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segunda-feira, 27 de fevereiro de 2023

O céu, nossa maior aspiração

zebra0209 | Shutterstock
Por Vanderlei de Lima

Como pode o ser humano (finito) ver a Deus (infinito) face a face? Onde fica o céu?

É verdade de fé que “existe o paraíso, ou vida eterna, no qual os justos participam eternamente da bem-aventurança eterna” (Bernardo Bartmann. Teologia dogmática. vol. 3. São Paulo: Paulinas, 1962, p. 425).

A definição de Bartmann é deveras importante, mas cabe dizer, logo de início, que a fé na vida eterna é tão presente (de um ou de outro modo), em todos os seres humanos de todos os tempos, que “a Igreja jamais teve que combater heresias relacionadas com o paraíso” (Bartmann. Op. cit., p. 425; cf. Curso sobre problemas de fé e moral. Rio de Janeiro: Mater Ecclesiae, 2007, p. 129-130). Contudo, nem por isso o Magistério deixou de oferecer, à luz da Escritura (cf. Mt 5,8; 1Cor 13,12; 1Jo 3,1-2; 2Cor 5,6-8; Lc 14,16-24; Mt 25,1-12; 22,1-14; Lc 12,37; 13,29; 23,43; Ap 21-22), sua doutrina sobre o céu.

Diz o Catecismo da Igreja Católica: “Os que morrerem na graça e na amizade de Deus e estiverem perfeitamente purificados, viverão para sempre com Cristo. Serão para sempre semelhantes a Deus, porque O verão ‘tal como Ele é’ (1Jo 3,2), ‘face a face’ (1Cor 13,12)” (n. 1023). O mesmo parágrafo cita a Constituição Apostólica BenedictusDeus, do Papa Bento XII, datada de 1336, a definir: todos aqueles que morrem totalmente purificados de seus pecados “mesmo antes de ressuscitarem em seus corpos e do Juízo universal […], estiveram, estão e estarão no céu, no Reino dos céus e no paraíso celeste, com Cristo, na companhia dos santos anjos. Desde a paixão e a morte de nosso Senhor Jesus Cristo, essas almas viram e veem a essência divina com uma visão intuitiva e face a face, sem a mediação de nenhuma criatura”. Eis a essência do céu: a visão de Deus face a face como jamais imaginada neste mundo (cf. 1Cor 2,9); a entrada e a permanência para sempre no gozo de nosso Senhor (cf. Mt 25,23).

Pergunta-se então: onde fica o céu? — Bartmann diz que “a essa questão não se pode dar nenhuma resposta” (Op. cit., p. 434). Afinal, “segundo a fé, o paraíso está onde a alma goza da bem-aventurança, que consiste na visão de Deus e da participação do Ser e da vida de Deus” (idem, p. 438). Correto! A participação na vida grandiosa de Deus começa neste mundo, conforme escreve Dom Estêvão Bettencourt, OSB: “Para o cristão, a futura visão de Deus já tem seu fundamento nos dons que o Batismo lhe comunicou e que nele vão desabrochando durante esta vida; a visão beatífica não é senão a consumação de uma caminhada iniciada na terra. Com efeito, ainda aqui, o cristão, em estado de graça, participa da vida divina; possui dentro de si o princípio que o habilita a ver a Deus como Deus vê a si mesmo” (Curso de Escatologia. Rio de Janeiro: Mater Ecclesiae, 1993, p. 43). Eis que, já neste vale de lágrimas, “o banquete eucarístico é uma antecipação da plenitude eterna na comunidade de amor entre Cristo e os unidos a ele” (Michel Schmaus. Afé da Igreja. vol. 6. Petrópolis: Vozes, 1981, p. 232).

Questiona-se o seguinte: como pode o ser humano (finito) ver a Deus (infinito) face a face? – Respondemos que para a visão de Deus face a face, após a morte, no céu, é preciso que o mesmo Deus fortaleça o intelecto dos justos com a infusão da chamada luz da glória (lumen gloriae). Ela, enquanto espiritual e divina, faz a mente como que se dilatar a fim de receber em si a imensidão de Deus (cf. Reginald Garrigou-Lagrange. O homem e a eternidade. São Paulo: Flamboyant, 1959, p. 265-266).

Certo é, porém, que essa visão de Deus, no céu, supõe graus diversos (cf. Jo 14,2), segundo o amor a Ele com o qual a alma deixou este mundo. Aquela que mais amou mais será recompensada. Todavia, cada uma tem – dentro da sua capacidade de amor – a visão total de Deus uno e trino; ou seja, vê a Deus por inteiro, mas não de modo exaustivo. Afinal, a grandeza divina (o maior) não pode, por lógica, caber na criatura espiritual (o menor). Assim, Deus, embora visto em sua totalidade, será sempre novo à alma eleita, o que desperta a constante adoração (cf. Ap 4,9-11).

A alma eleita vê, em Deus, tudo o que diz respeito a ela (parentes, amigos e suas necessidades) e intercede sempre nessas intenções (cf. Cursode Escatologia, p. 39-40).

Louvemos, pois, a Deus por nos chamar à vida divina com Ele e ainda nos dar os meios para tal, sobretudo o Batismo, a Penitência e a Eucaristia.

Fonte: https://pt.aleteia.org/

O CRISTIANISMO E AS RELIGIÕES (9/16)

O cristianismo e as religiões | Vecteezy

 COMISSÃO TEOLÓGICA INTERNACIONAL

O CRISTIANISMO E AS RELIGIÕES

(1997)

II.3. A universalidade do Espírito Santo

50. A universalidade da ação salvífica de Cristo não pode ser entendida sem a ação universal do Espírito Santo. Um primeiro elemento dessa universalidade da obra do Espírito já se encontra na criação. O Antigo Testamento nos mostra o Espírito de Deus sobre as águas (cf. Gn 1,2). E o livro da Sabedoria 1,7 indica que "o Espírito do Senhor enche a terra e, contendo o universo, tem conhecimento de cada som".

