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domingo, 5 de fevereiro de 2023

Papa: “Todo o mundo está em guerra, em autodestruição, vamos parar!”

Papa Francisco | Vatican News

No voo de regresso do Sudão do Sul, foi realizado o colóquio do Papa, do arcebispo de Cantuária e do moderador da Igreja da Escócia com os jornalistas. Francisco falou de Bento XVI: “A sua morte foi instrumentalizada por pessoas de partido, não de Igreja, ele não estava amargurado pelo que fiz”. E sobre os homossexuais: “Criminalizá-los é uma injustiça”.

VATICAN NEWS

“Todo o mundo está em guerra, em autodestruição, vamos parar!”. Papa Francisco, ao lado do arcebispo de Cantuária, Justin Welby, e do moderador da assembleia geral da Igreja da Escócia, Ian Greenshields, dialogou com os jornalistas no voo de regresso do Sudão do Sul. Os três, em várias ocasiões, responderam conjuntamente às perguntas. E foi a ocasião para Francisco, além de reiterar a “injustiça” da criminalização das pessoas homossexuais, falar também da morte do Papa emérito Bento XVI, cujo falecimento, ocorrido em 31 de dezembro, foi acompanhado por reconstruções polêmicas que o colocaram contra o predecessor: “A sua morte foi instrumentalizada” por pessoas “de partido e não de Igreja”. O Papa explicou ainda que Bento XVI, consultado por ele várias vezes nesses anos, “não estava amargurado por aquilo que fiz”. No início, Francisco reiterou que se tratou de “uma viagem ecumênica” e, por isto, “quis na coletiva de imprensa que estivessem também os dois. Sobretudo o arcebispo de Cantuária, que tem uma história de anos neste caminho da reconciliação” no Sudão do Sul.

WELBY

Em janeiro de 2014, eu e minha mulher visitamos o Sudão do Sul no âmbito de uma viagem da comunhão anglicana e, chegando, o arcebispo nos pediu para ir a uma cidade chamada Bor. A guerra civil tinha iniciado cinco semanas antes e era muito feroz. Quando chegamos a Bor, no aeroporto havia os primeiros corpos no portão, havia na época cinco mil cadáveres não enterrados em Bor, havia as Nações Unidas, fomos para a Catedral onde todos os padres tinham sido assassinados e as mulheres violentadas e mortas.  Era uma situação horrível. Voltando para casa, seja eu, seja minha mulher, sentimos uma chamada profunda para ver o que poderia ser feito para ajudar as pessoas do Sudão do Sul e, desde então, em um dos encontros regulares que tenho o privilégio de realizar com o Papa Francisco, falamos muito do Sudão do Sul e desenvolvemos a ideia de um retiro no Vaticano. A minha equipe em Lambeth e o Vaticano trabalharam juntos, visitaram o Sudão do Sul em 2016, trabalharam in loco e com os líderes para tentar organizar esta visita. Minha mulher trabalhou com mulheres líderes de comunidades e esposas de bispos. Visitamos líderes em exílio em Uganda. Em 2018, ficou claro que havia a possibilidade para uma visita no início de 2019 e conseguimos, foi um milagre que tenha ocorrido. Um dos dois vice-presidentes estava em Cartum em prisão domiciliar. Recordo que 36 horas antes, num estacionamento de uma escola Nottingham, falei com o secretário-geral das Nações Unidas para que concedessem a ele o visto, coisa que fez brilhantemente, e conseguiu viajar pouco antes que fosse fechado o espaço aéreo para um golpe de Estado. O momento crucial do encontro de 2019 foi, obviamente, o inesquecível gesto do Papa que se ajoelhou e beijou os pés dos líderes para implorar a paz, e tentaram detê-lo. Foi um momento extremamente notável. Tivemos discussões duras, mas no final se empenharam em renovar o acordo de paz e penso que o gesto do Papa tenha sido o  momento-chave, a reviravolta. Mas como diz um treinador, você é bom até o próximo jogo. E a covid adiou o jogo sucessivo. Creio que o resultado tenha sido a perda do momento. Quando viemos para esta visita, as equipes continuavam trabalhando, mas com menos confiança que em 2019. Mas terminei esta visita com um profundo sentimento de encorajamento, não tanto porque houve uma guinada, mas porque houve o sentimento, como disse o Papa, de coração que fala a coração. Não foi em nível intelectual que se realizaram os contatos nos vários encontros, o coração falou ao coração. E há um ímpeto em nível médio e na base e aquilo de que precisamos agora é de uma séria mudança do coração da parte da liderança. Devem concordar um processo que leva a uma transição pacífica. Eles o disseram publicamente, é preciso de um compromisso contra a corrupção e o contrabando para deter o enorme acúmulo de armas. Para isso, será necessário um ulterior trabalho conjunto, com o Vaticano, e com a Troika, para que esta porta aberta, que não está aberta quanto gostaria, se escancare e progrida. Daqui dois anos, haverá eleições, precisamos de progressos sérios até o fim de 2023

GREENSHIELDS

A minha experiência foi muito diferente, esta foi a minha primeira vez no Sudão do Sul, mas o meu predecessor esteve lá, encontrando situações vulneráveis. A reconciliação foi o centro do encontro que tivemos em 2015. Como igreja presbiteriana, ajudamos refugiados sul-sudaneses. Nesta viagem, como disse, foi pronunciada a verdade do coração. A situação agora é clara, as ações falam mais do que as palavras. O governo nos convidou a entrar e nós nos comprometemos a fazer todo o possível para fazer a diferença nesta situação, encontrar os nossos parceiros, e agora pedimos a quem pode fazer a diferença que inicie urgentemente o processo.

Jean-Baptiste Malenge (RTCE-Radio Catolique Elikya ASBL)

Santo Padre, vocês desejaram há muito visitar a RDC… vieram a alegria. Qual importância teve o acordo assinado em 2016 entre a Santa Sé e a RDC sobre educação e saúde.

