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domingo, 11 de fevereiro de 2024

Francisco: o amor precisa de concretude, presença, encontro

Ângelus de 11/02/2024 com o Papa Francisco (Vatican News)

Concretude é a palavra que mais se repete na reflexão de Francisco no Angelus deste domingo. A inspiração é o modo de agir de Jesus no Evangelho que, diante de quem sofre, "se inclina, toma pela mão e cura". O pensamento do Papa se dirige a um mundo dominado por "uma virtualidade efêmera das relações", enquanto o amor "precisa de presença, encontro, tempo e espaço dados", selfies ou "mensagens precipitadas" não bastam.

Mariangela Jaguraba/Jackson Erpen – Vatican News

O Papa Francisco rezou a oração mariana do Angelus deste domingo (11/02), Dia Mundial do Enfermo, com os fiéis e peregrinos reunidos na Praça São Pedro.

Na alocução que precedeu a oração, o Pontífice falou sobre o Evangelho deste domingo que nos apresenta a cura de um leproso.

"Ao doente, que lhe implora, Jesus responde: “Eu quero: fica curado!”. Pronuncia uma frase muito simples, que coloca imediatamente em prática. De fato, “no mesmo instante a lepra desapareceu e ele ficou curado.” "Este é o estilo de Jesus com quem sofre: poucas palavras e fatos concretos", sublinhou o Papa.

A seguir, Francisco disse que muitas vezes no Evangelho, Jesus se comporta assim com aqueles que sofrem: surdos-mudos, paralíticos e muitos outros necessitados. "Ele sempre faz assim: fala pouco e as são acompanhadas imediatamente por ações: nesse caso, se inclina, pega pela mão, cura. Não se detém em discursos ou interrogatórios, muito menos em pietismo e sentimentalismos. Demonstra, pelo contrário, o pudor delicado de quem escuta atentamente e age com solicitude, de preferência sem chamar a atenção", ressaltou o Pontífice.

É uma maneira maravilhosa de amar, e como nos faz bem imaginá-la e assimilá-la! Pensemos também em quando nos acontece de encontrar pessoas que se comportam assim: sóbrias nas palavras, mas generosas no agir; relutantes em aparecer, mas prontas em se tornarem úteis; eficazes em socorrer, porque dispostas a ouvir. Amigas e amigos a quem se pode dizer: “Você pode me ouvir? Quer me ajudar?”, com a confiança de ouvir a resposta, quase com as palavras de Jesus: “Sim, eu quero, estou aqui para você, para ajudá-lo!" Esta concretude é ainda mais importante num mundo como o nosso, em que uma virtualidade evanescente das relações parece ganhar cada vez mais terreno.

A "Palavra de Deus nos provoca", disse o Papa, citando um trecho da Carta de São Tiago que diz: «Se a um irmão ou a uma irmã faltarem roupas e o alimento cotidiano, e algum de vós lhes disser: “Ide em paz, aquecei-vos e fartai-vos”, mas não lhes der o necessário para o corpo, de que lhes aproveitará?».

O amor precisa de concretude. O amor que não é concreto não é forte, precisa de presença, de encontro, precisa de tempo e de espaço dados: não pode limitar-se a belas palavras, a imagens em uma tela, a selfies de um momento ou a mensagens precipitadas. São instrumentos úteis, que podem ajudar, mas não bastam para o amor, não podem substituir-se à presença concreta.

Francisco convidou cada um a se perguntar: "Sei ouvir as pessoas, estou disponível para os seus bons pedidos? Ou dou desculpas, adio, me escondo atrás de palavras abstratas e inúteis? Concretamente, quando foi a última vez que fui visitar uma pessoa solitária ou doente, ou que mudei os meus planos para atender às necessidades de quem me pedia ajuda?"

"Que Maria, solícita no cuidar, ajude-nos a ser prontos e concretos no amor", concluiu o Papa.

Fonte: https://www.vaticannews.va/pt

LECTIO DIVINA: Um antigo e precioso tesouro - Parte 2

LECTIO DIVINA - Uma escola de oração (ECCLESIA Brasil)
Por Altierez dos Santos, catequista e missionário

"Presume-se, por isso, que é uma prática antiquíssima, certamente inspirada pelo Espírito Santo em tempos imemoriais."

Sete passos para preparar e conduzir bem uma lectio divina

Dou alguns passos simples:
    1. Antes de mais nada, goste de ler a Bíblia e tenha bom conhecimento sobre ela. Algo que indico é que você participe ao máximo de cursos bíblicos, tenha Bíblias católicas de estudo e leia os comentários em letra menor nas notas de rodapé da Bíblia.
    2. Escolha bem o texto bíblico, pois não são todos os livros e capítulos da Bíblia que são aptos para a lectio divino. Ao escolhê-lo, busque  todas as reflexões possíveis sobre ele, consulte se são informações verdadeiras e fique com o mais importante. Escolha textos breves!
    3. Defina os sinais ou símbolos (ou palavras chaves) do texto que você escolheu e ligue-os com a vida dos catequizandos. Nada de discursos aleatórios, lições de moral, ou reflexões gerais sobre o mundo. Reflita sobre os sinais escolhidos no texto a partir da mensagem que eles trazem para os catequizandos.
    4. Materialize um dos sinais presentes no texto para favorecer a interiorização da mensagem. Na prática, isso quer dizer que você irá construir ou montar de forma visível um dos símbolos da leitura escolhida. Não use ideias gastas. Exemplos: na lectio divina da samaritana, use areia; no texto do dilúvio, use lama e uma imagem da arca; no texto da prisão de Pedro, use correntes e algemas. Faça de forma grande e visível e coloque como ambientação ou próximo à cruz.
    5. Agite seus catequizandos e os acalme. Isso mesmo. Antes do início do encontro, promova alguma interação divertida fora do ambiente de catequese e depois os recolha ao silêncio. Essa prática vai aumentar a concentração deles em 70%.
    6. Ensaie sua fala quantas vezes for preciso, para que, ao falar com eles, use as palavras escolhidas e adequadas. Use um tom de voz firme, calmo, seguro e tranquilo.
    7. Siga os quatro degraus da lectio divina: leitura, meditação, oração e contemplação. O que for diferente disso será leitura orante, e não lectio divina.