51. Se isso se pode dizer de todo o universo, vale especialmente para o homem, criado à imagem e semelhança de Deus, conforme Gênesis 1,26-27. Deus faz o homem para estar presente nele, para ter nele sua morada; olhar alguém com benevolência, estar junto dele, quer dizer ser seu amigo. Assim se pode falar da amizade original, amicitia originalis, do homem com Deus e de Deus com o homem (Conc. Trident. Sessio VI, cap. 7, DS 1528) como fruto da ação do Espírito. A vida em geral, e a do homem em particular, põe-se em relação mais ou menos explícita com o Espírito de Deus em vários trechos do AT (cf. SI 104,29-30; Jó 34,14-15; Ecl 12,7). João Paulo II relaciona com a comunicação do Espírito a criação do homem à imagem de Deus e na amizade divina (cf. DV 12; 34).

52. A tragédia do pecado consiste em que, em vez da proximidade entre Deus e o homem, estabelece-se a distância. O espírito das trevas apresentou-se a Deus como inimigo do homem, como ameaça (cf. Gn 3,4-5; João Paulo II, DV, 38). Deus, porém, aproximou-se do homem por meio das diversas alianças de que nos fala o AT. A imagem e a semelhança significam desde o início capacidade de relação pessoal com Deus e, portanto, capacidade de aliança. Assim, Deus aproximou-se gradualmente dos homens, mediante as diversas alianças com Noé (cf. Gn 7,lss), Abraão e Moisés, com os quais Deus se fez amigo (Tg 2,23; Ex 33,11).

53. Na Nova Aliança, Deus se aproximou tanto do homem que enviou seu Filho ao mundo, encarnado por obra do Espírito Santo no seio da Virgem Maria. Esta aliança, ao contrário da precedente, não é da letra, mas do Espírito (cf. 2Cor 3,6). É a aliança nova e universal, a aliança da universalidade do Espírito. A universalidade quer dizer versus unum, rumo ao uno. A própria palavra "espírito" quer dizer movimento, e este inclui o "rumo", a direção. O Espírito é chamado dynamis(Ap 1,8), e a dynamis inclui a possibilidade de uma direção. Das palavras de Jesus sobre o Espírito Paráclito se deduz que o "ser rumo" refere-se a Jesus.

54. A estreita conexão entre o Espírito e Cristo manifesta-se na unção de Jesus. Jesus Cristo significa precisamente Jesus o Ungido de Deus com a unção que é o Espírito: "O Espírito do Senhor está sobre mim, porque me conferiu a unção..." (Lc 4,18; Is 61,1-2). Deus ungiu a Jesus "com a unção do Espírito Santo e do poder", e assim "passou por toda parte como benfeitor, curava a todos os que o diabo mantinha escravizados" (At 10,38). Como diz Ireneu, "no nome de Cristo se subentende o que unge, o que é ungido e a própria unção com a qual é ungido. O que unge é o Pai, o ungido é o Filho, no Espírito que é a unção. Como diz a Palavra por meio de Isaías: 'O Espírito de Deus está sobre o seu ungido' (Is 61,1-2), significando o Pai que unge, o Filho ungido, e a unção que é o Espírito" (23).

55. A universalidade da aliança do Espírito é, portanto, a da aliança em Jesus. Jesus se ofereceu ao Pai em virtude do Espírito eterno (cf. At 9,14) no qual foi ungido. Essa unção se estende ao Cristo total, aos cristãos ungidos pelo Espírito e à Igreja. Inácio de Antioquia já indicou que Jesus recebeu a unção "para inspirar incorrupção à sua Igreja" (24). Jesus foi ungido no Jordão, segundo Ireneu, "para que fôssemos salvos ao receber da abundância de sua unção" (25). Gregório de Nissa o expressou com uma imagem profunda e bela: "A noção de unção sugere (...) que não há nenhuma distância entre o Filho e o Espírito. De fato, assim como entre a superfície do corpo e a unção do azeite nem a razão nem a sensação conhecem intermediários, igualmente é imediato o contato do Filho com o Espírito; portanto, aquele que está a ponto de entrar em contato com o Filho mediante a fé deve necessariamente entrar antes em contato com o azeite. Nenhuma parte carece do Espírito Santo" (26). O Cristo total inclui em certo sentido todo homem, porque Cristo se uniu a todos os homens (GS 22). O próprio Jesus disse: "Todas as vezes que o fizestes a um destes mais pequenos, que são meus irmãos, foi a mim que o fizestes" (Mt 25,40).

56. A Igreja é o lugar privilegiado da ação do Espírito. Nela, corpo de Cristo, o Espírito suscita os diferentes dons para utilidade comum (cf. 1 Cor 12,4-11). É conhecida a formulação de Ireneu: "Onde está o Espírito do Senhor ali está a Igreja, e onde está a Igreja está o Espírito do Senhor, e toda a graça" (27). E são João Crisóstomo: "Se o Espírito Santo não estivesse presente não existiria a Igreja; se existe a Igreja, isso é um claro sinal da presença do Espírito" (28).

57. Algumas passagens do NT parecem insinuar o alcance universal da ação do Espírito, sempre em relação com a missão evangelizadora da Igreja que há de chegar a todos os homens. O Espírito Santo precede e guia a pregação, está na origem da missão aos pagãos (cf. At 10,19.44-47). A superação do pecado de Babel terá lugar no Espírito. Ao contrário da tentativa dos construtores da torre de Babel, que com seus próprios esforços querem chegar ao céu, a morada de Deus, agora o Espírito Santo desce do céu como um dom e dá a possibilidade de falar todas as línguas e de escutar, cada um em sua própria língua, as grandezas de Deus (cf. At 2,1-11). A torre de Babel era um esforço para realizar a unidade sem universalidade: "Conquistemos para nós um nome [um sinal de unidade], a fim de não sermos dispersados sobre toda a superfície da terra" (Gn 11,4). Pentecostes foi o dom da universalidade na unidade: "Todos ficaram repletos do Espírito Santo, e se puseram a falar outras línguas, conforme o Espírito lhes concedia exprimir-se" (At 2,4). No dom do Espírito de Pentecostes se há de ver a perfeição da aliança do Sinai (cf. Ex 19,lss), que passa assim a ser universal.

