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terça-feira, 30 de maio de 2023

Santa Joana d’Arc: virgem e intrépida guerreira

Estátua de Joana d'Arc em Paris | Guadium Press

A Igreja celebra hoje, 30 de maio, o martírio de Santa Joana d’Arc. Dotada por Deus de um altíssimo chamado, a pequena pastora de Domremy não mediu esforços para cumprir a vontade Divina, a ponto de ser, por este motivo, perseguida, caluniada e martirizada.

 Redação (30/05/2022 08:34, Gaudium Press) Santa Joana d’Arc nasceu provavelmente em 1411, ou talvez 1412, em Domremy, cidade do interior da França. Segundo uma piedosa tradição, veio à luz na noite da Epifania, a 6 de janeiro. Filha de Jacques d’Arc e Isabel, católicos e possuidores de boa reputação, foi educada desde a mais tenra infância na prática da Lei de Deus. Segundo testemunhas de sua época, gostava de ir à Igreja e de confessar-se. Sempre que tinha condições, dava esmolas aos pobres. Em geral, passou a infância pastoreando animais, o que fazia com muito agrado. Em nada se distinguia das jovens de sua idade. Entre os seus mais próximos, era conhecida como Jeannette, a pequena Joana.

Porém, a partir dos treze anos, alguns fatos mudarão a vida da pequena pastora: Deus passa se comunicar com ela por meio de aparições sobrenaturais. Desde então, via e ouvia São Miguel Arcanjo, Santa Catarina e Santa Margarida, os quais, ao longo de três anos, preparam-na para o cumprimento da missão que lhe estava destinada: libertar a França do poder dos ingleses, e fazer com que Carlos VII fosse sagrado rei.

Fiel ao chamado de Deus, Joana partiu pressurosa para a cidade de Chinon, a fim de cumprir as ordens Divinas.

Azulejo de Joana d'Arc | Guadium Press

Tinha tão somente 16 anos, quando o rei Carlos lhe confiou o comando de uma brigada; a ela que desconhecia por inteiro as leis da guerra… Em oito dias, no fim do mês de maio, a jovem guerreira encerrou o cerco de Orleans, cidade sitiada havia sete meses, obrigando os ingleses a debandarem. E, no seguinte mês, julho, após tantos esforços por ela por ela empregados, Carlos VII, em Reims, foi sagrado rei da França.

O calvário

Contudo, após tantos êxitos, fatos aparentemente inexplicáveis darão início ao seu “calvário” que durará quase dois anos: o rei, que tanto a amparava e protegia, abandona-a à sorte dos inimigos. Se isto não bastasse, no dia 23 de maio de 1430, ela foi capturada e feita prisioneira, sendo vendida cinco meses depois aos ingleses. Começam então as maquinações.

Procuram de todos os modos matá-la, mas necessitam conservar aparências de legalidade, pois um prisioneiro de guerra não pode ser levado à força para morte. Nisto, põem-se de acordo com o bispo local, Pierre Cauchon, e julgam-na por “heresia”, “bruxaria” e “idolatria”.

Todavia, primeira ilegalidade: Santa Joana esteve sempre mantida prisioneira pelos ingleses, e jamais colocada numa prisão da Igreja custodiada por mulheres, como pediria um mínimo de respeito pela sua condição feminina, e pelo tipo de “processo” que simularam contra ela.

Com efeito, inúmeras vezes a pucelle, a virgem – como era conhecida até entre seus inimigos – se queixará por estar agrilhoada e vigiada dia e noite por grupos de cinco soldados que a odiavam. Em várias ocasiões, foi agredida pelos carcereiros com a intenção de atentar contra seu pudor. Nada disso, contudo, moveu a compaixão dos eclesiásticos.

Deste modo, traída, presa e repudiada por aqueles mesmos que ela defendia, é julgada “em nome da Igreja” por um bispo, coadjuvado de um cardeal e mais de 120 clérigos, os quais põem-se a serviço de interesses alheios à salvação das almas, submetendo-se aos invasores ingleses, para perder a inocente Joana.

Contra Santa Joana d’Arc, utilizaram todos os recursos que a impostura pode conceber, chegando até a se atentar contra o sigilo de confissão, em vistas a obter alguma acusação digna de crédito, que os permitisse conduzir a virgem de Domremy à fogueira. Não faltaram falsificação de documentos, maquinações para atentar contra sua virgindade, ameaças de tortura e outras crueldades.

Além disso, ao longo do processo, os esbirros muitas vezes “omitiram” as noções básicas do direito natural. Certa vez, Jean Beaupère, um dos mais arditi pela morte de Joana, compareceu ante ela com o bispo Couchon, e indagou-lhe: “Sabes se estás na Graça de Deus?”. Cabe recordar um célebre adágio da Santa Madre Igreja que diz: “De internis non iudicat Ecclesia”. Isto é, sobre a consciência, nem mesmo a Igreja julga. Entrementes, inspirada pelas vozes celestes que sempre a auxiliavam, Joana respondeu: “Se não estou, que Deus ma conceda. Se estou, que nela me conserve! Eu seria a pessoa mais infeliz do mundo se soubesse não estar na Graça de Deus”.

A execução

Joana d'Arc | Guadium Press

Todavia, por quê tamanho ódio suscitado contra uma jovem de 19 anos, a qual, aos olhos dos homens, como descreve Régine Pernoud, “era ela uma simples mulher que, na guerra, se mostrava mais experimentada que um capitão, uma camponesa ignorante que agia como se soubesse mais do que esses doutores possuidores da chave da ciência, uma mocinha de menos de vinte anos que pretendia ser fiel às suas visões”?!

Mas a sanha do mal não poupou esforços. Joana foi em seguida excomungada e condenada à morte no dia 30 de maio de 1430, na Praça do Mercado Velho, de Rouen (França). Antes de sua morte, porém, sucedeu-se algo inexplicável: ela, que estava excomungada, pediu para se confessar e comungar, e foi atendida em ambos os pedidos.

No dia de sua execução, todos os que desejavam assistir sua morte compareceram à praça. Mais de 800 soldados, com lanças e machados de guerra, asseguravam a tranquilidade da execução. A multidão toda presenciou a lenta e dolorosa morte da virgem imaculada, sobre cuja cândida testa puseram um chapéu de irrisão com os dizeres: “herética, apóstata, relapsa, idólatra”.

