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terça-feira, 29 de novembro de 2022

Família: instituição em crise?

Casamento em crise | ICIJ

Família: instituição em crise?

A Igreja e a família

A Igreja sempre cuidou da família. Por um lado, por acreditar ser ela não apenas a célula mater da sociedade e o santuário da vida, mas também a “Igreja doméstica” (Constituição Dogmática Lumen Gentium, n. 11). E, por outro, porque está convencida de que “o bem-estar da pessoa e da sociedade humana e cristã está intimamente ligado com uma favorável situação da comunidade conjugal e familiar (Constituição Pastoral Gaudium et Spes, n. 47).

Logo no início de seu pontificado, o Papa São João Paulo II publicou uma Exortação Apostólica sobre a família, como conclusão, precisamente, dos temas tratados e um Sínodo de Bispos sobre a família. Nela, ele afirma com convicção que a evangelização depende essencialmente da saúde espiritual dessa instituição, porque, “onde uma legislação antirreligiosa pretende impedir até a educação na fé, onde uma incredulidade difundida ou um secularismo invasor tornam praticamente impossível um verdadeiro crescimento religioso, aquela que poderia ser chamada “Igreja doméstica” fica como único ambiente, no qual crianças e jovens podem receber uma autêntica catequese» (Papa São João Paulo II, Exortação Apostólica Familiares consortio, n. 52).

Parafraseando o antigo provérbio: “torna-te o que és”, São João Paulo II empregou nesse documento a frase: “Família, torna-te aquilo que és”, ou seja, sejas aquilo que a Verdade sobre si, apoiada na Revelação divina, diz o que és e o que estás chamada a ser no mundo. A “moral de situação”, que não se apoia na Verdade revelada por Deus, mas nas situações e tendências que prevalecem no momento histórico, proclama o provérbio inverso: “sê aquilo que te tornaste”.

Com toda certeza, a Igreja deve dialogar com a cultura moderna, mas sem perder as suas características transcendentais, sem cair na tentação de mundanizar-se, sem diluir a sua mensagem profunda por medo de ser rejeitada pela cultura moderna ou fazer-se acolher por ela.

A Igreja católica não evolui com a história humana – tão mutável e contraditória – ela tem uma dinâmica intrínseca de desenvolvimento, um DNA diferente. Ela é Verdade imutável, Fonte de Vida e Caminho de salvação. Características herdadas do seu próprio fundador: Jesus Cristo. E Ele deu a ela – sua esposa – a ordem de evangelizar a humanidade, não ser moldada por ela; de guiar os homens, não ser guiada por eles; de santificar a história, não ser desenvolvida por ela.

Os ensinamentos da Igreja são permanentes e universais, já que se baseiam em duas realidades imutáveis: a natureza humana criada por Deus e as verdades eternas reveladas por Jesus Cristo. Se esses ensinamentos soam estranhos e inacessíveis para muitos, é porque muitos perderam contato com tais ensinamentos.

O desafio da Igreja é, portanto, saber por que ocorreu esse divórcio com os ensinamentos da Igreja e de que forma ela pode curar as feridas da sociedade contemporânea e reconduzir o comportamento dos cristãos à pureza dos costumes e à integridade da doutrina que foram por eles abandonados, para devolver ao mundo a saúde perdida sem se deixar contagiar pela sua doença. Só se pode eliminar o mal utilizando-se de medicamentos corretos e extirpando as raízes perversas que o produziram.

A família, o divórcio e a cultura hedonista

Como diz um conhecido proverbio jurídico: “a lei de hoje tornar-se-á o costume de amanhã”. É isso o que estamos vendo acontecer com relação às leis estatais divorcistas. O que se iniciou como instrumento jurídico para garantir – nos casos de anomalia conjugal – a sobrevivência do cônjuge abandonado e frágil, tornou-se uma tendência a considerar como difícil ou impossível a estabilidade e a indissolubilidade do matrimônio. O simples fato de existir uma legislação civil sobre o divórcio, indica que o casamento não é feito para durar, mas é apenas um acordo temporário.

A possibilidade do divórcio cria incentivos à infidelidade conjugal e ao estabelecimento de uniões geradas quase que exclusivamente pelos atrativos sexuais, que podem ser rompidas quando outros apelos se tornam mais fortes e atraentes.

Sem menosprezar os problemas econômicos e sociais, além das leis divorcistas a raiz da crise da família se deve também à galopante degradação cultural e moral e religiosa da sociedade, detonada de um modo mais claro e aberto a partir da revolução estudantil de maio de 1968, mas que foi ceivada por fundamentações teóricas anteriores, como as concepções evolucionistas dos neodarwinianas, as teorias psicanalíticas de Freud e as doutrinas sócias de Marx (só para citar algumas mais relevantes). Assim, a família vai sendo destruída pelos frutos da árvore que possui essa raiz: egoísmo no relacionamento, contracepção, fecundação artificial, adultério, falta de autoridade paterna, pornografia, droga, etc. Enfim: “faço o que bem entendo” e é “proibido proibir”.

Só há uma solução para transformar essa onda suja em manancial de vida plena: a graça divina, porque: “é dever permanente da Igreja perscrutar os sinais dos tempos e interpretá-los à luz do Evangelho” (Constituição Pastoral Gaudium et Spes, n. 4). O “homem novo” só pode ser gerado pela graça santificante, que o torna semelhante a Deus.

Os fatores histórico-culturais, por mais poderosos que sejam, não podem mudar a natureza humana; podem elevá-la ou degradá-la, mas não alteram na sua essência íntima. A revolução sexual – que está em plena efervescência, com lobbies de pequenos grupos de militantes bem organizados e financiados, favorecidos por políticas e pela mídia -, corroborada pelas teorias ateia-materialista, pretende induzir a humanidade a considerar que a felicidade está no extravasar dos instintos, principalmente o sexual, libertando-se de toda moral religiosa. Para isso, é necessário abolir a família tradicional e criar instrumentos sociais e jurídicos para a permissão de qualquer união, também a homossexual. E ainda que pareça um exagero, mas não o é, isso pode chegar – num futuro não muito distante – à aprovação da união com os animais.

A ideologia de gênero

A maior ameaça à família hoje é a ideologia de gênero, lançada em setembro de 1995 em Pequim, na IV Conferência mundial sobre a Mulher da ONU. Ela teoriza que o ser humano nasce com o instinto natural de tender a qualquer objeto erótico e de criar para a sua personalidade a ação sexual que quiser. Sempre com a possibilidade de trocar de orientação sexual a qualquer momento.

Segundo essa concepção, a diversidade homem-mulher, esposo-esposa e pai-mãe não procedem da natureza, mas são imposições da cultura judaico-cristã. Em consequência, também seria contrária à natureza social do ser humano instituições como família, escola e igreja. Por isso, deveriam ser eliminadas, porque são elas que condicionam a formação das crianças, impedindo-as de escolher a orientação sexual que elas preferirem.

Pastoral familiar

Está claro que a Igreja não pode mudar a doutrina moral sobre a família.

Se poderia argumentar contra isso que, se uma relação sexual, dita como objetivamente pecaminosa pela teologia moral, fosse praticada regularmente por um casal, mas mantendo a fidelidade mútua, perderia o seu caráter negativo. Porém, em contrapartida, se isso fosse aceito, também deveria se aceitar, com a mais absoluta coerência de pensamento, que, se dois cúmplices de assassínios regulares se mantivessem fieis aos pactos recíprocos, isso reduziria sensivelmente o caráter negativo do crime.

Parece que não é por essa via que deveria caminhar a pastoral familiar. Porque, assim como o corpo não pode ser separado da alma, do mesmo modo a pastoral não pode se apartar da doutrina moral, já que isso acarretaria uma forma de heresia, uma perigosa patologia esquizofrênica.

Mas é certo também que há uma necessidade de atualizar a pastoral familiar. Porém, é necessário que isso seja feito atendendo à noção de que, na pastoral da Igreja, existem disposições disciplinares que são susceptíveis de mudanças e outras que são de origem divina – por exemplo os 10 mandamentos – que não podem ser alteradas pela Igreja.

A Igreja é uma Mãe que, sem deixar de manifestar compreensão pela crise de alguns casamentos, tem a missão de salvar e santificar os seus fiéis, inclusive na sua vida familiar. E isso ela só pode realizar, mantendo-se leal à Verdade. Assim sendo, são os fiéis que devem acatar filialmente os ensinamentos pastorais da Igreja, que nada mais faz que repetir a verdade pregada por Jesus Cristo, Caminho, Verdade e Vida.

