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quarta-feira, 26 de abril de 2023

Os enganos que o demônio usa para que deixemos o caminho da virtude

Duplo caminho | Cléofas

Os enganos que o demônio usa para que deixemos o caminho da virtude

 POR PROF. FELIPE AQUINO

O engano do qual se serve o demônio para nos atacar se manifesta quando seguimos o caminho da virtude com retidão. Ele consiste em diversos bons desejos que provocam em nós a queda da virtude para o vício.

Por exemplo: uma pessoa doente suporta a sua enfermidade com grande valentia. O que fará o astuto inimigo, sabendo que ela poderá dessa forma alcançar a virtude da paciência? Sugerirá à pessoa enferma muitas boas ações que ela poderia realizar se estivesse em situação diversa, e fará o possível para convencê-la de que serviria melhor a Deus e seria mais útil a si mesma e aos demais se tivesse saúde. Esse desejo vai crescendo a tal ponto que põe em desassossego a pessoa que não consegue realizar o que quer. E quanto mais cresce o desejo, mais cresce a inquietação, da qual o inimigo se aproveita para conduzi-la pouco a pouco à impaciência e à rebeldia contra a doença, não por esta mesma, mas pelo impedimento de realizar as boas obras às quais tanto aspirava, buscando um bem maior.

Tendo-a conduzido a esse ponto, é fácil ao diabo fazer com que a pessoa se esqueça da sua principal obrigação (servir a Deus) para buscar somente os meios de se livrar da doença.

Ao ver que isso não acontece, ela se inquieta de tal maneira que perde totalmente a paciência; e então, sem se dar conta, perde a virtude que praticava e cai no vício contrário.

A maneira de se opor a esse engano é não alimentar bons desejos que não possam ser realizados no momento, evitando assim a inquietação de não os poder realizar. Para isso, com humildade, paciência e resignação, convence-te de que teus desejos não teriam o efeito esperado, pois és mais fraca e incapaz do que imaginas. Ou então pensa que Deus, por algum desígnio oculto ou devido aos teus pecados, não deseja que realizes essa boa obra, mas sim que te humilhes e te rebaixes, aceitando com paciência a Sua vontade (1Pd 5,6).

Do mesmo modo, se o teu diretor espiritual ou qualquer outra causa te impedem de praticar alguma devoção do teu gosto, especialmente receber a comunhão, não te deixes abater e nem te inquietes no desejo dela, mas, despojando-te de toda vontade própria, entrega-te à vontade do Senhor, dizendo contigo:

“Se a divina providência não visse em mim ingratidão e pecado, eu não estaria agora impedida de receber a Eucaristia. Já que o Senhor me revela desta maneira a minha indignidade, seja Ele para sempre bendito e louvado. Confio plenamente em tua bondade, meu Deus, e creio firmemente que por este modo não desejas senão que me incline à tua vontade e te obedeça em tudo, abrindo meu coração para que nele entres espiritualmente e o consoles, fortalecendo-o contra os inimigos que pretendem afastar-me de Ti. Que se cumpra tudo o que é agradável aos Teus olhos. Que a Tua vontade seja agora e para sempre o meu alimento e sustento, meu Criador e Redentor. Só esta graça Te peço, meu divino Amor, que minha alma seja purificada e limpa de qualquer coisa que te possa desagradar, que esteja sempre adornada de virtudes e preparada para a tua vinda, bem como para tudo o que quiseres pedir a esta tua indigna criatura”.

Se observares estes princípios, podes estar certa de que, sempre que não te for possível realizar algum bom propósito, seja por alguma deficiência da tua natureza, seja pela ação do demônio que te quer afastar do caminho da virtude, seja porque o próprio Deus quer provar dessa forma a tua resignação à Sua vontade, será justamente nessa resignação que realizarás a vontade divina. Precisamente nisso consiste a verdadeira devoção e o serviço que Ele espera de nós.

A fim de que nunca percas a paciência nas provações, venham de onde vierem, quero advertir-te que, mesmo usando dos meios lícitos que Deus concede aos Seus servos, não o faças com a intenção de ver-te livre das provações, mas apenas por que Deus o quer. Pois não sabemos se é Sua vontade livrar-nos das provações. Se assim não fizeres, facilmente cairás na impaciência ao ver que as coisas não sucedem segundo a tua expectativa, ou tua paciência será defeituosa, pouco agradável a Deus e de pouco mérito.

Finalmente, previno-te sobre um engano muito sutil do nosso amor-próprio, que é muito hábil em dissimular e até defender, em certas ocasiões, os nossos defeitos. Um exemplo é quando um doente se impacienta com a sua enfermidade e tenta justificar essa impaciência alegando para ela uma causa justa. Ele dirá que a sua impaciência não se deve à enfermidade, mas ao remorso por ser ele mesmo o seu causador, ou pelo incômodo que causa aos que cuidam dele, ou por outros danos que podem advir dessa doença.

O mesmo se dá com o ambicioso, que, perturbado por não haver obtido a dignidade que desejava, não atribui essa perturbação à sua própria soberba e vaidade, mas a outras razões que, entretanto, em nada o preocupam quando não estão em jogo os seus interesses. Como o enfermo, que tanto se compadece dos que se ocupam dele, mas não sofre igualmente quando essas mesmas pessoas se dedicam a outros doentes.

É um sinal evidente de que a raiz de suas lamentações não está nas razões alegadas, mas unicamente no fato de terem seus desejos contrariados. Para não caíres nesse erro, procura suportar sempre com paciência e humildade o sofrimento e a dor, venham de onde vierem.

Retirado do livro: “O Combate Espiritual”. Padre Lorenzo Scupoli. Ed. Cléofas.

Fonte: https://cleofas.com.br/

Oração de um Papa santo, composta na Guerra Fria, para evitar o conflito nuclear e a guerra mundial

Shutterstock | Renata Sedmakova-Alex Gontar

Por José Antonio Méndez

A prece foi escrita há 60 anos pelo Papa São João XXIII, rogando de Deus a graça de evitarmos a "destruição devastadora" de um conflito em grande escala.

Era abril de 1963 – exatos 60 anos atrás. A tensão bélica entre os Estados Unidos e a União Soviética pairava no ar, ameaçando desencadear um conflito mundial cujos resultados seriam avassaladores.