Impertérritos, ouviram-na exclamar diversas vezes, “Jesus! Jesus” Jesus!” “As vozes não mentiram!”. Após pronunciar pela última vez o nome de “Jesus”, entregou sua alma a Deus; e, segundo o depoimento de uma testemunha insuspeita (um soldado inglês que a odiava), ao exalar o último suspiro, uma pomba branca saiu de seu corpo em direção ao céu. Suas cinzas foram lançadas ao rio, juntamente com seu coração, ainda incorrupto e latejante.

O que aconteceu aos perseguidores?

Entretanto, a mão de Deus se abateu sobre os que perseguiram sua enviada: aqueles que foram culpados por sua morte, em poucos dias foram chamados a prestarem contas diante do Criador.

Os três principais fautores conheceram um trágico fim: Cauchon, morreu subitamente enquanto lhe faziam a barba; D’Estivet, íntimo amigo de Cauchon, o promotor da causa, desapareceu misteriosamente, e seu cadáver foi encontrado num esgoto; Nicolas Midy, foi atingido pela lepra pouco tempo depois do processo, teve de abandonar os benefícios que seu “devotamento” lhe proporcionara, e, comido pela sua doença, morrer num leprosário.

Morte súbita, morte ignorada, morte de lepra. Trágico fim terreno dos que, mundanamente, pensaram ter apagado o nome da enviada de Deus das linhas da história. Ela figura no catálogo dos santos. Eles, unicamente, nas sinistras páginas dos êmulos de Judas.

A Santa Igreja, contudo, pelas mãos de seus fiéis ministros, vinte anos mais tarde, declarará a inculpabilidade da virgem de Domremy. E, 500 anos depois, Bento XV reconhecerá sua santidade de vida, incluindo-a no catálogo dos Santos.

Por Guilherme Maia


Cf. PERNOUD, Régine. Vie et mort de Jeanne d’Arc. Paris: Hachette, 1953.

Fonte: https://gaudiumpress.org/

segunda-feira, 29 de maio de 2023

Por que o Pentecostes é considerado o aniversário da Igreja?

Stefano_Valeri | Shutterstock | Representação do Espírito Santo como pomba

Por Philip Kosloski

O derramamento do Espírito Santo sobre os apóstolos completa o mistério pascal.

O Pentecostes marca o aniversário oficial da Igreja Católica, já que o derramamento do Espírito Santo sobre os apóstolos completa o mistério pascal, conforme explica o Catecismo da Igreja Católica:

No dia de Pentecostes (no termo das sete semanas pascais), a Páscoa de Cristo completou-se com a efusão do Espírito Santo que Se manifestou, Se deu e Se comunicou como Pessoa divina: da sua plenitude, Cristo Senhor derrama em profusão o Espírito.

Neste dia, revelou-Se plenamente a Santíssima Trindade. A partir deste dia, o Reino anunciado por Cristo abre-se aos que n’Ele crêem. Na humildade da carne e na fé, eles participam já na comunhão da Santíssima Trindade. Pela sua vinda, que não cessará jamais, o Espírito Santo faz entrar no mundo nos «últimos tempos», no tempo da Igreja, no Reino já herdado mas ainda não consumado: «Nós vimos a verdadeira Luz, recebemos o Espírito celeste, encontrámos a verdadeira fé: adoramos a Trindade indivisível, porque foi Ela que nos salvou» (Catecismo, nº 731-732).

Pentecostes é o dia em que são inaugurados os sacramentos da Igreja, especificamente o sacramento do batismo:

Uma vez que o Espírito Santo é a unção de Cristo, é Cristo, a Cabeça do corpo, quem O derrama nos seus membros para os alimentar, os curar, os organizar nas suas mútuas funções, os vivificar, os enviar a dar testemunho, os associar à sua oferta ao Pai e à sua intercessão pelo mundo inteiro. É pelos sacramentos da Igreja que Cristo comunica aos membros do seu corpo o seu Espírito Santo e santificador (Catecismo, nº 739).

A Igreja pode agora cumprir a sua missão com a ajuda e a assistência do Espírito Santo.

São Pedro não perdeu tempo neste aniversário da Igreja e começou batizando 3.000 pessoas!

Pentecostes é, por muitos e profundos motivos, um dos mais belos e festivos dias do calendário litúrgico da Igreja Católica!

Fonte: https://pt.aleteia.org/

Santo Agostinho e a Redenção Geral

Santo Agostinho | formacao.cancaonova

Santo Agostinho e a Redenção Geral

Alessandro Lima 23 de janeiro de 2023 

Por Jadson Targino

Introdução

Ao longo da história, teólogos da tradição protestante reformada (também conhecidos como “calvinistas”) têm afirmado uma doutrina conhecida como Expiação Definida. Segundo tal ensino, Nosso Senhor Jesus Cristo teria morrido apenas para obter a salvação dos eleitos (ou “predestinados”). Em outras palavras, segundo eles, Jesus morreu apenas para redimir aquele grupo limitado ou definido de pessoas que, por fim, salvar-se-á, sem ter feito qualquer provisão que possibilite a salvação dos não predestinados.

David Gibson e Jonathan Gibson, dois pastores e teólogos calvinistas responsáveis por organizar o maior livro em defesa dessa doutrina na atualidade, nos lembram que tal ensinamento adotado pelas denominações calvinistas, também recebe outros nomes e confirmam que a entendemos corretamente: “Comumente chamada de ‘expiação limitada’ ou ‘redenção particular’, essa é uma doutrina das igrejas reformadas tratada carinhosamente como uma profunda explicação da morte de Cristo… A explanação oferecida… vê a expiação através das lentes da eleição e, portanto, [em] como [ela] tenciona salvar [somente] um grupo específico de pessoas” (Do Céu Cristo Veio Buscá-la, São José dos Campos: Editora Fiel, 2017, p. 62 [versão digital]).

É um ensino que parece claramente afirmado no Sínodo de Dort (1618-1619), um símbolo de grande importância para a fé calvinista histórica: “Isto quer dizer que foi da vontade de Deus que Cristo por meio do sangue na cruz… redimisse efetivamente de todos os povos.. todos aqueles e SOMENTE aqueles que foram ESCOLHIDOS desde a eternidade para serem salvos, e Lhe foram dados pelo Pai” (Cap. II, 8). Repare nos termos utilizados. Conforme tais teólogos reformados, foi da vontade de Deus redimir somente aqueles que foram escolhidos (ou predestinados).