Precisas são estas palavras de Mons. Gerard Ludwig Müller, prefeito da Congregação da Doutrina da Fé: “Um dos problemas pastorais mais graves consiste no facto de que muitos, hoje, julgam o matrimónio exclusivamente segundo critérios mundanos e pragmáticos. Quem pensa segundo o «espírito do mundo» (1 Cor 2, 12) não pode compreender a sacramentalidade do matrimônio. À crescente falta de compreensão acerca da santidade do matrimónio, a Igreja não pode responder com uma adequação pragmática ao que parece inevitável, mas só com a confiança no «Espírito de Deus, para que possamos conhecer o que Deus nos doou» (1 Cor 2, 12)” (Acerca da indissolubilidade do matrimónio e do debate sobre os divorciados recasados
e os sacramentos
).

Além do mais, temos a experiência negativa, de como a tolerância imprudente levou a resultados catastróficos nas igrejas protestantes, que se veem minguadas cada vez mais de fiéis permanentes. Quer dizer: as pessoas em situações irregulares têm mais dificuldade de serem praticantes. É necessário acreditar que o número de pessoas praticantes cresce quando se encoraja a observância dos preceitos morais, quando se apresenta propostas desafiantes e contrárias à cultura dominante.

Por tanto, se a Igreja mudasse uma doutrina e uma prática bimilenar sobre o casamento, ela perderia a credibilidade sobre o que quisesse ensinar amanhã.

A Igreja e a consciência individual

A Igreja não é um lobby cultural que propaga uma ideologia, mas uma instituição de origem divina, fundada por Jesus Cristo com o fim de ser guardiã da Verdade revelada e de conduzir, sob a assistência permanente do Espírito Santo, cada ser humano ao encontro feliz com o Pai.

Posto que alguém só pode caminhar numa direção se tiver convicções íntimas de que esse é o Caminho certo, convicções que afetam a sua vida privada cotidiana, a Igreja tem o dever e o direito de dar orientações para essa vida, com o risco de não cumprir a sua missão.

É claro que há casos em que, pela complexidade da vida, um indivíduo ou grupo de indivíduos se veem na impossibilidade de seguir certos preceitos gerais. Mas as eventuais exceções não só não anulam a regra geral como a confirmam. Há atos que são intrinsecamente maus e sempre o serão, independentemente da intenção de quem age e das circunstâncias (cfr. Papa São João Paulo II, Carta Encíclica Veritatis Splendor n. 80). Mas a moral católica, sabiamente, leva em consideração, para cada caso concreto, os fatores agravantes, atenuantes e dirimentes.

Devemos respeitar sempre a liberdade das pessoas agirem e pensarem de acordo com a sua consciência. Porém o fato é que ninguém é criador e nem árbitro da lei moral e, mesmo que tenha a reta intenção de atuar de acordo com a norma objetiva, no entanto, ninguém possui uma consciência infalível e nem uma vontade impecável. Por isso, é lógico que, quem pensa ou atua de um modo contrário a moral objetiva, deva ser alertado e ajudado a mudar de ideia e de conduta para que esteja de acordo com a lei de Deus (cfr. Constituição Pastoral Gaudium et Spes, n. 50). E isso mesmo que não entendam ou compreendam a lei. Fato que pede, hoje cada vez mais, investir na formação das consciências.

As cordas que atam o alpinista e seus companheiros para ascenderem ao cume almejado não cerceiam a sua liberdade, mas os ajudam de modo eficaz a alcançarem o seu objetivo, além de servirem como instrumento de segurança. Assim como os ligamentos quem unem as partes do corpo são fundamentais para que o indivíduo seja ágil e desenvolto seus movimentos (cfr. Veneravel Pio XII, discurso de 22.IV.1942)

“O homem não poderá encontrar a verdadeira felicidade, à qual aspira com todo o seu ser, senão no respeito pelas leis inscritas por Deus na sua natureza e que ele deve observar com inteligência e com amor” (Papa Beato Paulo VI, Carta Encíclica Humanae vitae n. 31).

Matrimonio e família

O Matrimonio natural não é uma invenção humana, mas foi criado por Deus imediatamente após Ele ter criado o primeiro homem e a primeira mulher; revelando-nos, assim, q o Matrimonio está no projeto divino para a humanidade. A vocação ao casamento está inscrita na própria natureza do homem e da mulher, por isso, a criação do casamento como instituição humana surgiu como fruto dessa percepção (cfr. Catecismo da Igreja Católica, n. 1603).

Essa instituição natural criada por Deus, surge de um pacto ou consentimento livre, público, verdadeiro e real entre um homem e uma mulher, no qual se comprometem a se doarem maritalmente para formarem uma comunidade indivisa de vida para sempre, que exige a vida doméstica (casa, mesa e leito), onde prevaleça o amor em todas as suas consequências (cfr. Catecismo da Igreja Católica n. 1601). Da saúde dessa comunidade – chamada família – surgida dessa aliança (vínculo) permanente dependerá toda a saúde da sociedade.

Indissolubilidade

Uma vez realizado legitimamente e consumado, esse consentimento não pode ser desfeito por nenhuma autoridade humana, E é indissolúvel.

Ninguém está obrigado a contrair matrimonio. Mas uma vez feito o contrato, o indivíduo fica sujeito às suas leis lies divinas e às suas propriedades essenciais

Jesus Cristo, que veio dar plenitude à lei divina, estabeleceu que ninguém pode separar aquilo que Deus uniu (cfr. Mt 19,6).

O divórcio

O divórcio, que o Catecismo da Igreja Católica chama de “praga social” (n. 2385), entrou no direito civil como um remédio para situações de crise, mas que se tornou hoje praticamente um direito da pessoa, devido em grande parte a uma errada compreensão da liberdade, que não é entendida como a capacidade de escolher o bem, à autodeterminação a ele e a alcançar a perfeição que está chamado a pessoa humana, mas como total poder de decisão, como um fim em si mesmo. Além disso, a proliferação dessa anomalia se deve ao fato de que existe um consenso muito generalizado de que não é possível tomar uma decisão de doar-se para sempre.

Porém, por ser uma “praga social”, o divórcio é contrário à dignidade dos cônjuges, especialmente dos mais vulneráveis, porque lhes tira a certeza de que estão sendo de fato amados e acende no seu interior o medo de serem abandonados e de ficarem sujeitos a cargas, demasiadamente pesadas, que não se sentiriam capazes de carregar; sem contar as repercussões nefastas que acarreta aos filhos, prejudicando a sua formação psicológica e moral: existem inúmeros estudos científicos a este respeito.

Isso acentua a necessidade da igreja de enfrentar o desafio apostólico de ajudar os fiéis a entenderem que a indissolubilidade do matrimônio não é um jugo, mas um dom que Deus dá aos cônjuges (cfr. Relatio Synodi, n. 14 ).

As separações de fato

Há casos específicos em que, por graves razões de prudência, para evitar males maiores, a Igreja recomenda a separação física dos cônjuges, seja por um tempo ou definitivamente. Até mesmo aconselha a recorrer ao Divórcio Civil, se for a única forma legal de uma das partes conseguir a pensão necessária, a guarda dos filhos e outros direitos.

Mas o divórcio e as separações são duas realidades muito diferentes do ponto de vista moral e legal. Os cônjuges separados, embora não vivam mais juntos, não estão divorciados; pelo contrário eles continuam casados diante de Deus e da Igreja. Não há rompimento do vínculo matrimonial, por isso não podem contrair uma nova união, enquanto o outro cônjuge estiver vivo.

Segunda união

Os cônjuges divorciados recasados então em estado objetivo de pecado mortal de adultério. Se for de conhecimento público, essa união ilícita é escandalosa. Por isso a Igreja “proíbe os pastores, por qualquer motivo ou pretexto mesmo pastoral, de fazer em favor dos divorciados que contraem uma nova união, cerimônias de qualquer gênero. Estas dariam a impressão de celebração de novas núpcias sacramentais válidas, e consequentemente induziriam em erro sobre a indissolubilidade do matrimónio contraído validamente” (Papa São João Paulo II, Exortação Apostólica Familiares consortio n. 84).