PAPA FRANCISCO

Não conheço aquele acordo, tem a Secretaria de Estado que pode dar uma opinião. Sei que nos últimos tempos se preparava um acordo. Não posso responder. Nem conheço a diferença do novo que está sendo preparado, essas coisas são feitas pela Secretaria de Estado, ou Gallagher e eles são bons em fazer acordos pelo bem de todos. Eu vi ali no Congo muita vontade de ir avante, tanta cultura. Antes de chegar aqui, tive alguns meses atrás um encontro via zoom com universitários africanos inteligentíssimos, vocês têm pessoas de uma inteligência superior, é uma de suas riquezas, jovens inteligentes e se deve dar lugar a eles, não fechar as portas. Ter tantas riquezas naturais que atraem as pessoas para explorar o Congo, desculpem-me a palavra. Esta é a ideia. A África deve ser explorada. Alguém diz, não sei se é verdade, que os países que mantinham colônias deram a independência do solo para cima, não para baixo, e vêm para explorar os minerais. Mas a ideia de que a África deve ser explorada deve acabar. E falando de exploração, me impressionou, provoca dor o problema do Leste. Pude realizar um encontro com vítimas daquela guerra, feridos, amputados, tanta dor, tudo para pegar as riquezas. Isso não pode, não pode. O Congo tem inúmeras possibilidades.

Coletiva de imprensa - voo papal | Vatican News

WELBY

Não conheço o Leste assim tão bem. Minha mulher trabalhou com mulheres em conflito, mas em 2018 fez muitas viagens, logo antes da  covid, e quero concordar com todo o coração com o que disse Sua Santidade: devemos ser claros, o Congo não é um parque de diversões das grandes potências, todo o lucro das pequenas companhias minerárias, que operam irresponsavelmente com minas artesanais, o uso de crianças-soldado, sequestros, estupros em larga escala, e estão simplesmente depredando o país, que deveria ser um dos mais ricos da face da terra, capaz de ajudar o restante da África. O país foi torturado, lhe foi dada a independência política tecnicamente, mas sem independência econômica. Durante o ebola, formamos os pastores para administrar o ebola, a Igreja fez um trabalho extraordinário, a Igreja católica faz um trabalho extraordinário, o projeto para os Grandes Lagos é maravilhoso, mas as grandes potências devem dizer: a África, em especial o Congo, têm tantos recursos que servem para o resto do mundo se o resto do mundo quiser fazer uma transição ecológica, e salvar o planta das mudanças climáticas, que o único modo para fazê-lo é não cobrir nossas mãos de sangue, buscar a paz do Congo e não a sua prosperidade.

https://youtu.be/DqCfeQFhGYM

GREENSHIELDS

Minha experiência nos países em via de desenvolvimento é que, para promover o desenvolvimento, devem ser reconhecidos os direitos das mulheres e, em particular, das mulheres jovens.

Jean-Luc Mootosamy (CAPAV)

Temos visto como a violência não cessa apesar de décadas de presença de missões da ONU. Como podem os senhores, juntos, ajudar a promover um novo modelo de intervenção, dada a crescente tentação de muitas nações africanas de escolher outros parceiros para garantir sua segurança, parceiros que podem não respeitar as leis internacionais, como algumas empresas privadas russas ou outras organizações, na região do Sahel, por exemplo?

PAPA FRANCISCO

O tema da violência é um tema cotidiano. Acabamos de vê-lo no Sudão do Sul. É doloroso ver como a violência é provocada. Uma das questões é a venda de armas. O arcebispo Welby também disse algo a esse respeito. A venda de armas: eu acho que esta é a maior praga do mundo. O negócio... a venda de armas. Alguém que entende me disse que sem a venda de armas por um ano acabaria à fome mundial. Eu não sei se isso é verdade. Mas hoje no topo está a venda de armas. E não apenas entre as grandes potências. Também para estas pobres pessoas... eles semeiam a guerra dentro. É cruel. Eles lhes dizem: "Vão para a guerra!" e lhes dão armas. Porque por detrás há interesses econômicos para explorar a terra, os minerais, a riqueza. É verdade que o tribalismo na África não ajuda. Agora eu não sei realmente como é no Sudão do Sul. Acho que ali também seja assim. Mas é preciso que haja diálogo entre as diferentes tribos. Lembro-me de quando estive no Quênia, no estádio completo. Todos se levantaram e disseram não ao tribalismo, não ao tribalismo. Cada um tem sua própria história, existem inimizades antigas, culturas diferentes. Mas também é verdade que se provoca a luta entre as tribos vendendo armas e depois se explora a guerra de ambas as tribos. Isto é diabólico. Não consigo pensar em outra palavra. Isto é destruir: destruir a criação, destruir a pessoa, destruir a sociedade. Não sei se isso também ocorre no Sudão do Sul, mas em alguns países isso ocorre: os adolescentes são recrutados para fazer parte da milícia e combater com outros adolescentes. Em resumo, acho que o maior problema é a ânsia de pegar a riqueza daquele país - coltan, lítio... essas coisas - e através da guerra, para a qual eles vendem armas, eles também exploram as crianças.

Coletiva de imprensa - voo papal | Vatican News

GREENSHIELDS

Um dos problemas que emergem é o alto nível de analfabetismo: as pessoas não têm uma compreensão clara de quem são, onde estão, de fazer escolhas informadas. Devemos certamente colocar isso em discussão, superar a divisão com o diálogo. Quero lhes contar uma pequena história sobre a Escócia: meu país esteve religiosa e profundamente dividido, ocorreram violências terríveis, divisões terríveis, então começou um processo de diálogo entre nós - Igreja da Escócia e católicos - que no ano passado levou à assinatura de uma declaração de amizade, com a qual gostaríamos de caminhar juntos nas nossas diferenças, mas também concordando com o que concordamos, e só então neste momento se pode derrubar os muros. A educação, sob este ponto de vista, ajuda.

