(Tract.4,6:
PL
35,2008-2009)
(Séc.V)
Tende para Deus o desejo do coração
O que nos foi prometido? Seremos
semelhantes a ele porque nós o veremos como é. A língua
o disse como pôde. O coração imagine o restante.O que pôde dizer, até mesmo João, em comparação daquele que é? O que poderíamos
nós dizer, homens tão longe do valor
do próprio João?
Recorramos por isso, para sua unção,
para aquela unção que ensina no íntimo o que não conseguimos
falar. Já que não podeis ver agora, prenda-vos o desejo. A vida inteira do bom cristão é desejo santo. Aquilo que desejas,
ainda não o vês. Mas, desejando, adquires
a capacidade de ser saciado ao chegar a visão.
Se queres, por exemplo, encher um
recipiente e sabes ser muito o que tens a derramar, alargas o bojo seja da bolsa, do odre, ou de outra
coisa qualquer. Sabes a quantidade que ali
porás e vês ser apertado o bojo. Se o alargares ele ficará com maior
capacidade.
Deste mesmo modo Deus, com o adiar,
amplia o desejo. Por desejar, alarga-se o espírito.
Alargando-se, torna-se capaz. Desejemos pois, irmãos, porque havemos
de ser saciados.
Vede Paulo como alarga o coração, para poder conter o que vem depois: Não
que já tenha recebido ou já seja perfeito;
irmãos, não julgo ter conseguido o prêmio.
Que fazes então nesta vida, se ainda
não conseguiste? Uma coisa só, esquecido do que ficou
para trás, lanço-me para a frente, para a meta, corro para a palma da vocação suprema. Diz lançar-se e correr para a meta.
Sentia-se incapaz de captar o que os olhos não
viram, os ouvidos não ouviram, nem subiu ao coração do homem.
É esta a nossa vida: exercitamo-nos
pelo desejo. O santo desejo nos exercita, na medida em que cortamos nosso desejo do amor do mundo. Já
falamos algumas vezes do vazio que
deve ser cheio. Vais ficar repleto de bem, esvazia-te do mal.
Imagina que Deus te quer encher de mel.
Se estás cheio de vinagre, onde pôr o mel? É preciso
jogar fora o conteúdo do jarro e limpá-lo, ainda que com esforço, esfregando-o, para servir a outro fim.
Digamos mel, digamos ouro, digamos vinho, digamos tudo quanto dissermos
e quanto quisermos dizer, há uma realidade indizível: chama-se Deus. Dizendo
Deus, o que dissemos? Esta única sílaba é toda a nossa expectativa. Tudo o que
conseguimos dizer, fica sempre aquém da realidade. Dilatemo-nos para ele, e ele, quando
vier, encher-nos- á. Seremos semelhantes a ele; porque o veremos como é.
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