Naquele contexto, o Papa São João XXIII escreveu uma das suas encíclicas mais influentes: a “Pacem in Terris“. O texto foi assinado apenas dois meses antes da morte do pontífice e é considerado um autêntico testamento espiritual do “Papa Bom”.

De fato, o seu poderoso apelo à paz, dirigido especialmente aos líderes mundiais, contribuiu para um ponto de virada em meio à Guerra Fria e à escalada nuclear entre a URSS e o Ocidente. “Hoje os povos vivem sob um medo perpétuo, como se uma tempestade os ameaçasse e a qualquer momento pudesse desencadear-se com uma força terrível. Eles têm razão, porque as armas são um fato”, alertou então o Papa. E acrescentou que, “embora pareça difícil acreditar que existam homens suficientemente ousados ​​para assumir a responsabilidade pelas mortes e pela destruição devastadora que uma guerra causaria, é inegável, por outro lado, que qualquer acontecimento imprevisível pode provocar repentina e inesperadamente o incêndio bélico”.

1963 e 2023: cenários inquietantemente parecidos

Passados 60 anos, eis que a guerra na Ucrânia volta a fazer com que a tensão bélica entre os Estados Unidos e a Rússia paire novamente no ar, ameaçando desencadear um conflito mundial cujos resultados seriam avassaladores.

Até os blocos parecem repetir-se: de um lado, Europa e Estados Unidos – aliás, sob a presidência antes de Kennedy e agora de Biden, ambos do Partido Democrata e ambos declarando-se católicos; do outro lado, a Rússia e a China – ou, mais acuradamente, a Rússia e o Partido Comunista.

Oração pela paz na terra

Volta a ganhar providencial relevância, neste retrocesso da humanidade, a oração que São João XXIII escreveu no final da encíclica:

“Esta paz, peçamo-la com ardentes preces ao Redentor divino que no-la trouxe.
Afaste Ele dos corações dos homens tudo quanto pode pôr em perigo a paz
e os transforme a todos em testemunhas da verdade, da justiça e do amor fraterno.
Ilumine com sua luz a mente dos responsáveis pelos povos,
para que, junto com o justo bem-estar dos próprios concidadãos,
lhes garantam o belíssimo dom da paz.
Inflame Cristo a vontade de todos os seres humanos
para abaterem barreiras que dividem,
para corroborarem os vínculos da caridade mútua,
para compreenderem os outros,
para perdoarem aos que lhes tiverem feito injúrias.
Sob a inspiração da sua graça,
tornem-se todos os povos irmãos
e floresça neles e reine para sempre essa tão suspirada paz”.

Fonte:  https://pt.aleteia.org/

Mitos litúrgicos (4/16)

Basílica de Santo Agostinho em Roma | Presbíteros

Mitos litúrgicos

Mito 9: “A Missa é para os fiéis”

A Santa Missa, essencialmente, é para Deus e não para os fiéis, pois ela é a Renovação do Santo Sacrifício de Nosso Senhor, oferecido a Deus Pai pelas mãos do sacerdote.

Por isso, o saudoso Papa João Paulo II lamenta na sua Encíclica Ecclesia de Eucharistia (n. 10): “As vezes transparece uma compreensão muito redutiva do mistério eucarístico. Despojado do seu valor sacrifical, é vivido como se em nada ultrapassasse o sentido e o valor de um encontro fraterno ao redor da mesma. Além disso, a necessidade do sacerdócio ministerial, que se fundamenta na sucessão apostólica, fica às vezes obscurecida, e a sacramentalidade da Eucaristia é reduzida à simples eficácia do anúncio. (…) Como não manifestar profunda mágoa por tudo isto? A Eucaristia é um Dom demasiadamente grande para suportar ambigüidades e reduções.”

Embora, como foi dito, os fiéis que participam da Santa Missa se beneficiam. Pois na Missa, Nosso Senhor “se sacrifica sem derramamento de sangue, e nos aplica os frutos da sua Paixão e Morte.” (Catecismo de São Pio X, n. 254)

Mito 10: “Não se assiste à Missa”

Embora os documentos da Santa Igreja utilizem TAMBÉM o termo “participar”, NÃO é errado utilizar o termo “assistir”.

O próprio Papa Pio XII, na encíclica Mediador Dei, de 1947, exorta os Bispos: “Procurai, sobretudo, obter, com o vosso diligentíssimo zelo, que todos os fiéis assistam ao sacrifício eucarístico e dele recebam os mais abundantes frutos de salvação.” Também o Catecismo de São Pio X (n.391) fala em “assistir devotamente ao Santo Sacrifício da Missa.”

O que este termo frisa é a verdade de fé de que é o sacerdote que oferece o Santo Sacrifício da Missa, e não o leigo.

Por outro lado, é evidente que o fiel precisa assistir a celebração de forma participativa (Sacrossanctum Concilium, n.14), unindo sua vida ao Mistério do Santo Sacrifício que se renova no altar.

Mito 11: “Qualquer pessoa pode comungar”

Não pode.

Escreve São Paulo: “Todo aquele que comer o Pão ou beber o Cálice do Senhor indignamente será réu do Corpo e do Sangue do Senhor. Por conseguinte, cada um examine a si mesmo antes de comer desse Pão ou beber desse Cálice, pois aquele que come e bebe sem discernir o Corpo do Senhor, come e bebe a própria condenação.” (ICor 11,27-29)

O Código de Direito Canônico diz que pode comungar “qualquer batizado, não proibido pelo direito” (cânon 912) A preparação primeira necessária para receber o Corpo de Nosso Senhor é a preparação interior, ou seja: estar em estado de graça, que significa estar em ausência de pecados mortais (Cat. 1385). Tal estado nos é dado quando recebemos o Sacramento do Batismo, e, após a queda em pecado mortal, através de uma Confissão bem feita (Cat. 1264; 1468-1470). A Santa Igreja também instituiu o chamado “jejum eucarístico” (isto é, estar a uma hora antes de comungar sem ingerir alimentos, a não ser água e medicamentos necessários, como especifica o Cânon 919).

É preocupante vermos filas para a Sagrada Comunhão tão longas, e filas para o confessionário tão pequenas…

Pior ainda quando não há sacerdotes disponíveis para os confessionários!