WELBY

O senhor disse as Nações Unidas ou outra coisa, mas não é "ou", é "e": o que a Igreja contribui não é apenas fornecer redes que não sejam corruptas, por isso a ajuda chega aos países, e ajuda a cruzar as linhas que dividem duas partes em conflito. No sábado, o arcebispo celebrou o funeral de 20 pessoas, e isso fez uma grande diferença. É a mudança de coração, e esse foi o objetivo desta visita. Cem anos atrás os Nuer e Dinka estavam sempre em guerra, era uma cultura de vingança, os Nuer em particular estavam sempre entre eles. A diferença não a fez o governo, mas as Igrejas que afetaram a mudança de coração quando as pessoas receberam a fé em Cristo e perceberam que há outra maneira de viver. Após esta visita não há apenas muito ativismo, mas também que o Espírito de Deus traga um novo espírito de reconciliação e cura para o povo do Sudão do Sul.

Claudio Lavanga (NBC NEWS)

Gostaria de perguntar ao senhor, Santo Padre, já que o arcebispo Welby recordou aquele momento incrível em 2019, quando o senhor se ajoelhou diante dos líderes do Sudão do Sul para pedir a paz, infelizmente dentro de quinze dias será o primeiro aniversário de outro terrível conflito, o da Ucrânia, e minha pergunta é: O senhor estaria preparado para fazer o mesmo gesto para com Vladimir Putin se tivesse a oportunidade de conhecê-lo, já que seus apelos pela paz até agora não foram ouvidos? E gostaria de perguntar a vocês três se gostariam de fazer um apelo conjunto pela paz na Ucrânia, pois este é um momento raro, o encontro de vocês três?

PAPA FRANCISCO

Estou aberto para me encontrar com ambos os presidentes, o presidente da Ucrânia e o presidente da Rússia, estou aberto para o encontro. Se eu não fui a Kiev é porque não era possível naquela época ir a Moscou, mas eu estava em diálogo, de fato no segundo dia da guerra fui à embaixada russa para dizer que queria ir a Moscou para falar com Putin, desde que houvesse uma pequena abertura para negociar. Então o ministro Lavrov respondeu que valorizava isto, mas "vamos ver mais tarde". Esse gesto foi algo que eu pensei, que "estou fazendo por ele" (por Putin, ndr). Mas o gesto do encontro de 2019 não sei como aconteceu, não foi pensado, e coisas que não foram pensadas não se podem repetir, é o Espírito que o leva lá, não se pode explicar, ponto final. E eu me esqueci disso. Foi um serviço, fui instrumento de algum impulso interior, não uma coisa planejada. Hoje estamos neste ponto, mas não é a única guerra, eu gostaria de fazer justiça: há doze ou treze anos a Síria está em guerra, há mais de dez anos o Iêmen está em guerra; pense em Mianmar, no pobre povo Rohingya que viaja pelo mundo porque foi expulso de sua pátria. Em toda parte, na América Latina, quantos focos de guerra existem! Sim, há guerras mais importantes por causa do barulho que fazem, mas, não sei, o mundo inteiro está em guerra, e em autodestruição. Temos que pensar seriamente: está em autodestruição. Temos que parar em tempo, porque uma bomba leva a outra maior e a outra maior ainda e nessa escalada não se sabe onde vai parar. É preciso ter a cabeça fria. Também tanto Sua Graça como o Bispo Greenshields falaram das mulheres, mas as mulheres, eu as vi no Sudão do Sul: elas criam seus seus filhos, às vezes ficam sozinhas, mas têm força para criar um país, as mulheres são fortes. Os homens vão à luta, vão à guerra, e estas senhoras com duas, três, quatro, cinco crianças vão em frente, eu as vi no Sudão do Sul. E por falar em mulheres, gostaria de dizer uma palavra às religiosas, as irmãs que entram na vida do povo, vi algumas delas aqui no Sudão do Sul, e hoje na missa ouvimos o nome de tantas religiosas que foram mortas.... Voltemos à força da mulher, devemos levá-la a sério e não usá-la como um anúncio de maquiagem: por favor, isto é um insulto à mulher, a mulher é para coisas maiores! Sobre o outro ponto eu já lhes disse, vejamos as guerras que estão no mundo.

WELBY

Em relação à Rússia, Putin e Ucrânia, onde eu estava no final de novembro e início de dezembro, eu realmente não tenho nada a acrescentar, exceto que esta guerra está nas mãos do Sr. Putin, ele poderia detê-la com a retirada e o cessar-fogo e, em seguida, negociações sobre acordos de longo prazo. É uma guerra terrível e terrificante, mas quero dizer que concordo com o Papa Francisco, há muitas outras guerras, falo todas as semanas com o chefe da nossa Igreja em Mianmar, falei com os líderes da nossa Igreja na Nigéria, onde 40 pessoas foram mortas ontem, falei com muitos em todas as partes do mundo. Concordo plenamente com o Santo Padre, a guerra leva ao envolvimento de mulheres e jovens, pelas razões que ele disse.

Bruce De Galzain (Radio France)

Santo Padre, antes de partir em sua jornada apostólica o senhor denunciou a criminalização da homossexualidade. No Sudão do Sul e no Congo ela não é aceita pelas famílias. Esta semana encontrei-me em Kinshasa com cinco homossexuais, cada um deles rejeitado e até expulso de suas famílias - eles me explicaram que sua rejeição vem da educação religiosa de seus pais - alguns deles são levados a padres exorcistas porque suas famílias acreditam que estão possuídos por espíritos impuros. Minha pergunta, Santo Padre: o que o senhor diz às famílias do Congo e do Sudão do Sul que ainda rejeitam seus filhos, e o que o senhor diz aos padres, aos bispos?