Os quatro sentidos da Sagrada Escrituras

Lembre-se de que a Sagrada Escritura possui quatro sentidos diferentes: o literal, que fala das coisas "ao pé da letra", isto é, que aconteceram; o moral, que devemos proceder; o anagógico, que indica o caminho do céu; e o alegórico, que ensina a partir dos símbolos. É sobre esse último que deve estar sua atenção.

Duas últimas questões

O modo como partilho acima este precioso tesouro da Igreja deve servir mais como uma inspiração que como uma norma. Se você se prepara e ama sua missão, eu sei que o Espírito Saníssimo estará junto de você. Por isso, eu pensei bem e desejei lembrar você, catequista, de que devemos preparar lectio divina usando sempre dois critérios:
    1º) Que a meditação seja capaz de ligar o texto bíblico com a vida da pessoa;
    2º) Que a meditação sensibilize os afetos, sentimentos, memórias e a emoção, mas também que ela ajude você, catequista, e também os catequizandos, a dar passos em direção a Deus.

Altierez dos Santos

Fonte: Revista Ecoanda - Ano 22 - nº 85 - Março/Maio - 2024 - Pags. 30/33.

Reflexão para o VI Domingo do Tempo Comum (B)

Misericordioso e fraterno, Cristo é o Bom Pastor, que cuida de suas ovelhas (Vatican News)

Jesus, ao mesmo tempo misericordioso e fraterno, quebra a visão de uma religiosidade preconceituosa em que o leproso é visto como impuro. O Senhor se aproxima, o toca, e o cura. Cristo é livre, é responsável, pois rompe com tabus para libertar um filho de Deus.

Padre Cesar Augusto, SJ - Vatican News

A primeira leitura nos fala do preconceito de alguém que é portador de alguma doença. Na época era a lepra, hoje poderia ser a AIDS. O importante é refletirmos sobre nossas atitudes e as de nossos contemporâneos em relação aos enfermos de nosso tempo.

Vejamos como Jesus vai se comportar nessa temática. Marcos, em seu evangelho, nos relata uma cena onde um leproso se aproxima do Senhor e lhe pede a cura. O Mestre o toca e o cura.

Temos dois atores em cena: o leproso e Jesus. O leproso verdadeiramente quer ser curado. Entre obedecer às normas rituais e quebrá-las para se aproximar do Senhor, ele opta por essa segunda. Seu desejo de cura e sua fé no poder do Senhor são mais fortes que as prescrições judaicas. Se está contaminado por uma doença socialmente marginalizante, é porque mereceu essa marca por algo errado que cometeu e somente o sacerdote poderá libertá-lo dessa pecha. É o reflexo do espiritual no físico, assim pensavam essas pessoas.

Jesus, ao mesmo tempo misericordioso e fraterno, quebra a visão de uma religiosidade preconceituosa em que o leproso é visto como impuro. O Senhor se aproxima, o toca, e o cura. O Senhor se mostra maior que os sacerdotes, pois de fato liberta o homem de sua doença e de sua culpa.

A segunda leitura, tirada da Carta de São Paulo aos Coríntios, nos ensina a sermos livres. E ser livre para Paulo é ser responsável, fazendo tudo em prol da salvação de todos e não pensando em vantagens para si mesmo.

Jesus é livre, é responsável, pois rompe com tabus para libertar um filho de Deus.

Queridos irmãos ouvintes, até onde somos livres? Até onde enfrentamos preconceitos, medos, temores, para sermos irmãos? Até onde nos acomodamos para que nossa vida calma e tranquila continue, mesmo que essa atitude guarde nosso egoísmo, proteja nosso prestígio, tudo em prejuízo do amor fraterno, do amor ao Senhor que se identificou com o humilhado e com o sofredor?

Fonte: https://www.vaticannews.va/pt

São Pedro de Jesús Maldonado

São Pedro de Jesus Maldonado (A12)
11 de fevereiro
São Pedro de Jesus Maldonado

Pedro de Jesús Maldonado Lucero nasceu na cidade de Chihuahua, 15 de junho de 1892. Ingressou aos 17 anos no seminário de Chihuahua, no México. Abandonou os estudos por um certo tempo, devido a problemas no seminário e pela suspensão das aulas por causa dos conflitos políticos de 1914, decidiu então se dedicar a aprender música.

Foi ordenado sacerdote em El Paso, no estado do Texas, Estados Unidos, em 1918. Desse momento se dedicou com muito entusiasmo à catequese das crianças, incremento notavelmente a adoração noturna e as associações marianas.

Seu propósito como seminarista: "Tenho pensado em ter meu coração sempre no céu e no tabernáculo”. Este se tornou o ideal de sua vida e fonte de toda a sua atividade sacerdotal.