Na prática é fácil perceber que tal união é contrária à dignidade natural do ser humano, porque se criam situações anómalas em que enteados e padrastos, pessoas, portanto, não consanguíneas, vivem numa mesma casa, propiciando a promiscuidade sexual. Fora a dificuldade de criação, pois os filhos não vivem habitualmente com um dos seus pais. Além disso, os recursos econômicos são compartilhados de modo competitivo entre as crianças que vivem na nova casa e aqueles que a visitam. Mais ainda, estas situações frequentemente contribuem para fomentar o descrédito no significado do casamento.

Procriação

A união marital, ou seja, a doação mútua dos corpos, necessária para que haja prole, é um fim bom, porque é dom de Deus, e o núcleo dessa aliança. Quem exclui essa doação do consentimento tornar nulo o seu casamento. Ela é essencialmente diferente do impulso instintivo de reprodução no reino animal, porque, além de gerar uma satisfação humana legítima, se orienta à perpetuação da espécie humana e à educação dos filhos. Do seu bom e correto uso dependerá o crescimento psicológico, afetivo e espiritual dos próprios cônjuges, o desenvolvimento afetivo e educacional das crianças e a harmonia de toda a sociedade.

A mentalidade anticonceptiva

Embora o fenômeno de contracepção existe desde os tempos antigos, a invenção da pílula anticoncepcional nos anos 1950 induziu muitas pessoas a separarem o aspecto unitivo do procriativo na relação sexual (cfr. Papa Beato Paulo VI, Carta Encíclica Humanae vitae n. 12).

Nós vivemos em uma sociedade onde a sexualidade tem sido banalizada e onde a fecundidade – famílias numerosas – é vista com desconfiança. A criança não é considerada um dom de Deus, mas um direito individual que pode ser acessado por qualquer meio, como acontece com a inseminação artificial.

Existe um tipo de esquizofrenia na sociedade moderna que a de, por um lado, colocar todos os meios para controlar os nascimentos, inclusive com políticas impostas injustamente, especialmente nas classes mais humildes: esterilização, distribuição de contraceptivos e denigração das grandes famílias; e por outro lado, especialmente em pessoas com boas condições econômicas, a de pôr todos os meios para se ter um filho, utilizando métodos de fertilização artificial que rebaixam a dignidade da pessoa humana, do casamento e, acima de tudo, da criança, que tem o direito de ser concebida no ventre materno e de ter um pai e uma mãe que ela saiba com clareza que se uniram em matrimonio. Além disso, em quase todas estas técnicas, sempre se escolhe, para a implantação, os embriões congelados em melhor estado, descartando (abortando) os outros.

O desafio aqui é incutir nas consciências o valor da paternidade e da maternidade, que cada filho é um dom, que Deus é sábio e providente, e que é necessário praticar a generosidade em renunciar aos confortos supérfluos a favor dos filhos. (cfr. Relatio Synodi, n. 57 e 58).

Unidade

Além dessa abertura à procriação, o Matrimonio requer a unidade desse vínculo contraído por um homem e uma mulher. Não existe outra forma de casamento a não ser a monogâmica. Jesus Cristo, além de condenar toda poligamia e toda poliandria, para assegurar completamente a inviolabilidade do santuário familiar, proibiu até mesmo os desejos de adultério, manifestados apenas com um olhar concupiscível (cfr. Mt 5,28).

O documento final do Sínodo Extraordinário de 2014, apresentou o desafio da Igreja em ajudar os fiéis cristãos a aprofundar a doutrina sobre a inseparabilidade entre os significados unitivo e procriativo dos atos conjugais, ajudando-os a superar uma visão materialista e utilitarista da pessoa que fecha a generosa abertura à fertilidade (faz referência especial a doutrina da Enc. Humanae Vitae do Venerável Papa Paulo VI).

Homossexualidade

Há pessoa com inclinações homossexuais. Isso não pode ser considerado um pecado. Como não o é a cleptomania. No entanto, nem uma nem outra podem ser vistas como algo bom ou indiferente. Pelo contrário, são tendência que inclinam para um mal moral. É uma desordem na tendência comportamental. Praticar atos homossexuais são ações contrarias à natureza humana, porque tornam livremente o ato sexual, criado por Deus como dom da vida, uma ação estéril. Por isso são atos pecaminosos (cfr. Catecismo da Igreja Católica, n. 2357) . A Bíblia os apresenta como depravações graves (cfr. Gn 19,1-29; Rm 1,24-27; 1 Cor 6,9-10; 1 Tim 1,10)

Tanto as pessoas que sofrem dessa tendência, mas que não se deixam levar por ela, como as que praticam a homossexualidade por fraqueza ou porque acham que é correto, e até mesmo propagandeiam a sua ação com orgulho, devem ser tratadas com delicadeza e compreensão e estimuladas à serem castas.

“As pessoas homossexuais são chamadas à castidade. Pelas virtudes do autodomínio, educadoras da liberdade interior, e, às vezes, pelo apoio duma amizade desinteressada, pela oração e pela graça sacramental, podem e devem aproximar-se, gradual e resolutamente, da perfeição cristã” (Catecismo da Igreja Católica, n. 2359).

O chamado “casamento gay”

Com relação ao casamento gay, bastaria lembrar que o casamento só pode existir entre um homem e uma mulher, porque essa união está na raiz da própria natureza do ser masculino e feminino. Por isso nenhuma autoridade tem o poder de redefinir o que é de lei natural. Logo, não tem o direito de redefinir o casamento como se fosse uma relação entre dois homens ou duas mulheres. Seria o mesmo que redefinir a lei da gravidade. Pode até definir por lei que não existe mais lei da gravidade, mas causará muitos danos às pessoas e à sociedade em geral.

Na base natural da concepção correta está o fato de que a diversidade sexual é necessária para a complementaridade é para a fertilidade.

O desafio é superar a ideia generalizada de que o que importa no casamento são os sentimentos e as emoções ou, mais concretamente, o amor erótico, independentemente do que é digno e bom para o indivíduo e a sociedade. Haveria que voltar a ensinar a todos que é o amor de dileção o motivo fundamental pelo qual um homem e uma mulher se decidem a se unirem em casamento, a fim de gerar – pelo amor erótico – uma prole e praticar a caridade conjugal.

O amor de dileção pode existir entre pessoas do mesmo sexo ou de sexo diferente; por exemplo: o amor paternal, maternal, filial, fraterno, entre amigos, etc. Mas o amor erótico só pode existir no amor matrimonial entre pessoas de sexos diferente, porque duas pessoas do mesmo sexo não podem cumprir uma das finalidades essenciais da união (caridade) conjugal: a procriação. Eles não podem constituir uma família.

Por isso, a união homossexual é gravemente pecaminosa e não pode ser abençoada pela Igreja, como tão pouco pode abençoar um grupo de pessoas que se uniram para assaltar bancos.

Sacramento

O consentimento matrimonial foi elevado por Jesus Cristo à dignidade de sacramento para que, dotado de conteúdo e de meios espirituais, oferecidos pelo próprio Deus, os cônjuges que o recebem possam cumprir com fidelidade e fortaleza o seu fim: amarem-se mutuamente, gerar filhos e criá-los para que sejam bons cidadãos da sociedade terrena e aptos para habitarem o Céu. Além disso, os cônjuges cristãos, pelo sacramento do matrimonio, estão chamados a serem testemunhos vivos na sociedade da união mística e amorosa de Cristo com a Igreja. Por isso, perdem consideravelmente essa ajuda, deixam de cumprir a sua missão e põem em risco a sua salvação eterna os batizados que só contraem uma união Civil.

Por isso a Igreja não admite o “casamento de ensaio”, a união conjugal prévia, antes de recebem o sacramento, para que as partes possam ir se conhecendo pouco a pouco, até chegarem a um grau de maturidade na convivência que fosse desejável para se realizar o contrato definitivo. A Igreja rejeita isso como contrário à moral, como pecado de adultério ou fornicação, que só pode ser perdoado se o pecador manifestar não somente um arrependimento sincero, mas também o propósito de emendar-se, isto é, de romper o comportamento pecaminoso. Além do mais, esse tipo de casal é o que está mais sujeito ao divórcio.

Verdade e Misericórdia

A Misericórdia divina pode superar a sua Justiça, mas não violá-la, do contrário seria injusta; cairia na condenação bíblica: “Ai daqueles que ao mal chamam bem, e ao bem, mal, que mudam as trevas em luz e a luz em trevas, que tornam doce o que é amargo, e amargo o que é doce!” (Is 5,20).