PAPA FRANCISCO

Falei sobre este assunto em duas viagens, a primeira vez (retorno, ndr.) do Brasil: se uma pessoa com tendências homossexuais é um crente, procura Deus, quem sou eu para julgá-lo? Isto eu disse naquela viagem. Na segunda vez, voltando da Irlanda, foi uma viagem um pouco problemática porque naquele dia tinha sido publicada a carta daquele menino ... mas ali eu disse claramente aos pais: as crianças com esta orientação têm o direito de ficar em casa, não se pode expulsá-las de casa. E depois, recentemente, falei também alguma coisa, não me lembro bem o que, na entrevista à Associated Press. A criminalização da homossexualidade é um problema que não deve ser permitido passar. O cálculo é que, mais ou menos, cinquenta países, de uma forma ou de outra, levam a esta criminalização - eles me dizem mais, mas digamos que pelo menos cinquenta - e até mesmo alguns destes - eu acho que são dez, têm a pena de morte (para os homossexuais, ndr.) - isto não está certo, pessoas com tendências homossexuais são filhos de Deus, Deus os ama, Deus os acompanha. É verdade que alguns estão neste estado devido a várias situações indesejáveis, mas condenar tal pessoa é um pecado, criminalizar pessoas com tendências homossexuais é uma injustiça. Não estou falando de grupos, mas de pessoas. Alguns dizem: eles fazem grupos que fazem barulho, estou falando das pessoas, lobbies são outra coisa, estou falando das pessoas. E eu acho que o Catecismo da Igreja Católica diz: eles não devem ser marginalizados. Acho que a questão sobre este ponto seja clara.

WELBY

Vocês devem ter visto que recentemente falamos sobre esse assunto na Igreja da Inglaterra... incluindo uma boa dose de debate no Parlamento. Quero dizer que gostaria de ter falado com a elegância e clareza que o Papa fez. Concordo inteiramente com cada palavra que ele disse e, no que diz respeito à criminalização, a Igreja da Inglaterra, a Comunhão Anglicana aprovou duas resoluções contra a criminalização, mas isso não mudou realmente a mentalidade de muitas pessoas. Nos próximos quatro dias no Sínodo Geral será o principal tema de discussão e certamente citarei o que o Santo Padre disse de forma maravilhosa e precisa.

GREENSHIELDS

Digo apenas que na minha leitura dos quatro Evangelhos onde vejo Jesus expulsando (?) alguém, nos quatro Evangelhos não encontro nada além de Jesus expressando amor por todos os seres humanos, e isto é o que, como cristãos, podemos dar a cada ser humano em todas as circunstâncias.

Alexander Hecht (ORF TV)

Uma pergunta ao Papa: nos últimos dias falou-se muito de unidade, houve também uma demonstração da unidade da Cristandade, no Sudão do Sul, também de unidade da própria Igreja Católica. Gostaria de perguntar-lhe se o senhor sente que depois da morte de Bento XVI ficou mais difícil o seu trabalho e a sua missão, por que se reforçaram as tensões entre as diferentes alas da Igreja Católica?

PAPA FRANCISCO

Sobre este ponto, gostaria de dizer, que pude falar de tudo com o Papa Bento XVI. (Também por, ndr.) mudar minha opinião. Ele estava sempre ao meu lado, me apoiando e se tivesse alguma dificuldade, ele me dizia e nós conversávamos. Não havia problemas. Uma vez falei sobre o matrimônio das pessoas homossexuais, sobre o fato de que o matrimônio é um sacramento e que nós não podemos fazer um sacramento, mas que existe a possibilidade de garantir os bens através da lei civil, que começou na França... qualquer pessoa pode fazer uma união civil, não necessariamente de casal. Senhoras idosas que estão aposentadas, por exemplo... porque se pode ganhar muitas coisas. Uma pessoa que se acha um grande teólogo, através de um amigo do Papa Bento XVI, foi até ele e fez a queixa contra mim. Bento não se assustou, ele chamou quatro cardeais teólogos de primeiro nível e disse: expliquem-me isso e eles explicaram. E foi assim que a história terminou. É uma anedota para ver como Bento se movia quando havia uma denúncia.

Algumas histórias que contam, que Bento XVI estava amargurado sobre o que o novo Papa fez, são histórias de 'telefone sem fio' (o Papa usa a expressão 'histórias chinesas' para significar isto, ndr). Bento, melhor, eu o consultei sobre algumas decisões a serem tomadas. E ele estava de acordo. Ele estava de acordo. Acredito que a morte de Bento tenha sido instrumentalizada por pessoas que querem levar água para seu próprio moinho. E aqueles que instrumentalizam uma pessoa tão boa, tão de Deus, quase diria um santo padre da Igreja, diria que são pessoas sem ética, que são pessoas de partido, não de Igreja... pode-se ver em toda parte, a tendência de transformar posições teológicas em partidos. Estas coisas cairão sozinhas, ou se não caírem, seguirão em frente, como aconteceu tantas vezes na história da Igreja. Eu queria dizer claramente quem era o Papa Bento XVI, ele não era uma pessoa amargurada.

Jorge Barcia Antelo (RNE)

Bom dia Santidade. Voltamos hoje de dois países que são vítimas do que o senhor chamou de globalização da indiferença. O senhor tem falado disso desde o início de seu pontificado e desde sua viagem a Lampedusa. De certa forma, esta semana chegou ao fim do círculo. O senhor ainda pensa em ampliar o raio deste círculo, e ir além, de visitar outros países esquecidos? A quais lugares o senhor tem em mente de ir? E depois desta viagem que foi tão longa, tão exigente, como o senhor está? Sente-se ainda forte? Sente ter uma condição de saúde suficiente para ir a todos esses lugares?

PAPA FRANCISCO

Há a globalização da indiferença em todos os lugares. Dentro do país, muitas pessoas se esqueceram de olhar para seus compatriotas, seus concidadãos, e os colocaram no ângulo para não pensar sobre isso. Pensar que as maiores fortunas do mundo estão nas mãos de uma minoria. E essas pessoas não olham para as misérias, seus corações não se abrem para ajudar.  Sobre as viagens: acho que a Índia será no próximo ano. Vou a Marselha no dia 23 de setembro, e há a possibilidade que de Marselha voe para a Mongólia, mas ainda não foi definido, é possível. Outra este ano, não me lembro. Lisboa. O critério: eu escolhi visitar os países pequenos da Europa.