Sacerdote apaixonado pelo Santíssimo Sacramento, ele era um adorador contínuo e fundador de muitas voltas de adoração noturna entre os paroquianos confiados a ele. Em 10 de fevereiro de 1937, na Quarta-feira de Cinzas, ele celebrou a Eucaristia, transmitiu as cinzas e dedicou-se a confessar. De repente, um grupo de homens armados veio prendê-lo.

Padre Pedro tomou um relicário com as hóstias consagradas e seguiu seus perseguidores. Ao chegar à presidência do município, políticos e policiais o insultaram e o espancaram. Um tiro de pistola na testa fraturou seu crânio e fez seu olho esquerdo explodir. O padre, banhado em sangue, caiu quase inconsciente; o relicário se abriu e as hóstias caíram. Coma isso. Pelas mãos de seu carrasco, ele cumpriu seu desejo de receber o Santíssimo Sacramento antes de morrer.

Em agonia, foi transferido para um hospital público em Chihuahua e, no dia seguinte, 11 de fevereiro de 1937, aniversário de sua ordenação sacerdotal, o padre martirizado consumou seu glorioso sacrifício.

Foi beatificado no dia 22 de novembro de 1992 e canonizado em 21 de maio de 2000 pelo papa João Paulo II.

Reflexão:

"Por isso Eu te digo que tu és Pedro, e sobre esta pedra construirei a minha Igreja, e o poder do inferno nunca poderá vencê-la. Eu te darei as chaves do Reino dos Céus: tudo o que tu ligares na Terra será ligado nos Céus; tudo o que tu desligares na Terra será desligado nos Céus".

Oração:

São Pedro Maldonado, rogai por nós! Pai nosso que estais nos céus santificado seja o vosso nome, venha a nós o vosso reino, seja feita a vossa vontade assim na terra como no céu. O pão nosso de cada dia nos dai hoje perdoai as nossas ofensas assim como nós perdoamos a quem nos tem ofendido e não nos deixeis cair em tentação mas livrai-nos do mal, Amém.


Fonte: https://www.a12.com/

sábado, 10 de fevereiro de 2024

LECTIO DIVINA: Um antigo e precioso tesouro - Parte 1

LECTIO DIVINA - Escola de oração (ECCLESIA Brasil)
Por Altierez dos Santos, catequista e missionário

"Presume-se, por isso, que é uma prática antiquíssima, certamente inspirada pelo Espírito Santo em tempos imemoriais."
    A lectio divina é antigo e precioso tesouro da Igreja. Desde os primeiros séculos, nossos santos nos ensinaram a iluminar a vida  com a Palavra por meio dela. Seguramente, é a melhor forma de ler a vida pela Palavra, pois ela própria é uma herança da sabedoria dos autores sagrados da Bíblia. Infelizmente, poucas pessoas a conhecem. Mesmo entre os catequistas, o que é lamentável.

    A propósito, a lectio divina está mencionada nos principais documentos de catequese, incluindo o Catecismo, o Diretório para a Catequese e outros. Ela possui quatro degraus em direção a Deus.
O primeiro degrau é a LEITURA.
O segundo é a MEDITAÇÃO.
O terceiro é a ORAÇÃO.
E o quarto é a COMUNICAÇÃO.

Antiguidade da lectio divina

    Segundo o grande mestre dom João Evangelista Martins Terra, a lectio divina é uma prática tão antiga quanto a veneração pela Sagrada Escritura. No episódio relatado no santo Evangelho segundo São Marcos 1, 21, dom Terra identifica o próprio Senhor Jesus Cristo realizando uma lectio divina!

    Com efeito, os vários escritos de antes e depois de Cristo trazem traços marcadamente semelhantes a oração profunda que brota das páginas milenares da Bíblia. São páginas que mais se assemelham a pinturas repletas de detalhes e segredos que espelham a nossa própria vida. Presume-se, por isso, que é uma prática antiquíssima, certamente inspirada pelo Espírito Santo em tempos imemoriais.

    Os registros da utilização da expressão lectio divina são muito antigos, já do segundo século de nossa era, por Orígenes, mas a fixação em quatro degraus, como a conhecemos hoje, foi dada pelo monge Guido (ou Guigo) no século II. Por muitos séculos, a lectio divina foi a piedade central da vida religiosa nas antigas ordens, mas, com o passar do tempo, perdeu a importância durante de outras práticas de piedade, e recentemente, no século XIX, ela passou a ser novamente incentivada e vivenciada.

Diferença entre lectio divina e leitura orante

    Em todos os países aonde chegou, produziu frutos e inclusive inspirou formas de oração baseadas nos quatro degraus. Foi assim que nasceu a leitura orante no Brasil, por exemplo.

    Leitura orante não é, a rigor, sinônimo de lectio divina. Temos a riqueza própria  da leitura orante, esta flor que nasceu das sementes da tradução mais antigas, mas é importante destacar que estamos diante de duas práticas de piedade valiosas e bem diferentes.

    Lectio divina é introspectiva, silenciosa, focada na conversão do interior e só pode ser feita com os outros quatro degraus clássicos e com a Sagrada Escritura.

    Leitura orante, por sua vez, é dialogal, expositiva, ligada a aspectos da vida exterior, ela pode ser realizada com variados degraus e com outros textos piedosos, litúrgicos, canônicos, além da própria Bíblia.

A lectio divina é o melhor barco para navegar pela Sagrada Escritura

    Em retiros pelo Brasil, costumo lembrar que a Sagrada Escritura é como um lago muito extenso, calmo, que reflete em suas águas, como um poderoso espelho, tudo o que está ao seu redor. Visto de longe, esse lago parece uma lâmina de água, muito rasa, até mesmo de água parada. Mas é um engano.

