Ressuscitou | Kerigma Católico News |
1. O VAZIO
DO CORAÇÃO SEM DEUS
Lágrimas ao amanhecer
Quando o Domingo de Páscoa começava a clarear, um grande
silêncio envolvia o descampado onde se encontrava o túmulo de Jesus. Só duas
coisas poderiam chamar ali a atenção de um passante solitário: uma grande pedra
circular – que servira para fechar verticalmente a entrada do sepulcro – fora
rolada e estava posta a um lado; e perto da entrada escancarada, uma mulher, em
pé, soluçava baixinho, com um leve estremecer de ombros, de modo que os
primeiros raios de sol faziam cintilar as lágrimas que lhe escorriam pelas
faces. Era Maria Madalena.
Entretanto – lemos no Evangelho de São João –, Maria
conservava-se do lado de fora, perto do sepulcro, e chorava (Jo
20,11). Era a segunda vez, naquele amanhecer de domingo, que Maria ia até ao
sepulcro de Jesus, incansável no seu empenho por prestar uma última
homenagem a nosso Senhor, depois da sua paixão e morte. Ajudada por
outras santas mulheres, queria ungir-lhe o corpo – que na sexta-feira santa só
tinham podido ungir às pressas e de modo incompleto – com
os aromas que haviam preparado.
Foi assim que Maria Madalena chegou ao túmulo juntamente com Maria,
mãe de Tiago e Salomé, suas amigas. Estas últimas – conta São
Marcos – fugiram, trêmulas
e amedrontadas (Mc 16,8), ao verem que o sepulcro estava
vazio. Maria, porém, foi correndo à procura de Pedro e João, para lhes dizer,
quase sem fôlego: Tiraram o Senhor do sepulcro, e não
sabemos onde o puseram (Jo 20,2).
Há
espanto geral. Recuperados do primeiro susto, os dois Apóstolos saem em
disparada e ela vai atrás. Quando chegam ao túmulo, entram, e ficam perplexos
ao ver que, além de estar vazio, os panos com que tinham amortalhado o cadáver
de Jesus permaneciam intactos, com o mesmo formato que tinham quando envolviam
o corpo de Cristo, só que agora aplanados, como se o corpo do Senhor os tivesse
atravessado, esvaziando-os sem nem mesmo tocá-los; e o sudário que lhe cobrira
a cabeça estava cuidadosamente enrolado, também intacto, a um lado. Pedro
e João, emocionados e perplexos, sentiram as pernas tremer e o coração
rebentar, e voltaram correndo ao Cenáculo para avisar os outros. Maria, porém,
não arredou pé de lá. Não queria ir-se embora. Queria encontrar Jesus, queria
honrá-lo com carinho, mesmo que fosse apenas um pobre cadáver dilacerado. Por isso
estacou ali, imóvel, chorando.
As suas lágrimas silenciosas eram a expressão do seu amor. São
Gregório Magno, o grande Papa do século sexto, tem um comentário muito bonito a
este respeito: “E nós temos que pensar – diz ele – na força tão grande do amor
que inflamava a alma daquela mulher, que não se afastava do sepulcro do Senhor,
mesmo quando os apóstolos dele já voltavam. Buscava a quem não encontrava;
chorava procurando-o e, consumindo-se no fogo do seu amor, ardia no desejo de
encontrar aquele que imaginava roubado. E assim aconteceu que só ela o viu, a
única que ficou procurando… Começou a buscar, e não o encontrou; perseverou no
seu querer, e achou-o; de tal forma cresceram os seus desejos, e tanto se
dilataram, que acabaram alcançando o que buscavam”.
Quando meditamos em tudo o que nos conta dessa mulher o santo
Evangelho, percebemos que a vida de Maria Madalena poderia ser definida assim:
o Amor com maiúscula, ou seja, o Amor de Deus, procurou-a e salvou-a; ela
correspondeu a esse Amor e não se cansou, por sua vez, de procurá-lo, de modo
que toda a sua vida foi uma busca ardente e um aprofundamento nesse
divino Amor, como o foi a vida de muitos grandes santos… Mas tem havido tantas
confusões, tantas mentiras e interpretações esquisitas sobre o amor de Maria
Madalena, que vale a pena lembrar a sua verdadeira história.