Dirão: "mas ele foi a França", não, eu fui a Estrasburgo; eu irei a Marselha, não a França. Os pequenos, os pequenos. Para conhecer um pouco a Europa escondida, a Europa que tem tanta cultura, mas que não é conhecida. Para acompanhar países, por exemplo a Albânia, que foi o primeiro, que foi o país que sofreu a ditadura mais cruel, mais cruel da história. Então minha escolha é a seguinte: tentar não cair na globalização da indiferença. (Sobre a saúde, ndr): Você sabe que erva ruim nunca morre. Não como no início do pontificado, este joelho incomoda, mas está indo lentamente, então veremos. Obrigado.

Para os outros dois: os senhores se unirão para outra viagem com o Papa?

WELBY

Certamente esta é a melhor companhia aérea com a qual já viajei! Brincadeira à parte, eu ficaria feliz, se o Santo Padre sentisse que no futuro poderíamos acrescentar valor, é sempre um enorme privilégio estar com ele, que fosse uma ajuda para ele.

GREENSHIELDS

Eu ficaria feliz, a única limitação é que meu mandato expira no dia 20 de maio e serei sucedido por uma mulher, muito capaz, e tenho certeza de que ela ficaria feliz em fazer o mesmo.

(transcrição de trabalho)

Santa Ágata, mártir: protetora contra as doenças mamárias

Santa Ágata | gaudiumpress
Os católicos comemoram no dia de hoje, 5 de fevereiro, a memória de Santa Ágata, cuja intercessão a Igreja determinou que fosse invocada diariamente na Santa Missa.

Redação (05/02/2021 09:00, Gaudium Press) Santa Ágata ou Santa Águeda é uma das mais gloriosas heroínas da Igreja primitiva. A Igreja determinou que sua intercessão fosse invocada diariamente na Santa Missa. Nascida na Sicília, pertenceu a uma das famílias mais nobres do país. Ainda muito jovem, Ágata consagrou-se à Deus, pelo voto da castidade.

Santa Ágata perseguida por ser cristã

O governador Quintiano, tendo tido notícia da formosura e grande riqueza de Ágata, acusada do crime de pertencer à religião cristã, mandou-lhe ordem de prisão. A Santa, vendo-se nas mãos dos perseguidores, exclamou: “Jesus Cristo, Senhor de todas as coisas, vós vedes o meu coração e lhe conheceis o desejo. Tomai posse de mim e de tudo que me pertence. Sois o Pastor, meu Deus; sou vossa ovelha. Fazei que seja digna de vencer o demônio”.

Estando diante do governador, este comprovou sua extraordinária beleza e ficou tomado de uma violenta paixão e fez-lhe propostas indecorosas. Ágata, indignada, rejeitou as impertinências desavergonhadas e declarou ali mesmo preferir morrer a macular o nome de cristã.

Um plano diabólico contra Santa Ágata

Quintiano, falsamente, deu mostras de ter desistido de seus maus desejos para conseguir coisas piores ainda. Ele mandou entregar a donzela a uma tal Afrodisia, mulher de péssima fama, para que, na convivência com esta má pessoa, Ágata cedesse. Nisso ele errou totalmente, pois não conhecia as virtudes de Ágata: Afrodisia nada conseguiu e depois de um trabalho inútil de trinta dias, pediu a Quintino que tirasse Ágata de sua casa.

Santa Ágata | gaudiumpress

Começa o martírio de Santa Ágata

Aí começou, então, o martírio da nobre siciliana. Tendo-a citado perante o tribunal, o Governador apostrofou-a com estas palavras: “Não te envergonhas de rebaixar-te à escravidão do cristianismo, quando pertences a nobre família?”

Ágata respondeu-lhe: “A servidão de Cristo é liberdade e está acima de todas as riquezas dos reis”. A resposta a esta declaração foram bofetadas, tão barbaramente aplicadas, que lhe causaram hemorragias no rosto. Depois desta e de outras brutalidades a Virgem foi metida no cárcere e ameaçada de poder passar por torturas maiores, se não resolvesse abandonar a religião de Jesus Cristo.

O tirano governador cumpriu suas promessas ordenando que a donzela fosse esticada sobre uma mesa e seus membros fossem desconjuntados, todo o corpo de Ágata fosse queimado com chapas de cobre em brasa, os seios fossem amassados com torqueses e, depois, cortados. Referindo-se a esta última brutalidade, Ágata disse ao juiz: “Não te envergonhas de mutilar na mulher, o que tua mãe te deu para te aleitar?”

Santa Ágata levada novamente ao Cárcere: o milagre da cura

Após esta tortura, Ágata foi levada novamente ao cárcere, entregue às suas dores, sem que lhe fosse administrado o mínimo tratamento. Deus, porém, que confunde os planos dos homens, veio em auxílio de sua pobre serva. Durante a noite lhe apareceu um venerável ancião, que se dizia mandado por Jesus Cristo, para trazer-lhe alívio e curá-la.

O ancião, que era o Apóstolo São Pedro, elogiou-lhe a firmeza e animou-a a continuar firme no caminho da vitória. A visão desapareceu e Ágata com muita admiração viu-se completamente restabelecida, inclusive com seus seios curados.

Cheia de gratidão, entoou cânticos, louvando a misericórdia e bondade de Deus. Os guardas, ouvindo-a cantar, abriram a porta do cárcere e vendo a Mártir completamente curada, fugiram cheios de pavor.

As companheiras de prisão de Ágata aconselharam-na que fugisse, aproveitando ocasião tão propícia para isto. Ela, porém, disse: “Deus me livre de abandonar a arena antes de ter segura em minha mão a palma da vitória”.

Santa Ágata | gaudiumpress

Santa Ágata diante do juiz mais uma vez

Quatro dias se passaram e ela foi novamente apresentada ao juiz. O espanto dele foi grande, misto de pavor e admiração, vendo-a completamente restabelecida.

Ágata disse-lhe: “Vê e reconhece a onipotência de Deus, a quem adoro. Foi ele quem me curou as feridas e me restituiu os seios. Como podes, pois exigir de mim que o abandone? Não, não poderá haver tortura, por mais cruel que seja, que me faça separar-me do meu Deus”.