    Estamos diante do lago mais profundo do mundo. Quem ousar ler a Bíblia ao pé da letra irá ter uma visão equivocada, pois as águas desse lago não são rasas! Elas possuem uma profundidade de que nem sempre suspeitamos.

    Ao praticar lectio divina, percebemos isso, É por isso que comparo a lectio divina a uma embarcação capaz de singrar as águas vastas, profundas, densas e até agitadas da Bíblia.

Altierez dos Santos

Fonte: Revista Ecoanda - Ano 22 - nº 85 - Março/Maio - 2024 - Pags. 30/33.

Deus é o fundamento da esperança

Viver o amor na esperança e na fé (FASBAM)
Esta grande esperança só pode ser Deus, que abraça o universo e nos pode propor e dar aquilo que, sozinhos, não podemos conseguir.

"O homem, na sucessão dos dias, tem muitas esperanças - menores ou maiores - distintas nos diversos períodos da sua vida. Às vezes pode parecer que destas esperanças o satisfaça totalmente, sem necessidade de outras. Na juventude, pode ser a esperança do grande e fagueiro amor; a esperança de uma certa posição na profissão, deste ou daquele sucesso determinante para o resto da vida. Mas quando estas esperanças se realizam, resulta com clareza que na realidade, isso não era a totalidade. Torna-se evidente que o homem necessita de uma esperança que vá mais além. Vê-se que só algo de infinito lhe pode bastar, algo que será sempre mais do que aquilo que ele alguma vez possa alcançar. 

Neste sentido, a época moderna desenvolveu a esperança da instauração de um mundo perfeito que, graças aos conhecimentos da ciência e a política cientificamente fundada, parecia tornar-se realizável. Assim, a esperança bíblica do reino de Deus foi substituída pela esperança do reino do homem, pela esperança de um mundo melhor que seria o verdadeiro <<reino de Deus>>. Esta parecia finalmente a esperança grande e realista de que o homem necessita. Estava em condições de mobilizar - por um certo tempo - todas as energias do homem; o grande objetivo parecia merecedor de todo o esforço. Mas, com o passar do tempo fica claro que esta esperança escapa sempre para mais longe. Primeiro deram-se conta de que esta era talvez uma esperança para os homens de amanhã, mas não uma esperança para mim. E, embora o elemento <<para todos>> faça parte da grande esperança - com efeito, não posso ser feliz contra e sem os demais - o certo é que uma esperança que não me diga respeito a mim pessoalmente não é sequer uma verdadeira esperança. E tornou-se evidente que esta era uma esperança contra a liberdade, porque a situação das realidades humanas depende em cada geração novamente da livre decisão dos homens que dela fazem parte. Se esta liberdade, por causa das condições e das estruturas, lhes fosse tirada, o mundo, em última análise, não seria bom, porque um mundo sem liberdade não é de forma alguma um mundo bom. Deste modo, apesar de ser necessário um contínuo esforço pelo melhoramento do mundo, o mundo melhor de amanhã não pode pode ser o conteúdo próprio e suficiente da nossa esperança. E, sempre a este respeito, pergunta-se: Quando é <<melhor>> o mundo? O que é que o torna bom? Com qual critério se pode avaliar o seu ser bom? E por quais caminhos se pode alcançar esta <<bondade>>?

Mais ainda: precisamos das esperanças - menores ou maiores - que, dia após dia, nos mantêm a caminho. Mas, sem a grande esperança que deve superar tudo o resto, aquelas não bastam. Esta grande esperança só pode ser Deus, que abraça o universo e nos pode propor e dar aquilo que, sozinhos, não podemos conseguir. Precisamente o ser gratificado com o dom faz parte da esperança. Deus é o fundamento da esperança - não um deus qualquer, mas aquele Deus que possui um rosto humano e que nos amou até o fim; cada indivíduo e a humanidade no seu conjunto. O seu reino não é um além imaginário, colocado num futuro que nunca mais chega; o seu reino está presente onde Ele é amado e onde o seu amor nos alcança. Somente o seu amor nos dá a possibilidade de perseverar com toda a sobriedade dia após dia, sem perder o ardor da esperança, num mundo que, por sua natureza, é imperfeito. E, ao mesmo tempo, o seu amor é para nós a garantia de que existe aquilo que intuímos só vagamente e, contudo, no íntimo esperamos; a vida que é <<verdadeiramente>> vida."

Papa Bento XVI

Fonte: https://www.rmater.org.br/

«Vou passar o meu Céu fazendo o bem na terra» (2/2)

A caixa onde foram colocadas as quinhentas liras (30Giorni)

Revista 30Dias – 02/03 – 2010

O MILAGRE DE GALLIPOLI

«Vou passar o meu Céu fazendo o bem na terra»

Celebramos o centenário de um dos milagres mais singulares de Santa Teresinha de Lisieux: aquele com que, em 1910, ela resolveu os graves problemas económicos do Carmelo de Galípoli e confirmou à Igreja a bondade da sua “pequena via”. , abrindo caminho para sua beatificação.