É óbvio que a Igreja Católica condena tal ensino: “[Quanto à doutrina de que Jesus morreu SOMENTE pela salvação dos predestinados] A declaramos… Falsa, temerária, escandalosa, ímpia, blasfema, ultrajante, contrária à divina piedade e herética” (Constituição Apostólica Cum Occasione, Papa Inocêncio X (1653), Denz. 2001-2007). E a grande maioria dos protestantes também rejeita. As Escrituras ensinam claramente que Cristo veio “para que, pela graça de Deus, provasse a morte por todos” (Hb 2,9; cf. 2 Co 5,14-15) e que “Ele é a expiação pelos nossos pecados, e não somente pelos nossos, mas também pelos de todo o mundo” (1 Jo 2,2), não apenas dos predestinados. Assim, só se perde quem resiste à graça e rejeita a oferta da salvação (At 7,51; 2 Co 6,1; Jo 3,15-36, etc.), e não por ausência de provisão.

Mesmo que tenham elaborado uma obra inteira para provarem o seu ponto, os próprios Gibson reconhecem que “nenhum texto bíblico declara que Cristo morreu somente por seus eleitos, mas vários textos declaram que Ele morreu por todos” (Idem, p. 65). Assim, os calvinistas sabem que são, por razões claras, minoritários no Cristianismo: “Quando falamos em redenção particular [expiação limitada], temos de reconhecer que os pensadores reformados ocupam uma posição minoritária dentro da cristandade… reconhecemos que grandes segmentos da Igreja atual vêem as coisas de modo diferente. A visão oposta à redenção particular é a redenção universal e, se alguém perguntar a católicos romanos informados, membros experientes das comunhões Ortodoxa Grega ou Ortodoxa Russa, ou mesmo luteranos ou arminianos ortodoxos, eles dirão que é nisso que creem… Todas essas pessoas acreditam que Jesus morreu por todos os homens e mulheres e a única coisa que os impede de receber os benefícios de sua morte… É sua descrença ou falta de fé. Aqueles que defendem a posição reformada, afirmam que Jesus morreu por um número seleto de pessoas” (James M. Boice & Philipe G. Ryken, As Doutrinas da Graça, Vida Nova: 2017, p. 131).

Diante do que foi dito, pontuo que uma das estratégias mais utilizadas para dar credibilidade a essa tese teológica tão condenada é a de tentar colocá-la nos escritos de algum Pai da Igreja. Muitos calvinistas tentam imputá-la a Santo Agostinho, como é o caso de Michael Haykin, que afirma haverem nele “fortes alusões de uma expiação definida” (Do Céu Cristo Veio Buscá-la, São José dos Campos: Editora Fiel, 2017, p. 153 [versão digital]). Todavia, demonstrarei como não somente o bispo africano e Doutor da Igreja a rejeitou, como a utilizou como recurso retórico contra os hereges pelagianos, estando assim em plena harmonia com o ensino da Igreja Católica.

Desenvolvimento

Santo Agostinho claramente afirmou que toda “a raça humana devia, em um determinado momento, ser redimida pelo precioso sangue”¹ de Jesus (In Evangelium Ioannis Tractatus, VII, 6) e que como “todos [os homens], sem exceção estavam mortos… por todos os mortos, ali morreu o único sem pecado” (A Cidade de Deus. Livro XX, Cap. VI, [1]), não somente pelos predestinados. Além disso, ensinou que Cristo “com justiça julgará o mundo; não uma parte dele, por que não comprou só uma parte, julgará o todo, pois foi pelo todo que pagou o preço”[2] (Exposição no livro de SalmosSalmo 96, XV). Perceba: para o Doutor da Igreja, Nosso Senhor julgará o mundo todo porque, pela sua morte, Ele comprou a todos. Julgará o todo, afinal por causa do todo pagou o preço. Cristo, o “Redentor veio e pagou um preço; derramou o seu sangue e comprou o mundo inteiro”[3] (idem, V).

Sendo assim, se Jesus obteve a redenção de todos na Cruz, comprando-os, por que nem todos se salvam? Santo Agostinho respondeu: “O Deus misericordioso, querendo libertar a todos os homens desta morte, isto é, das eternas penas, com a condição de que não queiram se tornarem em inimigos de si mesmos e não resistam à sua misericórdia, nos enviou seu Filho unigênito” [4] (De Catechizandis Rudibus, XXVI, 52). Em outras palavras, embora Deus tenha tomado a iniciativa, se requer de nossa parte que cooperemos, não resistindo à oferta da graça de Deus. Como nem todos cooperam, se perdem; afinal, como ensina o famoso bispo africano: “O Deus que te criou sem ti, não te salvará em ti” [5] (Sermão 169, XI). Em outra passagem, Sto. Agostinho confirma essa compreensão de sua doutrina: “Portanto, no que diz respeito ao médico, ele vem para curar os enfermos. Aquele que não quer obedecer às recomendações do médico tira sua própria vida. O Salvador veio ao mundo: por que Ele foi chamado de Salvador do mundo, senão para salvar o mundo e não para julga-lo? Se você não quer ser salvo por Ele condenará a si mesmo” [6] (In Evangelium Ioannis Tractatus, XII, 12).

Não surpreendentemente, isso está em plena harmonia com a doutrina da Igreja Católica: “Embora tenha Ele [Jesus] morrido por todos (2 Co 5, 15), não obstante nem todos recebem o benefício de sua morte, mas somente aqueles aos quais é comunicado o merecimento de sua Paixão” (Concílio de Trento, Seção VI, cap. 3).

O Catecismo de São Pio X (Perguntas 111 à 113), por sua vez: “Por quem morreu Jesus Cristo? Jesus Cristo morreu pela salvação de todos os homens, e satisfez por todos. Se Jesus Cristo morreu pela salvação de todos, por que nem todos se salvam? Jesus Cristo morreu por todos, mas nem todos se salvam, porque nem todos O reconhecem, nem todos seguem a sua lei, nem todos se servem dos meios de santificação que nos deixou. Para nos salvarmos não basta que Jesus tenha morrido por nós? Para nos salvarmos não basta que Jesus Cristo tenha morrido por nós, mas é necessário que sejam aplicados, a cada um de nós, o fruto e os merecimentos da sua Paixão e morte, aplicação que se faz, sobretudo, por meios dos Sacramentos, instituídos para este fim pelo mesmo Jesus Cristo; e como muitos ou não recebem os Sacramentos, ou não os recebem com as condições devidas, eles tornam inútil para si próprios a morte de Jesus Cristo.”