Mais tormentos… e os castigos de Deus

O juiz não mais se conteve. Deu ordem para que Ágata, fosse rolada sobre cacos de vidros e brasas. No mesmo momento a cidade foi abalada por um forte tremor de terra. Uma parede, bem perto de Quintiano, desabou e sepultou dois seus amigos.

O povo, diante disto, não mais se conteve e em altas vozes exigiu a libertação da Mártir, dizendo: “Eis o castigo que veio, por causa do martírio da nobre donzela. Larga a tua inocente vítima, juiz perverso e sem coração!”.

Fé mais forte que os tormentos

Ágata voltou ao cárcere e lá chegada, de pé, com os braços abertos, orou a Deus nestes termos: “Senhor, que desde a infância me protegestes, extinguistes em mim o amor ao mundo e me destes a graça de sofrer o martírio, ouvi as preces da vossa serva fiel e aceitai a minha alma”. Santa Ágata acreditava que a morte seria um final feliz para suas torturas.

Os carrascos tinham o cuidado para não deixá-la morrer e carregaram o seu corpo alquebrado de volta à cela, enquanto ela orava pela liberdade. Naquele exato momento um terremoto sacudiu a prisão e ela então veio a falecer. Deus ouviu a voz de sua filha e recebeu-a em sua glória no ano 252.

Santa Ágata faz cessar a erupção do Vulcão Etna

Um ano depois da morte de Santa Ágata, a cidade de Catania assistiu apavorada, a erupção do Vulcão Etna. O povo, em sua indizível aflição, quando viu as ondas da lava incandescentes ameaçarem a cidade, correu ao túmulo da Santa, tomou o véu que cobria o seu rosto e estendeu-o contra a torrente de fogo. Imediatamente o perigo estava afastado.

Por conta deste fato, Santa Ágata é a padroeira de Catania, sendo invocada contra terremotos e erupções e incêndios. O seu túmulo está na Catania, Sicília e o seu véu está num santuário na Catedral de Florença.

Santa Ágata | gaudiumpress

Pães de Santa Ágata

Uma santa que resiste a tais torturas é muito reverenciada e o local de sua tumba é um local sagrado para os cristãos. Surgiram pinturas de Santa Ágata carregando seus seios cortados em um prato, foram confundidos com pães e isto levou a prática dos “pães de Santa Ágata”, que são distribuídos no dia da santa para combater uma grande variedade de doenças e infortúnios.

Na arte litúrgica da Igreja ela é mostrada como uma mártir com uma palma e os dois seios em um prato ou às vezes com os seios em duas pinças ou coroada com palmas. Ela está representada no mosaico de Santo Apolinário Nuevo, em Ravenna, Itália e em outro mosaico, mostrando seu martírio por Sebastião del Piombo, no Palácio del Pitti em Florença, Itália

As Relíquias de Santa Ágata

As relíquias de Santa Ágata foram levadas à Constantinopla em 1040 por um general bizantino. Em 1126, dois soldados (talvez franceses), Giliberto e Goselino, furtaram os restos mortais de Ágata, que foram entregues ao Bispo Maurício no Castelo de Aci. Em 17 de agosto de 1126, as “relíquias” voltaram à Catedral de Catânia, onde até hoje permanecem em nove relicários. (EPC)

sexta-feira, 3 de fevereiro de 2023

A Igreja no Sudão do Sul

A visita do Papa Francisco ao Sudão do Sul | Vatican News

Hoje mais da metade da população do Sudão do Sul é cristã, com predominância de católicos, que representam 52% da população, seguidos por anglicanos, presbiterianos e outras confissões protestantes, enquanto os ortodoxos (coptas, etíopes e greco-ortodoxos) representam menos de 1% da população. Há também uma presença consistente de seguidores de religiões tradicionais africanas, que segundo algumas fontes seriam até mesmo predominantes.

Vatican News

O Sudão do Sul tem uma população de cerca 13.794.000 de habitantes, dos quais cerca de 7.225.000 são católicos. As Circunscrições Eclesiásticas no país são 7, com 124 paróquias, 781 centros pastorais.

A Igreja no país africano é pastoreada por 10 bispos, 185 sacerdotes diocesanos, 115 sacerdotes religiosos (totalizando 300 sacerdotes). Os diáconos permanentes são 7, os religiosos não sacerdotes 35, as religiosas professas 218, os membros de Institutos Seculares 3, os missionários leigos 6 e os catequistas 3.756.

Em relação às vocações sacerdotais, os seminaristas menores são 313 enquanto os maiores 189.

Já os centros de educação de propriedade e/ou dirigidos por eclesiásticos e religiosos são: maternais e escolas primárias 202, médias e secundárias 33, superiores e universidades 7.

Os estudantes das escolas maternas e primárias, por sua vez, são 83.098. Das escolas médias inferiores e secundárias 10.959, dos institutos superiores e universidades 2.481.

Ademais, a Igreja administra 10 hospitais, 41 ambulatórios, 9 leprosários, 12 casas para idosos, inválidos e menores, 9 orfanatróficos e jardins da infância, 6 consultórios familiares, 1 centro especial de educação ou reeducação social, além de outras 5 instituições.

Cerca de 60 jovens peregrinos e líderes espirituais chegam à vila de Bori, nos arredores de Juba, em 2 de fevereiro de 2023, depois de caminharem a maior parte do caminho desde a cidade central de Rumbek, uma jornada de cerca de 400 quilômetros, pela paz antes da visita do Papa Francisco a Sudão do Sul de 3 a 5 de fevereiro de 2023. (Foto de Simon MAINA/AFP)

As origens

A história do cristianismo no Sudão do Sul está ligada à do Sudão, ao qual o jovem Estado africano se uniu até 2011. A primeira evangelização deste território remonta ao século VI por obra do clero de Bizâncio. A Igreja então se desenvolveu com os bispos que mais tarde passaram a se submeter ao patriarca copta de Alexandria.

