“UMA IGREJA SINODAL: SER MISSIONÁRIO NO AMBIENTE DIGITAL”
Dom Arnaldo Carvalheiro Neto
Bispo de Jundiaí (SP)
1. A Igreja Católica Apostólica
Romana inserida no contexto histórico da primeira metade deste século XXI, sob
o Pontificado do Papa Francisco, coloca-se em movimento “Igreja em Saída”. A
Igreja “é chamada a ser um hospital de campanha”. À luz da fé o movimento
é ação do Espírito Santo. O Espírito Santo foi prometido por Jesus (João 14,
16-17), está presente na tradição apostólica (Atos 2, 1ss), os padres da Igreja
reconhecem a ação do Espírito Santo (Basílio de Cesareia Sec. IV), os santos ao
longo da história da Igreja moveram-se pela ação do Espírito Santo. Nós cremos
que o Espírito Santo move a Igreja hoje. O Sínodo para a sinodalidade
(2021-2024), convocado pelo Papa Francisco traz em seu relatório de síntese o
título “Uma Igreja Sinodal em Missão”. O Papa Francisco, movido pelo Espírito
Santo, à luz da tradição da Igreja e seguindo os passos do Concílio Vaticano II
nos orienta a sempre voltarmos às origens da fé. Esse caminho foi percorrido
por São João Paulo II e por Bento XVI. “Caras irmãs, caros irmãos, «todos nós
fomos batizados num só Espírito para sermos um só Corpo» (1Cor 12,13)”. Essa
convocação sinodal nos remete à unidade-comunhão, tal como exortava o Apóstolo
Paulo. A Igreja nos convida a vivermos a essência da fé: Jesus Cristo. À luz da
fé, não há dúvida de que o Espírito Santo nos coloca em ação para voltarmos às
origens. No início do cristianismo estão o próprio Cristo e os apóstolos
cultivando um modelo de Igreja: 1. Sinodal e 2. Missionária. Não nos fechemos a
ação do Espírito Santo que conclama a Igreja a ser, no Século XXI, sinodal e
missionária em sua essência.
2. A Igreja sinodal e
missionária que peregrina no contexto histórico do século XXI tem diante de si
a realidade do mundo que hoje é tecida em ambiente digital. O Espírito Santo
não abandonou a Igreja e a tem movido a dialogar com a contemporaneidade e sua
razão. Assim faz o Decreto Inter Mirifica (1963), o Papa Paulo VI instituiu o
1º Dia Mundial das Comunicações Sociais, em 1967, a ser celebrado, anualmente,
na Festa da Ascensão do Senhor. Já na Instrução Pastoral Communio et
Progressio, 1971, o então Pontifício Conselho para as Comunicações Sociais
reconheceu a positividade dos meios de comunicação e incentivou a Igreja a
valorizar a Pastoral da Comunicação em todas as Igrejas Particulares. Já na
carta Encíclica Redemptoris Missio, a Igreja assim se expressa profeticamente:
O primeiro areópago dos tempos
modernos é o mundo das comunicações, que está a unificar a humanidade,
transformando-a — como se costuma dizer — na «aldeia global». Os meios de
comunicação social alcançaram tamanha importância que são para muitos o principal
instrumento de informação e formação, de guia e inspiração dos comportamentos
individuais, familiares e sociais. Principalmente as novas gerações crescem num
mundo condicionado pelos mass-média” (RM, 37c).
A Igreja sinodal e missionaria
do século XXI, iluminada pelo Espírito Santo, reflete sobre o “ambiente
digital” reconhecendo:
A cultura digital representa uma
mudança fundamental no modo como concebemos a realidade e nos relacionamos
conosco mesmos, entre nós, com o ambiente que nos rodeia e também com Deus. O
ambiente digital modifica os nossos processos de aprendizagem, a percepção do
tempo, do espaço, do corpo, das relações interpessoais e todo a nosso modo de
pensar. O dualismo entre real e virtual não descreve adequadamente as
realidades e a experiência de todos nós, sobretudo dos mais jovens, os chamados
“nativos digitais”. (Uma Igreja Sinodal em Missão. Relatório do sínodo, parte
III, 17, a)
À luz do Magistério,
compreendemos que, nesse atual contexto histórico, o Espírito Santo nos inspira
a sermos missionários no ambiente digital.
3. Ser missionário católico no
ambiente digital
Precisamos discernir os
fenômenos recentes do cristianismo, à luz da tradição da Igreja. É o caso dos
denominados “influenciadores digitais católicos”. Jesus nos constituiu para
sermos missionários: “Ide, pois, fazer discípulos entre todas as nações, e batizai-os
em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo” (Mt 28, 16-20). É do Cristo que
vem o mandato para a missão. É própria da Igreja a sua natureza missionária! É
do Espírito Santo que vem a força para o missionário agir! O missionário vive
da fé. Jesus nos dá autoridade para a missão. Exige que nos sustentemos só pelo
Espirito Santo e nos convida a não levar nada: “Não leveis para a viagem, nem
bastão, nem alforje, nem pão, nem dinheiro; tampouco tenhais duas túnicas”
(Lucas 9, 3). A ação do missionário produz frutos. Isso implica fazer com que
seja anunciado o Cristo (Kerigma em Atos 2, 14-26) e que se traduza no
seguimento de Jesus: “vem e segue-me” (Lucas 18,22). O missionário fala em nome
de Jesus, o missionário coloca-se à serviço do Espírito Santo, o missionário
promove a comunhão na comunidade, o missionário comunga do corpo místico da
Igreja. Tudo o que o missionário anuncia não é dele, é do Espírito Santo,
portanto, ele humildemente aponta o caminho.