A misericórdia, portanto, não é uma dispensa dos Mandamentos de Deus e das leis da Igreja. Ela procede do amor. E sabemos que não existe amor sem justiça e sem verdade. São Paulo diz que amor verdadeiro é a aquele que realiza as obras da Lei (cfr. Gl 5, 13-18). Com efeito, todo Mandamento de Deus, até o mais severo, tem o rosto do amor divino, do amor misericordioso.

A Igreja não pode se comportar como um charlatão que ilude os que sofrem oferecendo-lhes poções que não fazem sentir a dor, mas camuflam a doença e a agravam. A Igreja deve agir como o bom samaritano – figura de Cristo -, como um médico sábio que visa curar os doentes e feridos espirituais com medicamentos eficazes, embora dolorosos e amargos, para libertá-los do mal e poupá-los de recaídas. Um médico honesto também não oculta aos doentes a gravidade de sua situação, nem lhes isenta de responsabilidade em pôr os meios para se curarem, ao mesmo tempo que põe todos os cuidados para fechar-lhes as feridas, sempre levando em consideração a sua vulnerabilidade. Mas não pode ser fracamente condescende com o doente que sofre por causa de uma terapia dolorosa e nem com a susceptibilidade de quem se recusa a ser curado.

Regra de ouro foi a dada pelo Beato Papa Paulo VI: “Não minimizar em nada a doutrina salutar de Cristo é forma de caridade eminente para com as almas. Mas, isso deve andar sempre acompanhado também de paciência e de bondade, de que o mesmo Senhor deu o exemplo, ao tratar com os homens. Tendo vindo para salvar e não para julgar, Ele foi intransigente com o mal, mas misericordioso para com os homens” (Beato Papa Paulo VI, Carta Encíclica Humane vitae, n. 29).

Em todo caso, é melhor sempre prevenir do que remediar. Por isso, a preparação remota ao casamento seria o meio mais adequado para se evitar uniões maus sucedidas e, até mesmo, uniões que nunca deveriam ter ocorrido, pelo menos não no momento em que ocorreram, por que faltou nos contraentes uma noção mais clara do que é o matrimonio. Os jovens são muito mais abertos para falar sobre a virtude da castidade do que se possa imaginar. Além disso, haja visto o modo inadequado com que se ensinam às crianças nas escolas a se iniciarem na vida sexual, respaldado por uma imposição legal, se faz mais necessário que os pais cristãos, ajudados por catequistas e formadores bem preparados na Igreja, instruam quanto antes os seus filhos nesse campo.

A ajuda da graça

A Igreja ensina que “todos fieis de Cristo são chamados a levar uma vida casta, segundo o seu estado de vida particular” (Catecismo da Igreja Católica, n. 2348). E ela propõe esse cume porque está convencida de que a castidade absoluta, tanto dentro como fora do casamento, é uma atitude conforme com a natureza e, portanto, possível de ser vivida por qualquer um. Acrescente-se que ela também está persuadida de que a castidade conjugal é condição indispensável para que um casamento e uma família sejam saudáveis – física e espiritualmente – e fecundos, bem como socialmente benéficos.

Por outro lado, por causa das feridas do pecado original, ela sabe também que essa meta não é fácil de ser alcançada, ainda mais numa sociedade onde os ambientes, a cultura e os meios de comunicação favorecem a luxúria. No entanto, Deus não exige de seus filhos alcançar um fim impraticável, cumprir um compromisso acima das suas forças. Por isso, onde lhes falta as forças naturais, a Providência divina lhes dá forças sobrenaturais, a graça santificante, que os faz aptos para viverem as virtudes em grau máximo, também a castidade. Por isso Jesus afirmou: “meu jugo é suave e o meu fardo é leve” (Mt 11,29-30).

“Esta insistência inequívoca na indissolubilidade do vínculo matrimonial pôde criar perplexidade e aparecer como uma exigência impraticável. No entanto, Jesus não impôs aos esposos um fardo impossível de levar e pesado demais, mais pesado que a Lei de Moisés. Tendo vindo restabelecer a ordem original da criação, perturbada pelo pecado, Ele próprio dá a força e a graça de viver o matrimónio na dimensão nova do Reino de Deus. É seguindo a Cristo, na renúncia a si próprios e tornando a sua cruz, que os esposos poderão compreende o sentido original do matrimónio e vivê-lo com a ajuda de Cristo. Esta graça do Matrimónio cristão é fruto da cruz de Cristo, fonte de toda a vida cristã” (Catecismo da Igreja Católica, n. 1615).

Junto à graça os fiéis devem recorrer assiduamente à oração e à ascese penitencial.

Amar a família

Há muito o que fazer e com urgência. Em vez de reclamar da situação ou resignar-se ao pior, achando que a causa da família está perdida, está é a hora dos cristãos porem mãos à obra para recuperar o terreno perdido, indo contra a corrente e fazendo uso de todos os meios necessários, lembrando que “Tudo posso n’ Aquele que me conforta” (Fil 4,13).

“Amar a família significa saber estimar os seus valores e possibilidades, promovendo-os sempre. Amar a família significa descobrir os perigos e os males que a ameaçam, para poder superá-los. Amar a família significa empenhar-se em criar um ambiente favorável ao seu desenvolvimento. E, por fim, forma eminente de amor à família cristã de hoje, muitas vezes tentada por incomodidades e angustiada por crescentes dificuldades, é dar-lhe novamente razões de confiança em si mesma, nas riquezas próprias que lhe advém da natureza e da graça e na missão que Deus lhe confiou. É necessário que as famílias do nosso tempo tomem novamente altura! É necessário que sigam a Cristo” (Papa São João Paulo II, Exortação Apostólica Familiares consortio, Conclusão).

A Sagrada Família de Nazaré é o modelo por excelência da família. Nela o amor entre os membros que a formam é absoluto. Nela se dá tudo o que a família humana, seja naturalmente e sobrenaturalmente, deve ser. A ela encomendamos os frutos do próximo Sínodo, para que a frase de São João Paulo II se faça realidade: “Família, torna-te aquilo que és”.

Sem lealdade só choro

Dom Jacinto Bergmann | CNBB Sul 3

SEM LEALDADE SÓ CHORO

 

 

Dom Jacinto Bergmann
Arcebispo de Pelotas (RS)

Há mais tempo já desejava escrever algo sobre a “lealdade”. Lendo nos últimos dias a Fábula do “Lenhador e a Raposa”, ficou maduro o meu desejo de discorrer sobre a “lealdade”. Fiquemos primeiro com a Fábula: Era uma vez um lenhador que acordava bem cedinho, aos primeiros raios do sol. Trabalhava o dia inteiro, cortando lenha, e só parava no fim da tarde. Ele tinha uma bela filha pequena e uma raposa, sua amiga, a qual tratava como bicho de estimação e era de sua total lealdade. Todos os dias o lenhador saia para trabalhar e deixava a raposa brincando com sua filhinha. Todas as noites, ao retornar do trabalho, a raposa ficava feliz com sua chegada. Os vizinhos do lenhador, porém, alertavam-no e diziam-lhe que a raposa era um bicho, um animal selvagem e, portanto, não era digna de confiança. O lenhador, sempre retrucando com os vizinhos, falava que isso era uma grande bobagem, que a raposa era sua amiga e jamais faria algo de ruim. Os vizinhos insistiam: – “Lenhador, abra os olhos! A raposa vai devorar sua filhinha. Quando sentir fome, comerá a criança”. Um dia, o lenhador exausto por causa do serviço pesado, ao chegar em casa viu a raposa, abanando a cauda, feliz como sempre, saindo do quarto da criança e, ao lado da porta, um rastro de sangue. O animal tinha a boca totalmente ensanguentada. O lenhador tremeu, suou frio e, sem pensar duas vezes, acertou uma machadada na cabeça da raposa. Ao entrar no quarto, desesperado, encontrou sua filhinha no berço, dormindo tranquilamente e, ao lado do berço, uma cobra gigante já morta. O lenhador enterrou o machado e a raposa juntos. E chorou. Chorou. Chorou muito. 

