A crescente demanda por cuidadores de idosos em um Brasil cada vez mais velho: 'Fui trocar lâmpada e fiquei'
Por Mônica Vasconcelos
Da BBC News Brasil em Londres
9 dezembro 2024
"Eu sentia um amor muito
grande. Não tem nem explicação para o sentimento."
É assim que o cuidador de idosos Rodrigo
Rafael de Camargo, de 39 anos, lembra de Carlos, que tinha demência e faleceu
em abril, aos 87.
“Quando eu chegava, ele já dava um grito. ‘Rodrigo, vem aqui
um pouco. Você não viu o que está acontecendo com o controle da TV aqui?’",
recorda-se.
"Aí eu mexia no controle e tava tudo funcionando. Eu
abria o controle, tirava a pilha, colocava a pilha no lugar, pegava um paninho,
limpava por dentro. Aí eu falava, ‘tá funcionando’. Mas não tinha nem parado,
sabe? Aquilo era só para eu estar perto dele", prossegue.
"Era um sentimento muito gostoso, ver como ele gostava
de ficar perto de mim.”
A demanda por profissionais como Rodrigo é cada vez maior em
um Brasil que fica cada vez mais velho.
Em 2070, mais de um terço (37,8%) dos brasileiros serão
idosos, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
De 2000 para 2023, a proporção de pessoas com 60 anos ou
mais na população brasileira quase duplicou: subiu de 8,7% para 15,6%.
Ao mesmo tempo, a taxa de fecundidade do
país recuou de 2,32 em 2000 para 1,57 filho por mulher em 2023. E a população
do país vai parar de crescer em 2041, segundo projeção do IBGE.
Boa parte do cuidado com a população brasileira
que envelhece recai e recairá cada vez mais na figura do cuidador de
idosos — um trabalhador invisível em uma atividade não regulamentada que,
segundo especialistas na área, pode ganhar mais de três salários mínimos (R$4.236).
Há expectativa de que uma nova política para a profissão seja
aprovada em Brasília.
Após anos de campanhas pela sociedade civil, a Câmara dos
Deputados aprovou, em 12 de novembro, um projeto de lei que institui a Política
Nacional de Cuidado. O texto agora aguarda apreciação pelo Senado.
A proposta coloca o cuidado como um direito do cidadão e
abre caminho, segundo especialistas, para a regulamentação da profissão de
cuidador de idosos e, muitos esperam, a oferta de cuidado como um serviço no
âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS).
A BBC News Brasil entrevistou especialistas na área, além de
ouvir a experiência de Rodrigo, para entender como é o cotidiano dos cuidadores
de idosos e o que pode mudar a regulamentação da atividade e o investimento na
formação destes trabalhadores.
Afinal, seria esta uma profissão do futuro no
Brasil?
'Fui trocar uma lâmpada e virei cuidador'
Rodrigo trabalhava como segurança de um condomínio em
Indaiatuba, no interior de São Paulo, quando um pedido de um casal de
moradores, Carlos e Maria das Dores, mudou sua vida.
“Fui trocar uma lâmpada, e eles me convidaram para ser
motorista deles. Depois virei cuidador. Com o Seu Carlos, eu chegava de manhã,
tinha de preparar os medicamentos — ele tomava muitos comprimidos."
"Ele tinha demência, e teve também derrame. Às vezes,
dava um branco na mente dele e ele acabava esquecendo algumas coisas. Aí eu
ficava conversando com ele, até que ele começava a lembrar. Nos tornamos muito
amigos.”
O cuidador se lembra do dia em que começou a ajudar Carlos a
fazer a higiene pessoal. Um momento delicado, mas a partir dali "ficou
tudo mais fácil".
“Foi uma vez que fomos ao hospital colher um exame. Ele era
bem fechado. Ia colocar uma camisa, você tinha de sair de perto. E ele não
estava conseguindo fazer a coleta. Eu falei, ‘seu Carlos, o senhor quer uma
ajuda?’ ‘Mas não tem problema?’ ‘Não.’ Ajudei a fazer a coleta do xixi. Aí ele
começou a pegar intimidade."
"Nos últimos tempos, ele ficou bem debilitado, então
tive de ajudar mais com a higiene. Mas eu me sentia muito confortável com ele.
E acho também porque eu tive uma convivência com meu tio, ele é cadeirante.
Ajudei a cuidar dos ferimentos dele. Então veio me ajudar nessa parte."
Rodrigo é um perfil atípico entre cuidadores de idosos.
O cuidador típico no Brasil tem perfil mais parecido com o
da empregada doméstica, diz à BBC News Brasil Jorge Félix, autor do livro A
economia da longevidade: O envelhecimento populacional muito além da
previdência.
“O cuidador é uma mulher com cerca de 40 anos de idade,
negra, pobre, com poucos anos de estudo, que vê hoje, com a regulamentação da
profissão de empregada
doméstica, menos demanda por seus serviços como doméstica”, diz Félix, que
é pesquisador da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp)
e professor de gerontologia na
Universidade de São Paulo (USP).
Ele afirma que a classe média não quer mais contratar
empregadas em horário integral para não ter que arcar com o
custo de assinar a carteira. A demanda por cuidadoras, por outro lado,
aumenta cada vez mais.
Isso se reflete, inclusive, nos salários, diz o pesquisador.
“A cuidadora hoje consegue ganhar até três salários mínimos
e, se ela tiver formação, pode ganhar até mais”, diz.
Rodrigo, que depois passou a cuidar da viúva de Carlos,
Maria das Dores, 85 anos, diz não ter intenção de fazer o curso de cuidador.
“Conheço uma pessoa que trabalha (como cuidadora) que falou
para mim que eu faço muito mais do que uma pessoa que fez o curso. Sou uma
pessoa que o que tiver que fazer, eu faço. Levo no pilates, agacho, coloco o
sapato no pé dela. Às vezes, quem está em volta fica olhando, mas eu faço.
Porque vejo a dificuldade que tem."
"E gosto de fazer a mais do que aquilo que tem de fazer. Na maioria das vezes, quando você estuda, você tem um limite. Mas eu não vejo uma barreira. Participo de tudo, me sinto como um filho. Prefiro assim do que ter um curso e ter de me limitar.”
No entanto, especialistas chamam a atenção para os riscos
que a falta de formação e preparos adequados dos cuidadores pode trazer para os
próprios trabalhadores.
Félix compara a postura de Rodrigo à de muitas trabalhadoras domésticas
brasileiras.
“Há um voluntarismo muito grande. ‘Pode deixar, eu limpo a
vidraça, subo na escada, comigo não tem tempo feio’”, diz o pesquisador.
No trabalho de cuidado, no entanto, essa atitude pode ser
muito mais prejudicial ao profissional, explica Félix.
“Vão levantar a pessoa, vão pegar o peso do corpo da pessoa
idosa, mas não colocam uma cinta para proteger a coluna, não conseguem ver seus
próprios limites”, diz o pesquisador.
“Existe também o aspecto psicológico.
Quando ela [a cuidadora] não tem formação, ela tem mais insegurança. Não sabe
como lidar com uma situação de surto da pessoa que ela está cuidando. Então, o
medo, a insegurança, o estresse, a ansiedade são muito grandes.”
O custo pessoal para o cuidador e das profissões que
envolvem cuidado de uma forma geral também está ligado ao envolvimento
emocional com a pessoa cuidada.
Nenhum comentário:
Postar um comentário