Santo Tomás de Aquino arremata: “Embora Cristo, por Sua morte, tenha expiado suficientemente os pecados da humanidade [inteira]… cada um deve buscar os meios de sua própria salvação. A morte de Cristo é uma causa universal de salvação, assim como o pecado do primeiro homem foi como uma causa universal de condenação. Agora, uma causa universal precisa ser aplicada a cada indivíduo, para que este tenha sua parte no efeito da causa
universal. Consequentemente, o efeito do pecado de nosso primeiro pai atinge cada indivíduo por meio da origem carnal: e o efeito da morte de Cristo atinge cada indivíduo por meio da regeneração espiritual, pela qual o homem é unido e incorporado a Cristo. Portanto, cada um deve buscar ser regenerado por Cristo
 e receber as outras coisas nas quais o poder da morte de Cristo é eficaz” (Suma Contra os Gentios, Livro IV, cap. 55, 29)

Uma outra via

É também possível por outro caminho demonstrar que o bispo de Hipona não acreditava que Jesus morreu apenas pelos predestinados, mas pela salvação de toda a humanidade, embora alguns se percam por sua própria culpa e resistência à graça.

Embora muitos afirmem que a doutrina segundo a qual Jesus morreu pela salvação de todos os homens seja “pelagiana”, é fato que o próprio Agostinho atribuía a negação de tal ensino a Pelágio. Em outras palavras, o bispo africano acreditava que, na verdade, era Pelágio quem restrigia o alcance da obra redentora de Cristo.

Sto. Agostinho escreveu: “Os pelagianos dizem que Deus NÃO é salvador, libertador e purificador dos homens de todos tempos” [7] .

Conforme Agostinho, o heresiarca britânico argumentava que todo ser humano nasce em inocência, como Adão, até que adquire culpa e, portanto, necessidade de redenção; isso somente ao chegar na idade da razão. Logo, Deus não necessitaria prover redenção para as crianças que Ele já sabia que morreriam prematuras, nesse estado de inocência.

Contra isso, Agostinho e os agostinianos disseram o seguinte: se Cristo morreu por todos sem exceção, logo Ele morreu por todas as crianças (inclusive pelos infantes que morrem antes de alcançar a idade da razão), e, portanto, estas devem ter — em algum sentido — necessidade de graça, misericórdia e redenção.

Eram os pelagianos, segundo a interpretação do próprio bispo de Hipona, que negavam que Jesus era salvador, purificador e libertador para todos, pois eles ensinavam que Jesus não precisava morrer para salvar as crianças que faleciam tenras e inocentes.

Nas palavras de Agostinho: “[Chamamos de pelagianos] aqueles que não atribuem à graça divina aquela liberdade para a qual fomos chamados, e aos que recusam reconhecer Cristo como Redentor das crianças… estes sim, os chamamos de pelagianos, porque participam de seus erros criminosos.” [8]

Além disso, o importante teólogo africano utilizava um argumento interessante para refutar os pelagianos: Ele dizia que se Cristo havia morrido por todos, sem exceção, então Ele morreu por todas as crianças. E isso prova – contra Pelágio – que todas os infantes já nascem contraindo o pecado original, pois precisam de salvação, e, assim também necessitam do batismo. Não há criança sem pecado original, porque não há criança pela qual Jesus não morreu. Argumenta Santo Agostinho:

“Se um morreu por todos, então todos morreram e por todos Cristo morreu (2 Co 5:14)… Agora, se as crianças não estão incluídas nesta reconciliação e salvação, quem as incluirá no batismo de Cristo? Mas se elas são incluídas, então elas [necessariamente] são contadas como entre os mortos por quem Ele morreu; nem poderiam ser reconciliadas e salvas por Ele, a menos que Ele as redima e não lhes impute seus pecados.” [9]

Conclusão

Finalizo, portanto, com as palavras de um especialista em agostinianismo: “Não obstante a veneração de Agostinho pelo mistério gratuito da Predestinação, manteve sua crença na universalidade da vontade salvifica antecedente de Deus. […] Ninguém pode colocar em dúvidas a doutrina de Agostinho com relação à universalidade da redenção. […] Tão incontestável para ele era [o dogma], que se serviu dele [como argumento] para contestar a limitação geográfica da Igreja crida pelos donatistas e a favor da transmissão universal do pecado original contra os pelagianos” (MORIONES, Francisco. Teologia de San Agustin. BAC,p. 318. [Tradução minha]).

Em suma, como a Igreja Católica constantemente tem ensinado, Agostinho acreditava – contra a doutrina da Expiação Limitada calvinista – que havia uma provisão na morte de Cristo para toda a humanidade, e se alguém se perde, não é por falta de provisão, mas porque livre e tristemente decidiu não aplicar a si mesmo, pela fé, arrependimento e sacramentos, os benefícios dessa morte redentora. Essa é a doutrina da Expiação Ilimitada ou Redenção Geral, a fé dos Pais, a nossa fé.

Notas:

1. Em latim, “… quia noverat pretioso sanguine quandocumque redimendum esse genus
humanum”. [Tradução minha]

2. Cf. SCHAFF, Philip (org.). Nicene and Post-Nicene Fathers Series I – vol. 8. Grand Rapids MI:
Christian Classics Ethereal Library, p. 938. Disponível em:
https://www.ccel.org/ccel/s/schaff/npnf108/cache/npnf108.pdf. [Tradução minha]

3. Idem, p. 934. [Tradução minha]

4. Em latim, “A quo interitu, hoc est, poenis sempiternis Deus misericors volens homines liberare,
si sibi ipsi non sint inimici, et non resistant misericordiae Creatoris sui, misit unigenitum Filium
suum…”. [Tradução minha]

5. Em latim, “Qui ergo fecit te sine te, non te iustificat sine te”. [Tradução minha]

6. Em latim, “Ergo quantum in medico est, sanare venit aegrotum. Ipse se interimit, qui praecepta
medici observare non vult. Venit Salvator ad mundum: quare Salvator dictus est mundi, nisi ut
salvet mundum, non ut iudicet mundum? Salvari non vis ab ipso; ex te iudicaberis”. [Tradução
minha]

7. Em latim, “Pelagiani dicunt Deum non esse omnium aetatum in hominibus mundatorem,
salvatorem, liberatorem” (Contra Duas Epistolas Pelagianorum, Liber Secundus, 2.2. Disponível
em: https://www.augustinus.it/…/cont…/contro_pelagiani_2.htm). [Tradução minha]

