidade que trabalharam pelo progresso do seu país e pela paz no mundo são recordados com honra e bênção de geração em geração; o nome dos tiranos e dos opressores continua pelos séculos a ser acompanhado de desprezo e reprovação. Jesus inverteu para sempre os papéis. Vencedor porque vítima: assim o define Santo Agostinho: Victor quia victima. À luz da eternidade - e também da história - não são os verdugos os verdadeiros vencedores, mas as suas vítimas.

O que a Igreja pode fazer, para não assistir passivamente ao desdobrar-se da história, é colocar-se contra a opressão e a prepotência, colocar-se sempre, “oportuna e inoportunamente”, do lado dos pobres, dos fracos, das vítimas, daqueles que carregam o peso maior de todo infortúnio e de toda guerra.

O que pode também fazer é remover um dos fatores que sempre tem fomentado os conflitos, isto é, a rivalidade entre as religiões, as famigeradas “guerras de religião”. Do entendimento e da colaboração leal entre as grandes religiões, pode vir um impulso moral que imprima na história aquele novo curso que, em vão, espera-se dos poderes políticos. Neste sentido, deve ser vista a utilidade de iniciativas como aquelas, iniciadas por São João Paulo II e aceleradas hoje pelo atual Sumo Pontífice, para um diálogo construtivo entre as religiões.

A fé é arma da Igreja. Também a Igreja, como o justo de Habacuc, “na sua fidelidade, viverá”. Roma deixou, há tempos, de ser caput mundi, mas deve permanecer caput fidei, capital da fé. Não só da reta fé, isto é, da ortodoxia, mas também da intensidade e da radicalidade do crer. O que os fiéis captam imedia­tamente em um sacerdote e em um pastor é se “crê”, se crê no que diz e no que celebra. Hoje, faz-se muito uso da transmissão sem fio (WiFi, diz-se em inglês). Também a fé se transmite de preferência assim: sem fio, sem muitas palavras e raciocínios, mas por uma corrente de graça que se estabelece entre dois espíritos.

O maior ato de fé que a Igreja pode dar – após ter rezado e feito o possível para evitar ou fazer cessar os conflitos – é voltar-se a Deus com um ato de total confiança e sereno abandono, repetindo com o Apóstolo: “Sei em quem acreditei!”: Scio cui credidi (2Tim 1,12). Deus jamais retrocede para deixar cair no vazio quem se lança em seus braços.

Vamos ao encontro de Cristo que vem, com um ato de fé, que é também uma promessa de Deus e, portanto, uma profecia: o mundo está nas mãos de Deus e, quando, abusando da sua liberdade, o homem terá chegado ao fundo, ele intervirá para salvá-lo. Sim, intervirá para salvá-lo! Para isso, de fato, veio ao mundo, há dois mil e vinte e dois anos.

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Tradução de fr. Ricardo Farias, ofmcap

[1]  Cf. Ambrósio, Comentário sobre o Salmo 118, XII,14.

[2] Cf. Gregório Magno, Homilias sobre Ezequiel, II,7 (PL 76,1018).

[3] Regra não bulada, cap. XVI.

[4] Sequência Dies irae.

Pe. Manuel Pérez Candela

Pe. Manuel Pérez Candela
Pároco da Paróquia Nossa Senhora da Imaculada Conceição - Sobradinho/DF