Mito 12: “A absolvição comunitária substitui a confissão individual”

Não substitui.

Diz o Catecismo da Igreja Católica (n.1483):

“A confissão individual e íntegra e a absolvição constituem o único modo ordinário pelo qual o fiel, consciente de pecado grave, se reconcilia com Deus e com a Igreja: somente a impossibilidade física ou moral o escusa desta forma de confissão”.

Continua o Catecismo (n.1483):

“Em casos de grave necessidade, pode-se recorrer à celebração comunitária da reconciliação, com confissão geral e absolvição geral. Tal necessidade grave pode ocorrer quando há perigo iminente de morte, sem que o sacerdote ou os sacerdotes tenham tempo suficiente para ouvir a confissão de cada penitente. A necessidade grave pode existir também quando, tendo em conta o número dos penitentes, não há confessores bastantes para ouvir devidamente as confissões individuais num tempo razoável, de modo que os penitentes, sem culpa sua, se vejam privados, durante muito tempo, da graça sacramental ou da sagrada Comunhão. Neste caso, para a validade da absolvição, os fiéis devem ter o propósito de confessar individualmente os seus pecados graves em tempo oportuno. Pertence ao bispo diocesano julgar se as condições requeridas para a absolvição geral existem. Uma grande afluência de fiéis, por ocasião de grandes festas ou de peregrinações, não constitui um desses casos de grave necessidade.”

 Fonte: https://presbiteros.org.br/

Nossa Senhora Aparecida e a concepção de Maria nos Padres da Igreja

Nicho de Nossa Senhora Aparecida (Vatican Media)

É muito importante aprofundar a missão de Maria a partir dos Padres da Igreja, os primeiros escritores cristãos. Eles elaboraram uma doutrina mariológica, um estudo em relação à Maria, tendo presente os dados bíblicos, mas também seguiram o testemunho de fé do povo cristão.

Dom Vital Corbellini, Bispo de Marabá – PA.

Como bispos nós estamos reunidos no Santuário de Nossa Senhora Aparecida para a sexagésima Assembleia Geral da Conferência Nacional dos Bispos no Brasil (CNBB). Desta forma, é muito importante aprofundar a missão de Maria a partir dos Padres da Igreja, os primeiros escritores cristãos. Eles elaboraram uma doutrina mariológica, um estudo em relação à Maria, tendo presente os dados bíblicos, mas também seguiram o testemunho de fé do povo cristão e do culto litúrgico. Eles consideraram Maria à luz do Verbo Encarnado, a sua encarnação, e o mistério pascal.

A definição de fé do Concílio de Nicéia em 325 tratou da divindade do Verbo de Deus, desde sempre, portanto uma definição trinitária, mas também ele falou de Cristo como homem proveniente de Maria[1]. A seguir teremos presentes elementos mariológicos na doutrina cristã, do amor a Deus, ao próximo como a si mesmo. 

A análise do texto Lc 1,35.

Santo Ireneu de Lião

Este texto mereceu atenção especial por parte de alguns padres, afirmando que Aquele que nasceu de Maria era santo, chamado Filho de Deus. Santo Ireneu de Lião, bispo do final do século II e início do século III, utilizou esse texto, para defendê-lo diante dos ebionítas, pois esses negavam a divindade do Verbo, porque para eles Jesus nasceu de uma forma normal de José e de Maria. Ele os defrontou, afirmando que aquilo que foi gerado em Maria é Santo, é o Filho de Deus em unidade com o Altíssimo, o qual é Pai de todas as coisas[2]. Para Ireneu de Lião, tratava-se da santidade do Verbo de Deus encarnado, ou seja, a nova geração, porque proveniente de Deus, o nascimento virginal, puro sem macha de pecado[3]. Com a encarnação do Filho de Deus, apareceu um novo nascimento a fim de que superássemos o nascimento anterior, que era de morte para que herdássemos a vida[4].

Tertuliano

Este texto (Lc 1,35) recebeu também de Tertuliano, padre do norte da África, século II e início do século III, considerações importantes para combater a controvérsia monarquiana que se de um lado salvaguardava o monoteísmo, a unidade em Deus, de outro lado negava as pessoas da Santíssima Trindade. Por isso Tertuliano defendeu no Adversus Praxean que o homem Jesus, nascido de Maria, era verdadeiramente Filho de Deus, antes Deus, é Filho do Altíssimo[5]. O fato de ser santo está ligado ao Filho de Deus. Para ele eram palavras sinônimas, semelhantes[6]sanctum, santo era considerado como sinônimo de Filius Dei, Filho de Deus (Lc 1,35b). Tertuliano colocou a importância da unidade entre Jesus, concebido pela virgem e Cristo, que veio do Pai e se encarnou no ventre virginal de Maria.

Novaciano

Novaciano seguiu Tertuliano no sentido da defesa da divindade de Jesus, que Jesus é verdadeiramente Filho de Deus, também diante da controvérsia dos monarquianos, pois esses também se apelavam a Lc 1,35 no sentido que havia uma distinção entre Jesus e Cristo no qual o Cristo, igual ao Pai, e ao Espírito Santo e Jesus nascido de Maria, o filho do homem, que chamava de filho de Deus no sentido que ele foi adotado como Deus, por isso era negada a sua divindade. Para eles se entenderia em Jesus, não Deus, mas o homem[7]. Novaciano afirmou que era preciso seguir as Escrituras, não sendo somente naquele momento Filho de Deus, Santo, mas "em princípio o Filho de Deus é o Verbo de Deus encarnado por meio daquele Espírito do qual afirmou o anjo: 'O Espírito Santo virá sobre ti e o poder do Altíssimo vai te cobrir com a sua sombra'(Lc 1,35). 

A mariologia em Santo Inácio de Antioquia

            Santo Inácio de Antioquia, bispo, final do século I e início do século II inseriu a doutrina mariológica no patrimônio dogmático da Igreja. Ele afirmava a dupla geração do Cristo: eterna por parte de Deus Pai e terrena por Maria[8]. Considerava Maria participante do projeto divino na história da salvação pela sua virgindade, a sua concepção e a morte do Senhor como sendo três grandiosos mistérios[9]. Ele defendeu contra os docetas, a realidade da encarnação de Cristo, Filho de Deus segundo a vontade e o poder de Deus, nascido verdadeiramente da Virgem, batizado por João[10].