Pretendo trazer a reflexão sobre a lealdade, inspirando-me nas Sagradas Escrituras. Vamos, primeiramente, para o significado do termo “leal” nas duas línguas originais da Bíblia – hebraico para o Antigo Testamento e grego para o Novo Testamento. Assim, a palavra lealdade no hebraico – ‘emun, significa “estabelecido”, “confiável”, “fiel”, “verdadeiro…”, também de forma abstrata significa “confiabilidade”. ‘Emun deriva da palavra, ‘aman, uma raiz primitiva que significa “construir”, “dar suporte a”, “sustentar”, “adotar como um pai cuidador…”, figurativamente significa “ajudar”, “estar firme com”, “ser fiel a”, “confiar”, “crer”, “ser permanente…”, moralmente significa “ser verdadeiro”, “ser certo”. A palavra lealdade em grego é “pistós”, significa “digno de confiança”, “confiável”, “fiel”, “verdadeiro”. Exatamente o significado de ‘emun (hebraico) e pistós (grego) é o mesmo. 

Tanto a língua hebraica como a grega sempre nos levam a uma realidade para cada palavra. Então, a partir do significado bíblico de “leal”, nós temos três princípios bíblicos que refletem a realidade da lealdade: a confiabilidade, a fidelidade e a verdade em relação a Deus e ao próximo. Esses três princípios nos deixam três testes a respeito da nossa lealdade: O primeiro teste deve responder à pergunta: Deus e o próximo podem confiar em mim? O segundo precisa responder à questão: Sou fiel a Deus e ao próximo que confiam em mim? O terceiro precisa responder a indagação: O meu coração está verdadeiramente envolvido na obra de Deus e do próximo?  

Com esses três princípios da lealdade é possível criar aliança com Deus e com o próximo. Não há aliança sem ser confiável, sem ser fiel, sem ser verdadeira. Com o princípio da confiabilidade é possível crer na aliança – somos confiáveis; com o princípio da fidelidade é possível sustentar a aliança – somos fiéis; com o princípio da verdade é possível cimentar a aliança – somos verdadeiros. É maravilhoso oferecer lealdade e receber lealdade: quem é leal está presente para fortalecer aquele a quem empenha a sua lealdade; quem é leal investe com amor no crescimento daquele a quem ele é leal; quem é leal tem como precioso aquele a quem ele é leal.  

A humanidade parece caminhar sempre mais para uma situação de deslealdade. Quanto mais ela se afasta dos valores transcendentes mais os interesses individuais vigoram nas relações. E, então, adeus lealdade!  

O Deus bíblico é e vive em plenitude a lealdade. Ele é plenamente confiável, totalmente fiel, transparentemente verdadeiro. Ele torna-se, assim, a escola permanente dos princípios da lealdade. Em contato íntimo com a lealdade divina, a humanidade reaprenderá continuamente a confiança, a fidelidade e a verdade. O sonho de uma esperança de lenhadores leais com raposas e de raposas leias com lenhadores será possível e concreto. Não podemos continuar com machados de lenhadores só dando machadadas nas raposas. Nem podemos concluir que dentes ensanguentados de raposas são sempre sinônimos de morte. Senão, vamos apenas chorar, chorar, chorar muito!

20 famílias cristãs deixam o Iraque a cada mês

Celebração na Igreja siríaco-católica de Mar Tuma (São Tomás),
em Mosul  (AFP or licensors)

Existem muitos fatores sociológicos, políticos e ambientais que favorecem o êxodo lento e silencioso dos cristãos autóctones de sua terra natal, como Instabilidade política e social, insegurança, falta de igualdade de oportunidades, discriminação e medidas penalizadoras sofridas no local de trabalho, falta de dispositivos legais que protejam a plena igualdade dos cidadãos - inclusive cristãos - perante a lei.

Os cristãos iraquianos, concentrados em grande parte nas cidades da Planície de Nínive e em outras áreas do norte do Iraque, continuam a deixar o país “ao ritmo de 20 famílias por mês”, afirma o Patriarca da Igreja Caldeia, cardeal Louis Raphael I Sako, patriarca da Igreja caldéia, ao comentar a condição dos cristãos no Iraque.

Em suas alarmadas considerações, difundidas pelos meios de comunicação do Patriarcado caldeu, o purpurado recorda que mais da metade dos cristãos iraquianos emigraram nas últimas décadas, e muitos outros “estão na lista de espera”.

Em seu discurso, ele se deteve sobre os muitos fatores sociológicos, políticos e ambientais que favorecem o êxodo lento e silencioso dos cristãos autóctones de suas terras natais. Instabilidade política e social, insegurança, falta de igualdade de oportunidades, discriminação e medidas penalizadoras sofridas no local de trabalho, falta de dispositivos legais que protejam a plena igualdade dos cidadãos - inclusive cristãos - perante a lei. 

Em particular, o Primaz da Igreja caldeia chama em causa a ausência permanente de uma lei sobre o estatuto pessoal dos cristãos, que continua a abrir caminho a discriminações sectárias, obrigando todos a regulamentar questões relativas ao estatuto da pessoa (como por exemplo o direito matrimonial, ou as sucessões hereditárias, ou a proteção de menores) de acordo com leis que se inspiram na tradição jurídica islâmica e se referem, direta ou indiretamente, à Sharia.

Em seu texto, o Patriarca também deplora o uso instrumental de palavras e símbolos religiosos na propaganda e nas polêmicas políticas, citando ainda a título de exemplo, alguns casos recentes de corrupção e discriminação de que teve conhecimento. “Se alguém não quer que permaneçamos em nosso país como cidadãos com igual dignidade”, conclui o cardeal iraquiano, “diga-nos com franqueza, para que possamos resolver o problema antes que seja tarde demais”.

*Agência Fides

Comunhão no Amor

Crédito: Ecclesia

Matta el Meskin:

Comunhão no Amor

trad.: Pe. José Artulino Besen*

A nossa comunhão é com o Pai
e com o seu Filho Jesus Cristo. 1Jo 1,3

IV. À espera do Messias

Conteúdo:

IV.1 Toda a história está nas mãos de Deus

IV.2 Transcendência da história em Deus

IV.3 A intervenção de Deus na história humana

IV.4 Cada é pessoa é parte de cada livro da Bíblia

IV.5 Aproximar-se de Deus no tempo através do conhecimento

IV.6 A palavra racional e a Palavra encarnada

IV.7 A revelação de Deus no homem e em si nos dois Testamentos 

IV.1 Toda a história está nas mãos de Deus

Todo o Antigo Testamento[1], desde o primeiro capítulo do Gênesis, apresenta a história humana como um movimento de criação e desenvolvimento iniciado por Deus e depois confiado ao homem. Deus continua a dirigi-lo e controlá-lo com grande precisão segundo o seu particular desígnio e vontade de modo que, tanto na vida de um indivíduo como de uma geração ou nação, o movimento da história apareça claramente em total e perfeita submissão à sua vontade e presciência. Deus é o “Rei dos séculos” (1Tm 1,17) e tudo se realiza segundo seu determinado desígnio e presciência” (At 2,23). Deus também estabelece de modo irrevogável o movimento do tempo em favor do homem, tendo “estabelecido a ordem dos tempos e os limites do espaço” (At 17,26).

IV.2 Transcendência da história em Deus

O movimento do tempo como que mostra-se independente de nós, e assim parece livre e não ligado ao homem: realmente, o sol surge e se põe querendo ou não o homem, e os anos transcorrem, o verão e o inverno se alternam, independentemente de sua vontade. Parece até que o tempo debocha do homem, como se o submetesse à sua autoridade. Na realidade, Deus submeteu ao homem o transcorrer do tempo e toda a sua solene grandeza, para que a partir dele o homem possa modelar a própria história espiritual no seu desenrolar-se através dos séculos e, no final, elevar-se acima do transcorrer do próprio tempo; eis a que é chamado o homem: ser unido a Deus na vida eterna, onde não existirá nem sol nem lua, nem verão nem inverno (cf. At 21,23). Cristo se referia a esta realização à qual tende a história, quando disse: O céu e a terra passarão, mas as minhas palavras não passarão (Mt 24,35).

Considerado como movimento que se verifica na realidade material, no céu e na terra, o tempo é algo de morto e passageiro mas, na realidade humana, ele é vivo, é uma história duradoura, a história da salvação, a história da palavra de Deus que nunca retorna sem produzir efeito. É um movimento que tem início em Deus e em Deus termina, consigo levando a humanidade redimida: Antes de ter formar no seio materno eu te conhecia, e antes que viesses à luz eu tinha te consagrado (Jr 1,5). Assim, se o homem age segundo a vontade de Deus, em harmonia com o conhecimento de Deus e a ele consagrado, eleva-se acima do tempo e realmente o submete à vontade de Deus, transformando as horas, os dias e os anos numa história da salvação, numa idade divina, vida eterna no reino de Deus: Eis agora o tempo favorável, eis agora o dia da salvação (2 Cor 6,2).