8. Em latim, “Pelagianus et Caelestianus vocatur, sed qui libertatem in quam vocati sumus, non
gratiae Dei tribuerit; et qui parvulorum liberatorem Christum negaverit; et qui cuiquam in hac vita
iusto aliquam in dominica oratione petitionem, non propter ipsum dixerit necessariam; ipse
huius erroris accipit nomen, quia errore communicat crimen” (Contra Iulianum, Livro III, 1, 2.
Disponível em: http://www.augustinus.it/…/contro_giuliano_3_libro.htm). [Tradução minha]

9. AGOSTINHO. “A Treatise on the merits and forgiveness of sins, and on the baptism of infants”,
Cap. 44. In: SCHAFF, Philip (org.). Nicene and Post-Nicene Fathers Series 1 – vol. 5. Grand

Rapids MI: Christian Classics Ethereal Library, p. 166. Disponível em:
https://www.ccel.org/ccel/s/schaff/npnf105/cache/npnf105.pdf. [Tradução minha]

Fonte: https://www.veritatis.com.br/

“O mal que o homem pode fazer parece inacreditável”, lamenta Papa

Antoine Mekary | ALETEIA | #image_title

Por I. Media

"Sou rápido para julgar, apontar o dedo e bater a porta na cara dos outros, vendo-me como vítima de tudo e de todos? […] Ou eu perdoo, promovo a reconciliação e crio comunhão?"

Para as pessoas “desconectadas umas das outras, anestesiadas pela indiferença e oprimidas pela solidão”, o Papa Francisco recomendou o recurso ao Espírito Santo, durante a missa que celebrou na festa de Pentecostes, em 28 de maio, na Basílica de São Pedro. Sem o Espírito Santo, o Papa também disse, “a fé é apenas uma doutrina, a moralidade apenas um dever”.

“Tantas guerras, tantos conflitos: o mal que o homem pode realizar parece inacreditável”, lamentou o 266º Papa em sua homilia. Por trás dessas “hostilidades”, ele denunciou “o espírito de divisão, o demônio”, que “se deleita com antagonismos, injustiças e calúnias”.

Sem o Espírito Santo, “a Igreja é inerte”

Observando que “nossos esforços para construir a harmonia não são suficientes”, o chefe da Igreja Católica recomendou o recurso ao Espírito Santo, que “renova a terra, […] não mudando a realidade, mas harmonizando-a”.

Sem o Espírito Santo, insistiu o sucessor de Pedro, “a Igreja é inerte, a fé é apenas uma doutrina, a moral é apenas um dever, o trabalho pastoral é apenas um trabalho”. É “Dele, acima de tudo, que a Igreja precisa hoje”, disse ele. E pediu: “Coloquemos o Espírito Santo de volta no centro da Igreja, caso contrário, nossos corações não estarão ardendo de amor por Jesus, mas por nós mesmos”.

O Bispo de Roma também pediu que “o Espírito seja colocado no início e no coração do trabalho do Sínodo”. O “Sínodo sobre a Sinodalidade” – um processo de reflexão sobre o futuro da Igreja, que começará em 2021 e terminará em 2024 – não tem como objetivo “reivindicar direitos e necessidades de acordo com a agenda do mundo”, nem “ir aonde o vento nos levar”, reiterou.

Andar de acordo com o Espírito

O Espírito Santo não tem um “projeto estruturado”, nem um “plano preciso e articulado”, acrescentou o pontífice argentino, criticando de passagem as “doutrinas frias, que parecem matemáticas”, de certos teólogos.

Para “andar de acordo com o Espírito” com sucesso, o Papa aconselhou invocá-lo diariamente. “Digamos a ele todos os dias: vem! [Comecemos cada dia rezando a ele”. Ele deixou a assembleia com algumas perguntas: “Sou rápido para julgar, apontar o dedo e bater a porta na cara dos outros, vendo-me como vítima de tudo e de todos? […] Ou eu perdoo, promovo a reconciliação e crio comunhão?”.

“Se o mundo está dividido, se a Igreja está polarizada, se o coração está fragmentado, não percamos tempo criticando os outros e ficando com raiva de nós mesmos, mas invoquemos o Espírito, ele é capaz de resolver”, concluiu o Papa.

Fonte: https://pt.aleteia.org/

ANTIQUUM MINISTERIUM

Papa Francisco assinando a Carta Apostóloca "Antiquum Ministerium" | Vatican News

CARTA APOSTÓLICA
SOB FORMA DE «MOTU PROPRIO»

DO SUMO PONTÍFICE
FRANCISCO

ANTIQUUM MINISTERIUM

PELA QUAL SE INSTITUI O
 MINISTÉRIO DE CATEQUISTA

1. MINISTÉRIO ANTIGO é o de Catequista na Igreja. Os teólogos pensam, comumente, que se encontram os primeiros exemplos já nos escritos do Novo Testamento. A primeira forma, germinal, deste serviço do ensinamento achar-se-ia nos «mestres» mencionados pelo apóstolo Paulo ao escrever à comunidade de Corinto: «E aqueles que Deus estabeleceu na Igreja são, em primeiro lugar, apóstolos; em segundo, profetas; em terceiro, mestres; em seguida, há o dom dos milagres, depois o das curas, o das obras de assistência, o de governo e o das diversas línguas. Porventura são todos apóstolos? São todos profetas? São todos mestres? Fazem todos milagres? Possuem todos o dom das curas? Todos falam línguas? Todos as interpretam? Aspirai, porém, aos melhores dons. Aliás vou mostrar-vos um caminho que ultrapassa todos os outros» (1 Cor 12, 28-31).

O próprio Lucas afirma, na abertura do seu Evangelho: «Resolvi eu também, depois de tudo ter investigado cuidadosamente desde a origem, expô-los [os factos que entre nós se consumaram] a ti por escrito e pela sua ordem, caríssimo Teófilo, a fim de reconheceres a solidez da doutrina em que foste instruído» (Lc 1, 3-4). O evangelista parece bem ciente de estar a fornecer, com os seus escritos, uma forma específica de ensinamento que permite dar solidez e vigor a quantos já receberam o Batismo. E voltando ao mesmo tema, o apóstolo Paulo recomenda aos Gálatas: «Mas quem está a ser instruído na Palavra esteja em comunhão com aquele que o instrui, em todos os bens» (Gal 6, 6). Como se vê, o texto acrescenta uma peculiaridade fundamental: a comunhão de vida como caraterística da fecundidade da verdadeira catequese recebida.

