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quinta-feira, 28 de dezembro de 2023

Francisco e o escândalo do Evangelho, o caminho desafiador

Cristo, bom pastor (Vatican Media)

Então, disse Jesus aos Doze: "Não quereis também vós partir?" Simão Pedro respondeu-lhe: "Senhor, a quem iremos? Tens palavras de vida eterna e nós cremos e reconhecemos que tu és o Santo de Deus" (Jo 6, 67-69). Uma reflexão acerca de "Fiducia supplicans", o documento recentemente publicado pelo Dicastério para a Doutrina da Fé sobre o significado pastoral das bênçãos.

Por Francesco Ognibene

"Não quereis também vós partir?" Parece que ainda podemos ouvir essas palavras provocativas de Jesus quando, diante do escândalo de sua pregação, aqueles que o seguiam e diziam acreditar nele foram embora, como se houvesse uma medida da inteligência e do coração que nem mesmo Deus pode ultrapassar se não quiser ser abandonado pelos "seus".

A cena evangélica da solidão à qual o Senhor se entrega por ter se revelado plenamente em seu amor inaudito por nossa humanidade desencaminhada vem à mente toda vez que se eleva o escândalo de alguns cristãos em torno do Papa, que nos pede passos adiante na compreensão do Evangelho. Passos que nem sempre são fáceis, até mesmo indigestos para muitos, mas desde quando a fé nos promete uma vida fácil? O Papa Francisco, e antes dele outros Papas que conhecemos, nunca se detém nas convicções familiares e reconfortantes, ele continua a reler para nós o depósito da fé e da doutrina, mostrando-nos novos aspectos que, à luz de tempos complicados e incertos como os nossos, podem até provocar a reação instintiva de parar, de não segui-lo, ou até mesmo de ir embora. Como se achássemos exagerado o que Pedro nos explica, basicamente convencidos de que ele não pode nos pedir que o acompanhemos até aí. E, em vez disso, poderia ser exatamente dessa passagem mais impermeável que depende uma nova clareza sobre a mensagem cristã da qual desejamos ser testemunhas convictas. Algumas reações nestas horas após a divulgação da Declaração do Dicastério para a Doutrina da Fé Fiducia supplicans "sobre o significado pastoral das bênçãos", com as passagens sobre os casais formados por pessoas do mesmo sexo, parecem propor novamente aquela cena evangélica marcante: o Mestre que lança o olhar e vê o grupo de discípulos diminuindo e as fileiras de detratores aumentando. Um giro pelas mídias sociais é iluminador: alguns dão as costas ao Papa, outros o rechaçam, outros ficam indignados com ele, outros o contestam e relatam, cada um a seu modo, o que os levou a formar uma dissidência que resvala para a hostilidade. Hoje, como naquela época, há aqueles que acreditavam ter encontrado a verdade triunfante sobre o poder ideológico e opressor; em vez disso, a ilusão cai, com aquela doutrina que parecia tão certa e brilhante de repente se tornando desarmada, paradoxal, difícil demais de digerir, diferente das expectativas: "Essa palavra é dura! Quem pode escutá-la?"

No capítulo 6º de João, a solidão de Jesus dá um nó na garganta, com aquela carícia instintiva de Pedro ("A quem iremos? Tens palavras de vida eterna") acalmando uma das páginas mais amargas dos Evangelhos. A mesma emoção nos toma - confessamos - ao ler os ataques ao Papa por ter "ido longe demais" na misericórdia, com a bênção aos pecadores, como é cada um de nós, sem exceção, em busca de uma palavra que acolha e de uma mão que encoraje. O que seria tão inaceitável nesse cristianismo de pureza? Ao invés, há aqueles que não aceitam, reagem, rejeitam. E acabam derrubando a própria base da doutrina - a proclamação dirigida àqueles que devem ser convertidos, ou seja, você, eu, todos - na qual inspiram sua vida. O Evangelho virado de cabeça para baixo pode, assim, tornar-se uma vara brandida em nome da verdade, sua lei do amor transfigurada em um julgamento preventivo, a consciência do próprio limite removida para dar lugar à certeza de estar entre os já salvos, a certeza de ter as chaves do Reino no bolso, enquanto ele, o Papa, não, as teria perdido. E paciência para as noventa e nove ovelhas que estão vagando em algum lugar lá fora: o importante é estar seguro daquilo que se acredita ter entendido de uma vez por todas. "O magistério não pode ser mudado", é a voz que ribomba de um chat em um blog. Se isso fosse verdade, o Vaticano II - por exemplo - teria sido muito cuidadoso em não se abrir para a santidade dos leigos na vida cotidiana (um dos lugares mais infestados de pecado que se possa imaginar), uma ideia que até outro dia beirava a heresia

O risco da incompreensão e da solidão faz parte do anúncio evangélico desde o momento em que Deus se encarnou numa criança, em uma situação de degradação indescritível, contemplada por pastores e não por teólogos, embalada por uma jovem sem nada em um lugar remoto na periferia do mundo, não em Roma ou em Atenas. O gesto mais escandaloso da história humana. No entanto, daquela inversão do estabelecido senso comum do tempo (e do nosso também, para ser honesto), daquela história invertida, somos todos filhos. Seria útil lembrar disso agora que é Natal e, em casa, custodiamos zelosamente o presépio como penhor de um segredo precioso, para reconduzir-nos assim à dificilíssima humildade de ouvir, ler, esforçar-se para entender, para abraçar uma lógica que pode não ser a nossa - ainda não -, mas se for de fato a de Deus, então é uma perda de tempo nos colocarmos contra ela.

É o Papa que nos assegura isso, não um opinionista ou um influenciador passageiro. É o Papa, escolhido pelo Espírito Santo, a pedra sobre a qual o Senhor continua a edificar sua Igreja em todas as épocas. É o Papa que nos confirma e nos assegura na fé, que nos recorda todos os dias que não estamos iludidos, que este é o caminho. Cansativo, sem dúvida. Mas, junto com ele, temos certeza de uma coisa: que não nos perdemos, nunca nos perderemos. Não o deixemos sozinho, permaneçamos perto dele, com afeto e gratidão, justamente porque, como um bom pai, ele tem a coragem de propor um caminho desafiador, sabendo que somos capazes. E, por outro lado, a quem iremos?