Quem era a mulher de
Magdala?
Na realidade, trata-se de uma confusão que – na maior boa fé,
aliás – dura há séculos. Para começar, é muito importante lembrar quem não
era Maria Madalena. Os melhores comentaristas do Evangelho, já
desde os tempos de Santo Agostinho, alertam-nos para que não a confundamos com
outras duas mulheres do Evangelho. Uma é aquela pecadora pública que certa vez
banhou os pés de Jesus com lágrimas de arrependimento e os ungiu com bálsamo
(cf. Lc 7,37 ss.); e a outra é Maria de Betânia, a irmã menor – pura e singela
– de Marta e Lázaro, que também derramou perfume sobre a cabeça e os pés de
Jesus pouco antes da Paixão, num gesto de fina cortesia, muito oriental (Jo
12,3).
Além desse esclarecimento, é interessante frisar que o Evangelho
nunca disse que Maria Madalena fosse uma prostituta ou que tivesse uma vida
leviana. Aliás, afirma de fato algo muito pior. Diz que, dela,
Jesus tinha expulsado sete demônios (Lc 8,2). Isto é muito
sério. Bem sabemos que o número sete – na linguagem bíblica – significa muitos,
uma multidão. Pois é isso que dela nos diz São Lucas.
É, sem dúvida, algo terrível. Só o podemos compreender se
tivermos consciência de que o demônio – como ensina a Bíblia – é, acima de
tudo, o pai
da mentira, do orgulho e do ódio. Como deve ter sido espantosa a
vida dessa pobre mulher! Um poço de ódio, de raiva, de desconfiança, de
mentira, de rancor… Pode haver sofrimento maior? Um verdadeiro inferno! Uma
mulher incapaz de amar, incapaz de alegrar-se, incapaz de vibrar com a
verdade, de admirar a beleza e de saborear o bem; incapaz de perdoar, incapaz
de sorrir com carinho para os outros…! Porque um coração afastado de Deus e
entregue ao diabo – ao pecado – é como um poço escuro e fundo. Lá não pode
penetrar um raio de luz divina. A pessoa chega a tornar-se incapaz de acreditar
que o amor, a beleza e a bondade existam. Só conhece as trevas em que se
afunda…
A tristeza no fundo do
coração
Esse “poço escuro”, essas “trevas”, são o retrato da tristeza
que há hoje em dia no fundo de muitos corações. Corações eternamente
insatisfeitos, pessoas que podem cantar, gritar, possuir, experimentar, dançar,
agitar-se, embriagar-se de álcool, sexo, drogas e emoções radicais, mas que por
dentro estão sombriamente vazias. Vivem instaladas no “coração das trevas”. E,
mesmo sem o saberem, procuram, procuram. Percebem que lhes falta o essencial,
algo que passaram a vida buscando sem encontrar. Sentem-se como alguém
que se esfalfou tentando apanhar a água da fonte com um recipiente furado.
Atormenta-as, então, uma ânsia de infinito que as queima por dentro, mas que
nenhum tesouro do mundo e nenhuma loucura do mundo e nenhum prazer do mundo
conseguem satisfazer… Pode-se dizer que estão torturadas por uma esperança
distorcida, por um infinito desejo de felicidade, que corre
expectante atrás do vazio. É lógico que essa esperança distorcida termine no
desespero. O fundo do fundo da vida delas é a ausência…, é o vazio…,
e morrem sem saber por quê nunca foram felizes.
E, no entanto, o porquê é claro: elas sofrem da ausência de
Deus! Essas pessoas – como Madalena antes de encontrar Jesus – não sabem que o
seu mísero coração está gritando aquelas palavras de um poema de Tagore: “Tenho
necessidade de Ti, só de Ti! Deixa que o meu coração o repita sem cansar-se. Os
outros desejos que dia e noite me envolvem, no fundo, são falsos e vazios.