por Giovanni Ricciardi

Solicitada a esclarecer o conteúdo destes ensinamentos, Irmã Maria da Trindade explicou: «O que Irmã Teresa chamava de “pequena via de infância espiritual” era o tema contínuo das nossas conversas. “Os privilégios de Jesus são para os pequenos”, repetiu-me ele. Ele era inesgotável na confiança, no abandono, na simplicidade, na retidão, na humildade da criança, e sempre o apresentou a mim como modelo. Um dia, quando lhe expressei meu desejo de ter mais força e energia para praticar a virtude, ela continuou: “E se o bom Deus quer que você seja fraco e indefeso como uma criança, você acha que tem menos mérito? Portanto, aceite vacilar a cada passo, até cair, carregue fracamente a sua cruz, ame a sua impotência; sua alma lucrará mais com isso do que se, transportado pela graça, você realizasse com entusiasmo ações heróicas, que encheriam sua alma de satisfação e orgulho pessoal”. Outra vez, quando eu ainda estava triste com meus fracassos, ele me disse: “Aqui está você de novo, fora do caminho! Um castigo que deprime e desanima vem do amor próprio; um castigo sobrenatural restaura a coragem, dá um novo impulso para o bem; ficamos felizes por nos sentirmos fracos e miseráveis, porque quanto mais o reconhecemos humildemente, esperando tudo gratuitamente do bom Deus, sem qualquer mérito da nossa parte, mais o bom Deus se rebaixa até nós, para nos cobrir generosamente com os seus dons”. No mês de maio, mãe Carmela voltou a ver a pequena Teresa em sonho que lhe garantiu que o milagre se renovaria e prometeu-lhe que encontraria na caixa uma nova nota de cinquenta liras. Em vez disso, até três foram encontrados. Finalmente, em agosto, apareceram outras cem liras. Nesse mesmo mês foi aberto o processo de beatificação em Lisieux. Para esclarecer muitos acontecimentos misteriosos, o vice-postulador da causa, Monsenhor de Teil, chegou a Gallipoli. A história de Madre Carmela está em conformidade com o relatório anterior enviado à prioresa de Lisieux. Enquanto isso, o bispo de Nardò, Nicola Giannattasio, soube da prodigiosa soma encontrada pela prioresa. Sabia também que as freiras carmelitas, ansiosas por embelezar a pobre igreja do mosteiro, começaram novamente a invocar a irmã mais nova de Lisieux para obter a quantia necessária, cerca de trezentas liras. Assim, para demonstrar a sua devoção a Teresa e comemorar o primeiro aniversário do milagre, com o início do novo ano decidiu dar uma oferenda ao Carmelo com uma quantia equivalente à que havia sido encontrada no mês de janeiro anterior. Ele pegou uma nota de quinhentas liras e colocou-a num envelope. Inseriu também um dos seus cartões de visita, onde escreveu: «In memoriam , MEU CAMINHO É SEGURO, NÃO ESTOU ERRADA, Irmã Teresa do Menino Jesus à Irmã Maria Carmela, Gallipoli, 16 de janeiro de 1910. Orate pro me quotidie ut Deus misereatur mei ». Neste envelope, deixado aberto, ele reescreveu “ In memoriam ”. O envelope foi então colocado dentro de outro maior, fechado com selo de cera, com sua insígnia episcopal. No lugar da morada, o bispo escreveu esta recomendação: «Para ser colocada na caixa habitual e aberta pela madre prioresa, Irmã Maria Carmela do Coração de Jesus, no dia 16 de janeiro de 1911». Mandou entregar o envelope no Carmelo e, poucos dias depois, por ocasião do aniversário, foi pessoalmente pregar os exercícios espirituais.

Assim que chegou, soube imediatamente que o envelope estava intacto e ainda na caixa onde havia sido depositado, conforme sua vontade. Madre Carmela, convidada pelo bispo, foi buscar o envelope, retirou o selo de cera, abriu-o e entregou-o a Monsenhor Giannattasio, que ficou surpreso ao encontrar dentro dele quatro notas novas: duas de cem liras e outras duas de cinquenta, num total de trezentos. O bispo pensou que a sua nota tinha sido trocada por outras de tamanho menor, mas ficou surpreso ao ver que a nota de quinhentas liras ainda estava no seu lugar, no envelope menor. Ele não conseguia entender. A prioresa concluiu então: «Este dinheiro é seu, conte-o. Se forem mais trezentas liras, não seria isso que a comunidade pedia com tanta confiança à Irmã Teresa?”.

Não é de admirar, se pensarmos bem, que Teresa se tenha emocionado precisamente com um pedido feito com aquela “tanta confiança”, que é típica de uma criança, e que representa o próprio coração do seu “pequeno jeitinho”. E então, Teresa também sabia o quão dolorosa era a condição daqueles que não conseguem pagar as suas dívidas. Na última fase da sua doença, soube com pesar que também tinha sido dispensada do Ofício dos Mortos que cada Carmelita deve recitar para as suas irmãs falecidas em todos os mosteiros do mundo. E disse à Madre Agnese: «Não posso confiar em nada, em nenhuma obra minha, para ter fé. Então, eu gostaria de poder dizer a mim mesmo: estou em dia com todos os meus Ofícios dos Mortos. Mas esta pobreza foi para mim uma verdadeira luz, uma verdadeira graça. Pensei que em toda a minha vida não tinha conseguido resgatar uma única dívida minha para com o Senhor, mas que isso seria uma verdadeira riqueza e força para mim se eu aceitasse. Então fiz esta oração: “Meu Deus, peço-te, satisfaz a dívida que tenho para com as almas do Purgatório, mas faze-o como Deus, ou seja, infinitamente melhor do que se eu tivesse dito os meus Ofícios dos mortos”. Recordei com grande doçura aquelas palavras do Cântico de São João da Cruz: “E toda dívida está paga!”. Sempre apliquei isso ao amor. Sinto que tal graça não pode ser concedida! Encontra-se uma paz tão grande em ser inteiramente pobre, em contar apenas com o Deus misericordioso”.