Com o colapso do reino cristão da Núbia no início do século XIV seguiu-se o desaparecimento quase completo do cristianismo. Apenas algumas comunidades franciscanas permaneceram na região. Em meados do século XIX, começaram as primeiras novas tentativas de evangelização das missões ocidentais, que no entanto fracassaram devido à malária e às difíceis condições climáticas. Por outro lado, as tentativas dos Missionários Combonianos do Coração de Jesus e das Irmãs Missionárias Pie Madri della Nigrizia foram coroadas de sucesso, ainda que com inúmeras dificuldades, graças à tenacidade do seu fundador, São Daniel Comboni (1831 -1881), a quem se deve o nascimento da Igreja local. Também graças ao seu trabalho, entre 1901 e 1964, o cristianismo experimentou um crescimento extraordinário no Sudão do Sul, contribuindo para fortalecer a identidade dos sul-sudaneses em relação à população árabe e muçulmana do norte.

A sua oposição às tentativas de islamização do Sul promovidas pelo governo de Cartum após a independência do Sudão do domínio anglo-egípcio (acompanhada de forte hostilidade aos missionários), alimentou os impulsos secessionistas na origem das duas sangrentas guerras civis (1955 - 1972 e 1983-2005) desencadeadas na independência do Sudão do Sul em 2011.

A Igreja no Sudão do Sul independente

Hoje mais da metade da população do Sudão do Sul é cristã, com predominância de católicos, que representam 52% da população, seguidos por anglicanos, presbiterianos e outras confissões protestantes, enquanto os ortodoxos (coptas, etíopes e greco-ortodoxos) representam menos de 1% da população. Há também uma presença consistente de seguidores de religiões tradicionais africanas, que segundo algumas fontes seriam até mesmo predominantes.

Com a independência do Sudão do Sul, a Igreja Católica e as outras Igrejas puderam se reorganizar e dedicar-se mais livremente às suas atividades pastorais. A Constituição reconhece explicitamente a igualdade entre as confissões religiosas e a liberdade de culto. Em mais de uma ocasião, os líderes políticos do Sudão do Sul independente expressaram seu apreço pelo apoio das Igrejas à paz e à construção da nação, elogiando sua contribuição para o crescimento humano, social e civil da sociedade Sudanês do Sul. No entanto, não faltaram atritos e tentativas por parte das autoridades sul-sudanesas de limitar a voz da Igreja quando esta não lhe agradava, como aconteceu em 2014 com as políticas do país em relação à guerra civil que eclodiu em 2013.

O empenho da Igreja pela paz e pelo desenvolvimento do Sudão do Sul

O tema da paz continua a dominar a Igreja local que, desde os tempos da luta pela independência do Sudão do Sul, sempre esteve ao lado da população atormentada pela guerra. As Igrejas cristãs, que colaboram no Conselho das Igrejas do Sudão do Sul (SSCC), são ainda hoje as únicas instituições nacionais que trabalham seriamente pela reconciliação com o apoio solidário das outras Igrejas africanas e no mundo e da Santa Sé.

Nestes anos, os bispos, missionários e outros líderes cristãos não cessaram de denunciar a dramática situação humanitária causada pela guerra e pela fome e foram feitos inúmeros apelos às partes em conflito e à comunidade internacional pela paz e pela reconciliação. Entre estes, recorda-se aquele lançado em julho de 2017 pelo presidente da Conferência Episcopal (SCBC), Dom Edward Hiiboro Kussala, na mensagem divulgada por ocasião do sexto aniversário da independência. No documento, o prelado pedia um cessar-fogo total, apoio ao diálogo nacional proposto pelo presidente Salva Kiir e de rezar incansavelmente pela paz. Também houve críticas da Igreja aos líderes políticos por suas responsabilidades no conflito.

O esforço da comunidade cristã pela reconciliação ocorre em vários níveis. Um é o da mediação, no qual as Igrejas locais estiveram envolvidas desde os primeiros anos de vida do novo Estado. Em 2013, o presidente Salva Kiir convocou o bispo emérito de Torit, Dom Paride Taban, e o arcebispo anglicano Daniel Deng Bul para liderar um novo comitê encarregado de promover o processo de reconciliação nacional. Nesses processos de mediação, as Igrejas foram ativamente apoiadas pelas Igrejas do mundo. Basta pensar na chamada "Iniciativa de Roma", o processo de paz paralelo promovido em 2020 pela Comunidade de Sant'Egidio para levar à mesa de negociações também os movimentos de oposição que não são signatários do acordo de paz revitalizado de 2018.

Entre as iniciativas para promover a reconciliação, destaca-se também o projeto Kit, um centro voltado para a formação dos cidadãos em temas de paz e cura interior, promovido pelas congregações missionárias da cidade de Rajaf e financiado pela Conferência Episcopal Italiana. Outro âmbito que vê as Igrejas sudanesas comprometidas em primeira linha é a assistência humanitária aos cerca de dois milhões de deslocados internos que fugiram da violência nos últimos anos. Além da Igreja local, várias organizações caritativas católicas estrangeiras estão envolvidas nesta obra. Entre estas  Catholic Relief Services (CRS) dos bispos estadunidenses, a Caritas italiana, Médicos com a África CUAMM e várias congregações religiosas. Digno de nota, a este respeito, o projeto "Solidariedade com o Sudão do Sul" lançado em 2008 pela UISG (União Internacional de Superiores Gerais) e pela USG (União de Superiores Gerais), a pedido da Conferência Episcopal Sudanesa, e apoiado por mais de 270 institutos, congregações, benfeitores e agências internacionais.

A estas iniciativas somam-se os muitos projetos de desenvolvimento e promoção humana levados a cabo durante anos, no meio de mil dificuldades, pelo clero, pelos missionários das várias congregações religiosas presentes no país.

A pobreza, a falta de educação e oportunidades de trabalho para os jovens e a situação difícil das crianças-soldados são, de fato, os principais obstáculos à paz no Sudão do Sul.

A proximidade do Papa Francisco ao povo sul-sudanês

Particular preocupação pelo martirizado povo sul-sudanês também foi expressa em várias ocasiões pelo Papa Francisco, que nos últimos anos lançou repetidos apelos pela paz, mas também várias iniciativas pelo Sudão do Sul.

