Tempo do Advento: Preparar a Vinda do Senhor
O Senhor não se retirou do mundo, não nos deixou sós. O
Advento é um tempo no qual a Igreja convida os seus filhos a vigiar, a estar
despertos para receber a Cristo que passa, a Cristo que vem. Editorial sobre
este tempo do ano litúrgico.
27/11/2022
“Ó Deus todo-poderoso, concedei a vossos fiéis o ardente
desejo de possuir o reino celeste, para que, acorrendo com as nossas boas obras
ao encontro do Cristo que vem, sejamos reunidos à sua direita na comunidade dos
justos.” Essas palavras da oração coleta do primeiro domingo do Advento
iluminam com grande eficácia o caráter peculiar desse tempo, em que se dá
início ao Ano litúrgico. Imitando a atitude das virgens prudentes da parábola
evangélica, que souberam preparar o azeite para as bodas do Esposo [1],
a Igreja convida os seus filhos a vigiar, a estar despertos para receber a
Cristo que passa, a Cristo que vem.
Tempo de presença
Ao dizer adventus, os cristãos afirmavam,
simplesmente, que Deus está aqui: o Senhor não se retirou do mundo, não nos
deixou sós.
O desejo de sair ao encontro, de preparar a vinda do Senhor[2],
nos coloca diante do termo grego parusia, que o latim traduz
como adventus, de onde surge a palavra Advento. De fato, adventus pode
ser traduzido como “presença”, “chegada”, “vinda”. Não se trata, portanto, de
uma palavra inventada pelos cristãos: era usada na Antiguidade em âmbito não
cristão para designar a primeira visita oficial de um personagem importante - o
rei, o imperador ou um de seus funcionários - por motivo da sua tomada de
posse. Também podia indicar a vinda da divindade, que sai da sua ocultação para
se manifestar com força, o que se celebra no culto. Os cristãos adotaram o
termo para expressar a sua relação com Jesus Cristo: Jesus é o Rei que entrou
nesta pobre “província”, nossa terra, para visitar a todos, um Rei que convida
a participar na festa do seu Advento todos os que creem n’Ele, a todos que
estão certos de sua presença entre nós.
Ao dizer adventus, os cristãos afirmavam,
simplesmente, que Deus está aqui: o Senhor não se retirou do mundo, não nos
deixou sós. Mesmo que não possamos vê-lo ou tocá-lo, como ocorre com as
realidades sensíveis, Ele está aqui e vem nos visitar de muitas formas: na
leitura da Sagrada Escritura, nos sacramentos, especialmente na Eucaristia, no
ano litúrgico, na vida dos santos, em tantos episódios, mais ou menos comuns,
da vida cotidiana, na beleza da criação… Deus nos ama, conhece nosso nome, tudo
o que é nosso lhe interessa e está sempre presente junto de nós. Esta segurança
da sua presença, que a liturgia do Advento nos sugere discretamente, mas com
constância ao longo destas semanas, não esboça uma nova imagem do mundo ante
nossos olhos? “Essa certeza, que procede da fé, faz-nos olhar o que nos cerca
sob uma nova luz, e leva-nos a perceber que, permanecendo tudo como antes, tudo
se torna diferente, porque tudo é expressão do amor de Deus.”[3]
Uma memória agradecida
O Advento nos convida a pararmos, em silêncio, para captar a
presença de Deus. São dias para voltar a considerar, com palavras de São
Josemaria, que “Deus está junto de nós continuamente. - Vivemos como se o
Senhor estivesse lá longe, onde brilham as estrelas, e não consideramos que
também está sempre ao nosso lado. E está como um Pai amoroso - quer mais a cada
um de nós do que todas as mães do mundo podem querer a seus filhos -,
ajudando-nos, inspirando-nos, abençoando... e perdoando” [4].
Se esta realidade inundar a nossa vida, se
a consideramos com frequência no tempo do Advento, nos sentiremos animados a
dirigir-lhe a palavra com a confiança na oração, e muitas vezes durante o dia,
lhe apresentaremos os sofrimentos que nos entristecem, a impaciência e as perguntas
que brotam de nosso coração. Este é um momento oportuno para que cresça em nós
a segurança de que Ele nos escuta sempre. “A vós, meu Deus, elevo a minha alma.
