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Capa : Fragmento de um ícone de meados de século XVII atribuído a Emanuel Lombardos |
Um Monge da Igreja do Oriente
AMOR SEM LIMITES
Tradução para o português:
Pe. André Sperandio
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Ecclesia |
16. O amanhecer!
Combatestes durante toda a noite com o anjo? Lutaste com o amor sem limites, não o deixando ir até que tivesse te concedido a bênção?
Teu desejo violento de possuir amor, ou melhor, de ser possuído pelo amor, foi atendido? E, nesse momento, para que não te esqueçeste de tua condição, o amor te infligiu sua incurável ferida?
Atravessaste o remanso que do "eu separado" conduz ao "eu" que se abre e se oferece? Encontraste depois o teu irmão e reconheceste em seu rosto o rosto de Deus? Selaste este reconhecimento com um beijo?
Recebeste o «ephetha» (abre-te) divino, a abertura, e disseste: "Que, de agora em diante, o mundo inteiro esteja em meu coração"?
Se tudo isso aconteceu, o verdadeiro sol, de que o sol aparente não é senão uma sombra grosseira, amanheceu para ti. O sol do amor ilumina para ti um outro caminho, uma nova jornada.
17. Tu és amado!
Filho meu, esta palavra que eu te dirijo te introduz no centro mesmo da sarça ardente. Tu já não estás no limiar do mistério. Tu és amado. Estas três palavras, se queres verdadeiramente recebê-las, podem mudar e transformar toda a tua vida.
Tu és amado. É preciso começar pelo princípio. É necessário colocar em primeiro lugar o meu amor pelos homens, o meu amor sem limites. O amor do homem por Deus não é senão a resposta ao meu amor. Eu sou o primeiro que amei. Sou sempre eu quem toma a iniciativa.
Como poderias me amar se não tivesses alcançado primeiro a revelação do amor que eu tenho por ti? Tu precisas, num certo momento, sentir, como um choque, o amor apaixonado que eu te ofereço. Se queres anunciar o Evangelho, deves ir primeiro aos homens dizendo simplesmente a cada um: "Tu és amado". Tudo vem daí; este é o ponto de partida.
O que significa amar quando é Deus quem ama, Deus, o amor essencial? Todo o amor é movimento de um ser para outro, com o desejo de uma certa união. As orientações deste movimento, suas modalidades, suas variantes são inumeráveis. Transitam do menos que humano para o mais que humano. Mas sempre há uma tendência para a união, desejo de união, seja possessivo, seja sacrificial.
Meu amor pelos homens é um movimento de mim em direção a eles, não simplesmente para que eu seja conhecido por eles ou para, de alguma forma, ser imitado por eles, mas para unir-me a eles, para me entregar a eles.
Meu amor, o amor, em sua essência, incorruptível, o amor sem limites, nunca está totalmente ausente. Deus não está jamais ausente. Às vezes, o amor apenas parece existente, é quase imperceptível, recoberto pelo ódio, por perversões de todos os tipos, por uma camada de brutalidade instintiva. Porém, eu trabalho através de tudo. O amor mais deformado, faço-o capaz de elevar-se até a doação consciente e total. O amor tem muitos aspectos. Mas há apenas um único amor.
Tu és amado. Existe um lugar para uma insignificante pessoa na chama da sarça ardente? Uma alma, uma pessoa a que eu amo não é insignificante. Tu és amado. És tu quem és amado. Aprofunda o valor deste "tu". Não estou enunciando aqui uma afirmação geral. Eu não falo neste momento a uma coletividade. Eu não digo: "Vós sois amados".
É verdade que todos vós, criados por meu amor, todos, em um sentido muito exato, me são muito caros a mim. Sois os membros de um mesmo corpo que é o meu corpo. Mas aqui, filho meu, falo a uma pessoa, a ti mesmo. E eu te chamo por um nome que eu não dou a mais ninguém.
Sim, eu te chamo com um nome secreto. Desde toda a eternidade reservei para ti este nome. É um nome diferente daquele que os homens usam para te chamar. É um nome escrito em uma pedra branca que ninguém conhece, exceto aquele que o recebe, se estiver atento ao dom.
A cada um de vós, no pensamento divino, lhe foi concedido descobrir e deixar claro aos outros uma faceta diferente do único diamante. Tu és uma faceta. Seja o que for que a vida tenha feito de ti, tu és um dos aspectos, um aspecto diferente do vínculo que une cada homem com o amor pessoal. Tu és um raio do amor, uma emanação do amor, mesmo que o raio pareça quebrado.