A este amor, a esta pobreza, a esta paz Teresa tinha acrescentado, do Céu, uma caridade superabundante e muito concreta.

Fonte: https://www.30giorni.it/

A mulher e a autoridade como representadas nos sarcófagos do séc. IV

Sarcófago do século IV (Foto do autor no Museu Pio Cristão no Vaticano. Todos os direitos reservados)

A vida religiosa — tanto contemplativa como ativa, tal como a conhecemos hoje — evoluiu ao longo de dois mil anos. Este segundo artigo relata uma investigação original sobre evidências arqueológicas das atividades das mulheres no cristianismo primitivo, encontradas em frisos de sarcófagos datados entre o final do século III e o início do século V.

Christine Shenk CSJ

Uma vez que a maior parte da história se baseia em documentos produzidos por homens, a procura de dados históricos fiáveis sobre as mulheres no cristianismo primitivo pode tornar-se um verdadeiro desafio. O cristianismo baseia—se fortemente na palavra escrita como principal meio de conhecer a sua história. Como afirma a Dra. Janet Tulloch num artigo publicado em 2004, as informações recolhidas a partir de artefatos visuais, como afrescos, pinturas e frisos em sarcófagos, têm sido até agora confiadas quase exclusivamente a historiadores de arte e arqueólogos. Embora houvesse muitas mulheres mecenas que apoiavam financeiramente os homens da Igreja primitiva (Maria de Magdala, Febe, Lídia, Paula, Olímpia), a sua presença é pouco mencionada nas fontes literárias. No entanto, desde há algum tempo, os estudiosos aperceberam-se de que a arqueologia é uma fonte importante no que respeita à presença das mulheres no cristianismo primitivo.

Documentação escrita versus documentação arqueológica

Durante os primeiros quatro séculos da história cristã (e até à atualidade), os eclesiásticos justificaram a limitação da autoridade das mulheres referindo-se à admoestação da primeira carta de Paulo a Timóteo, segundo a qual as mulheres deviam permanecer em silêncio nas assembleias e não deviam ensinar ou “impor a lei aos homens” (2, 12). No entanto, a arte funerária cristã do final do século III e início do século V retrata mulheres na atitude de ensinar e pregar. Aqui será possível apenas uma breve dissertação sobre este tema fascinante.

Tanto para os romanos cristãos como para os pagãos, o sarcófago não era apenas o contentor de um cadáver, mas um monumento carregado de significado. A arte funerária romana tinha como objetivo tornar visível a identidade da pessoa falecida e comemorar os seus valores e virtudes. Só as pessoas ricas podiam pagar um monumento funerário tão caro; o projeto da representação, ou seja, a forma como queriam ser recordados, era também um processo importante. Ser representado com um pergaminho, uma capsa (recipiente de pergaminho) ou um codex (livro) era um indicador imediato da educação, do status e da riqueza da pessoa falecida.

A defunta - (Foto do autor no Museu Pio Cristão no Vaticano. Todos os direitos reservados)

Tanto os homens como as mulheres cristãs eram recordados e idealizados como pessoas de um certo status, com uma certa autoridade, erudição e devoção religiosa. Se a pessoa falecida era representada com um pergaminho ou capsa e imersa em cenas bíblicas, isso indicava a sua erudição nas Escrituras hebraicas e cristãs.

Durante três anos, analisei 2.119 imagens e descritores de sarcófagos e fragmentos datados do século III até ao início do século V , incluindo todas as imagens disponíveis de sarcófagos cristãos. Uma investigação aprofundada dos motivos iconográficos selecionados revelou que muitas mulheres do cristianismo primitivo eram recordadas como pessoas de um certo status social, influentes e com autoridade nas suas comunidades. Uma descoberta verdadeiramente significativa é o facto de existirem, em comparação com os retratos funerários de homens cristãos, pelo menos três vezes mais retratos de mulheres cristãs, e a probabilidade de estas descobertas se deverem apenas ao acaso é inferior a 1 em 1.000.

Detalhe do sarcófago - (Foto do autor no Museu Pio Cristão no Vaticano. Todos os direitos reservados)

Muitos dos relevos dos sarcófagos representam mulheres no meio de cenas bíblicas, no gesto do orador ou segurando pergaminhos ou códices nas mãos. Este é um testemunho efetivo do facto de as mulheres do século IV não aderirem à disposição de permanecerem em silêncio. A sua difusão sugere a emergência de uma nova identidade feminina de erudição bíblica e de autoridade pedagógica. Outra verificação interessante é o facto de os retratos femininos terem o dobro da probabilidade de estarem ladeados por figuras de apóstolos (frequentemente Pedro e Paulo), provavelmente para validar a sua autoridade religiosa.

O que nos diz a arqueologia

A iconografia do cristianismo primitivo diz-nos que as mulheres cristãs eram cultas, piedosas e abastadas. A julgar pelo número de sarcófagos que representam apenas mulheres, isso indica que eram também mulheres solteiras ou viúvas, o que faz lembrar as primeiras comunidades de viúvas ou virgens de que falámos no primeiro artigo desta série [inserir link hipertextual]. Tendo em conta que muitas delas são representadas com rolos de pergaminho e em atitude de pregação numa cena bíblica, podemos deduzir que eram eruditas nas Escrituras e queriam ser representadas como mulheres que confiavam no poder salvador de Deus e eram especialistas na vida de Jesus e nos seus milagres de cura. As suas comunidades idealizaram-nas como figuras eruditas com autoridade, no mínimo, para proclamar e ensinar as Escrituras.

