Os Dinossauros e a Bíblia (Cléofas)
Os Dinossauros e a Bíblia
POR PROF. FELIPE AQUINO
A existência dos dinossauros, de que fala a
paleontologia, não faz conflito com a mensagem do texto bíblico do Gênesis.
Este não tenciona descrever a ordem ou o modo como apareceram as criaturas; não
entra em questões de ordem científica ou paleontológica, mas quer afirmar que o
mundo, como quer que tenha tido origem, deve sua existência a Deus Criador.
Deus é bom e fez boas todas as
criaturas; confiou-as ao casal humano, para que, como imagem e semelhança de
Deus, leve a termo a obra divina, fazendo que todas as criaturas contribuam
para a glória do Criador mediante o sacerdócio do homem.
A Redação de PR recebeu a seguinte mensagem:
“Um dos poucos programas a que
tenho coragem de assistir na Rede Globo de televisão é o Fantástico, até por
que acho que um cristão não pode ficar por fora das coisas que estão
acontecendo no mundo. Uma coisa tem-me deixado intrigado no quadro “Os dinossauros”,
exibido no Fantástico. É lógico que nada sei, nada saberei e nada talvez saiba
sobre muitas coisas, pois existem coisas que jamais entenderemos.
Mas a pergunta é a seguinte: “O
que a Igreja fala sobre a existência dos dinossauros? O senhor não acha que
acreditar nos dinossauros é ter que desacreditar na Sagrada Escritura?” Acho
muito estranho o livro do Gênesis dizer que Deus fez tudo em sete dias, e que
no sétimo descansou, e colocou o homem acima de todas as criaturas.
Como pode ter existido uma era
jurássica em que os animais dominaram a terra? Isso não seria contrário às
narrativas do hagiógrafo?”
Para mais aguçar o problema, seja transcrita
uma notícia de O GLOBO de 23/2/01, p. 30:
“Desde que se formou, há cerca
de 4,6 bilhões de anos, a Terra sofreu periódicas extinções em massa. Há 250
milhões de anos (quando a parte emersa da Terra formava apenas um continente, a
Pangeia), um acontecimento imprevisto como a queda de um asteroide poderia ter
extinguido várias formas de vida primitivas (como répteis, insetos e moluscos).
E, mais tarde, favorecido o aparecimento e a adaptação de novas espécies como
plantas e dinossauros, que ocupam o planeta durante os períodos triássico,
jurássico e cretáceo (entre 250 milhões e 66 milhões de anos atrás)”.
Passemos à elucidação da
questão.
Em Resposta
Preliminares
Convém, antes do mais,
esclarecer os termos em pauta.
Dinossauros eram animais da
classe dos répteis, superordem dos Arcossauros. Viveram do período triássico ao
cretáceo. O seu tamanho variava entre um pouco mais do que uma galinha até os
tipos gigantescos, como foi, por exemplo, diplodoco, com 27m de comprimento e
cerca de 30 toneladas de peso.
A era mesozoica é uma das
divisões do tempo geológico, situada entre o paleozoico e o cenozoico. Abrange
três grandes períodos: o o triássico, o jurássico e o cretáceo. Durou cerca de
160 milhões de anos, estendendo-se de 225 a 65 milhões de anos atrás. Conhecida
como a era dos répteis, foi a época em que dominaram os grande sáurios e
surgiram os mamíferos e as aves.
Todo este aparato científico não
entra em conflito com o texto bíblico, pois este não pretende oferecer uma
descrição científica da origem das criaturas, mas tem em vista propor o sentido
religioso das mesmas ou o valor que elas têm perante Deus e o homem. Com outras
palavras: a Escritura não quer ensinar como vai o céu, mas como se vai para o
céu.
Faz-se necessário, portanto,
examinar de perto o texto bíblico que propõe a criação do mundo e do homem em
seis dias (Gn 1, 1-2, 4a), colocando-o, antes do mais, em seu contexto, que é
chamado “a pré-história bíblica”. A pré-história bíblica (Gn 1-11) não se
identifica com a pré-história universal, que vai até 8000 a.C. aproximadamente;
ela compreende episódios de importância capital que antecederam a vocação do
Patriarca Abraão, em 1850 a.C. aproximadamente. É somente com Abraão, em Gn 12,
que começa a história bíblica propriamente dita.