Assim como a noite esconde em sua escuridão a súplica da luz, na escuridão da
minha inconsciência ressoa este grito: «Tenho necessidade de Ti, só de Ti!».
Assim como a tempestade está procurando a paz, mesmo quando golpeia a paz com
toda a sua força, assim a minha revolta bate contra o teu amor e grita: «Tenho
necessidade só de Ti!»”
O encontro que tudo mudou
Assim estava Maria Madalena, quando um belo dia – de surpresa –
Jesus foi buscá-la. Não conhecemos os detalhes. Só sabemos que Jesus teve
compaixão dela, e dela expulsou sete demônios, como
recordávamos acima. Dá para imaginar o que deve ter sentido aquela alma, ao
encontrar-se livre do Maligno e inundada pelo dom da graça, conduzida por Jesus
à descoberta deslumbrante de Deus? Que deve ter sentido quando experimentou –
quiçá pela primeira vez na vida – a pureza e a grandeza do Amor, pois, como diz
São João, Deus é Amor (1 Jo 4,8).
Encontrar Deus, na pessoa de Cristo, foi como sair da asfixia do
poço e, de repente, “respirar”, absorver Deus até ao fundo da alma, como uma
aragem do Céu que a criava de novo. Madalena passou a ser uma mulher que, pela
primeira vez na vida, se apercebeu de como é bela a criação, todas as
criaturas, transfiguradas pelo olhar e a presença do Salvador. Seu coração
transformou-se numa brasa incandescente, inflamada pelo Amor que se derrama do
Céu sobre o mundo através do Coração de Jesus.
É natural que, a partir do dia em que o antigo coração das
trevas foi inundado pela fé, pela esperança e pelo amor, começasse a seguir
Jesus e a servi-lo, com uma dedicação abnegada e total, como conta o Evangelho,
juntamente com outras santas mulheres. Seguir Cristo tornou-se, a partir
daquele momento, a razão – toda a razão – da sua existência. Servir Jesus
passou a ser para ela um puro amor, que cumulava de plenitude e sentido o seu
pensar, sonhar e viver.
Por isso, quando a avalanche de brutalidades da Paixão, o ódio
implacável dos inimigos, desabou sobre Cristo e o reduziu a um cadáver
ensangüentado na Cruz, Maria Madalena – grudada à Mãe do Salvador – agarrou-se
à Cruz como quem se agarra à vida. Viver sem Jesus era para ela – como para
todos os corações que encontraram Cristo de verdade – a vertigem de um vazio de
morte. Essa é a Madalena que vemos chorar junto do sepulcro do Senhor. Essa a
razão de que só pense em buscar o meu Senhor (Jo
20,13).
O reencontro da vida
Enquanto estava assim, desolada, o Evangelho nos descreve uma
cena deliciosa: Chorando, inclinou-se para olhar dentro do sepulcro. Viu
dois anjos vestidos de branco… Eles perguntaram-lhe: “Mulher, por que choras?”
Ela respondeu: “Porque levaram o meu Senhor, e não sei onde o puseram” (Jo
20,13). A Madalena suplicante, toda “procura”, encarnava nesses momentos
aquelas palavras do profeta Isaías: A minha alma desejou-Te, meu Deus,
durante a noite e, dentro de mim, o meu espírito procurava-Te (Is
26,9). Assim buscava Jesus.
O Evangelho continua, e dá-nos alegria acompanhá-lo: Ditas
estas palavras, voltou-se para trás e viu Jesus em pé, mas não o reconheceu.
Perguntou-lhe Jesus: “Mulher, por que choras? Quem procuras?” (Jo
20,15). Comove ver Jesus ressuscitado, Jesus em pessoa, indo ao encontro
daquela pobre criatura, como o pai que desfruta por dentro ao pensar na
surpresa maravilhosa que preparou para o filho. E é muito bonito perceber –
para quem conhece e medita o Evangelho – que, depois da ressurreição, Jesus se
mostra mais humano ainda, se possível, do que quando andava com os seus pelos
caminhos da Galiléia e da Judéia. Torna-se mais próximo, afetuoso, acessível.