Confio em vós, que eu não seja envergonhado!” [5]
Compreendemos também como os acontecimentos às vezes
inesperados de cada dia são gestos personalíssimos que Deus nos dirige, sinais
do seu olhar atento sobre cada um de nós. Acontece que costumamos estar muito
atentos aos problemas, às dificuldades, e às vezes mal nos restam forças para
perceber tantas coisas belas e boas que vêm do Senhor. O Advento é um tempo
para considerar, com mais frequência, como Ele nos protegeu, guiou e ajudou nas
vicissitudes de nossa vida, para louvá-lo por tudo o que fez e continua fazendo
por nós.
Esse estar despertos e vigilantes perante os detalhes de
nosso Pai no céu floresce em ações de graças. Nasce assim em nós uma memória do
bem que nos ajuda inclusive na hora escura das dificuldades, dos problemas, da
doença, da dor. “A alegria evangelizadora - escreve o Papa - refulge sempre
sobre o horizonte da memória agradecida: é uma graça que precisamos
pedir.” [6] O
Advento nos convida a escrever, por dizer de alguma forma, um diário interior
deste amor de Deus por nós. “Acredito que vós e eu - dizia São Josemaria - ao
pensarmos nas circunstâncias que acompanharam a nossa decisão de nos
esforçarmos por viver integralmente a fé, daremos muitas graças ao Senhor e
teremos a convicção sincera - sem falsas humildades - de que não houve nisso
mérito algum da nossa parte.” [7]
Deus vem
A alegria evangelizadora refulge sempre sobre o
horizonte da memória agradecida: é uma graça que precisamos pedir (Papa
Francisco)
Dominus veniet![8] Deus
vem! Esta breve exclamação que abre o tempo do Advento ressoa especialmente ao
longo destas semanas, e depois, durante todo o ano litúrgico. Deus vem! Não se
trata simplesmente de que Deus tenha vindo, de algo do passado, nem tampouco é
um simples anúncio de que Deus virá, em um futuro que poderia não ter excessiva
transcendência para nosso hoje e agora. Deus vem: se trata de uma ação sempre
em andamento, está acontecendo, acontece agora e continuará a acontecer
conforme passe o tempo. A todo momento, “Deus vem”: em cada instante da
história, o Senhor continua dizendo: “Meu Pai trabalha sempre, e eu também
trabalho”[9].
O Advento nos convida a tomar consciência desta verdade e a
atuar de acordo com ela. “Já é hora de despertardes do sono”, “ficai atentos”,
“o que vos digo, digo a todos: vigiai!”[10].
São chamadas da Sagrada Escritura nas leituras do primeiro domingo do Advento
que nos lembram dessas constantes vindas, adventus, do Senhor. Nem
ontem, nem amanhã, mas hoje, agora. Deus não está só no céu, desinteressado de
nós e da nossa história; na realidade, Ele é o Deus que vem. A meditação atenta
dos textos da liturgia do Advento nos ajuda a preparar-nos, para que a sua presença
não passe despercebida.
Para os Padres da Igreja, a “vinda” de Deus -continua e
conatural com seu próprio ser- se concentra nas duas principais vindas de
Cristo: a de sua encarnação e a da sua volta glorioso no fim da história.[11] O
tempo do Advento se desenvolve entre esses dois polos. Nos dias iniciais se
sublinha a espera da última vinda do Senhor no fim dos tempos. E, à medida que
se aproxima o Natal, abre-se caminho à memória do acontecimento em Belém, no
qual se reconhece a plenitude dos tempos. “Por essas duas razões o Advento se
manifesta como tempo de uma espera piedosa e alegre” [12].
O prefácio I do Advento sintetiza esse duplo motivo:
“Revestido da nossa fragilidade, ele veio a primeira vez, para realizar seu
eterno plano de amor e abrir-nos caminho da salvação. Revestido de sua glória,
ele virá uma segunda vez para conceder-nos em plenitude os bens prometidos que
hoje, vigilantes, esperamos” [13].
Dias de espera e esperança
Um aspecto fundamental do Advento é, portanto, a espera, mas
uma espera que o Senhor converte em esperança. A experiência nos mostra que
passamos a vida esperando: quando somos crianças queremos crescer, na juventude
aspiramos a um amor grande, que nos preencha, quando somos adultos buscamos a
realização profissional, o sucesso determinante para o resto de nossa vida,
quando chegamos à idade avançada aspiramos ao merecido descanso. No entanto,
quando essas esperanças se cumprem, ou quando fracassam, percebemos que isso,
na realidade, não era tudo. Precisamos de uma esperança que vá além do que
podemos imaginar, que nos surpreenda. Assim, mesmo que existam esperanças
maiores ou menores que dia a dia nos mantêm no caminho, na verdade, sem a
grande esperança - a que nasce do Amor que o Espírito Santo pôs em nosso
coração[14] e
aspira a esse Amor-, todas as outras não bastam.