Fonte: Avvenire, diário da Conferência Episcopal Italiana (CEI)

https://www.vaticannews.va/pt

Atitudes bíblicas

João Batista prepara o caminho (JW.ORG)

ATITUDES BÍBLICAS

Dom Genival Saraiva
Bispo Emérito de Palmares (PE)

Ao encontrar, recentemente, os cardeais da Cúria Romana, como faz, a cada ano, para transmitir as felicitações neste tempo do Natal, o Papa Francisco encontra estes três verbos, escutar, discernir, caminhar, nas atitudes de personagens que fazem parte da história da salvação, com suas respectivas vocação e missão. São pessoas que sempre agiram com atitudes bíblicas, portanto, com retidão em seus sentimentos, em suas palavras, em suas ações. Lidas as palavras do Papa, com a merecida atenção, cabe a todas as pessoas que vivem seu sacerdócio batismal e, de modo especial, os que exercem o ministério ordenado, assimilar o seu ensinamento e, no contexto contemporâneo, viver sua condição, vocação e missão, com atitudes bíblicas de serviço, a exemplo “de alguns dos principais personagens do Santo Natal” – Maria, João Batista e os Magos. “Caríssimos, precisamos de escutar o anúncio do Deus que vem, discernir os sinais da sua presença e decidir-nos pela sua Palavra caminhando atrás d’Ele. Escutar, discernir, caminhar: três verbos para o nosso itinerário de fé e para o serviço que realizamos aqui na Cúria. Gostaria de vo-los entregar através de alguns dos principais personagens do Santo Natal. Em primeiro lugar, Maria, que nos sugere o escutar. A jovem de Nazaré, que estreita nos braços Aquele que veio abraçar o mundo, é a Virgem da escuta porque deu ouvidos ao anúncio do Anjo e abriu o coração ao projeto de Deus. Ela lembra-nos o primeiro grande mandamento que é ‘escuta, Israel’ (Dt 6, 4), pois importante, antes de todo e qualquer preceito, é entrar em relação com Deus, acolhendo o dom do seu amor que vem ao nosso encontro. Com efeito, escutar é um verbo bíblico que não diz respeito apenas ao ouvido, mas requer o envolvimento do coração e consequentemente da própria vida. […] Tal é a escuta da Virgem Maria, que recebe o anúncio do Anjo com abertura, abertura total, e por isso mesmo não esconde o turbamento e os interrogativos que aquele suscita n’Ela; mas envolve-se com grande disponibilidade na relação com Deus que A escolheu, acolhendo o seu projeto. Há um diálogo e há uma obediência. Maria compreende que é destinatária de um dom inestimável e, ‘de joelhos’, isto é, com humildade e maravilha, coloca-se à escuta. […] Às vezes, na própria comunicação entre nós, corremos o risco de ser como lobos vorazes: procuramos de imediato devorar as palavras do outro, sem verdadeiramente as escutar, e logo lhe atiramos à cara as nossas impressões e os nossos juízos. A verdade é que, para se escutar, há necessidade não só de silêncio interior, mas também de um espaço de silêncio entre a escuta e a resposta. Não é um jogo de ping-pong. Primeiro ouve-se, em seguida no silêncio acolhe-se, reflete-se, interpreta-se, e só depois podemos dar uma resposta. Tudo isto se aprende na oração, porque esta alarga o coração, faz descer do pedestal o nosso egocentrismo, educa-nos para a escuta do outro e gera em nós o silêncio da contemplação. Aprendemos a contemplação na oração, estando de joelhos diante do Senhor; e não apenas com os pés, mas estar de joelhos com o coração! […] Antes dos nossos deveres quotidianos e das nossas atividades, antes das funções que desempenhamos, é preciso descobrir o valor das relações e procurar despojá-las dos formalismos, animá-las de espírito evangélico, começando por nos escutarmos uns aos outros… com o coração e de joelhos. Escutemo-nos mais, sem preconceitos, com abertura e sinceridade; com o coração de joelhos. […] Requer-se todo este trabalho para se compreender bem o outro. Repito: escutar é diferente de ouvir. Quando caminhamos pelas ruas das nossas cidades, podemos ouvir muitas vozes e ruídos, mas geralmente não os escutamos nem interiorizamos, pelo que não permanecem dentro de nós. Uma coisa é pura e simplesmente ouvir, outra é pôr-se à escuta, o que significa também ‘acolher intimamente’.“

Em sua palavra, o Papa encontra o dom, a virtude do discernimento em João Batista. “Primeiro, Nossa Senhora que escuta, agora João que discerne. Conhecemos a grandeza deste profeta, a austeridade e a veemência da sua pregação. Contudo, quando Jesus chega e inicia o seu ministério, João passa por uma dramática crise de fé; tinha anunciado a vinda iminente do Senhor como a de um Deus poderoso, que haveria finalmente de julgar os pecadores, lançando ao fogo toda a árvore que não desse fruto e queimando a palha num fogo inextinguível (cf. Mt 3, 10-12). Mas uma tal imagem do Messias esboroou-se à vista dos gestos, palavras e estilo de Jesus, perante a compaixão e a misericórdia que Ele demonstra para com todos. Então o Batista sente que deve fazer discernimento para receber olhos novos. De fato, diz o Evangelho: ‘João, que estava no cárcere, tendo ouvido falar das obras de Cristo, enviou-Lhe os seus discípulos com esta pergunta: ‘És Tu Aquele que há de vir, ou devemos esperar outro?’’ (Mt 11, 2-3). Em suma, Jesus não era como ele O esperava e por isso o próprio Precursor deve converter-se à novidade do Reino, deve ter a humildade e a coragem de fazer discernimento. […] Precisamos de praticar o discernimento espiritual, perscrutar a vontade de Deus, questionar as moções interiores do nosso coração para, depois, avaliar as decisões a tomar e as escolhas a fazer.” 

Enfim, o Papa Francisco se reporta à atitude bíblica de caminhar, por ser inerente à vocação e à missão dos discípulos de Jesus. “Escutar: Maria. Discernir: o Batista. E agora a terceira palavra: caminhar. E naturalmente vêm ao pensamento os Magos, que nos lembram a importância de caminhar. A alegria do Evangelho, quando a acolhemos de verdade, desencadeia em nós o impulso do seguimento, provocando um verdadeiro êxodo de nós mesmos e encaminhando-nos para o encontro com o Senhor e para a plenitude da vida. O êxodo de nós mesmos: uma atitude da nossa vida espiritual que sempre devemos examinar.

 A fé cristã – recordemo-lo – não pretende confirmar as nossas seguranças, fazer-nos acomodar em fáceis certezas religiosas, nem fornecer-nos respostas rápidas para os complexos problemas da vida. Pelo contrário, quando Deus chama, sempre inspira um caminho, como sucedeu com Abraão, Moisés, os profetas e todos os discípulos do Senhor. Coloca-nos em viagem, tira-nos para fora das nossas áreas de segurança, põe em discussão as nossas aquisições e é precisamente assim que nos liberta, nos transforma, ilumina os olhos do nosso coração para nos fazer compreender a esperança a que Ele nos chamou (cf. Ef 1, 18). […] E não esqueçamos que a viagem dos Magos – como aliás todo o caminho que a Bíblia nos narra – começa sempre ‘do alto’, por uma chamada do Senhor, por um sinal que vem do Céu ou porque o próprio Deus Se faz guia que ilumina os passos de seus filhos. Por isso, quando o serviço que realizamos corre o risco de se entibiar, de ‘labirintar’ na rigidez ou na mediocridade, quando nos encontramos emperrados nas redes da burocracia e da insignificância, lembremo-nos de olhar para o alto, recomeçar a partir de Deus, deixar-nos iluminar pela sua Palavra, a fim de encontrarmos sempre a coragem para partir de novo. E não esqueçamos que dos labirintos, sai-se apenas ‘por cima’. É preciso coragem para caminhar, para ir mais longe. É uma questão de amor. E é preciso coragem para amar.”