O dom do Espírito é o dom de Jesus ressuscitado e elevado ao céu à direita do Pai (cf. At 2,32; Jo 14.15.26; 15,26; 16,7; 20,22); trata-se de um ensinamento constante no Novo Testamento. A própria ressurreição de Jesus se realiza com a intervenção do Espírito (cf. Rm 1,4; 8,11). O Espírito Santo nos é dado como Espírito de Cristo, Espírito do Filho (cf. Rm 8,9; Gl 4,6; Fl 1,19; At 16,7). Não se pode, portanto, pensar em uma ação universal do Espírito que não esteja em relação com a ação universal de Jesus. Os Padres não deixaram de salientar isso (29). Só pela ação do Espírito os homens podem ser conformados com a imagem de Jesus ressuscitado, novo Adão, em quem o homem adquire definitivamente a dignidade a que estava chamado desde as origens: "E nós todos que, de rosto descoberto, refletimos a glória do Senhor, somos transfigurados nesta mesma imagem, com glória sempre maior, pelo Senhor, que é Espírito" (2 Cor 3,18). O homem, criado a imagem de Deus, pela presença do Espírito é renovado à imagem de Deus (ou de Cristo) segundo a ação do Espírito. O Pai é o pintor; o Filho, o modelo segundo o qual o homem é pintado; e o Espírito Santo, o pincel com que o homem é pintado na criação e na redenção.

59.Por isso o Espírito Santo conduz a Cristo, dirige a todos os homens para o Ungido. Cristo, de sua parte, dirige-os para o Pai. Ninguém vai ao Pai se não é por Jesus, porque Ele é o caminho (cf. Jo 14,6); porém, é o Espírito Santo quem guia os discípulos para a verdade inteira (cf. Jo 16,2). A palavra "guiará" (hodegései) inclui o caminho (hódos). Portanto, o Espírito Santo guia pelo caminho que é Jesus, que conduz ao Pai. Por isso ninguém pode dizer "Jesus é o Senhor" se não é sob a ação do Espírito Santo (cf. 1 Cor 12,3). E a terminologia do Paráclito, empregada por João, nos indica que o Espírito é o advogado no juízo que começou em Jerusalém e continua na história. O Espírito Paráclito defenderá Jesus das acusações de que é objeto em seus discípulos (cf. Jo 16,8-11). O Espírito Santo é assim a testemunha de Cristo, e por ele os discípulos podem sê-lo: "Ele próprio dará testemunho de mim, e, por vossa vez, vós dareis testemunho, porque estais comigo desde o começo" (Jo 15,26-27).

60. O Espírito, portanto, é dom de Jesus e conduz a ele, contudo o caminho concreto pelo qual guia os homens é conhecido apenas por Deus. O Vaticano II formulou isso com clareza: "Cristo morreu por todos, e a vocação última do homem é, de fato, uma só, a divina; por isso devemos crer que o Espírito Santo dá a todos a possibilidade de ser associados, do modo que Deus conhece, ao mistério pascal" (GS 22). Não tem sentido afirmar uma universalidade da ação do Espírito que não se encontre em relação com a significação de Jesus, o Filho encarnado, morto e ressuscitado. Mais propriamente, em virtude da obra do Espírito, todos os homens podem entrar em relação com Jesus que viveu, morreu e ressuscitou em um lugar e em um tempo concretos. Por outro lado, a ação do Espírito não se limita às dimensões íntimas e pessoais do homem, estendendo-se também às sociais: "Este Espírito é o mesmo que atuou na encarnação, vida, morte e ressurreição de Jesus, e a tua na Igreja. Não é, portanto, uma alternativa a Cristo, nem preenche uma espécie de vazio, como às vezes se presume existir, entre Cristo e o Logos. O que o Espírito realiza no coração dos homens, ou na história dos povos, nas culturas ou religiões, assume um papel de preparação evangélica e só pode referir-se a Cristo" (RM 29).

61. O âmbito privilegiado da ação do Espírito é a Igreja, corpo de Cristo. No entanto, todos os povos são chamados, de vários modos, à unidade do povo de Deus que o Espírito promove: "Esse caráter de universalidade que adorna e distingue o povo de Deus é dom do mesmo Senhor, e com ele a Igreja católica, eficaz e constantemente, tende a recapitular toda a humanidade, com todos os seus bens, em Cristo cabeça, na unidade de seu Espírito (...). Todos os homens, portanto, estão chamados a essa unidade católica do povo de Deus, que prefigura e promove a paz universal, e à qual de vários modos pertencem ou se ordenam os fiéis católicos, os outros crentes em Cristo e também, enfim, todos os homens, chamados pela graça de Deus à salvação" (LG 13). E a mesma universalidade da ação salvífica de Cristo e do Espírito que leva à pergunta sobre a função da Igreja como sacramento universal de salvação.

NOTAS:

23. Adv. Haer. III 18,3 (Sch 211, 350-352). Quase literalmente repetem a idéia Basílio de Cesaréia, De Spiritu Sancto XII 28 (Sch 17bis, 344), e Ambrósio de Milão, De Spiritu Sancto I 3, 44 (CSEL 79, 33).

24. Ad Ephesios 17, 1 (Sch 10, 86).

25. Adv. Haer. III 9,3 (Sch 211, 112). Para Ireneu, o Espírito desce sobre Jesus para “habituar-se” a habitar no gênero humano, ibid. 17,1 (330).

26. De Spir. Sancto contra Macedonianos 16 (PG 45 1321 A-B).

27. Ireneu, Adv. Haer. III 24,1 (Sch 211, 474).

28. Hom. Pent. I 4 (PG 49, 459).

29. A modo de exemplo, Ireneu de Lião, Adv. Haer III 17, 2 (Sch 211, 334): “(…) Dominus accipiens munus a Patre ipse quoque his donavit qui ex ipso participantur, in universam terram mittens Spiritum Sanctum”; Hilário de Poitiers, Tr. ps. 56,6 (CSEL 22, 172): “Et quia exaltatus super caelos impleturus esset in terris omnia sancti spiritus gloria, subiecit: et super omnem terram gloria tua (Sl 57,6.12). Cum effusum super omnem carnem spiritus donum gloriam exaltati super caelos domini protestaretur”.

