EDUCAR O DESEJO
Dom Leomar Antônio Brustolin
Arcebispo de Santa Maria (RS)
Temos um estilo de vida tão frenético que
somos quase impedidos de meditar, refletir e até de rezar como precisamos.
Muitas palavras perderam sua força, e nosso mundo se tornou prolixo demais.
Somos inundados por uma torrente de palavras vazias. Muitas vezes nos
encontramos numa rede de debates, discussões e argumentos que mais nos distraem
da verdade e nos fazem cair em radicalismos que são desmascarados pelos
fatos.
Nossos percursos individualistas já não
conseguem equilibrar as pessoas e os contextos que conhecemos. Reclama-se da
crise de valores, mas esquece-se das questões comunitárias e públicas,
preferindo que cada experiência individual seja eterna enquanto dure.
Atualmente a necessidade transformou-se em
escolha, porque o indivíduo, livre de tradições e controle social, começa a
autoconceber-se como uma divindade, moldando a realidade de acordo com seus
próprios desejos. Na expansão do desejo vale o que o ser humano tem e não
o que é. Hoje se deseja tudo e ao final se consome até os desejos. Um sonho de
consumo, aos ser consumido, é um sonho consumado.
O desejo de ter é legítimo, mas corre o risco
de tornar-se uma forma de egoísmo refinado. O uso cada vez mais intenso das
drogas revela como o humano quer dilatar o tempo do prazer, mesmo que seja uma
felicidade artificial. Importante é buscar um momento de fuga da realidade e
adentrar numa sensação de excitação e força.
Urge passar dessa dilatação do desejo para a
educação do desejo. Este, semanticamente se origina de de-sidera,
isto é, originado nas estrelas. Com isso, desejar é buscar as alturas, o céu, a
espiritualidade, para além dos limites deste mundo.
Perder o desejo das coisas do alto é perder o
sentido de eternidade. Hoje muito se fala em necessidade de espiritualidade,
quase virou moda ter uma espiritualidade sem religião, ou pior, quase
antagonizando uma à outra. Ocorre que não se busca uma espiritualidade educada,
como uma necessidade humana, mas é vista muito mais como um desejo a ser
gratificado. Acaba-se consumindo espiritualidade. Que fica restrita à
horizontalidade e carece do sentido da graça e da noção de pecado.
Educar o desejo significa dirigir o coração e
os sentimentos para o alto, para a origem da vida e a fonte do sentido.
Trata-se de ordenar os sentimentos para cultivar ideais possíveis, no respeito
ao limite.
Para os cristãos, educar para o desejo é trabalhar por uma ética do sacrifício que é motivada pela fé de que Deus recompensará até mesmo um copo de água dado com amor. Essa recompensa não está no tempo, mas além do tempo, porque a história para o cristão, não é o horizonte último nem o tribunal definitivo.
Ora, não basta ser religioso para ser cristão, mesmo que ser cristão leve a ser religioso. Os ideais do Evangelho são superiores aos valores imanentes e a convivência civil.
Fonte: https://www.cnbb.org.br/
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