Todos os ministros ordenados, religiosos e leigos, zelosos e fiéis ou medíocres e inconstantes, enquanto exercem funções na Igreja, têm muito a aprender com esse ensinamento do Papa Francisco, traço de sua personalidade sacerdotal, fruto de sua sabedoria bíblica e expressão de sua experiência pastoral. Os que agem com amor e fidelidade à Igreja podem se ver incluídos nesta palavra natalina de reconhecimento e gratidão do Papa Francisco: “Irmãos, irmãs, obrigado pelo vosso trabalho e a vossa dedicação. No nosso trabalho, cultivemos a escuta do coração, colocando-nos assim ao serviço do Senhor, aprendendo a acolher-nos, a ouvir-nos entre nós; exercitemo-nos no discernimento, para sermos uma Igreja que procura interpretar os sinais da história à luz do Evangelho, procurando soluções que transmitam o amor do Pai; e permaneçamos sempre a caminho, com humildade e maravilha, para não cairmos na presunção de sentir que chegamos à meta a fim de não se apagar em nós o desejo de Deus. Muito obrigado sobretudo pelo vosso trabalho realizado no silêncio. Não nos esqueçamos: escutar, discernir, caminhar. Maria, o Batista e os Magos.”


Fonte: https://www.cnbb.org.br/

Os santos inocentes: testemunhas do triunfo de Jesus

Crédito: Guadium Press)

Hoje, dia 28 de dezembro, a Igreja celebra a Festa dos Santos Inocentes: essas bem-aventuradas crianças, as primeiras a participar dos sofrimentos de Cristo, e que estariam também entre as primeiras a se beneficiar dos méritos infinitos de sua gloriosa Paixão e a reinar junto d’Ele na Pátria celeste.

Redação (28/12/2022 08:56, Gaudium Press) Até a entrada de Nabucodonosor, rei da Babilônia, que devastou a cidade de Jerusalém e levou a população para o cativeiro, houve sempre um filho de Davi, da linhagem bendita de Judá, sentado no legítimo trono de seu pai.

Quando, passados setenta anos deste doloroso exílio, o grande Ciro da Pérsia conquistou a Babilônia, emitiu um decreto autorizando a volta dos israelitas para sua pátria (cf. Es 1, 2-4). Muitos destes, então, dentre os quais um numeroso contingente de sacerdotes e levitas, empreenderam a viagem de retorno a Jerusalém (cf. Es 2, 1-67).

Os filhos de Levi governam o Povo Eleito

Com efeito, apesar de estar o país ainda sujeito a soberanos estrangeiros — primeiro os persas, depois os gregos — os verdadeiros detentores do poder passaram a ser os sumos sacerdotes, assistidos por um conselho de anciãos, constituído por uma aristocracia que, por sua vez, era sacerdotal em sua maioria.

No século II a.C., quando subiu ao trono da Síria Antíoco IV Epífanes — um “homem vil” (Dn 11, 21), verdadeira “raiz de pecado” (I Mac 1, 11) —, desencadeou-se uma furiosa perseguição contra a religião de Israel.

Insurgiram-se contra o selêucida os Macabeus, de linhagem sacerdotal, obtendo grandes vitórias e adquirindo para a nação judaica um poder e uma glória comparáveis aos dos tempos antigos.

Muitos israelitas julgaram ver nesse triunfo um sinal claro da mão divina, transferindo a realeza davídica para a tribo de Levi. Assim, os descendentes desses heróis, chamados Hasmoneus, passaram a ocupar simultaneamente a cátedra do supremo pontificado e o trono real.

Se, muitos séculos antes, fora retirado o cetro à tribo de Judá, Israel continuava, entretanto, a ser regido por filhos do sangue de Jacó, sucessores do Patriarca Abraão, herdeiros das promessas de Deus.

Herodes: o rei sanguinário

As circunstâncias mudaram quando, alegando as lutas fratricidas nascidas no próprio seio da família dos Hasmoneus, Roma interveio pelas armas e o imperador Marco Antônio outorgou o título de rei dos judeus a um estrangeiro, detestado pela nação por pertencer ao povo idumeu, inimigo irreconciliável de Israel: Herodes.

Não tardou o novo monarca em demonstrar serem todas as suas ações e atos administrativos movidos por orgulhosa cobiça. O ódio e o desprezo de seus súditos, que sentia pesar sobre si, somados à natural insegurança de quem é desmedidamente ambicioso, faziam-no temer, em qualquer pessoa que se sobressaísse por suas qualidades, ou conquistasse a simpatia do povo, um adversário de seu poder.

Durante os anos de seu longo reinado, ele desembaraçou-se sem escrúpulos de todos os conspiradores ou daqueles que simplesmente deitavam sombra sobre sua pessoa. Um a um, os parentes mais próximos — entre os quais a esposa Mariamne e três filhos — e grande número de aristocratas da Judeia foram caindo sob os golpes de sua crueldade. Nada constituía obstáculo para essa vontade feroz, cheia de arrogância e sedenta de domínio.

O tirano treme diante de uma Criança

Qual não foi o sobressalto desse tirano sanguinário quando, já velho, amargurado pelo peso dos crimes sem conta que cometera, viu chegar a Jerusalém uma suntuosa caravana vinda do Oriente e três magos que perguntavam pelo “rei dos judeus que acabava de nascer” (Mt 2, 2)! Imediatamente a inquietude e a perturbação se apoderaram de seu coração: julgou ameaçada a estabilidade de seu trono.

Essa agitação bem traduzia o quanto Deus estava ausente de suas cogitações e perspectivas, como comenta, com muito acerto, um piedoso autor: “A alma reta e sincera jamais se perturba, porque possui a Deus. Onde Deus habita, não há perturbação possível, diz o Espírito Santo. ‘Non in commotione Dominus’ (I Re 19, 11). Se uma alma chega a experimentar alguma perturbação, é porque perdeu a Deus e, com Ele, a retidão e a candura. Que Herodes se perturbasse, não deve nos surpreender; afinal, ele era um usurpador e, ao ouvir que um rei dos judeus acabava de nascer, certamente temeu vir a perder tanto o trono quanto a coroa”.

Entretanto, usando da astúcia característica dos “filhos do século” (Lc 16, 8), Herodes inquiriu dos sacerdotes e dos mestres das Escrituras qual o lugar apontado pelos profetas como berço do Messias. Uma vez obtida a resposta, tomou a resolução de matar o recém-nascido.

Fingindo grande piedade, mandou chamar os magos a fim de indicar-lhes o caminho de Belém, mas, na realidade, almejava servir-se deles para a realização de suas perversas intenções.