Mais um detalhe do sarcófago - (Foto do autor no Museu Pio Cristão no Vaticano. Todos os direitos reservados)

É plausível que as posteriores “madres da Igreja”, como Marcela, Paula, Melânia, a Anciã, e Proba, tenham admirado estes modelos femininos primitivos que as inspiraram a amar e a estudar as Escrituras. As fontes literárias sobre as “madres da Igreja” coincidem com os achados arqueológicos, confirmando o que os estudiosos contemporâneos — incluindo o Papa Bento XVI — já tinham teorizado, nomeadamente que as mulheres tiveram uma influência muito maior no cristianismo primitivo de quanto é geralmente reconhecido. Enquanto na documentação literária são as figuras masculinas que predominam, os retratos funerários no campo da arqueologia mostram, pelo contrário, que as mulheres cristãs são predominantemente recordadas por terem exercido substancialmente a autoridade eclesial nas suas comunidades. E, como veremos, as mulheres que se reuniam em torno das nossas “madres da igreja” evoluíram mais tarde para algumas das nossas primeiras comunidades — intencionais — de religiosas.

Fonte: https://www.vaticannews.va/pt

sexta-feira, 9 de fevereiro de 2024

Pode-se celebrar o matrimônio católico fora do espaço da Igreja?

Matrimônio (Presbíteros)

Pode-se celebrar o matrimônio católico fora do espaço da Igreja?

Uma das perguntas mais frequentes quando casais estão se preparando para o matrimônio diz respeito à possibilidade de se celebrar um matrimônio católico fora do espaço de uma igreja. Alguns noivos gostariam de casar-se perante um ministro religioso católico, mas na praia, na casa de festa, em sítios ou fazendas, há inclusive os que desejariam casar-se na Disneylândia (não é piada, a Disneylândia possui um espaço reservado para casamentos e, ao que parece, o local é bem concorrido).  

Qualquer visita a blogs de noivas, de casamento ou de cerimonialistas de casamento mostra que esta é uma pergunta recorrente. Há casas de festa que, inclusive, anunciam uma promoção: contrate a festa, e o “celebrante” é dado de brinde, para fazer o casamento dentro da própria casa de festa. E então, isso é possível?

RESPOSTA: Não, em regra isso não é possível. 

O cânone 1.118, § 1 do Código de Direito Canônico estabelece: 

Cân. 1118 — § 1. O matrimônio entre católicos ou entre uma parte católica e outra não católica mas batizada celebre-se na igreja paroquial; pode celebrar-se noutra igreja ou oratório com licença do Ordinário ou do pároco.

Portanto, a regra geral é de que não é possível aos católicos casar-se fora de lugares sagrados. Há uma importante razão espiritual para isso: o matrimônio é um vínculo natural que, entre os cristãos (sejam eles católicos ou não), foi elevado à dignidade de sacramento por Cristo Senhor (cân. 1.055). Portanto, a graça divina não anula a natureza, mas a eleva a uma ordem sobrenatural. Dada a natureza também sagrada deste vínculo, é prudente, conveniente e oportuno que sua constituição se dê dentro de um recinto sagrado, de maneira a expressar de forma mais plena o caráter sacro de tal instituição. Ou, caso se prefira colocar deste modo, é mais consentâneo com a teologia do sacramento que este seja celebrado no lugar sagrado, sobretudo pela existência aí do Ssmo. Sacramento, presença substancial de Nosso Senhor nos tabernáculos de nossas igrejas.

Dito isto, atente-se para o fato de que dissemos apenas que, em regra, isso não é possível. Mas a regra admite exceção, prevista no cân. 1.118, § 2:

Cân. 1118 — § 2. O Ordinário do lugar pode permitir que o matrimônio se celebre noutro lugar conveniente.  

Primeiramente, deve-se lembrar que esta exceção não configura um direito do fiel a casar-se fora do espaço da igreja. O Ordinário (em geral, o bispo diocesano) não pode ser compelido a permitir um matrimônio católico fora de uma igreja. É uma faculdade que o direito canônico confere ao Ordinário, que poderá exercê-la ou não.

Em segundo lugar, na prática, é bastante incomum e raro que o Ordinário conceda esta permissão, pelas razões teológicas acima expostas. Por isso, deve haver uma justificativa séria o suficiente, por parte dos nubentes, para que o Ordinário conceda a permissão para casar-se fora do espaço da igreja. Meras questões logísticas (“é mais prático casar-se na casa de festa”) ou de gosto pessoal dos nubentes (“amamos a praia ou o campo”; “queremos nos casar na Disneylândia pois foi lá que nos conhecemos”) em geral não são suficientes para que o bispo dê esta permissão. 

Tentemos esboçar um exemplo de questão séria: os nubentes moram em local distante e isolado, que conta com uma única igreja católica. Porém, a igreja do local recentemente sofreu um incêndio e não está podendo ser utilizada antes de uma reforma. Neste caso, há uma chance considerável de que o bispo permita o casamento fora da igreja. Mas, obviamente, este não é o caso da maioria dos noivos que deseja se casar fora do espaço da igreja. 

Há ainda outra exceção, prevista no cân. 1.118, § 3: 

Cân. 1118 — § 3. O matrimônio entre uma parte católica e outra não batizada pode celebrar-se na igreja ou noutro local conveniente.   