E aparece com uma nova carga de alegria: “diverte-se”, por assim
dizer, alegrando os seus amigos com atitudes cheias de “bom humor”, de um
divino e delicioso bom humor.
Para captar isso, basta continuar a acompanhar esse diálogo do
Senhor com Madalena. Quem procuras? – pergunta-lhe
Jesus -, e ela, supondo que fosse o jardineiro, respondeu: “Senhor, se tu o
tiraste, dize-me onde o puseste, e eu o irei buscar”. Cristo
não quer prolongar mais a aflição, e manifesta-se abertamente: Disse-lhe
Jesus: “Maria!” O Evangelho aqui balbucia, só sabe
repetir a exclamação que saiu daquela Maria estremecida de gozo, com os olhos
arregalados e o coração prestes a explodir: Voltando-se ela, exclamou em hebraico:
Rabôni!”, que quer dizer “Mestre!”… Nesse exato momento, Jesus
a olha com ternura e a “nomeia” sua primeira mensageira da fé, da alegria da
Ressurreição: Não me retenhas…Vai aos meus irmãos e
dize-lhes: Subo para meu Pai e vosso Pai, meu Deus e vosso Deus. Maria Madalena
correu (nesse dia, realmente, não parou de correr…) para
anunciar aos discípulos que tinha visto o Senhor e contou o que Ele lhe tinha
falado (Jo 20,15-18).
A partir desse momento, para Madalena a vida voltava a ser Vida,
com maiúscula. O futuro era radiante: o reencontro com Jesus encheu de novo o
vazio da alma com a luz cálida e inextinguível da esperança.
A chegarmos a esse ponto, será bom refletir e perguntar-nos:
“Será que, pensando nos vazios que com freqüência eu sinto, a lição da Madalena
não me diz nada?” Todo vazio, toda amargura, é uma ausência:
a ausência de Deus. Pode ser a terrível ausência provocada pelo pecado, pelos sete
demônios, mas pode ser também a ausência de uma alma boa que
perde Deus de vista, fica morna na fé, e acha então inexplicáveis muitas
tristezas que a atormentam e que têm uma perfeita explicação: são a ausência do
“amor” de Deus na alma, são a frieza de quem tem Jesus ao lado (sempre está ao
nosso lado, sempre nos procura, como fez com Madalena) e não o enxerga, são a
amargura esquizofrênica de quem se queixa de Deus, justamente na hora em que
Deus mais a ajuda… Como Madalena, que pensava que Jesus (aquele Jesus que não
reconheceu) lhe tinha roubado Jesus… Não acontece algo disto conosco?
Sim, acontece. Diante de muitas dificuldades, lutas ou cruzes
que Deus nos envia para o nosso bem, pensamos tolamente que Deus nos abandonou
ou se afastou de nós. Que retirou a sua mão e não nos ajuda com a sua graça. E
é quando está mais próximo.
Gravemos bem a lição das lágrimas e do júbilo de Maria Madalena.
Convençamo-nos, profundamente, de que toda tristeza, toda amargura, toda
revolta, no fundo, é uma ausência de Deus
(maligna ou benigna, mas nunca boa). Por isso, decidamo-nos a procurar Deus, a
procurar Jesus com toda a nossa alma, como Madalena: com a mesma determinação
com que ela o procurou. –”Onde está?” – diremos a nós mesmos – e responderemos
com a decisão de aumentar o nosso aprofundamento na fé, a nossa leitura e
meditação do Evangelho e das riquezas da doutrina cristã… E, se nos
perguntarmos: – “Como achá-lo?”, deveremos responder: – “Como
Madalena, que busca, pergunta, procura e não pára até encontrá-lo, ou seja,
como Jesus nos ensinou: rezando, pedindo, orando sem cessar, pois a sua
promessa não falha: Eu vos digo: Pedi e dar-se-vos-á; buscai
e achareis; batei e vos abrirão.