Cego de orgulho, aquele iníquo monarca acreditou ter poder suficiente para opor-se ao plano divino e mudar, segundo seus caprichos, aquilo que Deus determinara desde toda a eternidade e anunciara pela boca de seus mensageiros!

Duas discretas intervenções da Providência divina — um sonho enviado para alertar os magos e a aparição de um anjo a São José — bastaram para lançar por terra as hábeis maquinações do tirano.

Este, porém, durante vários dias esperou impaciente e receoso o retorno daqueles nobres estrangeiros; ao perceber que fora enganado, deu largas à sua cólera e deliberou perpetrar o crime mais horrendo de sua vida: para que o pequeno Rei dos judeus não escapasse à sua vingança, deveriam perecer todos os infantes de Belém e das redondezas.

Martírio dos inocentes

Grande foi a consternação na cidade de Belém. Logo após ter alcançado a honra de receber o Esperado das nações, suas casas se encheram de cadáveres e pelas ruas ecoaram os gritos de dor das mães, misturados aos gemidos das crianças. Cena atroz e pungente: ver os pequeninos arrancados dos braços maternos e transpassados pelas espadas dos mercenários.

“Por que Cristo agiu assim?”, pergunta-se São Pedro Crisólogo. Por que abandonou desse modo àqueles que, como Ele, descansavam num berço, e o inimigo, que procurava só ao rei, causou danos a todos os soldados?”.

E o próprio santo responde: “Irmãos, Cristo não abandonou seus soldados, mas deu-lhes melhor sorte, concedeu-lhes triunfar antes de viver, fê-los alcançar a vitória sem luta alguma, concedeu-lhes as coroas antes mesmo de seus membros estarem desenvolvidos, quis, por seu poder, que passassem por cima dos vícios, que possuíssem o Céu antes que a terra”.

Conforme fora profetizado por Davi, os soluços desses pequenos mártires ressoavam na presença do Altíssimo como cânticos de glória e, ao mesmo tempo, censuravam o rei ímpio que os condenara: “O perfeito louvor vos é dado pelos lábios dos mais pequeninos, de crianças que a mãe amamenta; eis a força que opondes aos maus, reduzindo o inimigo ao silêncio” (Sl 8, 3).

Seu sangue subia ao Céu como sacrifício puro e agradável de “cordeiros sem mancha” (cf. Ex 12, 2-5) oferecido em honra do Divino Infante recém-nascido.

Os meninos que brincavam aos pés de suas mães deixaram seus inocentes jogos para irem brincar aos pés do trono de Deus!

Desassossego de Herodes e triunfo das crianças

Chama a atenção o antagonismo entre o estado de espírito de Herodes e o dos Santos Inocentes: de um lado encontramos a figura de um homem apegado ao poder, cioso de sua autoridade, julgando todos os fatos sob o prisma de medíocres interesses; no extremo oposto, crianças inocentes, confiantes e admirativas, incapazes de fazer algum mal.

Depois do seu hediondo crime, Herodes experimenta em seu interior a tristeza e o desassossego. Nem mesmo após receber a notícia de terem sido executadas suas ordens, desfrutará ele de alguma tranquilidade, pois, à aflição constante de perder o trono, somou-se o remorso do infanticídio cometido a lhe corroer a alma como, em breve, os vermes corroeriam suas carnes.

De maneira bem diversa, os meninos viram-se elevados à categoria de irmãos de Cristo e príncipes de seu Reino. Ele os amava e, por isso, os colheu como um botão apenas desabrochando para a vida, para levá-los à visão beatífica quando abrisse, triunfante, as portas do Céu.

A infância, modelo de inocência

O Verbo Se fez carne e veio ao mundo para operar a Redenção e, a partir dela, publicar na terra “o ano da graça do Senhor” (Is 61, 2), um novo regime, baseado na caridade e na misericórdia, pelo qual o homem passou da condição de escravo para a categoria de filho de Deus, tendo por regra de vida a procura da perfeição, à imagem do Pai Celeste (cf. Mt 5, 48).

Para sermos seus discípulos, não nos manda Jesus adquirirmos uma ciência erudita, nem mesmo exige a prática de penitências e austeridades por demais pesadas. Ele propõe, pelo contrário, um modelo acessível a todos: “Em verdade vos digo, se não vos converterdes e vos tornardes como crianças, não entrareis no Reino dos Céus” (Mt 18, 3).

Para sermos partícipes de seu Reino e convivas do banquete eterno, somos chamados a deixar-nos conduzir pela mão de Deus como crianças dóceis e confiantes, sem opormos resistência à sua santa vontade. Jesus traz, a cada Natal, o convite para a restauração da inocência e está pronto a restabelecê-la no coração de quem queira beneficiar-se de sua graça, já que, por nós mesmos, não temos forças suficientes para nos libertar de nossos pecados.

Ele mesmo está à nossa espera e dar-Se-nos-á em recompensa na hora de nossa morte, tornando-nos herdeiros da felicidade sem fim: “Deixai vir a Mim as criancinhas, porque delas é o Reino de Deus” (Mt 19, 14).

Texto extraído, com adaptações, da Revista Arautos do Evangelho n.108, dezembro 2010. Irmã Clara Isabel Morazzani Arráiz, EP

Fonte: https://gaudiumpress.org/

quarta-feira, 27 de dezembro de 2023

Pouco antes de ser eleito papa, Ratzinger alertou contra os “ventos de doutrina”

Cardeal Joseph Ratzinger, futuro Papa Bento XVI
HO / ERZBISTUM MUENCHEN UND FREISING / AFP
Por Francisco Vêneto - publicado em 27/12/23
"Quantos ventos de doutrina conhecemos nestes últimos decênios, quantas correntes ideológicas, quantas modas do pensamento..."

O cardeal Joseph Ratzinger era o decano do colégio cardinalício quando, em 18 de abril de 2005, proferiu a homilia da “Missa Pro Eligendo Romano Pontífice“, ou seja, “Missa pelo Romano Pontífice a ser Eleito”. De fato, os cardeais estavam reunidos em conclave pare escolher o papa que substituiria São João Paulo II, falecido no dia 2 daquele mês. O eleito acabaria sendo o próprio Ratzinger, no dia seguinte, 19 de abril, vindo a se tornar o Papa Bento XVI.

Naquela homilia, o cardeal mundialmente reconhecido como fiel guardião da pureza da doutrina católica observou:

“Quantos ventos de doutrina conhecemos nestes últimos decênios, quantas correntes ideológicas, quantas modas do pensamento… A pequena barca do pensamento de muitos cristãos foi muitas vezes agitada por estas ondas, lançada de um extremo ao outro: do marxismo ao liberalismo, até à libertinagem, ao coletivismo radical; do ateísmo a um vago misticismo religioso; do agnosticismo ao sincretismo e por aí adiante. Cada dia surgem novas seitas e realiza-se quanto diz São Paulo acerca do engano dos homens, da astúcia que tende a levar ao erro (cf. Ef 4, 14). Ter uma fé clara, segundo o Credo da Igreja, muitas vezes é classificado como fundamentalismo. Enquanto o relativismo, isto é, deixar-se levar ‘aqui e além por qualquer vento de doutrina’, aparece como a única atitude à altura dos tempos hodiernos. Vai-se constituindo uma ditadura do relativismo que nada reconhece como definitivo e que deixa como última medida apenas o próprio eu e as suas vontades”.