Mas com que amor tu és amado? Não digo: "Tu foste amado". Também não digo: "Tu serás amado". Eu não te amei apenas ontem ou antes de ontem. Também não será amanhã ou depois de amanhã que te amarei. É hoje, agora, neste mesmo instante, és amado.
Este é o caso de cada homem. Tu ficas assombrado e me perguntas: "É verdade? Em todos os casos?" Sim, em todos os casos. E continuas: "Senhor, como é possível? Quem peca contra ti, poderá, neste mesmo momento, ser amado por ti?" Sim, filho meu. Se eu não seguisse amando aquele que peca, poderia eu deixá-lo subsistir diante de mim? O amor está sentado como um mendigo na porta daquele que não o ama. Espera. Esperará. A duração da minha espera excede todas as expectativas humanas. Não procuro atravessar o mistério. E, quem poderá me separar do meu querido pecador?
Olha pois, filho meu, com que amor és amado. Eu não te digo que és imensamente amado, muito amado, amado mais ou menos que outro. Tu já ouviste dizer que eu amo alguns e que odeio outros, que eu amo em diferentes graus. Tive, eu mesmo, que falar aos homens e de forma humana, na linguagem humana, em um estilo educativo, com pobres palavras humanas incapazes de expressar as realidades divinas. Porém, no meu amor indivisível não há nem "mais" nem "menos". Meu amor é pura qualidade. Não há nada quantitativo, nada mensurável. A todos é oferecido em sua plenitude. Não posso amar senão divinamente, isto é, totalmente, me dando completamente. São os homens que se abrem mais ou menos, ou se fecham ao amor.
Vou usar uma imagem. O amor divino é semelhante a uma pressão atmosférica que circunda, encerra cada ser e pesa sobre ele. Sitia a cada homem e quer conquistá-lo. Tente encontrar uma abertura, encontrar o caminho que leva ao coração e lhe permita penetrar por todas as partes. A diferença entre o pecador e o santo é que o pecador fecha o seu coração ao amor, enquanto o santo se abre a este amor. Porém, trata-se do mesmo amor, a mesma pressão. Um rejeita, o outro acolhe. Não há aceitação sem uma graça, mas essa graça não se mede.
Filho meu, eu te digo mais uma vez: eu amo particularmente cada um de vós, simultânea e completamente, e de uma maneira distinta. Eu amo a cada um de vós de maneira única. Aqui há lugar para intenções e dilecções divinas, graças, chamados, eleições que não se parecem nem se confundem uns com os outros.
A ti, filho meu, eu te amo de maneira diferente de todos os outros. Te amo com um amor incomparável, único, que não foi dado a ninguém. Eu te amo com um amor incomparável e único. teus pecados podem até ferir o amor que eu tenho por ti. Mas eles não podem diminuí-lo.
Poderia eu dizer que amo o homem "com todo meu coração"? Essas palavras aplicam-se mal a Deus, pois elas contêm algo ainda quantitativo. Meu coração não tem uma totalidade, nem uma metade ou um terço. É sem limites. O amor que vem do homem tem limites porque o homem é uma criatura finita.
No entanto, filho meu, tu podes falar de "todo o coração" divino de um modo simbólico. Isso significaria que o amor se aproxima de ti sem restrições, com sua imensidão, sua infinitude, sua absolutividade. Cada um de vós, cada criatura, cada grão de areia, cada ser registrado no microscópio é amado por mim. Crês nisso?
Filho meu, tu és, neste exato momento, um ponto de aplicação do amor sem limites no universo. Eu, teu Deus, teu Senhor, estou inclinado, voltado para ti. O ser divino está, de alguma modo, concentrado em ti como em qualquer existência, como se tu foste o único diante dos meus olhos.
Há neste pensamento, nesta realidade, algo para embriagar-te, para comover-te. Tu és amado. Repita esta palavra e alimenta-te dela.
Recebe minha declaração de amor com uma alegre humildade, uma alegre confiança, e então a tua alma seguirá cantando.
® NARCEA, S.A. EDIÇÕESDr. Federico Rubio e Galí, 9. 28039 - Madrid® EDITIONS ET LIBRAIRIE DE CHEVETOGNE BélgicaTítulo original: Amour sans limiteTradução (para o espanhol): CARLOS CASTRO CUBELLSTradução para o português: Pe. André SperandioCapa: Fragmento de um ícone de meados de século XVII atribuída a Emanuel lombardosISBN: 84-277-0758-4Depósito Legal: M-26455-1987Impressão: Notigraf, S. A. San Dalmácio, 8. 28021 - MadridFonte: https://www.ecclesia.org.br/