O homem que se opõe à vontade de Deus e deliberadamente despreza o conhecimento dele e a santidade, cai prisioneiro do tempo e se transforma em parte morta de uma idade morta. E a pessoa, que por necessidade, é obrigada a dominar o movimento do tempo, realiza a vontade de Deus, mas por constrangimento, sem perceber, sem querer e sem alegrar-se com isso. É como o frio do inverno ou o calor do verão, importantes mas ao mesmo tempo insignificantes, que servem ao crescimento das criaturas, mas não são amados por elas; dão-lhes energia, força e renovação, enquanto estão mortos em si mesmos.

IV.3 A intervenção de Deus na história humana

Todo o Antigo Testamento é uma história viva que, com clareza e vivacidade, narra a constante bondade de Deus e o seu comunicar com o ser humano para elevá-lo acima do passar do tempo morto. Deus completou esta obra intervindo com a sua Palavra e transformando o suceder-se dos anos e das gerações numa história sagrada e viva, a história de Deus com o homem e do homem com Deus.

Isso significa que toda a Torá é tanto a história da ação da palavra de Deus na humanidade, quanto uma história das ações dos homens em acordo ou em contraste com a palavra de Deus. O passar do tempo no Antigo Testamento concorreu para a revelação de Deus e de todos os seus atributos ao homem e no homem. Isso aconteceu tanto quando a vontade de Deus era observada ou quanto era rejeitada; a rejeição interposta pelo homem à vontade de Deus era um novo elemento no qual se pode revelar a habilidade de Deus em conduzir a humanidade à submissão.

IV.4 Cada é pessoa é parte de cada livro da Bíblia

Quando lemos os livros da Bíblia, à primeira vista eles parecem constituir somente uma história de eventos temporais. Mas, se consideramos em profundidade o seu fim e propósito e introduzimo-nos naquilo que lemos, descobrimos que sua finalidade é revelar, exatamente em nossas pessoas, o Deus vivente. É-nos dado ver quem somos e então começar a ver Deus como ele é, especificamente confrontando-o conosco. Qual é, pois, o significado da revelação de Deus ao ser humano? Aqui está todo o segredo da Torá e do evangelho, o significado fundamental da humanidade e a plenitude da história: “A vida eterna consiste em que te conheçam a ti, o único Deus verdadeiro, e a Jesus Cristo, aquele que enviaste” (Jo 17,3).

IV.5 Aproximar-se de Deus no tempo através do conhecimento

Deus é verdade, vida e luz eterna. O conhecimento da verdade é participação na verdade; o conhecimento da luz é iluminação. Quando perdeu o conhecimento de Deus, o homem perdeu a verdade em si mesmo e perdeu a vida e a luz eterna. Nada mais pode conhecer além do passar do tempo que corre à margem de sua pessoa e o mantém sob seu poder, até que a morte o derrube. Todas as estradas possíveis para o conhecimento de Deus foram preparadas para o homem; é o conhecimento de Deus que o livra do cair sob o domínio do tempo e de seu ilusório fim, representado pela morte. O conhecimento de Deus é a revelação constante que ele faz de si nas mentes e nos corações de todo o povo através da comunicação do amor. Por outro lado, é vivendo na perene e alegre união com a fonte do ser que está a garantia de vida e de imortalidade. Isso, inevitavelmente, provoca a nossa elevação acima do passar do tempo e da morte, até a percepção de nossa qualidade de seres maiores do que o tempo, acima dos acontecimentos, mais verdadeiros e duradouros do que a morte.

IV.6 A palavra racional e a Palavra encarnada

Mas, para que a revelação de Deus fosse perfeita, em todas as épocas todas as gerações deviam ter a experiência do conhecimento de Deus, a fim de que, no final, todos pudessem conhecer Deus como a verdade plena que transcende a percepção individual, e conhecer a vida eterna como vida que se estende além do tempo e da existência de cada pessoa. Por isso, era necessário que a humanidade passasse através de duas idades da vida com Deus, os dois Testamentos, completamente distinto um do outro.

A primeira, a que chamamos de Antigo Testamento, representa a revelação indireta através da palavra racional. A segunda, o Novo Testamento, representa a revelação direta através da Palavra encarnada.

A diferença entre o Antigo e o Novo Testamento é resumida no início da Carta aos Hebreus: “Deus, que já tinha falado muitas vezes nos tempos antigos, e de diversas maneiras, aos pais, por meio dos profetas, nestes dias que são os últimos falou-nos por meio do Filho” (Hb 1,1-2).

Isto mostra claramente que a revelação no Antigo Testamento era indireta, revelação aos profetas através da palavra inspirada de Deus, acontecida em tempos diversos (“nos tempos antigos”) e através de diferentes acontecimentos (“muitas vezes e de diversas maneiras”). O Novo Testamento, pelo contrário, é auto-revelação direta de Deus (“por meio do Filho”) que transcende a história (“falou-nos”). Esta revelação não pode perder a atualidade ou ser limitada pela história (“nestes dias que são os últimos”), pois a Palavra se fez carne. A revelação de Deus nos dois Testamentos se coloca em dois planos distintos e complementares: o primeiro é o plano histórico objetivo, baseado na palavra racional inspirada através do passar do tempo, o mudar-se dos acontecimentos e o suceder-se das gerações; o segundo é o plano da real auto-revelação, baseado na encarnação da eterna Palavra de Deus. Esta segunda é uma revelação direta  que transcende o tempo e se completou graças à encarnação, com a aparição de Deus na carne, sem que Deus sofresse mudança em si mesmo.

IV.7 A revelação de Deus no homem e em si nos dois Testamentos

O método historicamente usado por Deus para revelar-se no Antigo Testamento tinha três componentes fundamentais:

O primeiro consistia em fazer ao povo, enquanto nação, promessas temporais específicas com relação à existência da nação e suas relações com as outras nações. No tempo marcado Deus cumpriria as promessas por meio dos juizes, dos chefes e dos reis dos quais tinha preestabelecido os movimentos e as ações: assim o povo poderia perceber Deus em sua condução perfeita dos eventos.

O segundo componente era constituído pelos mandamentos, pela legislação e pelas normas religiosas e litúrgicas, incluindo a necessária consagração de ministros e unção de sacerdotes, para instruir o povo e fazê-lo aproximar-se de Deus: assim o povo poderia perceber Deus através da purificação.

O terceiro consistia em dar ao povo as profecias e a indicação espiritual do futuro que o aguardava na contínua relação com Deus e sobre a missão junto aos outros povos da terra. Esta foi a missão dos profetas que falaram movidos pelo Espírito de Deus: assim o povo podia conhecer Deus no arrependimento e no retorno a ele.

O surpreendente é que cada um desses três componentes está presente em cada livro da Bíblia, e um estudo e meditação aprofundados mostram que formam um plano claro e perfeito, dotado de um método lógico e de um fim preciso.

Os juizes, os chefes e os reis se sucederam uns aos outros em Israel no arco de dois mil anos, tendo claramente em comum uma autoridade divina, apesar das diferenças morais e religiosas entre si e os muitos fracassos. É como se tivessem sido designados por Deus para atuar um único plano divino, independentemente do sucesso ou do fracasso individual.

O mesmo vale para os levitas e os sacerdotes. Apesar de suas posições, funções e qualidades diversas, e apesar do fracasso de muitos, estavam comprometidos com o único serviço que desenvolviam pelo povo e que Deus aceitava sem olhar a sinceridade e a retidão, ou a deslealdade e a rebelião com que agiam.

O mesmo se pode dizer para as palavras dos profetas. Todas as profecias que, digna ou indignamente, foram pronunciadas no curso do Antigo Testamento, são testificadas pelas Escrituras como palavras do Espírito Santo e se cumpriram no tempo estabelecido, mesmo se o profeta que as anunciava fosse impuro ou se o povo houvesse rejeitado a profecia.