Ele prosseguiu:

“Ao contrário, nós temos outra medida: o Filho de Deus, o verdadeiro homem. É Ele a medida do verdadeiro humanismo. ‘Adulta’ não é uma fé que segue as ondas da moda e a última novidade; adulta e madura é uma fé profundamente radicada na amizade com Cristo. É esta amizade que nos abre a tudo o que é bom e nos dá o critério para discernir entre verdadeiro e falso, entre engano e verdade. Devemos amadurecer esta fé, para esta fé devemos guiar o rebanho de Cristo. E é esta fé, só esta fé, que gera unidade e se realiza na caridade. São Paulo oferece-nos, a este propósito, em contraste com as contínuas peripécias dos que são como crianças batidas pelas ondas, uma bela palavra: praticar a verdade na caridade, como fórmula fundamental da existência cristã. Em Cristo, coincidem verdade e caridade. Na medida em que nos aproximamos de Cristo, também na nossa vida se fundem a verdade e a caridade. A caridade sem verdade seria cega; a verdade sem caridade seria como ‘um címbalo que retine’ (1 Cor 13, 1)”.

 Fonte: https://pt.aleteia.org/

Bartolomeu: a paz, uma conquista a ser sempre preservada

Patriarca ecumênico de Constantinopla, Bartolomeu (Vatican Media)

A mensagem de Natal do patriarca ecumênico de Constantinopla: "as religiões são aliadas naturais de todos os seres humanos que lutam pela paz, pela justiça e pela proteção da criação contra a destruição humana".

Charles De Pechpeyrou

"A paz não pode ser considerada um dado adquirido, não é algo evidente. É uma obrigação, uma conquista, e preservá-la exige uma luta incessante. Não há soluções automáticas ou receitas permanentes". No momento em que os cristãos se preparam para celebrar o nascimento de Jesus, o Príncipe da Paz, o patriarca ecumênico de Constantinopla, em sua tradicional mensagem de Natal, reitera com essas palavras o quão grande é o risco da humanidade cair ou recair na violência, convidando todos, "diante das constantes ameaças à paz, a serem vigilantes e dispostos a resolver os problemas, por meio do diálogo".

O patriarca Bartolomeu continua a enfatizar "o papel pacificador da religião". "Isso em um momento em que as religiões são criticadas por ter alimentado o fanatismo e a violência 'em nome de Deus', em vez de serem forças de paz, solidariedade e reconciliação", observa o líder ortodoxo. "No entanto", diz Bartolomeu, "isso indica uma alienação da fé religiosa e não uma parte integral dela. A fé autêntica em Deus é a crítica mais severa ao fanatismo religioso. As religiões são os aliados naturais de todos os seres humanos que lutam pela paz, pela justiça e pela proteção da criação contra a destruição humana".

Em sua carta, o patriarca ecumênico também reitera que "a percepção cristã da existência humana oferece uma solução para os problemas criados pela violência, guerra e injustiça em nosso mundo. O respeito pela pessoa humana, a paz e a justiça "são dons de Deus", lembra ele. Entretanto, ele adverte, "estabelecer a paz que vem de Cristo requer a participação e a cooperação dos seres humanos".

A visão cristã da luta pela paz, acrescenta Bartolomeu, "está nas palavras de Cristo, nosso Salvador, que proclamou a paz, dirigindo-se a seus discípulos com a saudação 'a paz esteja com vocês' e incentivando-nos a amar nossos inimigos". "Isso significa", continuou o líder ortodoxo, "que, para nós cristãos, o caminho para a paz é através da paz e que a não-violência, o diálogo, o amor, o perdão e a reconciliação têm prioridade sobre outras formas de resolver diferenças".

Em sua carta de Natal, Bartolomeu também lembra que este ano se celebra o 75º aniversário da Declaração Universal dos Direitos Humanos, adotada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 10 de dezembro de 1948, em Paris. Um documento "que constitui uma síntese dos ideais e valores humanitários fundamentais" e que propõe, como assinala o Preâmbulo, um "ideal comum a ser alcançado por todos os povos e todas as nações". "Os direitos humanos, cujo ponto central inclui a proteção da dignidade humana com suas condições individuais, sociais, culturais, econômicas e ecológicas", afirma o Patriarca, "são compreendidos em sua dinâmica original somente se forem reconhecidos como base e critério da paz global, associando-a à liberdade e à justiça". Nesse sentido, enfatiza Bartolomeu, "o futuro dos direitos humanos e da paz também está ligado à contribuição das religiões para respeitá-los e realizá-los".

O líder ortodoxo conclui sua carta com um apelo para "lutar pela construção de uma cultura de paz e solidariedade, na qual as pessoas verão no rosto de seus semelhantes um irmão ou irmã e um amigo, em vez de uma ameaça e um inimigo".

Fonte: https://www.vaticannews.va/pt

25 de dezembro, uma data histórica (4/4)

A viagem para Belém (30Giorni)

Arquivo 30Dias – 11/2000

25 de dezembro, uma data histórica

Não foi uma escolha arbitrária suplantar os antigos festivais pagãos. Quando a Igreja celebra o nascimento de Jesus na terceira década de dezembro, inspira-se na memória ininterrupta das primeiras comunidades cristãs sobre os acontecimentos evangélicos e os lugares onde aconteceram. Tommaso Federici, professor emérito de teologia bíblica, faz um balanço de pistas e descobertas recentes que confirmam a historicidade da data do Natal.

por Tommaso Federici

O clã de Caim

A Igreja mãe dos judaico-cristãos conservou muitas outras memórias do seu Senhor, o judeu Jesus, o "diácono da circuncisão" ( Rm 15, 8), que a investigação moderna, com paciência e esforço, se compromete a trazer à luz depois de muitos séculos. de fundá-la. Alguns deles são intensos e brilhando com luz. Um diz respeito à escolha da Mãe de Deus. Após a queda desastrosa de Adão, os Três consultaram-se com urgência. O Padre anunciou que, para começar do zero, escolhera Maria, a Virgem de Nazaré, e decidira torná-la Mãe do Filho, dotando-a de uma Virgindade permanente, como imitação da sua Virgindade paterna. O Filho, por sua vez, anunciou que também ele escolhera Maria para ser sua própria mãe e decidira fazê-la testemunhar os "três terríveis mistérios", do nascimento virginal, da cruz e da gloriosa ressurreição. O Espírito Santo também comunicou que havia escolhido a mesma Maria, para dar-lhe a sua divina doçura como dote nupcial, para conferir-lhe a sua Paráklêsis , a poderosa Advocacia contra o Inimigo, e ao mesmo tempo a sua irresistível Consolação. Assim veio aos homens «do Espírito Santo e da Virgem Maria» ( Lc 1, 32; e do Credo Apostólico) Cristo Senhor, que, «gerado na eternidade divina pelo Pai sem mãe», o Mesmo «foi dado nascimento no tempo dos homens por mãe sem pai" (os Padres). De modo que o Filho de Deus e Filho de Maria teve o Espírito Santo como termo divino de sua existência humana, na qual é consubstancial ao Pai, e como termo humano a Mãe Sempre Virgem, por meio da qual é consubstancial a todos os homens.