Fonte: https://www.vatican.va/

Igrejas Orientais iniciam "Grande Jejum" da Quaresma sob o signo dos Padres da Igreja

Cruzes em pedra na Capela de Santa Helena, na Igreja do 
Santo Sepulcro em Jerusalém | Vatican News

Os Patriarcas das Igrejas Orientais Católicas começaram o tempo do "Grande Jejum", com longas e profundas Cartas pastorais aos fiéis, nas quais destacam a importância dos escritos dos Padres e dos grandes Teólogos do Oriente, sugerindo viver com intensidade os quarenta dias que precedem a paixão, morte e ressurreição de Cristo Redentor.

As Igrejas Orientais iniciam o tempo penitencial da Quaresma, enquanto o terremoto, pobreza, conflitos e crise política continuam a semear sofrimento e angústia no Oriente Médio.

Os Patriarcas das Igrejas Orientais Católicas começaram o tempo do "Grande Jejum", com longas e profundas Cartas pastorais aos fiéis, nas quais destacam a importância dos escritos dos Padres e dos grandes Teólogos do Oriente, sugerindo viver com intensidade os quarenta dias que precedem a paixão, morte e ressurreição de Cristo Redentor.

Assim, graças à memória do patrimônio espiritual de suas Igrejas, os Patriarcas oferecem não palavras vazias ou trocadilhos neoconformistas, mas contribuições úteis para viver o tempo quaresmal, como tempo propício em vista do encontro pascal com Jesus, no qual encontram consolações, mesmo diante das novas tribulações, que atormentam os povos do Oriente Médio.

Os líderes das Igrejas Orientais repropõem em suas Cartas jejum, oração, penitência e obras de caridade, como as práticas que sempre caracterizaram o tempo quaresmal, vivido na fé em Cristo.

O cardeal iraquiano Louis Raphael I Sako, Patriarca da Igreja Caldeia, recordou que “para São João Crisóstomo (347-407), a oração torna possível o impossível e fácil o difícil. É impossível, para uma pessoa que reza, cometer pecado. A oração não é uma pesquisa teológica, mas se concentra em quem esperamos; é uma pena que a prática da penitência esteja atualmente em crise, devido à ignorância e inconsciência do pecado. O arrependimento e a confissão dos nossos pecados ajudam-nos a superar nossas fraquezas e a nos purificar”.

Ao citar Isaac de Nínive (século VII), o Patriarca iraquiano afirma que “com a penitência, a graça que perdemos depois do batismo, com uma vida ociosa, se renova em nós pelo arrependimento e discernimento da mente. Quem não se arrepende é privado da iminente bem-aventurança". Por fim, o Patriarca caldeu convidou os batizados a coletar ofertas, resultantes do jejum, que serão destinadas às vítimas do terremoto na Síria e na Turquia.

Por usa vez, em sua Carta pastoral para a Quaresma, o Patriarca sírio-católico Ignace Youssif III Younan, repropôs o jejum, a oração, a penitência e a esmola como práticas para se conformar com o próprio Jesus, que, no Evangelho, ensina: "Deus não quer sacrifícios, mas misericórdia". Com essas palavras, o Patriarca Younan observou: "Jesus nos revelou, claramente, que não veio para os justos, mas os pecadores, pois os sãos não precisam de médico, mas os doentes sim". E acrescentou que “o jejum e a esmola que a Igreja propõe, além da oração, sobretudo no tempo da ‘Grande Quaresma’, constituem uma ocasião oportuna para nos identificarmos com o olhar de Cristo”.

E citando um grande teólogo do Oriente, Santo Efrém, o Sírio, o Patriarca recordou: “Quem jejua de pão e se defende do mal é como uma águia veloz, que o maligno não pode afugentar. Quem jejua com pureza eleva seus pensamentos ao Altíssimo e despreza as concupiscências do mundo, porque seus pensamentos estão em Deus”.

O Primaz da Igreja Católica Siríaca, citando a Mensagem de Bento XVI para a Quaresma de 2006, concluiu: "Enquanto o tentador nos leva ao desespero ou diz que as obras das nossas mãos são vãs, ali Deus nos protege e sustenta”. Hoje, diante dos sofrimentos causados pelo terremoto, só Ele pode dissipar as “trevas do medo”.

Ao falar da urgência cristã de ajudar os irmãos e irmãs atingidos pelo terremoto, o cardeal e Patriarca maronita, Béchara Boutros Raï, também citou os Padres das Igrejas Orientais em sua Carta para a Quaresma: "Ninguém tem o direito de usar seu dinheiro como quem o usa segundo o próprio desejo, mas como pessoa a quem lhe é confiado", escreveu São Basílio Magno; no entanto, São Gregório de Nice afirma: "O que brota de você não é seu e, portanto, você não pode se tornar seu dono". A regra do jejum, concluiu o Patriarca Maronita "é aquela que, com a economia do jejum, ajuda os necessitados".

*Agência Fides

Peregrinações a Barbastro (Huesca - Espanha)

Mártires Claretianos - Museu  | neocatechumenaleiter
CnCMadrid - Janeiro/2023

BARBASTRO E SEUS MÁRTIRES

Durante a Guerra Civil espanhola, a Igreja católica sofreu uma grande perseguição, 10 mil pessoas foram assassinadas por sua fé. Barbastro, apesar de seu pequeno tamanho, foi a diocese com mais mártires de toda a Espanha, sendo 88% do clero.

“Espanha deu Cursilhos de Cristandade, o Opus Dei, o Caminho Neocatecumenal e tudo o que quiser, sabe por quê? Porque houve uma guerra civil espanhola em que mataram mais de seis mil padres, torturados, mártires: não houve uma só apostasia. As raízes do Caminho Neocatecumenal estão banhadas no sangue de muitos mártires da Espanha.”