A mariologia em São Justino de Roma

São Justino de Roma, Padre da Igreja, século II foi um dos primeiros autores cristãos que ao paralelo paulino Cristo-Adão ( 1 Cor 15,45) contrapôs aquele de Maria-Eva. Na obra Diálogo com Trifão afirmou: "De fato quando ainda era virgem e incorrupta, Eva, tendo concebido a palavra que a serpente lhe disse, deu à luz a desobediência e a morte. A virgem Maria, porém, concebeu fé e alegria quando o anjo Gabriel lhe anunciou a boa notícia que o Espírito do Senhor viria sobre ela e que a força do Altíssimo a cobriria com a sua sombra, através do que o santo que dela nasceu seria o Filho de Deus. A isso, ela respondeu: 'Faça-se em mim segundo a palavra'(Lc 1,38). E da virgem nasceu Jesus, ao qual demonstramos que tantas Escrituras se referem, pelo qual Deus destruiu a serpente e os anjos e homens que a ela se assemelham, e livra da morte aqueles que se arrependem de suas más ações e nele crêem"[11].

A mariologia em Santo Ireneu de Lião

Este autor mereceu considerações importantes na teologia, na cristologia e também na mariologia. Ele desenvolveu uma função importante para a história da doutrina cristã sobre Maria Santíssima, colocando-a em uma situação única ao interior do mistério da salvação realizado em Cristo Jesus, em ligação com a encarnação do Verbo de Deus e do plano da redenção. Como nenhum outro autor cristão, aprofundou o duplo tema da recapitulação e da recirculação, em Cristo Jesus, desenvolvendo o confronto entre Eva e Maria a qual livrou o nó da desobediência de Eva, tornando-se causa de salvação por si e pelo gênero humano[12], sendo percebida também como a advogada de Eva[13]. Ele introduziu aspectos das ladainhas, que a piedade cristã rezará na comunidade, abrindo também a estrada à inserção de Maria no Símbolo apostólico[14]. Santo Ireneu insistiu sobre a profecia de Is 7,14 como sinal da Virgem que se tornou também colaboradora da salvação humana. Jesus Cristo encarnando-se tornou puro o seio da Virgem, regenerando os seres humanos em Deus[15]. A profissão de fé à maternidade virginal de Maria é pressuposto necessário para participar à salvação dada em Cristo Jesus.

A mariologia em Tertuliano

A doutrina mariológica de Tertuliano influenciou a mariologia em si, colocando a importância da vida de Maria na Igreja, no plano de salvação de Deus pelo seu Filho ao mundo e para o ser humano. Diante das heresias gnósticas, reforçou o autor africano a realidade da humanidade de Cristo, realçando o fato que Ele possuía não um corpo celeste, mas um corpo verdadeiramente nascido da mesma substância da Virgem Maria. Ele afirmava a virgindade perpétua em Maria, seja antes do parto como também depois do mesmo, pois ele confrontou os docetistas, que negavam a Jesus Cristo um verdadeiro corpo humano, pretendendo que a sua concepção e o seu nascimento não fossem que aparentes. Para Tertuliano, Maria é a segunda Eva: "Eva era ainda virgem quando ela ouviu pelas orelhas a palavra sedutora que devia erigir o edifício da morte. Ocorria da mesma forma que fosse introduzido em uma virgem o Verbo de Deus que devia reconstruir o monumento da vida, de modo que aquilo que foi arruinado pelo mesmo sexo, pudesse ser recuperado para a salvação. Eva acreditou na serpente; Maria acreditou em Gabriel. A desventura que uma atirou com a sua credibilidade, a outra a eliminou com a  sua fé"[16].

Mariologia em Orígenes

O historiador Sozómeno informa que Orígenes usou a palavra Theotókos, título aplicado a Maria, Mãe de Deus[17]. Este título não foi encontrado nos seus livros que vieram à tradição, mas certamente estaria nos livros que foram destruídos. Além disso a Escola de Alexandria usava por muito tempo este título para exprimir a maternidade divina de Maria, quando se tornou objeto de polêmicas na primeira metade do século V contra o nestorianismo até a sua definição no Concilio de Éfeso(431).

A mariologia em Santo Hipólito de Roma

Os dados provenientes de Santo Hipólito de Roma não são muitos mas aqueles que ele desenvolveu ajudaram a formular a presença de Maria na vida da Igreja e nos sacramentos. Ele colocou a importância de Maria no processo salvífico completado em Cristo Jesus. Um lenho foi construído na Arca, isto é o Senhor aludindo à pureza do pecado. Este autor inseriu Maria no evento central da encarnação seja na formulação de fé, seja na celebração eucarística[18].

Conclusão

A mariologia dos padres foi importante na doutrina geral sobre a ciência que estuda Maria. Ela respondeu com alegria e amor ao plano de Deus, tornando-se dessa forma a mãe do Filho de Deus. Maria foi a serva do Senhor sempre disposta a servir o Senhor Deus, o Criador dos céus e da terra e dos seres humanos. Maria viveu o amor do Senhor de modo que as gerações a chamaram de bendita(cfr. Lc 1,48). Por isso os padres da Igreja, os primeiros escritores cristãos descreveram a importância de Maria na vida pessoal, comunitária e social. Maria foi fiel à palavra do Senhor no cumprimento da vontade do Pai. Ela seguiu em tudo o seu Filho, Jesus Cristo. Maria sempre aponta para o seu Filho em todos os pedidos que nós fizermos para ela. Maria é a nossa intercessora junto a Jesus Cristo.

 Fontes:

[1] Cfr. S. Felici. Lo Sviluppo della dottrina mariana nell´età prenicena. In: La Mariologia nella catechesi dei Padri(età prenicena), a cura di Sergio FeliciBiblioteca di Scienze Religiose, 88. Roma, LAS, 1989, pgs. 9-11.

[2] Cfr. Ireneu de Lião, Contra as Heresias, V,1,3. SP, Paulus, 1995.

[3] Cfr. IdemV,1,3.

[4] Cfr. Ibidem.