Todos os homens não devem ser “salvos”, termo que se tornou muito ambíguo na era moderna, mas sim redimidos do pecado. O pecado de Adão, que depois assume também a forma do pecado de Caim ( Gn 4, 1-12). Depois do fratricídio cometido contra o inocente Abel, Caim temeu o castigo, e não tanto o do seu Senhor misericordioso, mas o dos homens ( Gn 4, 13). Mas o Senhor misericordioso concedeu-lhe um “sinal”, o “sinal de Caim”, que foi para ele a salvação da morte.

Então o Senhor depois do dilúvio, dentre todos os descendentes de Noé, trabalhou com sabedoria e paciência de acordo com as duas leis irresistíveis da redenção, a “seleção regressiva” ou “concentração”, que é a escolha de “um”, um “remanescente "assumida e colocada a favor de todas as outras e é a eliminação dos demais desta operação, e por "subsunção progressiva", que é a agregação universal de todos na salvação obtida do "resto". Portanto o Senhor de todos os povos da terra (Gn 10) escolheu Sem e sua posteridade ( Gn 10, 21-31). Da posteridade de Sem escolheu a família de Tare, pai de Abraão ( Gn 11, 27-32). Dos filhos de Tare escolheu Abraão ( Gn 12, 1-3) e seus descendentes, Isaque e Jacó. Dos doze filhos de Jacó escolheu a tribo de Judá ( Gn 49, 8-12). Da tribo de Judá ele escolheu a semitribo dos Cainitas (ou Qainitas, ou Quenitas, ou Quenizzitas) com Calebe, tendo Hebron como capital ( Js 14, 6-15). Desta semitribo (ou clã) escolheu a família de Ishaj (Jessé), e dos oito filhos de Ishaj escolheu David ( 1Sm 16,1-12 ), sobre quem colocou o seu Espírito divino omnipotente e messiânico ( 1 Sam 16, 13). De Davi desceu final e irreversivelmente na carne ( Mt 1, 1; Rm 1, 3) somente através da Sempre Virgem Maria, sem a ajuda do homem ( Mt 1, 16), o Filho de Deus, Filho de Abraão, Jesus Cristo, o Redentor . O “sinal” que Caim recebeu é a sua confluência e a de todos os pecadores da sua posteridade pecaminosa, resumida pelos Cainitas, o “clã de Caim”, cujo Cabeça divino e humano é o Filho de Deus, nascido do Espírito Santo e Sempre Virgem Mary. Portanto, o Filho de Deus, o Impecável, “fez-se pecado por nós” ( 2 Cor 5, 21), “fez-se maldito por nós” segundo a Lei, porque suspenso no madeiro ( Gl 3, 13, que cita Dt 21, 23). para obter a Bênção e a Promessa de Abraão que é o Espírito Santo ( Gl 3, 14), que "se assumiu a carne do pecado", portanto acusado de morte ( Rm 8, 3), que sendo e permanecendo Deus também se tornou um obediente escravo até a morte e morte de cruz ( Fp 2, 6-8). Ao levar Caim e os seus descendentes para a cruz, o Filho de Deus destruiu a incapacidade de Adão e Eva de dar filhos a Deus, e reabriu em ilimitada “subsunção progressiva” as portas de entrada ao Pai no Espírito Santo. Este é também o conteúdo das liturgias do Oriente e do Ocidente no Domingo da Ressurreição e na Sexta-Feira Santa, mas também no Natal, na Anunciação, no nascimento da Virgem.

O Natal do Senhor na carne é uma fonte inesgotável, que desconhece a evidência banal da “árvore” gelada que faz chegar à margem estreita e dolorosa da história dos homens com um único propósito: «Deus, permanecendo o que ele era, quis também fazer-se o que não era, Homem criado, verdadeiro, limitado, mortal, para que os homens criados, limitados e mortais, permanecendo o que eram, finalmente se tornassem deuses pela graça" do Espírito Santo. Esta é a “fórmula de troca” ou “fórmula de divinização”, que provém da Sagrada Escritura, é fielmente codificada pelos Padres e é vivida com infinita eficácia na sagrada liturgia da Igreja.

Fonte: https://www.30giorni.it/

São João Evangelista

São João Evangelista (A12)
27 de dezembro
São João Evangelista

João, filho de Zebedeu e Salomé, pescador na Galiléia, foi com Santo André o primeiro discípulo a se encontrar com Jesus. Nas listas dos Apóstolos, sempre aparece com Tiago, seu irmão, imediatamente depois de Pedro e André. E, juntamente a Pedro e Tiago, é privilegiado por estar presente nos momentos mais solenes com Jesus: por exemplo, na ressurreição da filha de Jairo, na Transfiguração de Cristo no Monte Tabor, e na Sua agonia no Getsêmani.

Além disso, João é o único Apóstolo na Crucifixão, aos pés do Cristo e ao lado de Maria, a Quem, por ordem de Jesus, acolheu em sua casa depois da morte e ressurreição do Senhor.

Era o mais jovem dos Apóstolos, virgem, e refere-se a si mesmo nos textos sagrados como “o discípulo que Jesus amava”. Sem dúvida Jesus mostrou por ele um carinho especial. Ao mesmo tempo, tinha temperamento ciumento, impulsivo e vingativo, como se mostra nas ocasiões onde pretendeu um lugar ao lado de Jesus na Sua glória (Mc 10,35-40), e quis matar alguns que não auxiliaram a Jesus (Lc 9,54). Apesar disso, tornou-se o Apóstolo do Amor, o que fica evidenciado nos seus escritos e nos relatos da Tradição a seu respeito.

Após Pentecostes, os Atos dos Apóstolos registram a fundamental importância de João na consolidação da primeira comunidade cristã, na Judéia. Depois da dispersão dos Apóstolos por causa das perseguições, São João fundou comunidades e as firmou em diferentes localidades da Ásia Menor. Exilado pelo imperador Domiciano em Patmos, uma ilha árida e rochosa do Mar Egeu, ali escreveu o Apocalipse (significando “revelação de um grande acontecimento”, em Grego), último livro da Bíblia, onde registra o poder divino do Cordeiro sacrificado, Jesus, e as tribulações dos fiéis, o castigo dos maus e o triunfo final da Igreja, para confortar os cristãos na perseguição romana. (Uma profunda análise do Apocalipse, relacionando-o com o Sacrifício Eucarístico, está no livro “O Banquete do Cordeiro”, do autor Scott Hahn, altamentente recomendável).