Kiko Argüello

CARMEN HERNÁNDEZ

“A infância de Carmen esteve marcada pelo acontecimento da Guerra Civil Espanhola (1936-1939), vivida entre Tudela e Ólvega. Foi um momento verdadeiramente difícil e dramático para toda Espanha. Aquele foi um tempo de grande carestia e, em boa parte do país, de sangrenta perseguição religiosa para os católicos. Por sorte, para a família Hernández, a província de Sória e as regiões adjacentes de Navarra e Aragão ficaram logo na retaguarda da chamada “zona nacional”, onde não houve perseguição religiosa, ainda que, no começo desse conflito, muito próximo dessa jurisdição, tenha havido uma brutal perseguição, principalmente na diocese de Barbastro, em Huesca (Aragão), onde, no verão de 1936, foram massacrados inúmeros religiosos, inclusive os jovens seminaristas claretianos que moravam ali, seus formadores e o próprio bispo, martirizado pelas mãos de colunas de anarquistas e comunistas, vindas da Catalunha.”

A. Cayuela, Carmen Hernández: notas biográficas, Madri
Biblioteca de Autores Cristianos,  2021 (p. 37-38)

OS MÁRTIRES CLARETIANOS E SEU MUSEU

Restos dos Mártires | Museu Claretiano
Objetos dos Mártires | Museu Claretiano

Entre 12 e 15 de agosto de 1936, 51 Missionários Claretianos foram assassinados por não renegar a sua fé. Morreram perdoando quem os matava. Trinta deles tinham entre 21 e 23 anos. Foram detidos, sofreram humilhações, não lhes davam água nem comida. Sustentavam-nos a comunhão diária e a oração. O Museu Mártires Claretianos de Barbastro recorda estes religiosos. Nele, se pode venerar seus restos mortais.

E contemplar seus objetos pessoais, cartas, testamentos, etc., para descobrir a mensagem de fé, esperança e perdão que transmitem seus escritos.

Campo do martírio

No caminho ao lugar chamado campo de martírio ninguém pôde fazê-los calar. Iam em direção à morte cantando o hino claretiano: “Por ti, meu Rei, o sangue dar”

Algumas de suas palavras antes de morrer: “Viva Cristo Rei”, “Ânimo, irmãos, que sofremos por Cristo”, “Perdoamos-lhes com toda nossa alma”, “Até o Céu”.

Beato Florentino Asensio Barroso

Outro mártir da Diocese foi o Beato Florentino Asensio Barroso, bispo de Barbastro, detido, torturado e assassinado em 9 de agosto de 1936. Suas palavras aos assassinos: “Me levam à glória. Eu os perdoo. No céu rogarei por vocês”

OS MÁRTIRES DO MOSTEIRO DE NOSSA SENHORA DO PUEYO

Perto de Barbastro, em um pequeno monte, “A Rainha dos Céus” apareceu a um pastorzinho, uma capela deveria ser construída ali. A Guerra também chegou ao Mosteiro de Pueyo. Apesar de poder fugir, 18 monges beneditinos decidiram ficar. Todos foram assassinados entre 9 e 28 de agosto de 1936. No caminhão que os levava à morte gritavam: “Viva Cristo Rei, Viva a Virgem do Pilar”.

Mosteiro de Nossa Senhora do Pueyo

O TESTEMUNHO DOS MÁRTIRES SEGUE VIVO, VENHA E SEJA TESTEMUNHA!

Mártires Clartetianos | Museu
Em 25 de outubro de 1992, 51 Missionários Claretianos foram beatificados por São João Paulo II. Sua festividade se celebra em 13 de agosto. O Papa dedicou-lhes nesse dia estas palavras: “Todos os testemunhos recebidos nos permitem afirmar que estes Claretianos morreram por serem discípulos de Cristo, por não querer renegar sua fé e seus votos religiosos. Por isso, com seu sangue derramado nos animam a viver e morrer pela Palavra de Deus que somos chamados a anunciar.”

São Gregório de Narek

São Gregório de Narek, miniatura, 1173 Vatican News
27 de fevereiro
São Gregório de Narek

Certo dia, uma tempestade te pegou improvisamente e suas águas... dilaceradas por relâmpagos, entoaram uma música estranha, frenética e harmoniosa, nobremente áspera e suavemente pavorosa... como se fosse tocada pela trombeta de um Arcanjo, tomado pelo medo e o castigo, diante dos horrores do inferno aberto. Era a alma do monge de Narek, que pairava sobre ti”.

(Poema à língua armênia, 1908)

As palavras que o escritor, Arshak Chopanyan, dedica a Gregório de Narek neste poema, escrito em um dos momentos mais terríveis da história armênia, revelam o crisol, onde o monge forjou um novo verbo teológico, profundamente arraigado na tradição da sua terra.

Não busco quietude, mas o Rosto de Quem a concede (Lamentações)

Gregório de Narek nasceu entre 945 e 951, em Vaspurakan (Armênia histórica), no seio de uma família de eruditos. Após a morte prematura de sua mãe, seu pai, Khosrov, foi nomeado arcebispo de Andzevatsik. Por isso, confiou a educação do pequeno Gregório a seu tio Ananias, médico, filósofo e abade do mosteiro São Basílio de Narek, uma escola famosa de Sagrada Escritura e Patrística. Além da Bíblia, o jovem estudou os poetas e filósofos do Helenismo, foi ordenado sacerdote e, depois, como abade, reformou Narek.

Gregório era contemplativo, mas não isolado dos acontecimentos políticos e eclesiásticos da sua terra e de seu tempo: sua fama ultrapassou os muros do mosteiro. Assim, a pedido do príncipe, Gurgen de Andzevatsik, fez um “Comentário sobre o Cântico dos Cânticos”; e, a pedido do Bispo Stepanos, escreveu a história da Santa Cruz de Aparank. No entanto, adaptou seus sermões e hinos para catequizar o povo.

Para compreender seus ensinamentos mariológicos, de particular importância, compôs os louvores à Santíssima Virgem, nos quais apresenta a Imaculada Conceição de Maria com um estilo tocante, em que se percebe a saudade que sente da figura materna.