[5] Cfr. Adversus Praxean, 26,7. In: La Mariologia nella catechesi dei Padri(età prenicena),  pg. 26.

[6] Cfr. Idem, pg. 26.

[7] Cfr. Novaciano. A Trindade24,136. São Paulo, Paulus, 2017.

[8] Cfr. Inácio aos Efésios 7,2. In: Padres Apostólicos, São Paulo, Paulus, 1995.

[9] Cfr. Idem, 19,1.

[10]Cfr. Inácio aos Esmirniotas, 1,1.

[11] Cfr. Justino de Roma, Diálogo com Trifão, 100, 5. São Paulo, Paulus, 1995.

[12] Cfr. Ireneu de Lião. Contra as heresiasIII,22,4.

[13] Cfr. IdemV,19,1.

[14] Cfr. M. Maria Maritano. In: Nuovo Dizionario Patristico e di Antichità Cristiane. Marietti, Genova- Milano, 2007, pg. 3036.

[15] Cfr. Ireneu de Lião, Contra as heresias, IV,33,11.

[16] Cfr. Tertulliano.. De Carne Chr. 17. In: J. Quasten.  Patrologia. I primi due secoli(II-III).Casale, Marietti, 1992, pg. 566.

[17] Cfr. Stor. Eccles., 7,32.

[18] Cfr. M. Maria Maritano, In: Nuovo Dizionario Patristico e di Antichità Cristiane, pg. 3037.

Fonte: https://www.vaticannews.va/pt

O que é a “Igreja Apostólica”?

São Pedro - Vaticano | Aleteia

Por Alessandro Lima*.

Será que toda igreja é apostólica? Será que toda igreja tem que ser apostólica? Será que toda "igreja" pode adotar para si o adjetivo "apostólica", sem detrimento de seu real significado?

Hoje em dia está na moda as novas seitas protestantes adicionarem o adjetivo “apostólica” ao seus nomes. Como por exemplo: Igreja Nova Apostólica, Igreja Evangélica Apostólica das Águas Vivas, Igreja Apostólica Ministério Comunidade Cristã, Igreja Apostólica do Avivamento, Igreja Apostólica Renascer em Cristo, Igreja Apostólica Cristã, Igreja Apostólica Ministério Resgate, Igreja Apostólica Batista Viva e etc.

Mas será que toda igreja é apostólica? Será que toda igreja tem que ser apostólica? Será que toda “igreja” pode adotar para si o adjetivo “apostólica”, sem detrimento de seu real significado?

O Ensinamento da Igreja Católica

O Catecismo da Igreja Católica ensina:

§861 “Para que a missão a eles [aos apóstolos] confiada fosse continuada após sua morte [de Jesus], confiaram a seus cooperadores imediatos, como que por testamento, o múnus de completar e confirmar a obra iniciada por eles, recomendando-lhes que atendessem a todo o rebanho no qual o Espírito Santo os instituíra para apascentar a Igreja de Deus. Constituíram, pois, tais varões e administraram-lhes, depois, a ordenação a fim de que, quando eles morressem outros homens íntegros assumissem seu ministério.”

§862 “Assim como permanece o múnus que o Senhor concedeu singularmente a Pedro, o primeiro dos apóstolos, a ser transmitido a seus sucessores, da mesma forma permanece todos Apóstolos de apascentar a Igreja, o qual deve ser exercido para sempre pela sagrada ordem dos Bispos.” Eis por que a Igreja ensina que “os bispos, por instituição divina, sucederam aos apóstolos como pastores da Igreja, de sorte quem os ouve, ouve a Cristo, e quem os despreza, despreza a (aquele por quem Cristo foi enviado“.

Os protestantes em contrapartida alegam que nunca houve sucessão apostólica, e que a Igreja Apostólica é simplesmente aquela fiel á doutrina bíblica. Afirmam ainda que a reunião dos fiéis constitui a Igreja.

O que ensina a Bíblia?

A Bíblia ensina que Nosso Senhor Jesus Cristo, deu o governo da Igreja aos Santos Apóstolos: “Quem vos ouve, a mim ouve; e quem vos rejeita, a mim rejeita; e, quem me rejeita, rejeita aquele que me enviou” (Lc 10, 16).  Aqui vemos o testemunho da autoridade dos apóstolos sobre toda a Igreja dada pelo próprio Cristo.

A Bíblia dá testemunho de que os apóstolos claramente escolheram sucessores que, por sua vez, possuíram a mesma autoridade de ligar e desligar. A substituição de Judas Iscariotes por Matias (cf. At 1,15-26) e a transmissão da autoridade apostólica de Paulo a Timóteo e Tito (cf. 2 Tm 1,6; Tt 1,5) são exemplos de sucessão apostólica.

Além destes exemplos claros há também os implícitos como o caso de Apolo. Apolo era um Judeu natural de Alexandria que conhece o verdadeiro Evangelho em Éfeso (cf. At 18,24-28). A Bíblia diz que Apolo foi levado aos discípulos de Cristo que se encontravam em Corinto (cf. At 19,1).

São Paulo ao escrever sua primeira carta aos cristãos de Corinto faz menção de Apolo, vejam:

Pois acerca de vós, irmãos meus, fui informado pelos que são da casa de Cloé, que há contendas entre vós. Refiro-me ao fato de que entre vós se usa esta linguagem: ?Eu sou discípulo de Paulo; eu, de Apolo, eu, de Cefas; eu, de Cristo” (1Cor 1,11-12).

Bem, sabemos de onde surgiu Apolo e que ele foi enviado a Corinto, mas o que ele está fazendo na Igreja de Corinto?

São Paulo continua: “Pois quem é Apolo E quem é Paulo? Simples servos, por cujo intermédio abraçastes a fé, e isto conforme a medida que o Senhor repartiu a cada um deles: eu plantei, Apolo regou, mas Deus é quem faz crescer” (1 Cor 3,5-6).

Notaram? São Paulo fundou a Igreja em Corinto, mas quem cuidava desta Igreja era Apolo, era ele que no dizer no Apóstolo, regava, isto é cuidava da Igreja. Apolo era então o Bispo de Corinto, instituído pelos apóstolos.