Mais tarde, em Éfeso, onde também acolheu Maria, seu zelo pastoral para com os primeiros núcleos cristãos o levou a escrever o quarto Evangelho e três Epístolas constantes do cânon bíblico (isto é, livros inspirados pelo Espírito Santo e por isso dignos de confiança). Este Evangelho, diferentemente dos outros três (os sinópticos, de Mateus, Marcos e Lucas), traz uma abordagem mais analítica e meditativa das ações de Jesus registradas nos demais, completando-os e os interpretando. As cartas evidenciam o amor de Deus e ao próximo.

A Tradição conta que, já idoso, a pregação de João se resumia a dizer: “Amai-vos uns aos outros, pois nisto está toda a Lei de Deus”. O que é verdade.

Foi o único Apóstolo que morreu de morte natural, não martirizado, o que não quer dizer que não tenha sofrido enormemente, também no físico, por causa dos trabalhos apostólicos e perseguições. Faleceu e foi sepultado em Éfeso, aos 90 anos.

Colaboração: José Duarte de Barros Filho

Reflexão:

A cada filho Seu Deus ama de um modo único e especial. Jesus, humanamente, também tinha mais proximidade natural com uns do que com outros – por exemplo, João, Pedro e Lázaro Lhe eram mais íntimos. E isto não significa que estes não tivessem temperamentos difíceis: Pedro, impulsivo e inconstante, O negou três vezes… Mas todos os que se relacionam com Jesus acabam por santificar-se na convivência com Ele, e por isso João, antes ciumento e um tanto arrogante e vingativo, tornou-se o grande Apóstolo do Amor.

Oração:

Ó Deus e Pai de Amor, dai-nos pela poderosa intercessão de São João Evangelista a graça de conviver e crescer sempre mais na Vossa intimidade, para que possamos, como ele, ser modificados totalmente em nossas almas, amando-Vos como de fato mereceis, e assim escrevermos em nossas vidas o amor concreto aos irmãos, único meio de merecer a Vossa comunhão total no Paraíso. Por Nosso Senhor Jesus Cristo e Nossa Senhora. Amém.

Fonte: https://www.a12.com/

Por que São João Evangelista é celebrado após o Natal

Andreas F. Borchert | CC BY-SA 4.0
Por Philip Kosloski - publicado em 27/12/21
Alguns especialistas apontaram a ênfase de São João na divindade de Cristo em seu Evangelho como uma razão apropriada para celebrá-lo na oitava do Natal.

 Os dois primeiros santos celebrados durante a oitava do Natal não estão diretamente ligados ao Natal de Jesus Cristo, mas são inseridos nesta época do ano em reconhecimento aos seus extraordinários exemplos de santidade. A festa de Santo Estêvão, em 26 de dezembro, é seguida pela de São João Evangelista, em 27 de dezembro.

Ênfase na divindade de Cristo

Em primeiro lugar, alguns especialistas apontaram a ênfase de São João na divindade de Cristo em seu Evangelho como uma razão apropriada para celebrá-lo na oitava do Natal.

St. Andrew Daily Missal mostra esse ponto em seu comentário acerca da festa:

“É a Deus que adoramos em Belém na época do Natal. Assim, era natural que São João, o principal evangelista da divindade de Cristo, fosse encontrado ao lado do presépio, para revelar a grandeza do Menino que nele repousa.”

Príncipe das virgens

Dom Prosper Guéranger aborda uma questão diferente em seu livro Liturgical Year, explicando que São João é homenageado por seu exemplo de amor virginal:

Mais perto do presépio de Jesus, depois de Estêvão, está o apóstolo João e Evangelista. Era justo que fosse atribuído o primeiro lugar àquele que amou tanto a seu Deus que derramou seu sangue em seu serviço … Mas depois do sacrifício de Sangue, o mais nobre, o mais valente e o que mais conquista o coração d’Ele, que é a Esposa das almas, é o sacrifício da Virgindade.”

Agora, assim como Santo Estêvão é considerado mártir, São João é homenageado como o Príncipe das Virgens. O martírio conquistou para Estêvão a Coroa e a palma, a virgindade mereceu para João as prerrogativas mais singulares que, ao mesmo tempo em que mostram quão querida a Deus é a santa castidade, colocam este discípulo entre aqueles que, por sua dignidade e influência, estão acima dos demais homens.”

É este amor puro que deu a São João a força para ficar ao lado de Cristo aos pés da cruz, quando todos os outros apóstolos se dispersaram.

Enquanto refletimos sobre os mistérios do Natal, aguardamos o ato supremo de salvação de Jesus, seu sacrifício na cruz.

Fonte: https://pt.aleteia.org/

terça-feira, 26 de dezembro de 2023

O que eu penso do Natal?

Presépio do Menino Jesus
Paróquia Imaculada Conceição - Sobradinho DF
(Foto: Benjamim)

O Natal tem para mim, um significado especial!

25/12/2023

Por Benjamim  Bezerra

Deste criança, o Natal marcou a minha vida e de minha família porque  ganhávamos roupa nova para irmos a Missa do Galo na Catedral do Senhor do Bonfim em nossa cidade, Crateús - CE. E depois tínhamos a Ceia em família, que era composta de nosso Pai (José), nossa mãe (Francisca), sete irmãos: Luiz, Antônio, Assis, Manoel, João, Ribamar e Benjamim, e quatro irmãs: Ana, Stael, Graças e Terezinha. Este acontecimento ficou marcado como um selo de Deus para o resto de minha vida. Mesmo acontecido quando criança, carrego comigo esta lembrança. É como uma semente plantada dentro de mim e que nunca deixará de dar frutos.

Catedral de Crateús - CE (Foto: Folha da Igreja Católica)

Hoje participei da Missa de Natal em minha paróquia e na homilia o padre celebrante perguntou: Onde o Menino Jesus mora em você? E todos respondemos, no nosso coração. E ele continuou, mas como? Se em seu coração mora também a murmuração, o desamor, o orgulho, como Jesus pode habitar em seu coração, sendo Ele luz! Parece que ele estava falando para mim. Ele explicou que a palavra é a luz que ilumina o nosso coração para que as trevas desapareçam e troquemos o nosso coração de pedra por um coração de carne, para que Jesus possa habitar.

Presépio do Menino Jesus
Paróquia Imaculada Conceição - Sobradinho DF
(Foto: Benjamim)

Agora estou aposentado e sinto uma grande alegria quando começa o Advento e espero ansiosamente a chegado do Natal para que eu possa reviver a espera da vinda de nosso Salvador. Isto, eu agradeço aos meus pais por terem plantado esta sementinha em meu coração. Nossos pais não estão mais entre nós, mas, deixaram as lembranças e os ensinamentos. Hoje procuro fazer a Ceia de Natal e agradecer a Deus por nos ter dado uma família; eu, minha esposa Elenice e nossos dois filhos Frederico e Felipe, pois amamos imensamente o Menino Jesus e o seu Natal.