Se o católico irá casar-se com uma pessoa que nem sequer é cristã (seja católica ou cristã de outra igreja ou comunidade cristã), por exemplo, com um judeu, um muçulmano, um budista, então desaparece a razão teológica que indicamos de elevação do matrimônio, um vínculo natural, ao nível sobrenatural de sacramento. O casamento entre um católico e um não-cristão, embora possa ser válido como instituição natural, não é sacramento, e, por isso, não há uma razão teológica suficientemente forte que imponha a realização deste casamento dentro do espaço da igreja, podendo os noivos optar livremente por casar-se fora dela. Mas, neste caso, deverão obter permissão do bispo não quanto ao local do casamento, mas sim para a validade do próprio casamento, visto que se trata de um casamento com disparidade de culto, situação em que a Igreja exige uma série de condições para dispensar o fiel católico para casar-se com um não batizado, de modo a tutelar a fé da parte católica e dos filhos que nascerem deste casamento.

Eis aí a resposta para a pergunta.

Padre Vítor Pimentel Pereira

Paróquia de N. Sra. do Paraíso dos Católicos Greco-melquitas

Fonte: https://presbiteros.org.br/

A sede da alma

Todo homem deseja viver em Deus (Encontro com Cristo)

A SEDE DA ALMA

Dom João Santos Cardoso
Arcebispo de Natal (RN)

“Como a corça bramindo por águas correntes, assim minha alma brame por ti, ó meu Deus!” (Sl 42, 2) 

O Salmo 42 expressa poeticamente a angústia de um exilado devido ao seu afastamento do Templo de Jerusalém, onde Deus reside, e das festas que lá eram celebradas. No exílio, clama por Deus, desejando visitar o Santuário e contemplar a face do Senhor. Antropologicamente, o Salmo retrata uma realidade intrínseca à alma humana: a sede de absoluto, a sede de Deus. O ser humano é estruturalmente aberto e tem um desejo inato de eternidade. 

A metáfora do exílio permeia a fé cristã, sugerindo que vivemos exilados neste mundo. Nele estamos, mas não somos dele. No mundo, sentimos uma profunda inadequação, como se estivéssemos longe de casa, desejosos de retornar à pátria de origem.  “Não temos aqui cidade permanente, mas estamos à procura daquela que está para vir” (Hebreus 13,14). A angústia do exilado é expressa pelo Apóstolo Paulo na Segunda Carta aos Coríntios, destacando a tensão entre a fé e a visão, entre habitar neste corpo e ansiar pela morada junto ao Senhor: “Por conseguinte, estamos sempre confiantes, sabendo que, enquanto habitamos neste corpo, estamos fora da nossa mansão, longe do Senhor, pois caminhamos pela fé e não pela visão” (2 Cor 5, 6-7). 

O Salmo 63 retrata vividamente a sede da alma, apresentando-a como uma terra árida clamando por água: “Minha alma tem sede de ti, minha carne te deseja com ardor, como terra árida, sem água” (Sl 63, 2). Essa imagem é poderosa para retratar a condição humana, profundamente marcada por um desejo de eternidade, como se na alma houvesse um grande buraco que nada preenche, exceto o Absoluto. Santo Agostinho expressa essa condição quando exclama no início de suas Confissões, em sua invocação a Deus: “Fizeste-nos para ti, e inquieto está o nosso coração, enquanto não repousa em ti”.  

A inquietude, a insatisfação, denunciam a inadequação do ser humano no mundo. O ser humano tem sede de absoluto e de Deus. Quando não compreendemos a natureza dessa sede, orientamos nossa busca para realidades efêmeras que jamais cumprirão suas promessas. Buscamos e nada nos sacia, e, quando conseguimos algo, somos remetidos para uma nova busca. Essa situação de busca incessante aponta para um termo último, indica para algo que possa definitivamente saciar nossa sede e dar um novo norte à nossa vida. Esse termo absoluto é Deus! 

A atual sociedade de consumo leva em conta essa condição existencial do ser humano, trabalhando com o desejo e sede do absoluto, remetendo-os para o consumo. A sociedade de consumo, conforme apresentada por Bauman, capitaliza essa busca, mantendo a insatisfação como pilar fundamental para sua sobrevivência. “A sociedade de consumo tem por premissa satisfazer os desejos humanos de uma forma que nenhuma sociedade do passado pôde realizar ou sonhar. A promessa de satisfação, no entanto, só permanecerá sedutora enquanto o desejo continuar irrealizado” (BAUMAN, Z. Vida Líquida, 2009, p. 105). O consumo tem como estratégia perpetuar a insatisfação, criando alvos inatingíveis e alimentando a compulsão. Assim, o consumismo torna-se uma economia do logro, do excesso e do desperdício, onde a promessa de satisfação é constantemente quebrada, mantendo viva a busca incessante.

A massificação das drogas em nossos dias não estaria apontando para o mal-estar de uma sociedade imersa na imanência em que se perderam os horizontes da transcendência? Quando nos falta uma experiência de transcendência, transferimos nossa angústia de exilados para o consumo e para as substâncias psicotrópicas. A conexão entre a falta de transcendência e o recurso ao consumo e substâncias psicotrópicas é como uma resposta à angústia do exílio na imanência. Contudo essa tentativa não responde à sede da alma e aprofunda ainda mais o seu abismo. Somente em Deus, nossa alma encontra repouso!


Fonte: https://www.cnbb.org.br/

Pe. Manuel Pérez Candela

Pe. Manuel Pérez Candela
Pároco da Paróquia Nossa Senhora da Imaculada Conceição - Sobradinho/DF