Apesar das palavras do apóstolo serem claras, isso explica porque os cristãos dissensores de Corinto, ao criar um partido, escolheram o nome de Apolo, que era o líder daquela comunidade, isto é, o Bispo.

O episcopado de Apolo fica ainda mais claro, nas seguintes palavras de São Paulo:

Portanto, ninguém ponha sua glória nos homens. Tudo é vosso: Paulo, Apolo, Cefas (Pedro), o mundo, a vida, a morte, o presente e o futuro. Tudo é vosso! Mas vós sois de Cristo, e Cristo é de Deus. Que os homens nos considerem, pois, como simples operários de Cristo e administradores dos mistérios de Deus” (1Cor 3,21-22; 4,1).

Veja como São Paulo coloca o ministério de Apolo em igualdade com o seu próprio. Ver também (1Cor 4,6).

Vimos que a Sagrada Escritura ao contrário do que ensinam os “entendedores da Bíblia” não nega a existência da Sucessão dos Apóstolos, como meio de perpertuar de forma segura o ministério dos Apóstolos, ao contrário, ela confirma isso.

O que diz a história da Igreja?

Se estamos falando a verdade, devemos obrigatoriamente encontrar na história da Igreja, provas de que a Sucessão Apostólica realmente existia. Caso contrário estaremos somente especulando sobre o que realmente existia na Igreja primitiva, como faz atualmente o protestantismo.

Vamos ver agora se encontramos na história da Igreja alguma prova da existência da sucessão dos apóstolos:

Clemente de Roma, o 4º Bispo de Roma na sucessão de São Pedro, em sua primeira carta aos Coríntios (90 D.C) escreve:

42. Os apóstolos receberam do Senhor Jesus Cristo o Evangelho que nos pregaram. Jesus Cristo foi enviado por Deus. Cristo, portanto vem de Deus, e os apóstolos vêm de Cristo. As duas coisas, em ordem, provêm da vontade de Deus. Eles receberam instruções e, repletos de certeza, por causa da ressurreição de nosso Senhor Jesus Cristo, fortificados pela palavra de Deus e com plena certeza dada pelo Espírito Santo, saíram anunciando que o Reino de Deus estava para chegar. Pregavam pelos campos e cidades, e aí produziam suas primícias, provando-as pelo Espírito, a fim de instituir com elas bispos e diáconos dos futuros fiéis. Isso não era algo novo: desde há muito tempo, a Escritura falava dos bispos e dos diáconos. Com efeito, em algum lugar está escrito: ?Estabelecerei seus bispos na justiça e seus diáconos na fé” (Is 60,17)”

44. Nossos apóstolos conheciam, da parte do Senhor Jesus Cristo, que haveria disputas por causa da função episcopal. Por esse motivo, prevendo exatamente o futuro, instituíram aqueles de quem falávamos antes, e ordenaram que, por ocasião da morte desses, outros homens provados lhes sucedessem no ministério.”

Vejam que desde o início do Cristianismo já se sabia que os Bispos da Igreja são os sucessores dos Apóstolos. Temos uma prova clara de que a Sucessão dos Apóstolos tinha como objetivo perpetuar o ministério dos Apóstolos, já que a Igreja deveria permanecer ainda na terra durante séculos.

Portanto, ninguém pode ser intitular Bispo, se não tiver recebido as sagradas ordens através da legítima sucessão dos Apóstolos; e ninguém pode se intitular pastor da Igreja se não tiver recebido a sagrada ordem pelas mãos de um legítimo Bispo.

A Igreja Apostólica é como um Rio, que possui sua nascente na sucessão dos Apóstolos. É do Colégio dos Apóstolos que a Igreja possui a sua origem, segundo designo do próprio Cristo.

A Sucessão dos Apóstolos foi algo tão real na vida da Igreja, que muitas destas sucessões foram registradas por alguns historiadores como Hegesipo e Eusébio de Cesaréia.

Veremos algumas das sucessões dos apóstolos registradas pelo Bispo Eusébio de Cesaréia (Séc IV), historiador da Igreja, em sua obra ?A História Eclesiástica? (HE):

Sucessão Apostólica em Roma

No atinente a seus outros companheiros, Paulo testemunha ter sido Clemente enviado às Gálias (2Tm 4,10); quanto a Lino, cuja presença junto dele em Roma foi registrada na 2ª carta a Timóteo (2Tm 4,21), depois de Pedro foi o primeiro a obter ali o episcopado” (HE III,4,8).

A Vespasiano, depois de ter reinado 10 anos, sucedeu Tito, seu filho, como imperador. No segundo ano de seu reinado, o bispo Lino, depois de ter exercido durante doze anos o ministério da Igreja de Roma, transmitiu-o a Anacleto.” (HE III,13)

No décimo segundo ano do mesmo império [de Domiciano, irmão de Tito], Anacleto que foi bispo da Igreja de Roma durante doze anos, foi substituído por Clemente, que o Apóstolo [Paulo], na carta aos Filipenses, informa ter sido seu colaborador, nesses termos: ‘Em companhia de Clemente e dos demais auxiliadores meus, cujos nomes estão no livro da vida’” (Fl 4,3)

Relativamente aos bispos de Roma, no terceiro ano do reinado do supracitado imperador [Trajano], Clemente terminou a vida, passando seu múnus a Evaristo. No total, durante nove anos exercera o magistério da palavra de Deus.” (HE III,34)

Cerca do duodécimo ano do reinado de Trajano (…) Evaristo completado seu oitavo ano, Alexandre recebeu o episcopado em Roma, sendo o quinto na sucessão de Pedro e Paulo.” (HE IV,1)

No terceiro ano do mesmo governo [do imperador Aélio Adriano, sucessor de Trajano], Alexandre, bispo de Roma morreu, tendo completado o décimo ano de sua administração. Teve Xisto como sucessor.” (HE IV,4).