Mas, nem sempre foi assim. Teve um tempo em minha vida que me esqueci um pouco de todo este ensinamento e passei a viver o Natal como uma festa mundana onde bebia muito, me esquecia do aniversariante da noite. Quando me recordo desses fatos, bate um arrependimento de culpa por não ter valorizado o Menino Jesus como deveria. Mas isto passou. Voltei e me lembrei do tempo de criança. Hoje eu acredito que o Natal é o amor de Deus por mim por ter se encarnado no seio da Virgem Maria para me dar um sentido novo à minha vida e de toda a humanidade, porque Ele se fez Homem e habitou entre nós para nos dar o seu amor e a salvação.

Penso que o Natal é início da preparação para a Páscoa, onde Jesus Cristo vive a sua Paixão, Morte e Ressurreição, e depois Pentecostes, onde nos envia o Espírito Santo e também a Igreja para nos ensinar a viver plenamente todos os seus ensinamentos.

Um Feliz e Abençoado Natal. A Paz para todos!

Benjamim Bezerra

O que o Natal exige de nós?

MNStudio I Shutterstock

Por Prof. Felipe Aquino - publicado em 25/12/23

É tão importante a celebração do Natal de Jesus, que se prolonga por oito dias em sua Oitava, para que possamos desfrutar de tão grandes graças. Como disse São Leão Magno: “Não pode haver tristeza no dia em que nasce a vida; uma vida que, dissipando o temor da morte, enche-nos de alegria com a promessa da eternidade”.

Mas agora precisamos assumir as suas consequências para que esta Solenidade prolongada continue a dar em nós os seus frutos de santidade.

Em seus Sermões de Natal, Santo Agostinho recordava:

“Estarias morto para sempre, se Ele não tivesse nascido no tempo. Jamais te libertarias da carne do pecado, se ele não tivesse assumido uma carne semelhante à do pecado. Estarias condenado a uma eterna miséria, se não fosse a sua misericórdia. Não voltarias à vida, se ele não tivesse vindo ao encontro da tua morte. Terias perecido, se ele não te socorresse. Estarias perdido, se ele não viesse salvar-te”.

Esta libertação do pecado, da morte e do demônio, que Jesus veio nos trazer, exige de nós um ato de vontade que corresponda a este amor de Deus por nós, sem limites.

São Leão Magno pregava a seus fiéis, em seus Sermões de Natal:

“Nosso Senhor, vencedor do pecado e da morte, não tendo encontrado ninguém isento de culpa, veio libertar a todos. Exulte o justo, porque se aproxima da vitória; rejubile o pecador, porque lhe é oferecido o perdão; reanime-se o pagão, porque é chamado à vida”.

E o Santo doutor aponta-nos as exigências do Natal:

“Toma consciência, ó cristão, da tua dignidade. E já que participas da natureza divina, não voltes aos erros de antes por um comportamento indigno de tua condição. Lembra-te de que Cabeça e de que Corpo és membro. Recorda-te que foste arrancado do poder das trevas e levado para a luz e o reino de Deus. Pelo sacramento do batismo te tornaste templo do Espírito Santo. Não expulses com más ações tão grande hóspede, não recaias sob o jugo do demônio, porque o preço de tua salvação é o sangue de Cristo”.

O mistério da Encarnação é a manifestação do “grande amor com que Deus nos amou” (Ef 2,4). Será que Deus poderia nos ter concedido alguma coisa mais sublime do que o próprio Filho feito homem para nos salvar?

Santa Catarina de Sena, Doutora da Igreja (†1380), disse que “Deus enxertou a sua divindade na árvore morta da nossa humanidade, pela Encarnação do Verbo”. A humanidade descaída no pecado original é o tronco selvagem onde Deus enxertou a boa planta divina para dar frutos de santidade.

Santa Ângela de Foligno, exprimia seu amor ao Verbo humanado, dizendo: “Ver e compreender que Tu nasceste para mim, enche-me de grande alegria”.

São Basílio Magno (†369), doutor da Igreja, mostrou a profundidade do mistério da Encarnação:

“Deus assume a carne precisamente para destruir a morte nela escondida. Como os antídotos a um veneno, quando são ingeridos, anulam os seus efeitos, e como as trevas de uma casa se dissipam à luz do sol, assim a morte que predominava sobre a natureza humana foi destruída pela presença de Deus. E como o gelo que permanece sólido na água, enquanto dura a noite e reinam as trevas, mas derrete-se imediatamente ao calor do sol, assim a morte que reinara até à vinda de Cristo, logo que surgiu a graça de Deus Salvador e despontou o sol da justiça, “foi engolida pela vitória” (1Cor 15, 54), pois não podia coexistir com a Vida” (Homilia sobre o Nascimento de Cristo).

Qual deve ser a nossa resposta a tanto amor? São João da Cruz, Doutor da Igreja (†1591), amigo de Santa Teresa, responde: “Amor só se paga com amor!”.

Mas que amor é esse que Deus espera de nós? A resposta está nas Sagradas Escrituras: fazer a vontade de Deus! Deus quer a nossa santificação, e a Igreja existe para isso. E o edifício da santidade cristã se levanta na vontade divina revelada nas Escrituras e no ensinamento da Igreja, especialmente nos Mandamentos de Deus.

Somente Deus pode nos santificar, pois Ele conhece o que mais convém à nossa santificação. O único caminho que infalivelmente nos conduz à santidade é o indicado por Deus. Aceitar a sua santa vontade é trilhar o caminho da perfeição.

O Papa Bento XV afirmou: “A santidade consiste própria e exclusivamente na conformidade do querer de Deus, manifestado no exato cumprimento dos deveres do próprio estado” (AAS, 1920, p. 173). Cumprindo bem nossos deveres profissionais, familiares e religiosos, estaremos trilhando o caminho da santidade que o Natal nos aponta.

Santa Teresa de Ávila ensinava às suas monjas:

“Claro está que a suma perfeição não consiste em regalos interiores, nem em grandes arroubamentos, nem em visões, nem em espírito de profecia, mas tem ter a nossa vontade tão conforme com a de Deus, que não entendamos querer Ele alguma coisa sem que a queiramos com toda a vontade, e tomemos com a mesma alegria, tanto o saboroso como o amargo, como quer Sua Majestade” (Fundações A, 1,2).

Quem celebra o Natal decidiu viver como cristão, seguidor de Cristo, ser “luz e sal da terra”, pelo caminho da santidade. São Leão Magno perguntava a seus ouvintes: “De que vale carregar o nome de cristão se não imitar a Jesus Cristo?”

Nada melhor do que contemplar as figuras santas do Presépio, para termos os exemplos de como imitar a Jesus: a pureza, a humildade, a disposição para fazer a vontade de Deus e o abandono tranquilo da vida nas mãos da Providencia divina que Maria e José viveram.

Fonte: https://pt.aleteia.org/

Pe. Manuel Pérez Candela

Pe. Manuel Pérez Candela
Pároco da Paróquia Nossa Senhora da Imaculada Conceição - Sobradinho/DF