Entre essas, a especial vigília de oração pela paz no Congo e no Sudão do Sul, por ele presidida na Basílica de São Pedro em 23 de novembro de 2017 e o Dia de Oração convocado para 23 de fevereiro de 2018, depois que sua viagem ao país foi adiada por motivos de segurança, juntamente com o primaz anglicano inglês Justin Welby, que havia sido anunciada para 2017.

Digno de nota é o retiro espiritual convocado para se realizar no Vaticano em 10 de abril de 2019 com os dois líderes rivais do Sudão do Sul. Um encontro em que fica gravada na memória a imagem do Pontífice beijando-lhes os pés.

Em 9 de julho de 2021, o Papa Francisco, o arcebispo Welby, juntamente com o então moderador da Assembleia Geral da Igreja da Escócia, Jim Wallace, escreveram uma mensagem conjunta aos líderes do Sudão do Sul expressando satisfação com o progresso feito no processo de paz, reafirmando a necessidade de realizar "maiores esforços" para que o povo do Sudão do Sul possa "gozar plenamente dos frutos da independência". A mensagem também confirmou sua intenção de visitar o Sudão do Sul assim que as condições o permitissem.

A recordar, por fim, a iniciativa "O Papa pelo Sudão do Sul" lançada no verão de 2017, uma contribuição econômica de cerca de meio milhão de dólares para apoiar intervenções nos campos da saúde, educação e agricultura, com as quais Francisco quis expressar concretamente a caridade e proximidade com as populações da nação africana.

Após o novo adiamento da sua Viagem Apostólica aos dois países prevista para o verão de 2022, numa mensagem vídeo divulgada a 2 de julho, o Papa Francisco voltou a reafirmar a sua proximidade e afeto ao povo congolês e sul-sudanês, exortando-os a não deixar-se "roubar a esperança".

Sal da terra e luz do mundo

Sal da terra e luz do mundo | coracaodemaria

SAL DA TERRA E LUZ DO MUNDO

Dom Rodolfo Luís Weber
Arcebispo de Passo Fundo (RS)

O Evangelho deste domingo (Mateus 5,13-16) é a continuação das bem-aventuranças que são retrato fiel de Jesus Cristo e referência permanente para todos os seguidores e discípulos dele.  O que é ser cristão? Através de três parábolas ou provérbios Jesus mostra alguns elementos do ser cristão: ser sal da terra, luz do mundo e brilhar do alto para todos. As três imagens convergem na mesma direção de que os cristãos servem os outros, de que os cristãos são uma presença suave e forte no mundo. Não passam despercebidos, eles são luz e sal como o próprio Cristo, pois, por onde passava coisas boas iam acontecendo. 

A primeira imagem usada por Jesus é o sal. É preciso dar sabor à vida dos homens. É a primeira das imagens à qual Jesus recorre para definir a identidade de seu discípulo. O sal faz parte do cotidiano da vida, empregado amplamente para dar sabor aos alimentos. Antes do aparecimento da geladeira e do freezer era praticamente o único meio para preservar os alimentos. Portanto, convivemos com sal e sabemos da sua utilidade.  

O rico simbolismo do sal ajuda a compreender a missão do seguidor de Jesus na sociedade. O sal é protagonista na culinária e a sua presença discreta na comida não é detectada; mas sua ausência logo é percebida. O sal se dissolve totalmente nos alimentos e deixa o seu sabor. É uma bela maneira de expressar a tarefa do cristão no mundo: ser sal da terra, sal humilde, derretido, saboroso. Atua de dentro, não se nota, mas que é indispensável. Jesus questiona: “Se o sal se tornar insosso, com que salgaremos?” Quimicamente parece que é impossível o sal não salgar. Com este questionamento, Jesus alerta os discípulos que não há meio termo, se é ou não se é discípulo. 

A segunda imagem usada por Jesus é a luz que ilumina o mundo. Torna-se a segunda característica do discípulo. A primeira página da Bíblia começa dizendo que a criação começa com a ordem: “haja luz” (Gn 1,3). A luz é um elemento vital para os seres vivos, somente raras espécies sobrevivem na escuridão no fundo do oceano. Também não basta ter olhos perfeitos, se não há luz, não se vê nada.  

O simbolismo da luz perpassa toda Escritura até chegar à plena luz, Jesus Cristo. “Eu sou a luz do mundo. Quem me segue, não caminha da escuridão, mas terá a luz da vida” (João 8,12). O cristão iluminado por Cristo se converte em luz. Vai refletir a luz recebida, assim como a lua reflete a luz do sol.  

Os outros textos bíblicos da liturgia dominical aprofundam a compreensão do ser cristão como sal terra e luz do mundo. A fé professada e celebrada expressa-se em vivência moral, em atenção amorosa ao próximo. O profeta Isaías 58,7-10 ensina sobre a dimensão da atenção aos necessitados e indigentes, da partilha do pão e da roupa. “Então, brilhará a tua luz como a aurora e tua saúde há de recuperar-se mais depressa”. Também exorta: “Se destruíres teus instrumento de opressão, e deixares os hábitos autoritários e a linguagem maldosa (…) nascerá nas trevas a tua luz e tua vida será como o meio-dia”. O salmo 111/112 reza: “Feliz o homem caridoso e prestativo, que resolve seus negócios com justiça. Porque jamais vacilará o homem reto, sua lembrança permanece eternamente!” 

São Paulo na 1ª Carta ao Coríntios 2,1-5 lembra para que o cristão seja sal da terra e luz do mundo “a vossa fé se baseasse no poder de Deus, e não na sabedoria dos homens”, mas seja uma demonstração do “poder do Espírito”. A vida cristã e suas obras não podem ser comparadas com os métodos eficientes do mercado e da indústria. O cristão produz seus frutos na medida em que reconhece suas fraquezas e confia em Deus. São Paulo testemunha: “não julguei saber coisa alguma, a não ser Jesus Cristo, e este, crucificado”.

Pe. Manuel Pérez Candela

Pe. Manuel Pérez Candela
Pároco da Paróquia Nossa Senhora da Imaculada Conceição - Sobradinho/DF