A Igreja, quando permeada pelo
“ambiente digital”, vê-se diante do recente fenômeno dos influenciadores
digitais católicos. Primeiramente devemos saber que o termo influenciador nasce
com o advento da internet e a utilização desta pela estrutura do capital e do
mercado. Esse fenômeno promove determinadas pessoas que, ao adotarem certos
produtos e suas marcas, tornar-se-ão representantes destas, “influenciando”
outras pessoas. Os jovens iniciados na cultura digital são os mais
influenciáveis a consumirem seus produtos e ideias e, por isso, foram os
primeiros a validar e potencializar essa prática. Este modelo de influenciador
é insuflado pela velocidade da propagação tecnológica das redes e pela dinâmica
fluída da internet. Todavia, seus discursos e conteúdos são profissionalmente
plastificados para servir à lógica algorítmica das redes. Hoje, o ambiente
digital está povoado de influenciadores que vendem moda, perfumes, estilos de
vida, consultoria sentimental, consultoria espiritual etc. Seus objetivos e pretensões
se misturam desmesuradamente aos interesses mercadológicos, numa confusão nem
sempre proposital, mas sempre refém das inúmeras consequências do multiverso
virtual e do capital.
Numa mescla de interesses nem
sempre condizentes com a verdade do Evangelho e alheios a qualquer verificação
normativa, magisterial ou teológica, os conteúdos dos influenciadores digitais
católicos parecem trilhar caminhos solitários que, não raramente, desembocam em
individualismo e promoção pessoal. O Espírito Santo nos conclama à sabedoria de
uma purificação. Não se trata de silenciá-los, mas examinar as obras e os
frutos promovidos por essa prática. Constatamos o impacto de alguns
influenciadores dividindo a comunidade cristã, confrontando as autoridades da
Igreja, abertamente atacando o Santo Padre Papa Francisco, os bispos
constituídos, conteúdos da doutrina, a liturgia, o Concílio Vaticano II. Isso
faz emergir em nossas comunidades, um magistério, uma liturgia, uma catequese
que apontam para uma vida cristã paralela quando não, concorrente ao corpo da
Igreja (I Cor 12, 12-30). Podemos nos perguntar: Com qual autoridade isso
é feito? Quais os frutos desta ação? Que Igreja persistirá na era vindoura, pós-influenciadores?
Quais modelos de igreja estão aí promovidos? O mandato de Jesus não é para
influenciar é para evangelizar. O mandado é para ser missionário no mundo
digital. O critério posto é o Evangelho ou a lógica do mercado que opera por
trás com a produção e atendimento dos algoritmos que potencializam
visualizações, seguidores virtuais e vendas de cursos? Milhares de
compartilhamentos e visualizações são os critérios para a penetração do
evangelho na cultura digital? A monetização que sustenta o trabalho dos
influenciadores possui destino evangélico? Essa prática favorece o entendimento
e a vivência da sinodalidade, à luz do Espírito, ou a confusão de uma Babel em
plena construção entre nós?
A Igreja que, pelo Espírito
Santo, anuncia o Evangelho no ambiente digital, também é chamada a estabelecer
o critério da evangelização a luz do Cristo. Não nos esqueçamos que Jesus
tocou os corpos, olhou face a face, seu corpo foi erguido na cruz e perfurado.
A salvação e a remissão acontecem na história. Um cristianismo excessivamente
midiatizado, virtualizado, tecido na lógica da emoção e dos algoritmos, podem,
de fato, nos inserir no século XXI, marcado por uma profunda uma crise de fé.
Pentecostes se aproxima. O
Espírito Santo de Deus há de nos iluminar diante desse desafio, como sempre fez
na história da humanidade. Não nos recusemos a empreender esforços na reflexão
e compreensão desses fatos. Há um longo caminho a percorrer. Sejamos
missionários nessa grande seara das redes sociais, sigamos os passos daquele
que nos conduz pelas trilhas da verdade, mesmo que em tempos sinuosos. Anunciar
é muito mais que influenciar! Sejamos discípulos que escutam o Mestre! Ouçamos
o clamor e os rumos que o Espírito quer dar à Igreja. E, sobretudos, ofereçamos
o nosso sim ao chamado que a missão exige.
______________
BÍBLIA DE JERUSALÉM: nova
edição, revista e ampliada. São Paulo: Paulus, 2002.
CATECISMO DA IGREJA CATÓLICA.
Edições CNBB, 2024.
Cesareia, Basilio. Tratado sobre
o Espírito Santo. São Paulo: Paulus, 1999.
JOÃO PAULO II, Papa. Carta
Encíclica Redemptoris Missio. Disponível em www.vatican.va
Uma Igreja Sinodal em Missão. XVI Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos:
Relatório de Síntese. www.synod.va
Fonte: https://www.cnbb.org.br/
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