O Advento nos anima a perguntar “O que esperamos?”, “Qual é
a nossa esperança?” Ou, de modo ainda mais profundo, “Que sentido tem meu
presente, meu hoje e agora?” “Se o tempo não foi preenchido por um presente
dotado de sentido, a espera corre o risco de se tornar insuportável; se se
espera algo, mas neste momento não há nada, ou seja se o presente permanece
vazio, cada instante que passa parece exageradamente longo, e a expectativa
transforma-se num peso demasiado grave, porque o futuro permanece totalmente
incerto. Ao contrário, quando o tempo é dotado de sentido, e em cada instante
compreendemos algo de específico e de válido, então a alegria da espera torna o
presente mais precioso” [15].
Um presépio para nosso Deus
Nosso tempo presente tem um sentido porque o Messias,
esperado por séculos, nasce em Belém. Juntamente com Maria e José, com a
assistência dos nossos Anjos da Guarda, lhe esperamos com o desejo renovado.
Cristo, ao vir entre nós, nos oferece o dom do seu amor e da sua salvação. Para
os cristãos a esperança está animada por uma certeza: o Senhor está presente ao
longo de toda nossa vida, no trabalho e nos afãs cotidianos, nos acompanha e um
dia enxugará também nossas lágrimas. Um dia, não tão distante, tudo encontrará
o seu cumprimento no reino de Deus, reino de justiça e de paz. “O tempo do
Advento nos restitui o horizonte da esperança, uma esperança que não decepciona
porque é fundada na Palavra de Deus. Uma esperança que não decepciona,
simplesmente porque o Senhor não decepciona nunca!” [16]
O Advento é um tempo de presença e de espera do eterno, um
tempo de alegria, de uma alegria íntima que nada pode eliminar: “eu vos verei
novamente, e o vosso coração se alegrará, e ninguém poderá tirar a vossa
alegria” [17].
O gozo no momento da espera é uma atitude profundamente cristã, que vemos
plasmada na Santíssima Virgem: Ela, desde o momento da Anunciação, esperou “com
amor de mãe” [18] a
vinda de seu Filho, Jesus Cristo. Por isso, Ela também nos ensina a aguardar
ansiosamente a chegada do Senhor, ao mesmo tempo que nos preparamos
interiormente para esse encontro, com o desejo de “construir com o coração um
presépio para nosso Deus” [19].
Juan José Silvestre
[1] Cfr.
Mt 25, 1ss.
[2] Cfr.
Tes 5, 23.
[3] São
Josemaria, É Cristo que passa, n. 144.
[4] São
Josemaria, Caminho, n. 267.
[5] Missal
Romano, I Domingo do Advento, Antífona de entrada. Cf. Sal 24 (25) 1-2.
[6] Francisco,
Exortação Apostólica Evangelii Gaudium, 24-XI-2013, n. 13.
[7] São
Josemaria, É Cristo que passa, n. 1.
[8] Cfr.
Missal Romano, Feria III (terça-feira) das semanas I-III do Advento, Antífona
de entrada. Cfr. Za 14, 5.
[9] Jo
5, 17.
[10] Rm
13, 11; Lc 21, 36; Mc 13, 37.
[11] Cfr.
São Cirilo de Jerusalém, Catequese 15, 1: PG 33, 870 (II Leitura do Ofício de
Leituras do I Domingo do Advento).
[12] Calendário
Romano, Normas universais sobre o ano litúrgico e sobre o calendário, n. 39.
[13] Missal
Romano, Prefácio I do Advento.
[14] Cfr.
Rom 5, 5
[15] Bento
XVI, Homilia I Véspera do I Domingo do Advento, 28-XI-2009.
[16] Francisco, Ângelus,
1-XII-2013.
[17] Jo
16, 22.
[18] Missal
Romano, Prefácio II do Advento.
[19] Notas
de uma meditação, 25-XII-1973 (AGP, biblioteca, P09, p. 199). Publicado
em Álvaro del Portillo, Caminar con Jesús. Al compás del año litúrgico,
Ed. Cristiandad, Madrid 2014, p. 21.