Além disso, esses três caminhos, exemplificados no rei, no sacerdote e no profeta, fundamento do método pedagógico historicamente usado por Deus para revelar-se a si mesmo ao povo de Israel no curso dos séculos, estão ligados entre si por uma suprema unidade de finalidade que progride no tempo. O reino de Israel, isto é, o método de governo e o método de viver do rei, era garantia da prática do culto de Deus, do serviço do santuário, da manutenção do sacerdócio, do sacrifício quotidiano a Deus e da execução de todas as funções sacerdotais. Tudo isso, por sua vez, estava unido às palavras do profeta com respeito à integridade e à correção dos fins que motivavam Israel enquanto povo. Portanto, a unidade de Israel pode parecer fundada num sistema - um sistema de monarquia, sacerdócio e profecia - mas em sua essência tratava-se de uma unidade orgânica vivente. O rei, o sacerdote e o profeta não representavam três sistemas, mas eram três componentes de um corpo vivente, que Deus controlava e guiava para uma finalidade específica e para uma meta de importância vital para todo o mundo: a revelação do próprio Deus.

O plano divino acompanha e realiza a constituição deste corpo vivente (um povo guiado por um rei divinamente consagrado, servido por um sacerdote divinamente constituído, inspirado por um profeta que falava movido pelo Espírito Santo) e pode ser sintetizado no desejo de Deus de se revelar ao mundo através deste corpo vivo que progredia no tempo e no arco de muitas gerações. O rei, na sua absoluta soberania, revelava Deus como governante e salvador do povo. O sacerdote, no seu serviço sacerdotal, o revelava qual reconciliador e restaurador do povo. O profeta, em suas palavras e visões, o revelava como aquele que conforta e instrui o povo.

Mas existe um outro surpreendente mistério, complementar ao precedente, que deve ser lembrado. Deus não considerou o povo de Israel como um povo separado de si. Pensou-o como seu filho primogênito, pois era o primeiro entre os povos do mundo a ser amado por Deus; pensou-o também como seu servo dileto, porque era o primeiro povo que servia a Deus segundo um sistema cultual específico. Contudo, não viu todas essas coisas na pessoa de seus reis, ou dos sacerdotes, ou dos profetas, e nem mesmo na nação, também ela rebelde. Contemplou-as na pessoa do Messias, que deveria dar plenitude ao conceito de realeza (governo justo e divino), ao conceito de sacerdócio (redenção e salvação), e ao conceito de profecia (uma revelação de Deus direta e não mediada por alusões). O Messias os representaria diante de Deus na sua qualidade de verdadeiros filhos, sendo o Filho divino de Deus, mesmo que simultaneamente permanecesse um servo de Deus e um verdadeiro israelita segundo a carne, pois era da estirpe de Abraão, filho de Davi.

Deste modo, desde o início o Messias era considerado rei, sacerdote e profeta.

O Rei eterno, à cuja imagem foram criados Davi e todos os reis divinamente consagrados e no qual a realeza atingiria o ápice. O comando do Reino de Israel devia permanecer para sempre em seus ombros, na verdade divina e não simplesmente na história, porque seu trono não teria fim: Nasceu-nos um menino, um filho nos foi dado. Em seus ombros está o sinal da soberania e é chamado de: Conselheiro admirável, Deus poderoso, Pai para sempre, Príncipe da paz; grande será o seu domínio e a paz não terá fim no trono de Davi... (Is 9,5-6).

O Sacerdote, à cuja imagem foi criado todo sacerdote, para que servisse diante de Deus como mediador junto ao povo, e no qual o sacerdócio encontra o seu ápice. A mediação reside em sua pessoa, pois ele é o único mediador da redenção, o perdão dos pecados e a reconciliação eterna entre Deus e o homem.

O Profeta em cujo nome profetizou todo profeta e do qual tinha indicado a vinda na plenitude dos tempos. Nele deviam alcançar a plenitude todas as profecias, todo o conhecimento, toda a sabedoria do tempo presente, pois Cristo é a perfeita revelação vivente diante de Deus e do homem. Não há mais nenhuma necessidade de se profetizar a respeito dele, pois toda carne viu a salvação de Deus.

O Novo Testamento indica a misteriosa e perfeita relação entre Israel como povo e o Messias, o Cristo. Tudo o que se atribuía a Israel pode ser atribuído ao Messias de modo preciso e exato. Por exemplo, quando o Senhor Jesus retornou do Egito, aonde se tinha refugiado com sua mãe e José, dele disse Deus: Do Egito chamei meu filho (Mt 2,15). Essa mesma palavra tinha sido referida ao povo de Israel quando deixou o Egito (cf. Ex 4,22-23: Israel é meu filho primogênito... deixa partir o meu filho, e Os 11,1). É como se o povo de Israel tivesse agido simbolicamente, pondo em prática a obra, a vida e o caráter do Cristo que viria.

Na realidade, as características comuns ao povo de Israel e ao Messias referem-se à totalidade da revelação cristã, a ponto de as profecias dirigidas a Jacó - chamado Israel - deverem ser entendidas também como dirigidas ao Messias. Quando a profecia diz: Jacó meu servo (Is 44,1) e meu servo Israel (Is 49,3), refere-se ao Messias, mas pode ser explicada e aplicada tanto ao Messias como ao povo de Israel, sem contradição alguma. Esse é o maravilhoso mistério que está por detrás do fato de Cristo ser chamado Filho e Servo e, ao mesmo tempo Rei, Sacerdote e Profeta, pois ele é um verdadeiro israelita ou, mais precisamente, o verdadeiro Israel, e é verdadeiramente o Filho de Deus [2].

Isso mostra a interdependência dinâmica entre a pessoa do Messias  e as pessoa do povo de Israel. Cada palavra proferida por Deus, cada mensagem, cada ação realizada através de seus reis, sacerdotes e profetas para o povo de Israel tinha seu fundamento na pessoa do Messias e tinha como finalidade encontrar sua realização e sua meta definitiva nele, o Rei eterno, o único Sacerdote e o Profeta que pronunciava palavras por sua própria autoridade. Dele dependia toda a existência e toda a vida de Israel.

Por isso, a história do povo de Israel,  com o conjunto das vicissitudes de seus reis, com todos os ritos de seus sacerdotes e todas as sentenças de seus profetas, é a história e o conhecimento do Messias, mas simbolicamente narrada na forma de um povo escolhido com atenção e amor, para representar  Deus no meio dos povos da terra e dele proclamar a existência e a misericórdia para as demais nações.

Até as tragédias de Israel, sua escravidão e os contínuos castigos no decorrer da história, não podem ser excluídos da esfera de ações positivas com que Deus conduzia o seu povo adiante, lentamente mas com segurança, fazendo-o aproximar-se dos outros povos e reinos da terra. Tudo isso aconteceu para a unidade com as outras nações do mundo, que Israel deveria realizar na pessoa do Senhor Jesus, o Messias. Quando Jesus tornou perfeita essa união entre Israel e as nações, e em si mesmo, na cruz, fez dos dois um só povo, então se concluiu a missão histórica de Israel. Ou, mais precisamente, a missão do Messias da história se concluiu e então começou a missão do Cristo nas nações, o Cristo da vida eterna.

A unidade intrínseca e orgânica que existe entre a pessoa de Israel e a pessoa do Cristo clarifica o motivo pelo qual, além da pessoa de Cristo, que é o princípio e o fim de Israel, não se pode explicar nem compreender o fim de todos os eventos históricos, de toda a legislação e ritos, de todos os ensinamentos e profecias testemunhadas pelo Antigo Testamento, apesar de serem peculiares ao povo de Israel e seu patrimônio autêntico. Como diz o apóstolo Paulo, Cristo é o fim da lei dada a Moisés; analogamente é o fim do reino fundado por Davi e, também, o fim das profecias anunciadas pelos profetas. Verdadeiramente, ele é o fim do próprio Israel e, conseqüentemente, o fim da humanidade, pois todas as coisas nele subsistem (Cl 1,17) [3].