Consideremos pois A pré-história bíblica
A secção de Gn 1-11 chama-se
“pré-história bíblica” porque se refere a acontecimentos anteriores à história
bíblica, que começou com o Patriarca Abraão (séc. XIX ou 1850 a.C.). Por
conseguinte, a pré-história bíblica não coincide com a pré-história universal,
que vai desde tempos imemoriais até o aparecimento da escrita (8000 a.C.).
O gênero literário dessa secção
é o da história religiosa da humanidade primitiva. O autor sagrado não
intencionou propor teses de ciências naturais, mas quis apresentar, em
linguagem simbolista, alguns fatos importantes que constituem o fundo de cena e
a justificativa da vocação de Abraão. Tais seriam:
1) a criação do mundo bom por parte de Deus, a elevação do homem à
filiação divina e a violação dessa ordem inicial pelo pecado (Gn 1, 1-3, 24);
2) o fraticídio de Caim, conseqüência do fato de que o homem
abandonou a Deus; perdeu também o amor ao seu semelhante (Gn 4, 1-16);
3) a linhagem dos calnitas, que mostra o alastramento do pecado (Gn
4, 17-24);
4) a linhagem dos setitas ou dos homens retos (Gn 5, 1-32);
5) o dilúvio, provocado pela propagação do pecado (Gn 6, 1-9, 28);
6) a tabela dos setenta povos (Gn 10, 1-32);
7) a torre de Babel, nova expressão do pecado (Gn 11, 1-9);
8) as linhagens dos semitas (Gn 11, 10-26) e dos teraquitas ou
descendentes de Terá (11, 27-32), que fazem a ponte até o Patriarca Abraão.
Em síntese:
O mundo, criado bom (Gn 1-3)
Fratricidio (4, 1-16)
Genealogias (4, 17-5. 32)
Dilúvio (6-9)
Tabela (10)
Babel 11, 1-9)
Genealogias (11, 10-32)
Desta maneira, o autor mostra
que Deus fez o mundo bom e convidou o homem para o consórcio da sua vida (ordem
sobrenatural). Todavia o homem disse Não. Deus houve por bem reafirmar seu
desígnio de bondade, prometendo restaurar, mediante o Messias, a amizade
violada pelo pecado (Gn 3, 15). Este foi-se alastrando cada vez mais, como
atestam os episódios de Caim e Abel, do dilúvio e da torre de Babel. Então,
para realizar seu intento de reconciliação do homem com Deus, o Criador quis
chamar Abraão para constituir a linhagem portadora da fé e da esperança
messiânicas. Assim chegamos a Gn 12 (a vocação de Abraão).
Passemos agora à consideração do
bloco inicial dito hexaémeron ou “obra dos seis dias”.
O hexaémeron (Gn 1, 1-2, 4a)¹
O conjunto Gn 1-3 não é
unitário, mas consta de duas narrações: Gn 1, 1-2, 4a, a obra dos seis dias
(hexaémeron, em grego), da fonte P (século V a.C.), e Gn 2, 4b-3, 24, da fonte
J (séc. X a.C.)². Isto se deduz do estilo e do vocabulário próprios de cada uma
dessas secções como também do fato seguinte: em Gn 2, 1-4a o mundo está
terminado, o homem e a mulher foram criados; todavia, em Gn 2, 4b.5, o autor
sagrado afirma que não havia arbusto, nem erva, nem chuva, nem homem, e narra a
criação do homem a partir do barro como se ignorasse a criação já narrada em Gn
1, 27).
Se, pois, há duas peças
literárias justapostas em Gn 1, 1-3, 24, é preciso estudar cada uma de per si,
pois cada qual tem sua mentalidade e sua mensagem próprias. Comecemos pelo
hexaémeron (Gn 1, 1-2, 4a).
Para poder depreender a mensagem
deste trecho bíblico, precisamos, antes do mais, de observar a sua forma
literária.
Ora verifica-se que tal peça
apresenta um cunho fortemente artificioso: após a introdução (1, 1s), o autor
descreve uma semana de seis dias de trabalho e um de repouso; os dias de
trabalho poderiam dispor-se em duas séries paralelas, das quais a primeira
trata da criação das regiões do mundo e a segunda aborda a povoação dessas
regiões.
D.
Estevão Bettencourt, osb
Revista: “PERGUNTE E RESPONDEREMOS”
Nº 469 – Ano 2001 – p. 249
Fonte: https://cleofas.com.br/