2. Desde os seus primórdios, a comunidade cristã conheceu uma forma difusa de ministerialidade, concretizada no serviço de homens e mulheres que, obedientes à ação do Espírito Santo, dedicaram a sua vida à edificação da Igreja. Os carismas, que o Espírito nunca deixou de infundir nos batizados, tomaram em certos momentos uma forma visível e palpável de serviço à comunidade cristã nas suas múltiplas expressões, chegando ao ponto de ser reconhecido como uma diaconia indispensável para a comunidade. E assim o interpreta o apóstolo Paulo, com a sua autoridade, quando afirma: «Há diversidade de dons, mas o Espírito é o mesmo; há diversidade de serviços, mas o Senhor é o mesmo; há diversos modos de agir, mas é o mesmo Deus que realiza tudo em todos. A cada um é dada a manifestação do Espírito, para proveito comum. A um é dada, pela ação do Espírito, uma palavra de sabedoria; a outro, uma palavra de ciência, segundo o mesmo Espírito; a outro, a fé, no mesmo Espírito; a outro, o dom das curas, no único Espírito; a outro, o poder de fazer milagres; a outro, a profecia; a outro, o discernimento dos espíritos; a outro, a variedade de línguas; a outro, por fim, a interpretação das línguas. Tudo isto, porém, o realiza o único e o mesmo Espírito, distribuindo a cada um, conforme lhe apraz» (1 Cor 12, 4-11).

Por conseguinte é possível reconhecer, dentro da grande tradição carismática do Novo Testamento, a presença concreta de batizados que exerceram o ministério de transmitir, de forma mais orgânica, permanente e associada com as várias circunstâncias da vida, o ensinamento dos apóstolos e dos evangelistas (cf. Conc. Ecum. Vat. II, Const. dogm. Dei Verbum, 8). A Igreja quis reconhecer este serviço como expressão concreta do carisma pessoal, que tanto favoreceu o exercício da sua missão evangelizadora. Olhar para a vida das primeiras comunidades cristãs, que se empenharam na difusão e progresso do Evangelho, estimula também hoje a Igreja a perceber quais possam ser as novas expressões para continuarmos a permanecer fiéis à Palavra do Senhor, a fim de fazer chegar o seu Evangelho a toda a criatura.

3. Toda a história da evangelização destes dois milénios manifesta, com grande evidência, como foi eficaz a missão dos catequistas. Bispos, sacerdotes e diáconos, juntamente com muitos homens e mulheres de vida consagrada, dedicaram a sua vida à instrução catequética, para que a fé fosse um válido sustentáculo para a existência pessoal de cada ser humano. Além disso, alguns reuniram à sua volta outros irmãos e irmãs, que, partilhando o mesmo carisma, constituíram Ordens religiosas totalmente dedicadas ao serviço da catequese.

Não se pode esquecer a multidão incontável de leigos e leigas que tomaram parte, diretamente, na difusão do Evangelho através do ensino catequístico. Homens e mulheres, animados por uma grande fé e verdadeiras testemunhas de santidade, que, em alguns casos, foram mesmo fundadores de Igrejas, chegando até a dar a sua vida. Também nos nossos dias, há muitos catequistas competentes e perseverantes que estão à frente de comunidades em diferentes regiões, realizando uma missão insubstituível na transmissão e aprofundamento da fé. A longa série de Beatos, Santos e Mártires catequistas que marcou a missão da Igreja, merece ser conhecida, pois constitui uma fonte fecunda não só para a catequese, mas também para toda a história da espiritualidade cristã.

4. A partir do Concílio Ecuménico Vaticano II, a Igreja apercebeu-se, com renovada consciência, da importância do compromisso do laicado na obra de evangelização. Os Padres conciliares reafirmaram várias vezes a grande necessidade que há, tanto para a implantação da Igreja como para o crescimento da comunidade cristã, do envolvimento direto dos fiéis leigos nas várias formas em que se pode exprimir o seu carisma. «É digno de elogio aquele exército com tantos méritos na obra das missões entre pagãos, o exército dos catequistas, homens e mulheres, que, cheios do espírito apostólico, prestam com grandes trabalhos uma ajuda singular e absolutamente necessária à expansão da fé e da Igreja. Hoje em dia, em razão da escassez de clero para evangelizar tão grandes multidões e exercer o ministério pastoral, o ofício dos catequistas tem muitíssima importância» (Conc. Ecum. Vat. II, Decr. Ad gentes, 17).

A par do rico ensinamento conciliar, é preciso referir o interesse constante dos Sumos Pontífices, do Sínodo dos Bispos, das Conferências Episcopais e dos vários Pastores, que, no decorrer destas décadas, imprimiram uma notável renovação à catequese. O Catecismo da Igreja Católica, a Exortação apostólica Catechesi tradendae, o Diretório Catequístico Geral, o Diretório Geral da Catequese, o recente Diretório da Catequese, juntamente com inúmeros Catecismos nacionais, regionais e diocesanos são expressão do valor central da obra catequística, que coloca em primeiro plano a instrução e a formação permanente dos crentes.

5. Sem diminuir em nada a missão própria do Bispo – de ser o primeiro Catequista na sua diocese, juntamente com o presbitério que partilha com ele a mesma solicitude pastoral – nem a responsabilidade peculiar dos pais relativamente à formação cristã dos seus filhos (cf. CIC cân. 774 §2; CCEO cân. 618), é necessário reconhecer a presença de leigos e leigas que, em virtude do seu Batismo, se sentem chamados a colaborar no serviço da catequese (cf. CIC cân. 225; CCEO câns. 401 e 406). Esta presença torna-se ainda mais urgente nos nossos dias, devido à renovada consciência da evangelização no mundo contemporâneo (cf. Francisco, Exort. ap. Evangelii gaudium, 163-168) e à imposição duma cultura globalizada (cf. Francisco, Carta enc. Fratelli tutti100.138), que requer um encontro autêntico com as jovens gerações, sem esquecer a exigência de metodologias e instrumentos criativos que tornem o anúncio do Evangelho coerente com a transformação missionária que a Igreja abraçou. Fidelidade ao passado e responsabilidade pelo presente são as condições indispensáveis para que a Igreja possa desempenhar a sua missão no mundo.

Despertar o entusiasmo pessoal de cada batizado e reavivar a consciência de ser chamado a desempenhar a sua missão na comunidade requer a escuta da voz do Espírito que nunca deixa faltar a sua presença fecunda (cf. CIC cân. 774 §1; CCEO cân. 617). O Espírito chama, também hoje, homens e mulheres para irem ao encontro de tantas pessoas que esperam conhecer a beleza, a bondade e a verdade da fé cristã. É tarefa dos Pastores sustentar este percurso e enriquecer a vida da comunidade cristã com o reconhecimento de ministérios laicais capazes de contribuir para a transformação da sociedade através da «penetração dos valores cristãos no mundo social, político e económico» (Evangelii gaudium, 102).