No fim da sua vida, Gregório escreveu "O Livro das Lamentações", tão popular e amado na Armênia, que sua leitura era obrigatória para as crianças, em idade escolar, depois de aprender o alfabeto.

Gregório faleceu por volta do ano 1010, em Narek, onde seu túmulo, lugar de peregrinação por oito séculos, foi destruído, junto com o mosteiro, durante o genocídio de 1915-1916.

Deus se oculta na linguagem

A obra de São Gregório de Narek, escrita há 1.200 anos, continua sendo um modelo universal de literatura e espiritualidade. O autor inventou uma espécie de oração fúnebre grega, em sequência, sobre uma alma em extremo perigo, e um opúsculo, com uma corrente de orações. "O ritmo e o número, aos quais recorri no poema anterior, - diz ele nas Lamentações - não tinham outro objetivo senão o de agravar a dor, a lamentação, a nostalgia, a amarga ladainha das lágrimas... Logo, em cada frase, retomarei o mesmo método, como anáfora e epístrofe, fazendo com que tal repetição possa representar, fielmente, o espírito e a força vivificante da oração”.

São Gregório é um inovador porque liberta a palavra interior de todos os cânones de expressão, regulados pela tradição filosófica ou religiosa do seu tempo. Assim, restitui ao espírito seu direito de se expressar, sem restrições, entrando em um diálogo direto com Deus, que exclui todo e qualquer dogmatismo, exceto o da liberdade. Trata-se de um diálogo, onde a solidão do ser humano e o silêncio expressivo de Deus se entrelaçam e se completam mutuamente: uma "vinda de Deus na linguagem", que demonstra as limitações da linguagem para se aproximar do divino.

Nos 95 capítulos ou orações das Lamentações, o monge-filósofo torna-se um representante solidário de todo o gênero humano, perdido no labirinto do pecado e angustiado pela falta de amor, mas em constante tensão por alguma coisa que não pertence ao mundo onde ele vive, a ponto de se abandonar à misericórdia do Deus da Luz, cuja proximidade é imediata.

A sua herança foi colhida pelos poetas armênios do século XX, em um período, onde era extremamente difícil colocar o ser humano à frente de qualquer sistema.

Um clamor que se torna oração

Em 12 de abril de 2015, por ocasião da sua proclamação como Doutor da Igreja, o Papa Francisco enviou uma Mensagem aos Armênios: «São Gregório de Narek, monge do século X, mais do que qualquer outro, soube manifestar a sensibilidade do vosso povo, dando voz ao clamor, que se torna oração (...). São Gregório de Narek, formidável intérprete do espírito humano, parece dirigir-nos palavras proféticas: “Assumi voluntariamente todas as culpas, desde aquelas do primeiro padre até às do último dos seus descendentes, e considerei-me responsável por elas” (Livro das Lamentações, LXXII). Quanto nos impressiona este seu sentimento de solidariedade universal! Como nos sentimos pequeninos diante da grandeza das suas invocações: “Recorda-te [Senhor]... daqueles que, na estirpe humana, são nossos inimigos, mas para o seu bem: cumpre neles o perdão e a misericórdia (...). Não extermines aqueles que me afligem: transforma-os! Extirpa o vicioso comportamento terreno e, em mim e neles, arraiga a boa conduta”» (ibid., LXXXIII).

domingo, 26 de fevereiro de 2023

Monsenhor Antonio de Marcos é ordenado Bispo pelo Cardeal Dom Paulo

Dom Antonio Aparecido | arqbrasilia

Monsenhor Antonio de Marcos é ordenado Bispo pelo Cardeal Dom Paulo

Nomeado pelo Papa Francisco como Bispo Auxiliar da Arquidiocese de Brasília, o Monsenhor Antonio de Marcos, recebeu a Ordenação Episcopal na manhã deste sábado, 25 de Fevereiro, na Catedral de São Carlos Borromeu.

O novo Bispo escolheu como lema episcopal “Populus tuus populus meus”- “O teu povo será o meu povo!” (Rt 1,16c).

A Celebração Eucarística contou com a presença dos fiéis, dos familiares do Monsenhor, além de arcebispos, bispos, padres, diáconos, seminaristas, religiosos, religiosas e autoridades civis constituídas.

A Santa Missa teve como Ordenante Principal o Arcebispo do Distrito Federal, Dom Paulo Cezar Costa, tendo como concelebrantes ordenantes o Bispo Diocesano de São Carlos – Dom Luiz Carlos Dias e Dom Eduardo Malaspina – Bispo Diocesano de Itapeva.

Cardeal Costa destacou durante sua fala ao Monsenhor Antônio Aparecido de Marcos, a importância da guarda no pastoreio: “Vigiai com amor sobre toda a Igreja, na qual o Espírito Santo te confia para reger comigo na Igreja de Deus, tenha a firme convicção de que o Episcopado é um serviço e não uma honra”, enfatizou o Arcebispo.

O Bispo deve distinguir – se mais pelo serviço do que pelas honrarias recebidas. Como Senhor Jesus nos deu como preceito: Aquele que é o amor seja como menor, aquele que preside, como aquele que serve”, finalizou o Cardeal.

O rito de ordenação episcopal

Após o Evangelho, teve início o rito de ordenação com a leitura da bula papal e o diálogo, no qual o eleito expressou ao Bispo consagrante a sua aceitação ao convite da Igreja.

Logo em seguida, em sinal de entrega, Monsenhor Antonio de Marcos se prostrou ao chão durante a ladainha de todos os santos. Mas foi pela imposição das mãos do Arcebispo de Brasília e demais membros do episcopado que o eleito recebeu a sucessão apostólica se tornando bispo da Igreja.

Dom Antonio de Marcos é o 10° Bispo eleito do Clero da centenária Diocese de São Carlos. Após contribuir por mais de 30 anos junto a esta Igreja Particular, agora é elevado ao terceiro grau do Sacramento da Ordem.