Ao atingir o império de Adriano já o duodécimo ano, Xisto, tendo completado o décimo ao de episcopado em Roma, teve Telésforo por sucessor, o sétimo depois dos apóstolos.” (HE IV,5,5)

Tendo ele [Aélio Adriano] cumprido sua incumbência, após vinte e um anos de reinado, sucedeu-lhe no governo do império romano Antonino, o Pio. No primeiro ano deste, Telésforo deixou a presente vida, no undécio ano de seu múnus e coube a Higino a herança do episcopado em Roma.” (HE IV,10)

Tendo Higino falecido após o quarto ano de episcopado, Pio tomou em mãos o ministério em Roma.” (HE IV,11,6)

E na cidade de Roma, tendo morrido Pio no décimo quinto ano de episcopado, Aniceto presidiu aos fiéis desta cidade.” (HE IV,11,7)

Já atingira o oitavo ano o império de que tratamos [Antonino Vero], quando Sotero sucedeu a Aniceto, que completara onze anos de episcopado na Igreja de Roma.”(HE IV,19)

Sotero, bispo da Igreja de Roma, chegou ao termo de sua vida no decurso do oitavo ano de episcopado. Sucedeu-lhe Eleutério, o décimo segundo a contar dos Apóstolos, no décimo sétimo ano do imperador Antonino Vero” (HE V,Introdução,1)

No décimo ano do império de Cômodo, Vítor sucedeu a Eleutério, que havia exercido o episcopado durante treze anos.(…)” (HE V,22)

Sucessão Apostólica em Jerusalém

Após o martírio de Tiago e a destruição de Jerusalém, ocorrida logo depois, conta-se que os sobreviventes dos Apóstolos e discípulos do Senhor vindos de todas as partes se congregaram e com os consangüíneos do Senhor ‘ havia um grande número deles ainda vivos ‘ reuniram-se em conselho para verificar quem julgariam digno de suceder a Tiago. Todos unanimemente consideraram idôneo para ocupar a sede desta Igreja Simeão, filho de Cléofas, de quem se faz memória no livro do Evangelho (Lc 24,18; Jô 19,25). Diz-se que era primo do Salvador. Efetivamente, Hegesipo [historiador antigo] declara que Cléofas era irmão de José.” (HE III,11)

Por sua vez, tendo Simeão morrido segundo relatamos, um judeu, chamado Justo, ocupou em Jerusalém a sé episcopal. Havia um grande número de circuncisos que acreditavam em Cristo e ele era deste número.” (HE III,35)

Certifiquei-me, contudo, por documentos escritos, que, até o assédio dos judeus sob Adriano, sucederam-se em Jerusalém quinze bispos. Diz-se que eram todos hebreus por origem e terem acolhido genuinamente o conhecimento de Cristo. Em conseqüência, aqueles que ali podiam decidir, julgaram-nos dignos do múnus episcopal. Com efeito, a Igreja toda de Jerusalém se compunha então de hebreus fiéis. Assim sucedeu desde o tempo dos apóstolos até o cerco que sofreram então, quando os judeus se contrapuseram aos romanos e foram aniquilados em fortes guerras.

Uma vez que terminaram nessa ocasião os bispos oriundos da circuncisão, convém levantar agora sua lista, desde o primeiro. Com efeito, o primeiro foi Tiago, denominado irmão do Senhor, depois dele, o segundo foi Simeão; o terceiro, Justo; o quarto, Zaqueu; o quinto, Tobias; o sexto, Benjamim; o sétimo, João; o oitavo, Matias; o nono Filipe; o décimo, Sêneca, o undécimo, Justo; o duodécimo, Levi; o décimo terceiro, Efrém; o décimo quarto, José; finalmente, o décimo quinto, Judas.

Estes foram os bispos da cidade de Jerusalém, desde os apóstolos até o tempo a que nos referimos. Todos dentre os circuncisos.” (HE IV, 5,2-4)

[Durante a perseguição aos Judeus sob o imperador Adriano] a cidade [de Jerusalém] foi reduzida a ser totalmente desertada pelo povo e a perder seus habitantes de outrora. Foi povoada uma raça estrangeira. A cidade romana que a substitui recebeu outro nome, e foi denominada Aélia, em honra do imperador Aélio Adriano. A Igreja da cidade foi composta também de gentios, e após os da circuncisão o primeiro dos bispos a receber a múnus foi Marcos.” (HE IV,6,4)

Nesta época [do imperador Cômodo, sucessor de Antonino Vero], era famoso o bispo da Igreja de Jerusalém Narciso, até hoje muito conhecido. Foi o décimo quinto sucessor, após a guerra judaica, sob Adriano. Mostramos que, desde então, a Igreja local constava de gentios, substitutos dos membros da circuncisão e que Marcos foi o seu primeiro bispo proveniente dos gentios.

Depois dele, as listas dos sucessivos bispos desta região registram Cassiano; em seguida Públio, depois Máximo; após estes, Juliano, e em seguida Caio; depois dele Símaco, outro Caio, e ainda Juliano, após Capitão, a seguir Valente e Doliguiano; por fim Narciso, o trigésimo a contar dos apóstolos, na sucessão regular dos bispos.” (HE V,12)

A Sucessão Apostólica em Antioquia

Evódio foi o primeiro bispo estabelecido em Antioquia; depois ilustrou-se o segundo, Inácio, nessa mesma ocasião.” (HE III,22)

Após [Inácio], Heros foi seu sucessor no episcopado em Antioquia” (HE III,36,15)

É sabido que, na Igreja de Antioquia, Teófilo foi sexto bispo a contar dos apóstolos, pois Cornélio foi instalado como quarto depois de Heros, nesta cidade, e após, em quinto lugar, Eros recebeu o episcopado.” (HE IV,20).

A Sucessão Apostólica em Alexandria

No quarto ano de Domiciano, Aniano, o primeiro bispo da Igreja de Alexandria, após vinte e dois anos completos de episcopado, morreu. Seu sucessor, como segundo bispo, foi Abíblio” (HE III,14)

Nerva [imperador, sucessor de Domiciano] reinou pouco mais de um ano e Trajano lhe sucedeu. No decurso de seu primeiro ano, Abílio, tendo dirigido por treze anos a Igreja de Alexandria, foi substituído por Cerdão. Se contarmos desde o primeiro, Aniano, este foi o terceiro chefe. Nesta ocasião, Clemente estava à frente da Igreja de Roma, e foi o terceiro a ocupar a sé episcopal, depois de Paulo e de Pedro. Lino foi o primeiro, e em seguida Anacleto.” (HE III,21)

Cerca do duodécimo ano do reinado de Trajano, bispo de Alexandria, de que falamos um pouco mais acima [Cerdão], deixou a presente vida. Primo foi o quarto, depois dos apóstolos, a assumir o múnus da Igreja de Alexandria.” (HE IV,1)

No terceiro ano do mesmo governo [do imperador Aélio Adriano, sucessor de Trajano] (…) na Igreja de Alexandria, Primo morreu no décimo ano em que presidia e sucedeu-lhe Justo.” (HE IV,4).