6. O apostolado laical possui, indiscutivelmente, uma valência secular. Esta exige «procurar o Reino de Deus, tratando das realidades temporais e ordenando-as segundo Deus» (Conc. Ecum. Vat. II, Const. dogm. Lumen gentium, 31). A sua vida diária é tecida de encontros e relações familiares e sociais, o que permite verificar como «são especialmente chamados a tornarem a Igreja presente e ativa naqueles locais e circunstâncias em que, só por meio deles, ela pode ser o sal da terra» (Lumen gentium, 33). Entretanto é bom recordar que, além deste apostolado, «os leigos podem ainda ser chamados, por diversos modos, a uma colaboração mais imediata no apostolado da Hierarquia, à semelhança daqueles homens e mulheres que ajudavam o apóstolo Paulo no Evangelho, trabalhando muito no Senhor» (Lumen gentium, 33).

No entanto, a função peculiar desempenhada pelo Catequista especifica-se dentro doutros serviços presentes na comunidade cristã. Com efeito, o Catequista é chamado, antes de mais nada, a exprimir a sua competência no serviço pastoral da transmissão da fé que se desenvolve nas suas diferentes etapas: desde o primeiro anúncio que introduz no querigma, passando pela instrução que torna conscientes da vida nova em Cristo e prepara de modo particular para os sacramentos da iniciação cristã, até à formação permanente que consente que cada batizado esteja sempre pronto «a dar a razão da sua esperança a todo aquele que lha peça» (cf. 1 Ped 3, 15). O Catequista é simultaneamente testemunha da fé, mestre e mistagogo, acompanhante e pedagogo que instrui em nome da Igreja. Uma identidade que só mediante a oração, o estudo e a participação direta na vida da comunidade é que se pode desenvolver com coerência e responsabilidade (cf. Cons. Pont. para a Promoção da Nova Evangelização, Diretório da Catequese, 113).

7. Com grande clarividência, São Paulo VI emanou a Carta apostólica Ministeria quaedam tendo em vista não só adaptar ao novo momento histórico os ministérios de Leitor e Acólito (cf. Carta ap. Spiritus Domini), mas também pedir às Conferências Episcopais para promoverem outros ministérios, entre os quais o de Catequista: «Além destes ministérios comuns a toda a Igreja Latina, nada impede que as Conferências Episcopais peçam outros à Sé Apostólica, se, por motivos particulares, julgarem a sua instituição necessária ou muito útil na sua região. Tais são, por exemplo, as funções de Ostiário, de Exorcista e de Catequista». O mesmo instante convite voltava na Exortação apostólica Evangelii nuntiandi, quando, ao pedir para saber ler as exigências atuais da comunidade cristã numa continuidade fiel com as origens, exortava a encontrar novas formas ministeriais para uma pastoral renovada: «Tais ministérios, novos na aparência mas muito ligados a experiências vividas pela Igreja ao longo da sua existência – por exemplo, o de Catequista (…) – , são preciosos para a implantação, a vida e o crescimento da Igreja e para a sua capacidade de irradiar a própria mensagem à sua volta e para aqueles que estão distantes» (São Paulo VI, Exort. ap. Evangelii nuntiandi, 73).

Com efeito, não se pode negar que «cresceu a consciência da identidade e da missão dos leigos na Igreja. Embora não suficiente, pode-se contar com um numeroso laicado, dotado de um arreigado sentido de comunidade e uma grande fidelidade ao compromisso da caridade, da catequese, da celebração da fé» (Evangelii gaudium, 102). Por conseguinte, receber um ministério laical como o de Catequista imprime uma acentuação maior ao empenho missionário típico de cada um dos batizados que, no entanto, deve ser desempenhado de forma plenamente secular, sem cair em qualquer tentativa de clericalização.

8. Este ministério possui uma forte valência vocacional, que requer o devido discernimento por parte do Bispo e se evidencia com o Rito de instituição. De facto, é um serviço estável prestado à Igreja local de acordo com as exigências pastorais identificadas pelo Ordinário do lugar, mas desempenhado de maneira laical como exige a própria natureza do ministério. Convém que, ao ministério instituído de Catequista, sejam chamados homens e mulheres de fé profunda e maturidade humana, que tenham uma participação ativa na vida da comunidade cristã, sejam capazes de acolhimento, generosidade e vida de comunhão fraterna, recebam a devida formação bíblica, teológica, pastoral e pedagógica, para ser solícitos comunicadores da verdade da fé, e tenham já maturado uma prévia experiência de catequese (cf. Conc. Ecum. Vat. II, Decr. Christus Dominus, 14; CIC cân. 231 §1; CCEO cân. 409 §1). Requer-se que sejam colaboradores fiéis dos presbíteros e diáconos, disponíveis para exercer o ministério onde for necessário e animados por verdadeiro entusiasmo apostólico.

Assim, depois de ter ponderado todos os aspetos, em virtude da autoridade apostólica,

instituo

o ministério laical de Catequista.

A Congregação para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos providenciará, dentro em breve, a publicação do Rito de Instituição do ministério laical de Catequista.

9. Convido, pois, as Conferências Episcopais a tornarem realidade o ministério de Catequista, estabelecendo o iter formativo necessário e os critérios normativos para o acesso ao mesmo, encontrando as formas mais coerentes para o serviço que estas pessoas serão chamadas a desempenhar em conformidade com tudo o que foi expresso por esta Carta Apostólica.

10. Os Sínodos das Igrejas Orientais ou as Assembleias dos Hierarcas poderão receber quanto aqui estabelecido para as respetivas Igrejas sui iuris, com base no próprio direito particular.

11. Os Pastores não cessem de abraçar esta exortação que lhes recordavam os Padres conciliares: «Sabem que não foram instituídos por Cristo para se encarregarem por si sós de toda a missão salvadora da Igreja para com o mundo, mas que o seu cargo sublime consiste em pastorear  de tal modo os fiéis e de tal modo reconhecer os seus serviços e carismas, que todos, cada um segundo o seu modo próprio, cooperem na obra comum» (Lumen gentium, 30). O discernimento dos dons que o Espírito Santo nunca deixa faltar à sua Igreja seja para eles o apoio necessário para tornar concreto o ministério de Catequista para o crescimento da própria comunidade.