Dom Antonio de Marcos, ao final da celebração agradeceu aos presentes em sua ordenação: “Agradecido pelos meus familiares, pelos Bispos, pelo clero, dou especial gratidão ao Senhor por despertar, ainda em nosso tempo, vocações religiosas, aqui representadas. É bom saber que há quem reze pela gente. Comprometo-me, pela graça, a rezar todos os dias, como já o tenho feito, pelo aumento das vocações religiosas e por sua santificação.

Esse mesmo Senhor, que chama os que quer da forma que quer, continua a chamar jovens para o serviço da sua igreja, sou plenamente feliz por ter tido a graça de, nos últimos 6 anos, colaborar na formação dos novos padres de nossa Diocese”, enfatizou o Bispo Eleito.

Dom Antonio ainda disse que a Graça de Cristo é oportuna, específica, singular e providente: “Que eu consiga, assim eu peço, como Maria Santíssima, dizer sim a vontade divina. Ela, que queria ser somente uma escrava do senhor, se tornou medianeira de todas as graças e mãe do povo de Deus. Hoje peço, como menor de seus filhos, que eu sempre faça tudo o que nosso senhor disser, certo de que o povo que é dele não é outro senão meu senhor: meu povo é teu povo, faz do teu povo o meu povo e fortalece-me de novo na tua graça! Amém”, encerrou o novo Bispo Auxiliar de Brasília.

Por Sidney Prado – Assessoria de Imprensa da Diocese de São Carlos 

Confira como foi a Missa de Ordenação Episcopal de Dom Antonio de Marcos

Papa: Jesus nos ensina a defender a unidade com Deus e entre nós dos ataques do "divisor"

Papa Francisco acena para a multidão reunida na Praça
São Pedro  (Vatican Media)

Apego, desconfiança e poder, três poderosos venenos que o diabo usou para tentar Jesus, assim como os usa para tentar também a nós, para separar do Pai e destruir a unidade entre nós. Como ele é mais forte do que nós, nunca devemos dialogar, negociar com ele, mas opor-lhe, com fé "a Palavra Divina que é a resposta de Jesus à tentação do diabo."

Jackson Erpen - Cidade do Vaticano

De quem e de que maneira o diabo separa, os três poderosos "venenos" que usa para destruir a unidade com Deus e entre nós e o que fazer para vencer suas tentações e insídias. Em síntese, foi o que o Papa propôs em sua reflexão neste I Domingo da Quaresma, antes da oração do Angelus.

O diabo sempre quer criar divisão

O Evangelho de Mateus (Mt 4, 1-11) proposto pela liturgia do dia, apresenta Jesus no deserto sendo tentado pelo diabo. Francisco, dirigindo-se aos cerca de 20 mil fiéis presentes na Praça São Pedro, explica inicialmente que diabo significa "divisor", ele "sempre quer criar divisão". E é o que se propõe a fazer em relação a Jesus.

Mas - pergunta o Papa - de quem o diabo quer separar Jesus, e de que maneira?

"Depois de ter recebido o Batismo de João no Jordão - recorda Francisco -, Jesus foi chamado pelo Pai "meu Filho amado" e o Espírito Santo desceu sobre ele na forma de pomba":

O Evangelho apresenta-nos assim as três Pessoas divinas unidas no amor. E não só: o próprio Jesus dirá ter vindo ao mundo para nos tornar participantes da unidade que existe entre Ele e o Pai. O diabo, ao invés disso, faz o contrário: entra em cena para separar Jesus do Pai e distanciá-lo de sua missão de unidade por nós. Divide sempre

Apego, desconfiança, poder

Francisco então explica de que maneira o diabo tenta fazer isso:

O diabo quer se aproveitar da condição humana de Jesus, que está fraco porque jejuou quarenta dias e teve fome. O maligno então tenta incutir nele três poderosos "venenos", para paralisar sua missão de unidade. E esses venenos são o apego, a desconfiança e o poder.

Sobre o veneno do apego às coisas, às necessidades, o Papa diz:

Com um raciocínio persuasivo, o diabo tenta sugestionar Jesus: “Tens fome, por que deves jejuar? Ouça a tua necessidade e satisfaça-a, tens o direito e também tens o poder: transforme as pedras em pão”.

Depois o segundo veneno, a desconfiança:

“Tens certeza – insinua o maligno – de que o Pai quer o teu bem? Coloque-o à prova, chantageie-o! Lança-te do ponto mais alto do templo e faz com que ele faça o que tu queres."

Por fim, o terceiro veneno, o poder:

Tu não precisas do teu Pai! Por que esperar por seus dons? Siga os critérios do mundo, pegue tudo para si e serás poderoso!”.

Separar-nos de Deus e nos dividir como irmãos

"É terrível!", exclama Francisco, chamando a atenção para o fato de que o diabo usa em relação a nós esses mesmos três poderosos venenos para nos separar de Deus e nos dividir como irmãos:

O apego às coisas, a desconfiança e a sede de poder são três tentações difundidas e perigosas que o demônio usa para nos separar do Pai e não nos fazer sentir mais irmãos e irmãs entre nós, para levar-nos à solidão e ao desespero. Isso quer fazer o diabo, isso quer fazer a nós: levar-nos ao desespero!

Palavra de Deus, antídoto contra as tentações

Mas o Santo Padre também recorda como Jesus vence as tentações: "Evitando discutir com o diabo e respondendo com a Palavra de Deus. Isto é importante: não se discute com o diabo, não se dialoga com o diabo. Jesus o confronta com a Palavra de Deus". E "cita três frases da Escritura que falam de liberdade das coisas, de confiança e de serviço a Deus, três frases opostas às tentações. Nunca dialoga com o diabo, não negocia com ele, mas refuta suas insinuações com as Palavras benéficas da Escritura":

É um convite também para nós: com o diabo não se discute, não se negocia, não se dialoga; ele não é derrotado tratando com ele, é mais forte do que nós. O diabo o derrotamos opondo a ele com fé a Palavra divina. Deste modo Jesus nos ensina a defender a unidade com Deus e entre nós dos ataques do divisor. A Palavra Divina que é a resposta de Jesus à tentação do diabo.

