Arquidiocese de Pelotas (RS) |
George Orwell, no romance Keep the Aspidistra Flying (1936), tentou uma ousada reviravolta, infelizmente real na história do homem, substituindo “amor” por “dinheiro” no Hino do Amor, que o apóstolo das gentes, Paulo de Tarso, deixou escrito na Primeira Carta aos Coríntios, capítulo 13. Até soa estranho, mas, como já dito, muito real: “Ainda que eu fale todas as línguas, se não tiver dinheiro, sou como bronze que retine…se não tiver dinheiro não sou nada: o dinheiro tudo crê, tudo espera, tudo suporta…”
Está em jogo, porém, não o dinheiro, mas o amor. O apóstolo das gentes, retoma a radicalidade da dedicação no amor, já subjacente ao Discurso da Montanha do Mestre de Nazaré, o Filho de Deus (Mt 5-7) e escreve estas páginas mais fascinantes e célebres sobre o amor: um verdadeiro “Hino do Amor” (1Cor 13).
O Hino do Amor tem presente o eros e o ágape do amor. São Paulo, ao compô-lo, supõe o eros e acentua o ágape. O amor, como exposto com total propriedade teológica pelo Papa Bento XVI na sua Encíclica Deus Caritas est, tem esta dupla face: o eros e o ágape, Andres Nygren, no seu famoso Livro Eros e Ágape, soube bem definir as duas facetas do amor, ambos substancialmente necessários: “Eros é desejo e tensão para o outro, ágape é sacrifício e doação para o outro; eros é o caminho do homem para Deus, ágape é o caminho de Deus para o homem; eros é conquista, ágape é graça; eros é auto afirmação nobre, ágape é amor desinteressado e doação de si”.
É conhecido o “Hino do Amor” paulino: “Ainda se eu falasse as línguas dos homens e as dos anjos, mas não tivesse amor; eu seria como um bronze que soa ou um címbalo que retine. Se eu tivesse o dom da profecia, se conhecesse todos os mistérios e toda a ciência; se tivesse toda a fé, a ponto de remover montanhas, mas não tivesse amor, eu nada seria. Se eu gastasse todos os meus bens no sustento dos pobres e até entregasse meu corpo para me gloriar, mas não tivesse amor, de nada me aproveitaria. O amor é magnânimo, é benfazejo; não é invejoso, não é presunçoso nem arrogante, não faz nada de vergonhoso, não leva em conta o mal sofrido; não se alegra com a injustiça, mas se regozija com a verdade. Ele tudo sofre, tudo crê, tudo espera, tudo suporta. O amor jamais acabará”.
São Paulo começa retratando a pessoa humana dotada de todas as qualidades humanas e espirituais, mas vazia de amor. O dom das línguas – símbolo não só de capacidade intelectual, mas de capacidade místico-estática – torna-se, sem amor, o ribombo de um gongo ou o estrondo do símbolo dos cultos orgíacos da deusa Cibele. Três dons divinos supérrimos, como a profecia, a ciência (“gnose”) e a fé capaz de “remover montanhas” (Mc 11,23), sem amor não vale nada. A própria generosidade heroica e o desapego dos bens, se não sustentados pelo amor, não passam de auto glorificação ou de gestos heroico-espetaculares. O poeta brasileiro contemporâneo, Paulo Suess, assim retoma essa primeira parte do hino paulino: “Ainda que eu fale a língua de todas as tribos existentes e até dos povos desaparecidos da terra e da memória, se não tiver amor, sou como um trombone de frio metal, um computador trilíngue. Ainda que eu distribua todos os meus sapatos e todos os recursos, para socorrer o povo descalço e faminto, se não tiver amor, sou como uma das tantas cobaias revolucionárias, um caçador de borboletas ou um poeta sonhador”.
A segunda parte do Hino é semelhante a uma flor cujas pétalas representam as qualidades do amor: magnanimidade, bondade, humildade, desapego, generosidade, respeito, benignidade, perdão, justiça, verdade, tolerância, perseverança… É o cortejo das virtudes que acompanham o amor. Se o amor acaba (mas, sendo divino, não pode morrer… apenas a pessoa humana não o vive como “imagem e semelhança” de Deus-Amor), as virtudes humanas e religiosas desaparecem. E sem amor tudo fica feio porque desapareceu sua beleza.
A experiência da pandemia é a grande oportunidade para a humanidade recuperar a beleza do “Hino do Amor” das Sagradas Escrituras.
Fonte: https://www.cnbb.org.br/