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terça-feira, 1 de julho de 2025

O cristianismo: uma história simples (Parte 2/4)

Beato Angelico, A Anunciação, com a cena da expulsão de Adão e Eva do paraíso terrestre depois do pecado original, Museu do Prado, Madri | 30Giorni

RECORDANDO PADRE GIACOMO...

Arquivo 30Dias nº 05 - 2012

O cristianismo: uma história simples

Encontro com padre Giacomo Tantardini no Centro Cultural Fabio Locatelli, de Bérgamo 15 de dezembro de 2000.

pelo Padre Giacomo Tantardini

2. O que resta, nessa condição? O Mistério inacessível, que não tem rosto, e o homem, ao qual a luz (a luz significa a surpresa da criação, que é boa), essa luz, já não é familiar. A criação já não é cara beleza, mas algo estranho, inimizade, a ponto de Caim matar Abel. O que resta? Resta o coração. O coração é ferido, mas continua a ser coração. Essa é a outra grande coisa que o catolicismo nos diz. Ferido, obnubilado no reconhecimento da verdade e debilitado na possibilidade de ser coerente com a verdade, e mesmo assim o coração permanece. O coração do homem permanece. O coração que nossa mãe, nosso pai nos deram, que Deus por meio deles nos deu, continua a ser coração. Ou seja, o coração continua a ser espera, espera de encontrar alguma coisa. O coração continua a ser pedido de estar contente, o coração continua a ser pedido de felicidade. O coração ferido continua a ser coração.

Leio a vocês dois trechos da poesia mais bela de Leopardi, À sua dama, quando ele diz que o que buscava na beleza da mulher era uma beleza maior, uma beleza que finalmente pudesse satisfazer a espera do coração. Mas acrescenta que isso era um sonho de quando era adolescente. Ao se tornar adulto, percebe que esse sonho já é impossível. “De viva contemplar-te eu já não tenho / Esperança nenhuma”. Já não tenho esperança nenhuma de ver-te viva, ó beleza. Já não tenho esperança nenhuma de encontrar, aqui nesta vida, essa coisa imprevista, essa coisa imprevisível, que o meu coração espera. “No despontar da minha nova vida / Incerta e escura”. A genialidade humana é profecia de Cristo. Não no sentido de que antecipa Cristo, não no sentido de que faz discursos cristãos. Mas no sentido de que O espera, pedindo ou blasfemando, mas O espera. “No despontar da minha nova vida / Incerta e escura.” “Incerta.” Se o Santo, se o Mistério é inacessível, que pode fazer o homem, a não ser estar incerto? Que pode fazer o homem? Não podemos condenar o homem, não podemos condená-lo por seu niilismo, por sua “falta de fé”. O que o homem pode fazer, se o Mistério não tem rosto? O que pode fazer? Até porque o niilismo (Santo Agostinho nisso antecipa e responde a Nietzsche) nasce do fato de a pessoa se dar conta de que esse Deus que diz afirmar é uma projeção de si, ou seja, perceber que Deus não existe. Se Deus é uma projeção, uma imagem de si, a pessoa se dá conta de que esse Deus não existe, não é nada. Nihil estnão é nada. “... Incerta e escura, um dia imaginei-te / Por este árido solo viandante”. Eu pensei encontrar-te neste solo árido, encontrar o que o coração espera. “Mas na terra não há quem se te iguale”. Mas não encontrei nada na terra, nada que merecesse até o fundo o meu coração. Muitas coisas (o próprio Leopardi teve muitas mulheres), mas nada, nenhuma realmente que merecesse até o fundo o meu coração. “Mas na terra não há quem se te iguale, / E mesmo que no rosto, voz e gestos, / Alguma te evocasse, embora assim,/ Bem menos bela se apresentaria”. Aqui está a intuição, que pode ser apenas graça: mesmo se houvesse uma coisa que se assemelhasse a ti no rosto, nas palavras e nos gestos, “embora assim, / Bem menos bela se apresentaria” do que aquilo que o meu coração espera.

Essa poesia acaba com uma oração, a mais fantástica oração de um ateu, pois Giacomo Leopardi era ateu e materialista. Nenhum devoto escreveu uma oração assim ao Mistério que se revelou: “Se és uma das ideias imortais / A quem sensível forma recusou/ A eterna sapiência”. Se tu, ó beleza, se tu, ó coisa que o coração espera, se tu, ó coisa que o coração pede, se tu, felicidade, és uma das ideias imortais que se recusam a revestir-se de forma sensível. “E por entre / Caducas vestimentas, desta vida / Trevosa isentou de sofrimento”, e se recusa a experimentar aqui na terra os afãs desta vida que corre para a morte, “daqui de onde / Tão efêmeros são os infaustos dias,/ Recebe deste ignoto amante o hino”.