Como costuma fazer ao final de suas reflexões dominicais, Francisco propõe que nos perguntemos:

Que lugar a Palavra de Deus ocupa na minha vida? Recorro à Palavra de Deus em minhas lutas espirituais? Se tenho um vício ou tentação recorrente, por que, buscando ajuda, não procuro um versículo da Palavra de Deus que responda a esse vício? Depois, quando vem a tentação, eu o recito, o rezo confiando na graça de Cristo. Experimentemos fazer isso, nos ajudará nas tentações porque, entre as vozes que se agitam dentro de nós, ressoará aquela benéfica da Palavra de Deus.

Que Maria - foi seu pedido ao concluir - que acolheu a Palavra de Deus e com sua humildade derrotou a soberba do divisor, acompanhe-nos na luta espiritual da Quaresma.

A antiga história de Nabot se repete cotidianamente (3/3)

Abel assassinado pelo seu irmão Caim. Catedral de Monreale (século XII), Palermo, Itália

Arquivo de 30Dias – 04/2009

A antiga história de Nabot se repete cotidianamente

Assim inicia Santo Ambrósio a sua obra De Nabuthae, que toma o nome do mísero que contrariou o então potente do trono.

O retrato mais antigo de Santo Ambrósio, que remonta ao séc. V. Detalhe do mosaico da Capela de São Vítor, na Basílica de Santo Ambrósio em Milão

de Lorenzo Cappelletti

A herança de Cristo

Mas “o pobre e glorioso Nabot”, como o chama o artigo de L’Osservatore Romano citado acima, é também alguma outra coisa, ou melhor, é também alguma outra coisa. Nabot não é apenas a imagem do pobre de Israel. Na sua recusa de ceder a vinha (“O Senhor me livre de ceder-te a herança dos meus pais”), Nabot é também a imagem do guardião do depositum fidei. Durante a batalha que o opôs aos arianos, Ambrósio lembrava Nabot a respeito deste propósito: “O santo Nabot defendeu as suas vinhas mesmo com o preço do seu sangue. Se ele não cedeu/traiu (non tradidit) a sua vinha, nós cederemos a Igreja de Cristo? [...] Se ele não cedeu a herança dos pais, eu cederei a herança de Cristo? Longe de mim ceder a herança dos pais, ou seja de Dionísio que morreu no exílio por causa da fé, a herança de Eustórgio, a herança de Mirocle, e de todos os santos bispos precedentes. A minha resposta foi a de um bispo; o imperador que faça o que está em poder de um imperador. Poderia me tirar a vida antes que a fé” (Lettera 75a, ou seja Contra Auxentium de Basilicis do ano 386).
Dois sucessores de Ambrósio, que depois subiram ao trono de Pedro, quiseram imitar o santo bispo de Milão na guarda da vinha do Senhor, que é juntamente a guarda do pobre e do depositum fidei: Pio XI (Achille Ambrogio Damiano Ratti) e Paulo VI (Giovanni Battista Montini). Ambos, como Ambrósio, homens de vasta cultura, ambos provenientes de ricas famílias, ambos levantando a voz como pobres e para os pobres, ambos com condições de fazer política sem objetivo político. Ambos lembraram Santo Ambrósio em seu magistério social. Pio XI – que, na Quadragesimo anno, relevou com os tons proféticos do santo doutor que “à liberdade do mercado subentrou a hegemonia econômica, à avidez do lucro seguiu-se a desenfreada ambição de predomínio e toda a economia se tornou horrendamente dura, cruel, atroz”; e que única era a fonte donde jorrava” de um lado o nacionalismo ou o imperialismo econômico; do outro não menos funesto e execrável o internacionalismo bancário ou imperialismo internacional do dinheiro, cuja pátria é lá onde está o lucro” – abria esta encíclica “seguindo a advertência de Santo Ambrósio que dizia ‘não haver algum dever maior do que o de agradecer’”. Segundo aquele convite constante à oração (não tinha dito Santo Ambrósio “rezeis, vós que possuís apenas isso, coisa que é mais preciosa do que o ouro e a prata”?) que não é o último motivo de tocante consolação quando se lêem os outros seus documentos sociais: a pequena e comovente Impendent Charitas, que implora, na Festa dos Anjos da Guarda de 1931, de vir ao encontro dos sofrimentos dos menores ao aproximar-se de um inverno de fome; a não muito mais extensa Charitate Christi compulsi, de maio do ano seguinte, encíclica social toda dedicada à oração e às obras de penitência: “E qual objeto poderia ser mais digno da nossa oração e mais correspondente à pessoa adorável d’Aquele que é o único ‘Mediador entre Deus e o homem, o homem Jesus Cristo’, do que implorar a conservação na terra da fé no único Deus vivo e verdadeiro?”.
Paulo VI, que se possível era ainda mais conforme ao grácil e culto Ambrósio, quis se referir precisamente ao seu De Nabuthae no número 23 da Populorum progressio: “Sabe-se com qual firmeza os Padres da Igreja esclareceram qual deveria ser o comportamento daqueles que possuem para com aqueles que são necessitados: ‘Não é dos teus bens’, diz Santo Ambrósio, ‘que fazes dons ao pobre; tu não fazes que devolver aquilo que os pertence. Pois te aproprias daquilo que é dado em comum para o uso de todos. A terra é dada a todos, e não apenas aos ricos’. É como dizer que a propriedade privada não constitui para ninguém um direito incondicionado e absoluto. Ninguém está autorizado a reservar para seu uso exclusivo aquilo que supera a sua necessidade, quando aos outros faltam o necessário. Numa palavra, ‘o direito de propriedade não deve jamais ser exercitado em detrimento da utilidade comum, segundo a doutrina tradicional dos Padres da Igreja e dos grandes teólogos’. Onde houver um conflito ‘entre direitos privados adquiridos e exigências comunitárias primordiais’, deve o poder público ‘preocupar-se em resolvê-lo, com a participação ativa das pessoas e dos grupos sociais’”.
Havia uma vez homens pobres e gloriosos...

Fonte: http://www.30giorni.it/

Pe. Manuel Pérez Candela

Pe. Manuel Pérez Candela
Pároco da Paróquia Nossa Senhora da Imaculada Conceição - Sobradinho/DF