Quanto estabelecido por esta Carta Apostólica em forma de “Motu próprio”, ordeno que tenha vigor firme e estável, não obstante qualquer coisa em contrário ainda que digna de menção particular, e que seja promulgado mediante publicação no jornal L’Osservatore Romano, entrando em vigor no mesmo dia, e publicado depois no órgão oficial Acta Apostolicae Sedis.

Dado em Roma, junto de São João de Latrão, na Memória litúrgica de São João de Ávila, Presbítero e Doutor da Igreja, dia 10 de maio do ano de 2021, nono do meu pontificado.

Francisco

Fonte: https://www.vatican.va/

Mediação de Maria, parte do patrimônio da fé cristã

@Musei Vaticani

"A mediação de Maria faz parte do patrimônio da fé cristã e é a partir desta verdade, tão presente nos ensinamentos dos santos como também no Magistério ordinário da Igreja, que a porção dos fiéis pode unir-se mais eficazmente contra os desvios mundanos, a fim de alcançar a coroa do Céu."

Jackson Erpen - Cidade do Vaticano

Deus não prescindiu da Mãe: por maior força de razão, precisamos nós d’Ela. O próprio Jesus no-La deu; e não num momento qualquer, mas quando estava pregado na cruz: «Eis a tua mãe» (Jo 19, 27) – disse Ele ao discípulo, a cada discípulo. Nossa Senhora não é opcional: deve ser acolhida na vida. É a Rainha da paz, que vence o mal e guia pelos caminhos do bem, repõe a unidade entre os filhos, educa para a compaixão. (Papa Francisco)

Com um Decreto publicado em 3 de março de 2018 pela então Congregação do Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos (agora Dicastério), o Papa Francisco determinou a inscrição da Memória da “Bem-aventurada Virgem, Mãe da Igreja” no Calendário Romano Geral, a ser celebrada todos os anos na segunda-feira depois de Pentecostes.

“Esta celebração - lê-se no Decreto - ajudará a lembrar que a vida cristã, para crescer, deve ser ancorada no mistério da Cruz, na oblação de Cristo no convite eucarístico e na Virgem oferente, Mãe do Redentor e dos redimidos”.

Alguns meses antes, em 12 de dezembro de 2017, o Papa Francisco presidiu na Basílica de São Pedro, a celebração da Festa de Nossa Senhora de Guadalupe, ocasião em que afirmou que "ao longo dos tempos, a piedade cristã procurou sempre" louvar Maria "com novos títulos: tratava-se de títulos filiais, títulos do amor do povo de Deus, mas que em nada tocavam o seu ser mulher-discípula."

Padre Gerson Schmidt*, que tem nos acompanhado ao longo dos últimos anos neste espaço Memória Histórica, dá início a uma série de programas sobre a mediação da Virgem Maria e sua importância na história da salvação:

"É importante agora precisar mais claramente o papel de Maria na história da salvação. A participação singular de Maria na obra da redenção não é apenas uma “opinião piedosa”, mas uma verdade ensinada repetidas vezes pelo Magistério da Igreja. Não há "fruto da graça na história da salvação que não tenha como instrumento necessário a mediação de Nossa Senhora".

A primeira vez que um Papa usou o termo de Correndentora referindo-se à Maria foi Pio XI, em uma alocução de 30 de novembro de 1933: “Pela natureza de sua obra, o Redentor devia associar sua Mãe com sua obra. Por esta razão, nós a invocamos sob o título de Corredentora. Ela nos deu o Salvador, acompanhou-O na obra da redenção até a cruz, compartilhando com Ele os sofrimentos, agonia e morte, com os quais Jesus deu pleno cumprimento à redenção humana”.

A custo se conseguirá exprimir com maior precisão e clareza a doutrina da Corredenção mariana em Jesus Cristo com Ele e por Ele. Observa com razão Roschini: “Triunfar com Cristo, esmagando a cabeça da serpente, não é outra coisa que ser Corredentora com Cristo” [1]. Essa afirmação de Roschini se fundamenta numa declaração do Papa PIO IX - Ineffabilis Deus – que declara assim: “Ao glosar as palavras com as quais Deus, anunciando no início do mundo os remédios preparados em sua misericórdia para regenerar os mortais, confundiu a audácia da serpente sedutora e levantou maravilhosamente a esperança de nossa linhagem, dizendo: ‘porei inimizades entre ti e a Mulher, entre tua descendência e a dela’ (Gn 3, 15), os Padres da Igreja e outros doutores ensinaram que, por este divino oráculo, foi clara e patentemente anunciado o misericordioso Redentor do gênero humano, Jesus Cristo, Filho Unigênito de Deus, e foi do mesmo modo designada sua santíssima Mãe, a Virgem Maria, bem como brilhantemente posta em relevo a mesmíssima inimizade de ambos contra o demônio. Por esse motivo, assim como Cristo, mediador entre Deus e os homens, assumiu a natureza humana, anulou o decreto contra nós exarado e o cravou triunfante na Cruz, assim a Santíssima Virgem – unida a Ele por estreito e indissolúvel vínculo, exercendo com Ele e por Ele suas eternas inimizades – triunfou plenissimamente da venenosa serpente, cuja cabeça esmagou com seu pé imaculado”.

Quando Bento XVI declarou não existir "fruto da graça na história da salvação que não tenha como instrumento necessário a mediação de Nossa Senhora", ele não estava simplesmente fazendo uso de um exagero retórico próprio da linguagem dos santos [2]. A mediação de Maria faz parte do patrimônio da fé cristã e é a partir desta verdade, tão presente nos ensinamentos dos santos como também no Magistério ordinário da Igreja, que a porção dos fiéis pode unir-se mais eficazmente contra os desvios mundanos, a fim de alcançar a coroa do Céu."

*Padre Gerson Schmidt foi ordenado em 2 de janeiro de 1993, em Estrela (RS). Além da Filosofia e Teologia, também é graduado em Jornalismo e é Mestre em Comunicação pela FAMECOS/PUCRS.
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[1] ROSCHINI, OSM, Gabriel Maria. La Madre de Dios según la fe y la Teología. Madrid: Apostolado de la Prensa, 1955, v.I, p.477.

Fonte:https://www.vaticannews.va/pt

Pe. Manuel Pérez Candela

Pe. Manuel Pérez Candela
Pároco da Paróquia Nossa Senhora da Imaculada Conceição - Sobradinho/DF