Daqui de onde / Tão efêmeros são os infaustos dias.” Isso é realismo cristão. De um ateu, mas é realismo cristão. É realismo humano e portanto profecia de Quem criou o coração assim. Daqui de onde as coisas passam logo. Passam logo também as coisas boas, também o sorriso da criança, do filho, também o afeto pela mulher que amamos. “Daqui de onde / Tão efêmeros são os infaustos dias,/ Recebe deste ignoto amante o hino”. Permanece o coração, o coração que espera uma coisa assim. Mas o homem (e usamos agora uma expressão de Agostinho, que foi na Igreja o testemunho talvez humanamente mais fascinante desse coração), o homem está longe desse coraçãofugitivus cordis sui. O homem está longe dessa pergunta e o homem se contenta. Contenta-se. E com que se contenta? Com a usura, a luxúria e o poder. E não há religião que dê jeito. Contenta-se com essas três coisas, o dinheiro, a luxúria e o poder. Quem crê em Deus e quem não crê. E essa é uma das coisas mais impressionantes do De civitate Dei de Agostinho. A crença em Deus por si só não muda a vida, por si só não muda a vida. Todos os livros do De civitate Dei de Agostinho são atuais. Nos livros oitavo, nono e décimo, Agostinho fala dos filósofos que conheceram a Deus, que reconheceram a existência de Deus. No entanto, no fim, “pensaram ter de oferecer honras divinas de ritos e sacrifícios ao diabo”. O satanismo pode ser a consequência também de alguém proclamar-se crente em Deus, pois a crença em Deus não muda realmente a vida. É uma outra coisa que muda a vida. Se a crença em Deus mudasse a vida não teria sido necessário que Maria desse à luz.

3. Por isso festejamos o Natal. Entendem? Porque, se a crença em Deus mudasse a vida, não teria sido necessário o que aconteceu há dois mil anos. Não só isso: não poderíamos ser gratos como somos gratos. Quando há dois mil anos o anjo Gabriel foi enviado àquela cidade, no limite da Palestina, à Galileia dos gentios, a uma jovem judia chamada Maria... Tudo começou ali. O Santo inacessível, Aquele que criou o coração bom... (mas o pecado original levou a essa condição pela qual o homem de fato se contenta, não pode não se contentar com a luxúria, o dinheiro e o poder), o Santo inacessível tornou-se carne no ventre de uma mulher. Um fato. Aquela história simples começou ali. E começou justamente como história, como história simples. Começou com “Eu te saúdo, ó cheia de graça, o Senhor está contigo”. E essa pequena menina judia, que não compreendeu imediatamente, ficou perturbada e se perguntou o que aquela saudação poderia significar. E o anjo lhe disse: “Não temas, Maria, encontraste graça junto de Deus”. E então aquela pequena menina exprime aquele “Sim”, aquele “Eis-me aqui”, graças ao qual o homem tem esperança de ser salvo. Sem aquele “Eis-me aqui”, toda a crença em Deus não dá esperança ao homem. Aquele “Eis-me aqui” começa uma história, uma história simples. Uma história significa que Aquele que começou assim com Maria (“Encontraste graça junto de Deus”) é Ele, é Ele que leva adiante esse início. De fato, pensem em Nossa Senhora. Pensem: ficou nesse “Eis-me aqui” mesmo quando o anjo a deixou. Pensem no conforto... (essa é uma das coisas que mais me impressionam, que mais me comovem diante de Nossa Senhora), pensem no primeiro conforto que teve, na primeira confirmação de que o que ouvira era real, quando, como qualquer mulher, se deu conta de que estava grávida. Deve ter sido uma coisa do outro mundo. Porque significava que aquela promessa era real, aquela promessa a que logo havia dito “Sim”, a que logo havia dito “Eis-me aqui”, aquela promessa era real, pois aquilo que um Outro havia iniciado estava para ser levado a cumprir-se. E assim o outro conforto que me impressiona e me comove é quando a São José, em sonho, o anjo diz: “José, filho de Davi, não hesites em tomar contigo Maria, tua esposa, pois o que nasceu nela vem do Espírito Santo”. E pensem, porque podemos imaginar... (é outra coisa, se comparada a todas as religiões deste mundo, é outra coisa. É uma história de homens, de jovens, eram dois jovens), pensem o que foi para Maria quando José a tomou consigo. Foi uma outra confirmação, uma outra confirmação de que aquele encontro, aquele “Eu te saúdo, ó cheia de graça” era real. E depois foram juntos visitar Isabel, pois o anjo lhe havia dito que Isabel também esperava um filho e também esse fato confirmou aquele “Eu te saúdo, ó cheia de graça; não temas, Maria”.

Fonte: https://www.30giorni.it/

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Pe. Manuel Pérez Candela

Pe. Manuel Pérez Candela
Pároco da Paróquia Nossa Senhora da Imaculada Conceição - Sobradinho/DF