O Antigo Testamento, portanto, prepara o caminho para Cristo, representando-o no tempo e no cenário da história através de “figuras”. Antes de nele encontrar sua realização, praticamente, os acontecimentos históricos eram uma profecia que indicava de modo específico o Cristo. Semelhantemente, todos os ritos sacerdotais, ou os atos de culto, continuaram a atrair o espírito humano para perto do mistério de Cristo, o verdadeiro Cordeiro, antes de atingir um fim imprevisto, quando seu sangue foi derramado na cruz para que todos pudessem voltar para ele e contemplá-lo. Também as profecias denunciavam constantemente o enganador revestimento externo que ocultava a verdade do Reino do Messias que vinha, o Reino de graça e verdade, espírito e vida, até que ele se revelou definitivamente e nós o vimos e o tocamos com as nossas mãos na Palavra de Vida, Jesus Cristo, o qual é Espírito de profecia (Porque o espírito profético não é outro que o testemunho de Jesus - Ap 19,10). Cristo era e é o eixo em torno do qual se decide toda a Torá e a totalidade da história da salvação humana. Entre as mais belas imagens do Messias de Israel, talvez esteja a de Daniel: a visão do Messias qual Filho do homem. Nela, o Messias de Israel, centro da salvação, do reino e da glória de Israel, se torna a imagem do Messias de toda a humanidade, que abraça a totalidade da criação humana e se torna o centro de uma salvação, de uma glória e de um reino que transcendem a realidade deste mundo: Olhando sempre a visão noturna, vi um ser semelhante a um filho de homem vir sobre as nuvens do céu: dirigiu-se para o lado do ancião, diante de quem foi conduzido. A ele foram dados império, glória e realeza, e serviram-no todos os povos, todas as nações e os povos de todas as línguas. Seu domínio será eterno; nunca cessará e seu reino jamais será destruído (Dn 7,13-14). Esta verdade era um dos ensinamentos mais importantes dos rabinos e dos mestres inspirados de Israel no período precedente ao nascimento de Cristo. Eles insistiam no fato de que não existia nenhuma profecia além do Messias.  “Todos os profetas profetizaram somente com relação aos dias do Messias”. “O mundo inteiro foi criado para o Messias”[4]. É a mesma verdade que fundamenta os escritos do Novo Testamento. O próprio Cristo a confirma como um fato digno da máxima atenção: E começando por Moisés e por todos os Profetas, explicou-lhes em todas as Escrituras o que a ele se referia (Lc 24,27). Eis o fundamento da fé impressa na mente da Igreja primitiva. Todas as coisas foram criadas por meio dele e para ele. Ele existe antes de todas as coisas e todas subsistem por ele (Cl 1,16-17).

Quando os mestres e os rabinos de Israel se deram conta disso, passaram a recolher todos os eventos e as profecias contidas nas Escrituras que indicavam o Messias, incluído aquilo que se referia à sua pessoa, às suas obras e ao tempo de sua vinda na história. Recolheram 458 referências messiânicas, das quais 75 do Pentateuco, 243 dos livros dos profetas e 138 das histórias dos patriarcas, e as registraram no tratado do Sanhedrin. Infelizmente, porém, os últimos mestres e rabinos que viveram imediatamente antes da vinda de Cristo, se emaranharam em complicadas interpretações destes textos referidos ao Messias, e perderam-se em deduções bizarras e absurdos que ocultavam  a verdade e obscureciam o rosto da pessoa real na qual Cristo veio. As profecias referentes ao Messias foram distorcidas nas mentes dos chefes, sua capacidade de perceber a verdade desaparecera e seus olhos se tornaram cegos diante da visão da luz, quando essa surgiu. Além disso, o conhecimento espiritual dos chefes se enfraqueceu porque consideravam exclusivamente a forma externa da lei. Para os sacerdotes, os fariseus, os saduceus e os escribas, a essência da religião consistia na observância exata da lei, na repetição dos textos que a continham, na repetição de breves orações e num zelo patriótico para recuperar as glórias de um tempo, o reino e a antiga supremacia. Para eles, o campo da espera messiânica esgotava-se nisso e não podiam levar em consideração atividades ou ações ou interesses que lhes fossem estranhos.

Inclusive, pensavam que a vinda do Messias simplesmente deveria levar à consolidação da antiga forma de culto com seus mínimos detalhes, e ao cumprimento de suas esperanças. Deste modo, o culto judaico distanciou-se do verdadeiro significado messiânico que possuía na intenção divina. As Escrituras e as profecias não mais foram interpretadas em seu significado essencial; ao invés de convergirem na pessoa do Messias que devia vir como Salvador do mundo através de Israel, foram entendidas como a descrição de um Messias que viria como chefe do mundo, instrumento para restaurar a glória do povo de Israel.

Deste modo, mal Cristo fez sua aparição em público, irrompeu um conflito entre ele e os chefes dos judeus: apesar de seu ensinamento ser de origem divina, quanto mais sua pregação ignorava a escrupulosa dependência dos insignificantes detalhes da lei, as purificações e os excessos de religiosidade, a glória mundana e a supremacia de Israel,  tanto mais Cristo era rejeitado pelos sacerdotes, doutores da lei e pelos grupos zelotas do povo. Eles dedicavam-se fanaticamente a seus ritos, à sua raça, a seu estado e pensavam que Jesus não possuía as qualidades necessárias para ser o Messias segundo a imagem que dele tinham feito, seguindo sua própria inclinação e seus fins corruptos.

Contudo, não era geral esse ofuscamento do significado essencial da fé no Messias no interior dos grupos dos sacerdotes, dos escribas, dos fariseus e dos saduceus. Permanecia uma parte do povo de Israel, incluindo também chefes e outros homens piedosos, que soube conservar ainda o espírito autêntico do culto e aderir às fiéis promessas de Deus. Este resto de homens piedosos com fé ardente anelava pela vinda do Messias, pois o tinham descortinado no estudo dos profetas e dos mestres de Israel. O Novo Testamento, nas primeiras páginas dos evangelhos, oferece-nos alguns exemplos destes crentes: o velho Simeão, a profetiza Ana, o sacerdote Zacarias, Isabel e a santa virgem Maria. 

NOTAS:

[1] Durante o Advento, a Igreja reflete a relação entre o Antigo e o Novo Testamento e a confirmação das profecias ligadas à encarnação da Palavra.

[2] Ele, que é de condição divina, não considerou como presa a agarrar o ser igual a Deus. Mas despojou-se, tomando a condição de servo, tornando-se semelhante aos homens (Fl 2,6-7).

[3] Porque aprouve a Deus nele fazer habitar toda plenitude (Cl 1,19).

[4] Sanhedrin 99a ; 98b.

*Publicação em ECCLESIA autorizada pelo Tradutor, Pe. José Artulino Besen.


Uma reflexão de 1600 anos sobre o mistério assombroso do Natal

Renata Sedmakova | Shutterstock
Por Philip Kosloski

São Gregório Nazianzeno proporciona uma bela meditação sobre o Natal e o quanto ele é especial.

A encarnação de Jesus Cristo é assombrosa, embora muitas vezes não consigamos refletir sobre ela na época do Natal.

Os nossos dias, nesse período, são frequentemente preenchidos com planejamentos de enfeites, festas e presentes, em vez de refletirmos com tranquilidade sobre a real beleza do Natal.

A Igreja nos oferece, no Ofício de Leituras, um rico sermão de São Gregório Nazianzeno que pode nos ajudar a admirar o mistério da encarnação de Jesus.

O próprio Filho de Deus, anterior aos tempos, o invisível, o incompreensível, o incorpóreo, o princípio do princípio, a luz da luz, a fonte da vida e da imortalidade, a imagem do arquétipo, o selo indelével, a semelhança perfeita, a definição e a palavra do Pai: é ele quem vem à sua própria imagem e toma a nossa natureza para o bem da nossa natureza, e se une a uma alma inteligente para o bem da minha alma, para purificá-la como por semelhante.

São Gregório mesmo se mostra boquiaberto com esse acontecimento tão extraordinário:

Aquele que enriquece torna-se pobre; assume a pobreza da minha carne, para que eu possa ganhar a riqueza da sua divindade. Aquele que é pleno se esvazia; esvazia-se por um breve espaço da sua glória, para que eu possa partilhar da sua plenitude. Que riqueza de bondade é esta? Que mistério é este que me rodeia? Recebi a semelhança de Deus, mas não consegui guardá-la. Ele assume a minha carne, para trazer a salvação à imagem, a imortalidade à carne. Ele entra numa segunda união conosco, uma união muito mais maravilhosa do que a primeira.

Acima de tudo, São Gregório reconhece o quanto precisávamos que o dia de Natal acontecesse:

Precisávamos de Deus para tomar a nossa carne e morrer, para que pudéssemos viver. Morremos com Ele para que pudéssemos ser purificados. Ressuscitamos com ele porque morremos com ele. Fomos glorificados com ele porque ressuscitamos com ele.

Enquanto nos preparamos para a celebração do Natal, que possamos sempre refletir sobre a beleza da encarnação e sobre o quanto Deus nos ama.

Fonte: https://pt.aleteia.org/

Pe. Manuel Pérez Candela

Pe. Manuel Pérez Candela
Pároco da Paróquia Nossa Senhora da Imaculada Conceição - Sobradinho/DF