Decorridos um ano e alguns meses [depois do duodécimo ano do império de Adriano], Eumenes teve a presidência na Igreja de Alexandria, em sexto lugar. Seu predecessor [Justo] permaneceu durante onze anos.” (HE IV,5,5)

[durante o tempo de imperador Antonino], em Alexandria, Marcos foi nomeado pastor, depois que Eumenes completou treze anos; e tendo Marcos morrido após dez anos de ministério, Celadião assumiu o múnus da Igreja de Alexandria.” (HE IV,11,6).

Já atingira o oitavo ano o império de que tratamos [Antonino Vero] (…) Na Igreja de Alexandria, depois que Celadião a presidira durante catorze anos, Agripino assumiu a sucessão” (HE IV,19).

Depois que Antonino esteve dezenove anos no governo, Cômodo obteve o poder. No primeiro ano de seu reinado, Juliano assumiu o episcopado das Igrejas de Alexandria, depois de ter Agripino desempenhado suas funções durante doze anos.” (HE V,9)

No décimo ano do império de Cômodo, (…) tendo Juliano completado o décimo ano de seu múnus, Demétrio tomou em mãos o ministério das comunidades de Alexandria (…)” (HE V,22)

Sucessão apostólica em outras localidades

Não é fácil dizer quantos discípulos houve e quais se tornaram verdadeiramente zelosos a ponto de serem considerados capazes, depois de comprovados, de apascentar as Igrejas fundadas pelos apóstolos, exceto aquelas cujos nomes é possível recolher dos escritos de Paulo.

(…)Relata-se ter sido Timóteo o primeiro a exercer o episcopado na Igreja de Éfeso (1Tm 1,3), enquanto o primeiro nas Igrejas de Creta foi Tito (Tt 1,5)” (HE III,4,3-5).

Acrescente-se que acerca do areopagita, de nome Dionísio, do qual afirma Lucas nos Atos que, em seguida ao discurso de Paulo aos atenienses no Areópago, foi o primeiro a crer (At 17,34), outro Dionísio, um ancião, pastor da Igreja de Corinto, assevera que ele se tornou o primeiro bispo da Igreja de Atenas” (HE III, 4,10).

Policarpo, não somente foi discípulo dos apóstolos e conviveu com muitos dos que haviam visto o Senhor, mas ainda foi estabelecido pelos apóstolos bispo da Igreja de Esmirna, na Ásia. Nós o vimos na infância.” (Melitão de Sardes em apologia ao imperador Vero, conforme HE IV,14,3).

(..)Havendo Potino consumado sua vida aos 90 anos em companhia dos mártires da Gália, Ireneu recebeu a sucessão no episcopado da comunidade cristã de Lião, que era dirigida por Potino. Tivemos notícia de que na juventude ele [Ireneu] foi ouvinte de Policarpo” (HE V,5,8)

Enfim, citamos estes poucos casos porque apresentar todos os testemunhos dos antigos sobre a sucessão dos apóstolos seria demasiadamente trabalhoso. Os exemplos aqui transcritos já são suficientes para provar a existência da sucessão dos apóstolos na história da Igreja de Cristo.

Conclusão

Jesus revestiu aos apóstolos da Sua autoridade. A Bíblia em local algum indica que esta autoridade dentro da Igreja iria cessar com a morte dos apóstolos e em lugar algum diz que uma vez morto o último apóstolo, a Palavra de Deus escrita tornar-se-ia a autoridade final.

Não há fidelidade à Bíblia, sem fidelidade à Igreja de Cristo. A Igreja sempre foi “a coluna e o fundamento da verdade” (cf. 1Tm 3,15) para os cristãos. Quem conhece a memória cristã sabe, que a Bíblia demorou séculos para ser discernida pela Igreja, e que os ensinamentos sucessores dos apóstolos eram recebidos como ensinamentos dos próprios apóstolos:

Impossível enumerar nominalmente todos os que então, desde a primeira sucessão dos Apóstolos, tornaram-se pastores ou evangelistas nas Igrejas pelo mundo. Nominalmente confiamos a um escrito apenas a lembrança daqueles cujas obras agora representam a tradição da doutrina apostólica” (HE III,37,4).

É exatamente através da sucessão apostólica, que podemos identificar onde está a Igreja de Cristo. O colégio dos apóstolos é o que faz visível a Igreja Espiritual. Sem o ministério dos apóstolos não há Igreja; e a perpetuação deste ministério está no ministério dos sucessores dos apóstolos. Como vimos é isto que ensina a Bíblia e é este o testemunho da história do Cristianismo. E em conformidade com toda a Verdade, este é o ensinamento do Santo Padre o Papa João Paulo II, legítimo sucessão de São Pedro (príncipe e líder dos Apóstolos, cf. Lc 22,31s e Mt. 16,18-19):

28. Por último, a Igreja é apostólica enquanto ?continua a ser ensinada, santificada e dirigida pelos Apóstolos até ao regresso de Cristo,  graças àqueles que lhes sucedem no ofício pastoral: o Colégio dos Bispos, assistido pelos presbíteros, em união com o Sucessor de Pedro, Pastor supremo da Igreja?. Para suceder aos Apóstolos na missão pastoral é necessário o sacramento da Ordem, graças a uma série ininterrupta, desde as origens, de Ordenações episcopais válidas. Esta sucessão é essencial, para que exista a Igreja em sentido próprio e pleno.” (Encíclica ECCLESIA DE EUCHARISTIA).

(*O autor é arquiteto de software, professor, escritor, articulista e fundador do Apostolado Veritatis Splendor).

(via Veritatis Splendor)

 Fonte: https://pt.aleteia.org/

Pe. Manuel Pérez Candela

Pe. Manuel Pérez Candela
Pároco da Paróquia Nossa Senhora da Imaculada Conceição - Sobradinho/DF